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RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário
A hipoteca é a garantia especial que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a ela equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 7396/22.1T8LRS-B.E1 Tribunal Judicial Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J2
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil: * I – Relatório:
Na presente reclamação de créditos apensa à execução para pagamento de quantia certa proposta por “Banco (…), SA” contra (…) e (…), o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS) veio interpor recurso da decisão que indeferiu liminarmente o pedido de graduação de créditos.
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O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Santarém (CDS) foi citado para reclamar créditos no processo executivo n.º 7396/22.1T8LRS que correu termos no Juízo de Execução do Entroncamento (Juiz 2), do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
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Foi penhorada a nua propriedade do prédio rústico sito em (…), (…), descrito na CRP de Torres Novas, sob o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…), secção (…), da União das Freguesias de Torres Novas (…, … e …).
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A sociedade “(…) – Pinturas e Revestimentos, Lda.” era o devedor originário e devia à Segurança Social contribuições no valor de € 23.857,64 (vinte e três mil e oitocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora.
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Em sede de cobrança coerciva da referida dívida realizada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS) foi operado e concluído o processo de reversão contra os responsáveis subsidiários, ora executados, na qualidade de gerentes da referida empresa.
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Nessa sequência e para garantia do pagamento foi constituída hipoteca sobre o imóvel penhorado destinada a garantir o «pagamento da quantia de 25.523.33 euros referente a contribuições e quotizações entre setembro de 2012 e outubro de 2016, dos juros de mora no montante de € 3.643,72 e das custas no montante de € 135,24».
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Pelo averbamento de 2017/05/29 (Ap. … da respectiva certidão da CRP) ocorreu a conversão da hipoteca legal em definitiva. * A Segurança Social veio reclamar a verificação e graduação do crédito de € 31.062,03 a título de contribuições em dívida e respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, às taxas legais e/ou contratuais, por efeito de reversão fiscal sobre os executados, enquanto responsáveis subsidiários de dívidas por contribuições à Segurança Social de outras entidades.
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Requereu assim que fosse admitida liminarmente a reclamação deduzida e reconhecidos e graduados os respetivos créditos, de forma a ser pago pelo produto da liquidação dos bens respectivos.
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A sentença recorrida decidiu rejeitar liminarmente a reclamação de créditos deduzida pela Segurança Social.
Na parte relevante, o acto decisório contém a seguinte fundamentação: «Nos termos do artigo 788.º (“Reclamação dos créditos”), n.º 1, do NCPC, “só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos”. A Segurança Social goza de privilégios creditórios gerais, imobiliários e mobiliários, bem como de hipoteca legal, pelas dívidas reclamadas – contudo, já não sobre os bens penhorados pertencentes ao devedor subsidiário, porquanto tais privilégios creditórios incidem sobre o património dos devedores principais – artigo 788.º, n.º 1, NCPC, e artigo 203.º e seguintes do Código Contributivo (Lei 110/09, de 16/09). Assim sendo, não gozam os créditos reclamados de garantia real sobre os bens penhorados dos executados em causa – neste sentido, cfr. AcTCAS de 20/11/2012 (proc. 05812/12, em que foi relator Eugénio Sequeira, in www.dgsi.pt), AcTRG de 10/04/2012 (proc. 178258/08.6YIPRT-B.G1, em que foi relator Maria da Purificação Carvalho)».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as alegações que continham as seguintes conclusões:
«1.º O CDS foi citado para reclamar créditos no processo executivo n.º 7396/22.1T8LRS que corre termos no Juízo de Execução do Entroncamento (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém e em que são executados (…) e (…).
2.º Nestes autos, foi penhorada a nua propriedade do prédio rústico sito em (…), (…), descrito na CRP de Torres Novas, sob o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…), seção (…), da União das Freguesias de Torres Novas (…, … e …).
3.º Sobre este imóvel foi constituída hipoteca legal a favor da Segurança Social (Ap. …, de 2017/04/28) para garantia do crédito resultante do processo de reversão contra o executado, gerente da empresa (…) – Pinturas e Revestimentos, Lda., originariamente responsável pela dívida.
4.º Com efeito, sobre o imóvel foi constituída hipoteca legal (Ap. …, de 2017/04/28), “para garantia de pagamento da quantia de 25.523.33 euros referente a contribuições e quotizações entre setembro de 2012 e outubro de 2016, dos juros de mora no montante de € 3.643,72 e das custas no montante de € 135,24, no processo executivo da Seção de Santarém.”
5.º Pelo averbamento de 2017/05/29 (Ap. … da respetiva certidão da CRP) de conversão da hipoteca legal em definitiva é realçada a garantia do processo de execução fiscal n.º 140120120033999 e outros da Secção de Processo de Santarém.
6.º Se nos detivermos no documento “Notificação dos valores em dívida” do processo de reversão para o responsável subsidiário, podemos verificamos a indicação do processo de execução fiscal n.º 140120120033999.
7.º Por outro lado, nesse documento, estão claramente consignados os montantes devidos por reversão, que se reportam ao não pagamentos de cotizações e contribuições, referentes ao período entre 2012 e 2016.
8.º Assim, fica claramente elucidado que a hipoteca constituída garante o pagamento à Segurança Social da dívida revertida para o executado, (…).
9.º Contudo, foi proferido despacho saneador-sentença nos autos executivos de indeferimento da reclamação de créditos apresentada pela Segurança Social, por não gozar de garantia real sobre o bem penhorado.
10.º Contudo, não se pode aceitar esse entendimento, uma vez que a garantia real que suporta a reclamação de créditos apresentada pela Segurança Social, não são os privilégios creditórios, mas antes, a hipoteca legal constituída sobre o património do responsável subsidiário pelos créditos revertidos.
11.º A douta decisão violou, além do mais, o disposto nos artigos 788.º do CPC, 623.º e seguintes do CC e 204.º e 205.º do Código Contributivo, aplicáveis aos autos.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão da 1ª instância ser revogada, e em consequência a reclamação de créditos apresentada pelo CDS ser admitida, sendo o respetivo crédito por reversão verificado e graduado, considerando que goza de garantia real, ou seja, hipoteca constituída sobre o bem penhorado, com o que se fará Justiça».
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Não foi apresentada resposta ao recurso interposto.
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Após a prolação da decisão recorrida, em 19/09/2024, o Tribunal a quo determinou a junção aos autos de certidão actualizada dos ónus e encargos dos bens penhorados sujeitos a registo.
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Em 01/10/2024, juntas as certidões em causa, foi proferido despacho que facultou o exercício do contraditório relativamente à documentação em causa.
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A 05/11/2024 foi prolatada a seguinte decisão: «Notifique a Segurança Social para, em 10 dias, esclarecer se as hipotecas legais e penhoras de que beneficia se referem aos créditos reclamados, estando os créditos reclamados garantidos na totalidade pelas referidas hipotecas legais e/ou penhoras, demonstrando ainda a referida correspondência».
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Em 20/11/2024, o “Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Santarém” veio informar que: «a hipoteca legal foi registada em 28/04/2017, para garantia da dívida entre setembro de 2012 e outubro de 2016, melhor identificada nas 28 NVD que anexo.
Nesta data a dívida ascende a € 19.383,56 de quantia exequenda e € 6.646,54 de juros de mora, no total de € 26.030,10».
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Em 17/12/2024, o Juízo de Execução do Entroncamento prolatou a seguinte decisão: «Atento o requerimento que antecede, notifique a Segurança Social para, em 10 dias, esclarecer se foram pagos os créditos reclamados».
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Em 17/01/2025, o credor reclamante informou que não tinham sido pagos os créditos em questão e que os planos prestacionais em reversão se mostravam incumpridos.
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Em 30/01/2025, o “Banco (…), SA” solicitou que se considerassem prescritos os créditos em questão, por estar excedido o prazo de 8 anos previsto no artigo 48.º da Lei Geral Tributaria.
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Em 10/02/2025, o “Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Santarém” respondeu, dizendo que a dívida reclamada não poderia ser declarada prescrita.
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Em 24/04/2025, foi proferido despacho de admissão do recurso, onde, para além do mais, é dito que «o reclamante alega que foram constituídas hipotecas legais, porém, nenhum título de constituição de hipoteca foi junto aos autos.
Por outro lado, tendo sido proferida sentença, encontra-se prejudicado o conhecimento dos requerimentos de 30/01/2025 e 10/02/2025, cuja questão não foi colocada em momento anterior pelas partes, nada resultando então dos autos a respeito, constituindo assim “questão nova”».
* II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, a questão que se suscita neste recurso é apurar se existe fundamento para a rejeição liminar da reclamação de créditos.
* III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a decisão da causa constam do relatório inicial.
* IV – Fundamentação:
Ao contrário daquilo que sugere o despacho recorrido não se está perante um cenário em que os créditos da Segurança Social se fundamentam na existência de privilégio imobiliário sobre bens do responsável subsidiário revertido na execução fiscal, antes a situação se ancora na existência de uma hipoteca registada sobre o imóvel descrito na CRP de Torres Novas, sob o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…), secção (…), da União das Freguesias de Torres Novas.
Estamos assim num contexto em que foi constituída uma hipoteca legal a favor da Segurança Social (Ap. …, de 2017/04/28), «para garantia de pagamento da quantia de € 25.523.33 referente a contribuições e quotizações entre setembro de 2012 e outubro de 2016, dos juros de mora no montante de € 3.643,72 e das custas no montante de € 135,24».
Assim, tal como assevera o credor recorrente a garantia real que suporta a reclamação de créditos apresentada pela Segurança Social não são os privilégios creditórios, mas antes, a hipoteca legal constituída sobre o património do responsável subsidiário pelos créditos revertidos.
A hipoteca é o instituto em virtude do qual os bens do devedor podem ser destinados à satisfação preferencial de outros créditos[1]. Ou, noutra formulação doutrinal, a hipoteca é a garantia especial que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a ela equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros[2][3].
É indiscutível que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil).
A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional (artigo 686.º, n.º 2, do Código Civil) e as especificidades da hipoteca voluntária (aquela que nasce de contrato, de testamento ou de declaração unilateral) estão regulamentadas nos artigos 712.º a 717.º do Código Civil.
Da análise integrada do conspecto legal torna-se evidente que, quanto à sua natureza, a hipoteca se limita às faculdades de executar a coisa e de obter pagamento sobre o seu valor, com preferência em relação aos demais credores do devedor. Em adição, o registo da garantia real é condição de eficácia entre as próprias partes[4][5], conforme decorre das regras precipitadas nos artigos 687.º[6] do Código Civil e 4.º, n.º 2,[7] e 5.º[8] do Código do Registo Predial.
Em função disso, como aliás é constatável pelo teor das decisões subsequentes e pelas informações prestadas e documentação posteriormente apresentada, a decisão de indeferimento liminar assenta num falso pressuposto.
Não existia assim fundamento para indeferir liminarmente o pedido de verificação e graduação de créditos, revogando-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos.
Complementarmente, caso se mostre necessário e se o credor não municiar de forma voluntária os autos com a referida documentação («nenhum título de constituição de hipoteca foi junto aos autos»), o Tribunal a quo poderá ordenar essa junção oficiosamente e, bem assim, apreciar os aspectos processuais e substantivos subsequentes, designadamente aqueles que se reportam à excepção de prescrição convocada.
* V – Sumário: (…)
* VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem tributação.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 07/05/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] Vaz Serra, Hipoteca, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 62, 1957, págs. 5 e seguintes.
[2] Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 549.
[3] Cláudia Madaleno, A vulnerabilidade das garantias reais – A hipoteca voluntária face ao direito de retenção e ao direito de arrendamento, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 40-41.
[4] Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil Português, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 372.
[5] Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 468.
[6] Artigo 687.º (Registo):
A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.
[7] Artigo 4.º (Eficácia entre as partes):
1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros.
2 - Exceptuam-se os factos constitutivos de hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo.
[8] Artigo 5.º (Oponibilidade a terceiros):
1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado.