ALTERAÇÃO DO REGIME DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
CIRCUNSTÂNCIA SUPERVENIENTE
Sumário

I - No âmbito do procedimento a que alude o art. 42.º do RGPTC, a alteração superveniente das circunstâncias constitui um pressuposto da alteração do regime das responsabilidades parentais.
II - Aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Apenas se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto há lugar à alteração.
III - A situação de mudança de residência não é por si suficiente para que se considere alterar o regime de guarda com a progenitora, tanto mais que tal alteração poderá não contribuir para a estabilidade que a criança está em processo de adquirir, perante a mudança de casa que já vivencia.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Processo 94/24.3T8OBR. P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo de Família e Menores de ...

Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Paulo Duarte Mesquita

2º Adjunto: Isoleta Almeida Costa

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA instaurou contra BB acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor CC, no que concerne à residência habitual desta, pretendendo que a mesma deixe de o ser com a mãe (requerida) e passe a ser com o pai (requerente).

Para tanto, aduz, em síntese, que: a requerida e a filha mudaram de casa sem aquela comunicar a mudança ao requerente; a requerida deixou de ter o apoio familiar que tinha antes, na casa dos pais, com quem habitava; a nova casa da requerida não tem condições de habitabilidade adequadas ao bem-estar e saúde da filha (a criança verbaliza que tem frio na casa nova); a requerida e o companheiro não têm trabalho fixo e vivem em instabilidade financeira grave; a requerida não tem sido cumpridora no agendamento das consultas terapêuticas à filha; nos convívios com o requerente, a filha mostra vontade em ficar em casa dele e passar mais tempo com ele, e fica nervosa e triste quando chega a hora de voltar a casa da requerida; o requerente tem emprego estável, tem rendimentos que lhe permitem sustentar-se a si e à filha, tem uma casa com boas condições, tem apoio familiar dos pais, tem vontade e disponibilidade para cuidar da filha a tempo inteiro, e tem competências parentais para tal.

Citada a requerida, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e alterado pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, a mesma apresentou alegações, pugnando pela improcedência da acção/alteração, impugnando, de forma motivada, os factos alegados na petição inicial, concluindo inexistirem razões que justifiquem a pretendida alteração.

Teve lugar a conferência de pais, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 6 do artigo 42.º do RGPTC, tendo os progenitores prestado declarações. Não foi ouvida a criança, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 5.º e no n.º 3 do artigo 35.º do RGPTC, justificando-o o Tribunal mediante a sua idade e consequente falta de maturidade.

Foi ordenada a junção aos autos das informações existentes na base de dados do ISS sobre a situação profissional e rendimentos das partes e determinada a elaboração, pelo ISS, de informação sobre as condições habitacionais, económicas e familiares da requerida.

O Ministério Público promoveu o arquivamento dos autos, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 42.º do RGPTC, em virtude de não se verificarem circunstâncias supervenientes que tornem necessária a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sufragando que os factos alegados na petição inicial constituem meras dúvidas e suspeitas, que, face às declarações prestadas pelas partes, aos documentos e à informação social junta, não têm qualquer ressonância com a realidade.

Foi proferida decisão, a qual, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 42.º do RGPTC, determinou o arquivamento do processo.

Ali se entendeu que: «(…) os factos alegados pelo requerente, esclarecidos na conferência e apoiados nos documentos e informações juntos aos autos, não permitem concluir que as circunstâncias de vida do casal parental e da criança tenham mudado, em termos de tonar necessário que esta deixe de residir com a requerida e passe a residir com o requerente.

Importa também referir que não estamos no âmbito de uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que se discute e decide o modelo de residência habitual que mais adequadamente zela pelo superior interesse da criança, mas sim de uma ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, que tem pressupostos legais tipificados e restritos, porque, certamente, o legislador entendeu que o superior interesse das crianças passa também pela estabilidade e por estas não estarem sujeitas a sucessivas alterações na sua vida, conforme, em cada momento, os progenitores vão considerando ser melhor (sendo aqui de acrescentar que decorreu apenas um ano e dois meses desde que, por acordo dos progenitores homologado por decisão do conservador, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC).

O n.º 1 do artigo 42.º do RGPTC prevê expressamente que a alteração do regime pressupõe a verificação de circunstâncias supervenientes que “tornem necessário alterar o que estiver estabelecido” e os factos alegados pelo requerente, esclarecidos à luz dos documentos e informações juntos e das declarações prestadas pelas partes na conferência, não tornam necessária a alteração pretendida, substituindo a residência da criança com a mãe pela residência da criança com o pai.»

É desta decisão que vem interposto recurso pelo Autor/requerente, que conclui nos seguintes termos:

i) O Requerente apresentou perante o Tribunal a quo o seguinte pedido (vide PI): “Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente se suprirão, requerer a V. Ex.ª se digne fixar um regime de residência permanente com o pai, alterando-se, nos moldes propugnados nos artigos 23.º a 25.º supra, o regime fixado quanto aos alimentos e demais despesas da menor e residência, ou, por cautela no patrocínio, sem prescindir, requer que se fixe um regime de residência alternada semanal da menor CC com ambos os progenitores.”

ii) Mais requereu a audição dos seus pais, avós da menor, pessoas de especial referência afetiva para a criança, conforme resulta da Petição Inicial, a notificar pela secretaria judicial (art.º 21.º, n.º 1, al. a) do RGPTC).

iii) Tirando o ataque vil à pessoa do requerente e a questão económica, a requerida, só pelo que consta da fundamentação da sentença no seu ponto um, página 1, §último e página 2, corrobora as circunstâncias supervenientes objetivas invocadas pelo requerente.

iv) Dos documentos relativos à situação profissional e rendimentos, resulta da consulta à SS realizada apenas ao requerente, no dia 16.02.2024, que o mesmo está empregado e aufere de salário cerca de 1000,00 e que a requerida, em consulta à SS apenas efetuada no próprio dia da conferência de pais, a 16.04.2024, que a mesma está desempregada desde 08.01.2024.

v) A decisão que se pretende sindicar, omite que foi o Ministério Público que requereu informação sobre as condições habitacionais, económicas e familiares da requerida.

vi) A questão do Tribunal a quo considerar que não existiram circunstâncias supervenientes objetivas, entra em contradição com o que consta a PI do requerente e das declarações prestadas na Conferência e mais ainda, quando analisados os documentos juntos pelo ISS e requeridos tanto pelo MP, como pelo requerente, indicados afls 3, alínea b) do Ponto 1 da Sentença, respetivamente a informação junta em 18.06.2024 e esclarecimentos em 15.11.2024.

vii) No próprio dia da Conferência o requerente apresentou o seguinte requerimento: “para os devidos efeitos legais, designadamente o de elaboração do relatório referente à situação familiar, económica e habitacional, que o atual companheiro da requerida é DD e o avô materno da menor CC é EE.”

viii) Do relatório social elaborado pelo ISS, de 18.06.2024 (c/ref.ª Citius16305758), resulta o seguinte:








ix) Neste último campo das observações, aquele relatório social é omisso relativamente à situação profissional da requerida, como supra citado, terminando com esta, encontra-se...

x) Notificado o requerente daquele relatório social emanado pelo Técnico do Serviço do ISS,I.P. e dentro do prazo concedido para o efeito, o requerente apresentou o seguinte requerimento (c/ref.ª Citius 16365257):

1.º Do relatório resulta que efetivamente a requerida mudou a sua residência, em janeiro de 2024, para ..., ..., ou seja, a escassas centenas de metros da residência do requerente.

2.º Isto é, deixou o agregado familiar de origem, com quem vivia desde julho de 2023, passando a viver apenas com o seu companheiro.

3.º Neste contexto, o avô materno da menor CC, Sr. EE, poderá comprovar ser o Requerente um bom pai, preocupado e atento, como o próprio diversas vezes mencionou, corroborando este que, no interesse da neta, seria benéfico para esta estar mais tempo com o requerente e avós paternos, cuja audição técnica se requer.

4.º No entanto, com interesse para a finalidade dos presentes autos, resulta necessário obter outros esclarecimentos.

5.º Tendo em consideração as declarações prestadas pela requerida, resultou que a mesma exerce actividade em nome individual, no entanto do relatório social consta que a mesma é Empregada (?).

6.º Assim, é necessário esclarecer os autos sobre se a profissão da requerida, enquanto esteticista, é por conta própria ou por conta de outrem (?).

7.º Bem como se torna necessário saber se os montantes apurados e constantes do relatório social tiveram por base declarações dos próprios ou a comprovação com os respetivos recibos, seja da requerente, seja do seu companheiro ou outro método, o que se requer.

8.º Com efeito, relativamente ao companheiro da requerente, torna-se necessário apurar se o mesmo tem efetivamente trabalhado, designadamente nos meses de abril, maio e junho (?) do corrente ano.

9.º No que diz respeito à situação económica do agregado familiar, não consta que despesa tem a requerida com o pagamento do espaço e demais despesas para exercer a sua atividade, o que se requer.

10.º Acresce que, nas observações constantes do relatório social, na página 3, consta a seguinte frase: “Relativamente à situação profissional de BB, esta, encontra-se” (...).

11.º Salvo o devido respeito, parece-nos que a mesma não foi concluída, pelo que também se requer este esclarecimento, tendo em consideração, designadamente o supra mencionado.

12.º No item “Dados relevantes sobre a criança em causa”, resulta que o requerente comparece no estabelecimento escolar para se inteirar do percurso da filha, bem como nas festas escolares e que a par com a requerida, alternadamente, o requerente assegura as sessões quinzenais de terapia da fala.

13.º E resulta também que, quer esteja com a mãe, quer esteja com o pai, a CC é uma criança feliz e bem-disposta.

14.º Mas, em momento algum, foi perguntado à requerida se, além do mais, reconhece que o requerente tem suporte familiar de retaguarda, o que se requer.

15.º No que concerne ao exercício da parentalidade, cumpre esclarecer que o requerente, ao nível das visitas/contactos com a filha, além de permanecer quinzenalmente de sexta-feira a domingo, também está com a filha todas as semanas, duas vezes por semana, o que não foi mencionado pela requerida.

16.º Destarte, torna-se necessário também obter esclarecimento quanto ao ponto anterior.

17.º Por último, mas não menos importante, não obstante a requerente manifestar que pretende a manutenção da atual situação relativa ao Exercício das Responsabilidades Parentais e face ao pedido por parte do Requerente de se fixar um regime de residência alternada semanal da menor CC com ambos os progenitores, revela-se pertinente e essencial, no superior interesse da criança CC e no nosso modesto entendimento, esclarecer em primeiro lugar se a requerida aceita tal regime, ou, para o caso da resposta ser negativa, quais os motivos que a levam a não aceitar, sendo este benéfico para a filha de ambos.”.

xi) Por despacho de 07.11.2024 (c/ref.ª Citius 135593323) foi determinado o seguinte:


xii) Oficiada a Segurança Social, veio a resposta (c/ref.ª Citius 16924293 ):


xiii) Notificado o requerente para exercer o contraditório a 18.11.2024 (c/ref.ª

135799829 ), o mesmo requer (c/ref.ª 16997466 ):

“1.Com todo o respeito, os esclarecimentos foram solicitados à Segurança Social e não à Requerida, não obstante poder fazer prova do que alega.

2. No entanto, a Requerida aproveita o requerimento que antecede para, ardilosamente, referir “que não nos encontramos perante nenhum facto ou circunstância superveniente, que justifique uma qualquer alteração”.

3. Acontece que, falta-se despudoradamente à verdade quando a tal faz referência, pois bem sabe que deixando a menor de ter a retaguarda familiar a que estava acostumada, passou a requerida a viver maritalmente, num outro local, na mesma

aldeia do Requerente.

4. A menor está mais perto do pai, o qual apresenta uma melhor retaguarda familiar, a escassos metros da sua residência.

5. O pai tem um melhor rendimento que a Requerida, sendo que o desta e segundo

o Relatório Social apresentado é diminuto (não nos parece que tenha existido erro

na elaboração do relatório social pedido pelo Tribunal para o efeito dos presentes autos).

6. Segundo o mesmo Relatório, “O pai da criança comparece no estabelecimento escolar para se inteirar do percurso da filha, assim como, nas festas escolares, da mesma.” “(A Educadora) Referiu-nos ainda que, quer a CC esteja com o pai, quer com a mãe, é uma criança feliz e bem-disposta. Ambos os pais asseguram a sua ida às sessões quinzenais de terapia da fala, alternadamente.”.

7. A menor quer estar mais tempo com o pai e este também quer estar mais tempo com a sua filha.

8. Assim, parece-nos no nosso modesto entendimento, que ocorrem circunstâncias

novas.

9. E tais circunstâncias devem determinar uma modificação do regime em vigor,

ainda que apenas relativamente a alguns dos aspetos já regulados, designadamente

no que diz respeito ao regime de residência.

10. É pelo superior interesse da sua filha que pugna o requerente, nada mais!

xiv) O ora recorrente foi surpreendido (negativamente) com a decisão em crise de

arquivamento.

xv) Conforme resulta do artigo 4.º do RGPTC, são princípio orientadores a simplificação instrutória e oralidade dos pais, familiares e às declarações da assistência técnica, a consensualização e a audição e participação da criança, ao que acrescem outros como sejam os da responsabilidade parental (em que as decisões tomadas devem permitir e favorecer, sempre que possível, que os progenitores assumam integralmente os seus deveres para com os filhos), da prevalência da família (deve ser dada prevalência às providências de integração familiar estável) e da obrigatoriedade de informação, entre outros.

xvi) O que está em causa, não é se a criança sai ou não prejudicada (como indica o Tribunal a quo), mas antes se as circunstâncias supervenientes objetivas (que ocorreram) tornam o exercício em conjunto por parte dos pais mais benéfico aos interesses da filha.

xvii) E pelo que supra se enunciou, é verdade que a requerida e a filha, em janeiro de 2024 saíram de um agregado familiar constituído pelos avós maternos, indo a requerida e a filha viver para casa do namorado da mãe.

xviii) Também não deixa de ser verosímil que uma casa com o exterior como se apresenta a da requerente, apesar de no interior ter o essencial à economia doméstica, poder ser fria (ainda para mais toda em mosaico), quando apenas tem uma salamandra a lenha numa das divisões (hall de entrada).

xix) Do relatório supra mencionado, relativamente às condições económicas da requerida resultou, após segunda informação do ISS que a mesma aufere €93,46 (noventa e três euros e quarenta e seis cêntimos).

xx) Já quanto ao namorado da requerida, não resultou qualquer pesquisa, não obstante requerido pelo ora recorrente.

xxi) Ou seja, face a todas estas, no mínimo, incongruências, com evidente desconsideração pelo requerido pelo requerente, eis que o Tribunal a quo manifestamente o discrimina.

xxii) Isto porque, se é verdade que em momento anterior ao divórcio com a requerida, o requerente passou uma fase má da sua vida, nos termos em que teve a honestidade de o dizer perante o Tribunal a quo, também não é menos verdade que recompôs a sua vida e está a lutar pelos interesses da sua filha e que são também os seus.

xxiii) Foi de baixo nível, por parte da requerida dizer que o requerente bebia álcool,

quando apenas teve uma depressão que neste momento foi ultrapassada, reunindo todas as competências e idoneidade para o exercício da parentalidade.

xxiv) O namorado da requerida que passou a exercer os cuidados que a Avó paterna prestava à CC (vide fls 5 § penúltimo da sentença) e que acompanha esta a todos os níveis, não foi sujeito a qualquer tipo de relatório e/ou audição e o requerente, que reúne todos os requisitos para ser um pai mais presente na vida da filha, não pode sequer ficar a exercer em conjunto as responsabilidade parentais porque especulou (?)

xxv) A requerida despediu-se em janeiro de 2024 da empresa onde trabalhava e é

completamente falso que aufira um salário mensal de €800,00, quando resulta dos autos (supra apresentado) que a mesma aufere €93,46 (noventa e três euros e quarenta e seis cêntimos).

xxvi) Esta foi a informação verdadeira, pois a primeira e que consta do relatório antes do pedido de esclarecimento, mais não é do que mentira, sem qualquer comprovação documental, apesar de requerido pelo ora recorrente oportunamente.

xxvii) Assim sendo, erra do Tribunal a quo no julgamento que faz, quando refere, a fls 6 (linha 8 a 18) que “as declarações da requerida são confirmadas pelas informações obtidas na base de dados do ISS, pela informação social e pelo esclarecimento do ISS juntos aos autos (…)”.

xxvii)E mais uma verdade, que justificou o pedido de alteração, foi o facto da CC ter deixado a terapia da fala.

xxix)Em primeiro lugar, a requerida tomou a decisão de retirar a CC do acompanhamento médico e terapia da fala, sem informar ou auscultar o requerente.

xxx)Apesar da desculpa esfarrapada ter sido aceite, sem reservas, pelo Tribunal a quo (à semelhança de praticamente tudo, diga-se), eis que é a própria requerida que refere e o Tribunal confere, que a CC retomou a terapia da fala no Hospital três semanas antes da conferência, portanto em março de 2024, isto é, mais uma circunstância superveniente.

xxxi)Nada resulta dos autos que o transtorno da CC não seja leve (antes pelo contrário), pelo que a especialidade técnica pode chegar à conclusão que uma semana alternada em casa dos pais seria recomendável.

xxxii)E mais não é do que uma falácia e contradição, dizer-se que, é do conhecimento comum que o transtorno do espetro autista se caracteriza por dificuldades de adaptação a tudo o que é novo e saia da rotina, para desconsiderar o que a filha disse ao requerente de ter vontade em ficar em casa do pai e passar mais tempo com ele, e fica nervosa e triste quando chega a hora de voltar a casa da requerida, mas já não seja assim considerado quando a CC, em janeiro de 2024, deixa a casa a Avó materna para ir viver com a mãe e o seu companheiro, isto é, a resistência à mudança só tem relevância para o Tribunal quando isso implica estar mais tempo com o pai.

xxxiii)Mas o Tribunal a quo continua, no seu §último a fls 7, quando refere “a mudança de residência e de progenitor cuidador diário, pretendida pelo requerente,

provavelmente traria instabilidade e prejuízo emocional para a CC, tanto mais que se trata de uma criança de apenas quatro anos, que depende muito dos adultos

cuidadores. Finalmente, importa referir que o relatório do ISS mostra que a CC é bem cuidada por ambos os progenitores e mostra-se feliz com ambos, que a requerida cuida diariamente da filha com empenho e carinho, e acompanha-a “a todos os níveis” - não se vislumbrando, por isso, que a vontade expressa por CC de estar com o pai signifique a mesma queira deixar de residir com a mãe.”.

xxxiv)E conclui com o §primeiro de fls 8 da Sentença “Não resulta de nenhuma prova recolhida que CC tenha tal desejo (...)”.

xxxv)Mais uma vez, a instabilidade que o Tribunal a quo encontra na criança em poder estar mais tempo com o pai, não encontra reflexo na mudança abrupta que foi para a CC a requerida mudar de residência e passar a viver com outra pessoa, em janeiro de 2024.

xxxvi)Ainda para mais, quando a rotina da CC não seria alterada tudo se mantendo, ao que acresce o facto da casa da requerida e do requerido ser na mesma freguesia ... – ..., a escassa distância uma da outra.

xxxvii)No âmbito do presente processo, mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, o tribunal deverá proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa.

xxxviii)Como ensina Alberto dos Reis, in "Processos Especiais," Vol. III, pág. 400: "Um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respetiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.”

xxxix)Nos termos do art.º 986.º do CPC, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que o juiz considere necessárias.

xl)E conforme resulta do art.º 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi do art.º 295.º, aplicável mutatis mutandis: “(...)

3-Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera

provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. (...)”.

xli)Ao que acresce o facto de, nos termos do art.º 615º do CPC, serem Causas de

nulidade da sentença, designadamente: “(...) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)

4- As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.

xlii)A resolução tomada no âmbito do incidente em apreço, como as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”).

xliii)Nos casos de superveniência objetiva, que ocorrem quando os factos que configuram a alteração das circunstâncias acontecem depois do encerramento da discussão da causa em que foi proferida a decisão a alterar, os mesmos não determinam que tenha que ser o requerido a provar tudo e mais alguma coisa, até o que não está na sua disponibilidade e/ou provas impossíveis de fazer.

xliv)O tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgar mais conveniente e oportuna, tendo em vista os interesses a salvaguardar, mas isso não pode significar o desrespeito pelas regras processuais, não devendo confundir-se os critérios de conveniência e oportunidade com a prevalência da subjectividade e discricionariedade do julgador

xlv)De acordo com o desenho legal, a possibilidade de ser determinado o arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (envolvendo a extinção da instância, mantendo-se, pois, o status quo já fixado) pressupõe um juízo valorativo que se terá de impor com evidência.

xlvi)Neste conspecto, o n.º 4 do art. 42.º do RGPTC recorre aos adjectivos “infundado” e “desnecessário”, os quais, assumindo natureza de conceitos indeterminados, devem ser interpretados e densificados - como sustenta OLIVEIRA ASCENSÃO em relação a este tipo de conceitos - tendo por base o “critério valorativo fixado na cláusula geral”, sendo efectivamente necessário atender ao caso concreto.

xlvii)Decorre do que se expôs que o legislador não deixou ao critério ou consideração do tribunal o arquivamento do processo em função de um juízo de (mera) oportunidade, devendo antes filiar esse juízo valorativo em factos que, objectivamente analisados, permitam concluir que a impetrada alteração se revela, em concreto, infundada ou desnecessária.

xlviii)Acontece que o Tribunal a quo não só valorou erradamente os factos, como

deveria ter tirado daqueles outro juízo, ao que acrescem as diversas faltas e omissões que ocorreram ao longo do processo, como supra invocado, designadamente a falta de depoimento dos avós da criança e que nem se pronúncia quanto à sua desnecessidade de audição, ex vi art.º 35.º do RGPTC por remissão do art.º 42.º n.º 5.

xlix)E não menos grave, eis que o Tribunal a quo, não se pronuncia quanto ao pedido de fixar um regime de residência alternada semanal da menor CC com ambos os progenitores.

l)O Tribunal a quo, sem fundamento ou pronúncia, não admitiu a requerida produção de prova, nem se pronunciou, em todo o caso, sobre o pedido formulado pelo recorrente.

li)Incorreu assim a sentença no vicio de omissão de pronúncia a que se refere o artº 615º nº1 al. d) do CPC, não se pronunciando sobre questões sobre as quais não podia deixar de se pronunciar.

lii)A sentença será nula, quer no caso do juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC), o que também aconteceu ao considerar factos como provados, designadamente “provavelmente traria instabilidade e prejuízo emocional para a CC”, sem recorrer à audição técnica especializada.

liii)Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para a decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 615, nº 1, al. d) do CPC.

Termina pedindo:

a) se declare nula a sentença por não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar (artº615º nº1 al. d) do CPC); ou b) por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e/ou por ocorrer ambiguidade e/ou obscuridade que torna a decisão ininteligível; ou

c) pela revogação da sentença.

Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. A douta sentença proferida não violou as normas dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas) e d), do Código de Processo Civil e 42.º do RGPTC, 1878.º, n.º 1 e 1918.º do Código Civil, e 69.º da Constituição da República Portuguesa;

2. A contradição geradora de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, em sentido diferente.

3. Ora, analisado o teor da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” é manifesto que não se verifica a nulidade apontada, porquanto não se descortina no texto da mesma qualquer vício lógico na sua construção; os fundamentos invocados para a decisão conduzem, de forma lógica, ao resultado aí expresso e não a qualquer outro oposto.

4. O que acontece é que o recorrente não concorda com a decisão proferida, mas a mesma é o resultado lógico dos fundamentos invocados pelo julgador.

5. Não se verifica, pois assim, a invocada nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão.

6. Alega ainda o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia

7. Para que se verifique a nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, invocada pelo ora recorrente tem que resultar da decisão que o Tribunal deixou de apreciar uma questão que devesse ter apreciado.

8. Ou seja, esta nulidade, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras questões antes apreciadas.

9. Da simples leitura do texto da sentença recorrida, constata-se que o Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões colocadas e sobre as quais havia a decidir.

10. Não se pode olvidar que o artigo 42.º, n.º 1, do RGPTC define os pressupostos cuja verificação é necessária para ser admissível a alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais e determinar o prosseguimento dos autos.

11. Para que o regime em vigor possa ser alterado é necessário que se verifique uma de duas situações: ou o incumprimento do mesmo em simultâneo por ambos os pais ou a existência de circunstâncias supervenientes que tornem necessária a alteração.

12. O tribunal a quo, na decisão proferida, analisa todas as questões trazidas à colação pelo ora recorrente para justificar o seu pedido de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais da filha.

II.

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso.

Assim, o presente recurso tem por objecto as seguintes questões:

1. a da nulidade da decisão recorrida, mediante um duplo fundamento, a verificação das hipóteses das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC;

2. se foram cumpridos os ónus impostos para a impugnação da matéria de facto e se há fundamento para a alteração da matéria de facto ou, nesta sede, ainda, se há insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão ou nulidade desta, por indevida omissão de prova interessante ao apuramento de factos relevantes;

3. a do acerto ou correcção da solução jurídica.

Vejamos.
1. Da nulidade da sentença

Sob o prisma da nulidade de sentença, mas reconduzindo-se algo confusamente a razões que nada têm a ver com esta (assim a ausência de produção de meios de prova oportunamente indicados/requeridos), aduz o Recorrente que a sentença não conheceu da totalidade das questões suscitadas e que outrossim enferma de contraditoriedade ou ininteligibilidade.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.

Os referidos vícios, designados como de error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.

As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, publicados em www.dgsi.pt, como todos os que citaremos sem outra indicação).

Conforme Acórdão da mesma Relação de Guimarães, relatado pela Exmª Srª Desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado: “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”

O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.

Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 5/4/2018).

Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”

Dúvidas não há, porém, que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes - salvo as que forem de conhecimento oficioso - sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhecer de questões que não foram suscitadas.

Nesse sentido, o Tribunal tem de conhecer de “…todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704).

Também no que respeita à suposta não consideração de factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas que tenham sido alegados pelas partes (cfr. a imposição dos art.ºs 5º, n.º 1 e 607º, n.ºs 3 e 4, do C.P.C.), entende-se que essa omissão reconduz-se ao vício de deficiência do julgamento da matéria de facto, ou seja, a erro de julgamento da matéria de facto, vício que não determina, em regra, a nulidade da sentença/despacho (cfr. n.º 3 do art.º 613º, n.º 3, C.P.C.), designadamente, por omissão de pronúncia, salvo o caso de falta absoluta da sua consideração (ou, conforme outro entendimento, também a decisão incompleta, insuficiente ou ilegal), que integrará antes o vício de falta de fundamentação, causa de nulidade de sentença face à alínea b) do n.º 1 do mesmo art.º 615º.

Ao invés, a deficiência do julgamento da matéria de facto, sempre que ocorra, ao impedir o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, atento o pedido, causa de pedir e exceções que nele foram invocados pelas partes, é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, impondo-lhe que, no uso dos seus poderes de substituição, sempre que o processo contenha todos os elementos de prova que lhe permitam com a necessária segurança fazer o julgamento de facto quanto à matéria em relação à qual o Tribunal a quo não tomou posição -art. 665º, ex vi, art. 662º, n.º 1 do CPC), supra esse vício fazendo ele próprio o julgamento da matéria de facto quanto a essa concreta factualidade, sem prejuízo de haver casos em que se justifique ou imponha, conforme previsto na alínea c), do n.º 2 do art. 662º, C.P.C., a anulação da decisão recorrida - Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs. 293 a 295 da 4ª ed..

Concomitantemente com o dever geral de fundamentação, existem regras específicas que devem ser observadas na elaboração da sentença, elencadas no art.º 607º, do C.P.C.: na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Daí decorre a imposição do art.º 640º C.P.C. relativamente aos ónus de impugnação da matéria de facto.

Sempre a decisão recorrida elenca factos (provados) e a sua motivação (ainda quando se insiram no texto “corrido” da mesma, que não num elenco separado ou autónomo, o que não é obrigatório, nem a sua falta se reconduzindo a nulidade), sendo que, por outro lado, não constitui omissão de pronúncia a não consideração de factos/elementos alegados (assim as competências parentais do requerente, quanto às quais tidas por despiciendas as inquirições requeridas), ainda quando estivessem em causa factos essenciais oportunamente alegados, a qual sempre se constituiria erro de julgamento a sindicar noutra sede, e não vício conducente à nulidade de sentença. Sempre a sentença só deve conter factos que pudessem ser relevantes de acordo com a integração jurídica perspetivada e os ónus probatórios impostos.

Igualmente não integra qualquer omissão de pronúncia o facto de não se ter expressamente referido ambas as pretensões de alteração do regime pretendidas/peticionadas.

Tratando-se de uma decisão judicial está sujeita à regra interpretativa prevista no art.º 236º do C.C. A esse propósito, decidiu-se no Ac. da Relação de Guimarães de 14/6/2017 (processo n.º 426/11.4TBPTL-A.G1), com a devida adaptação: “I. Sendo a sentença um acto jurídico, formal e receptício, subtraído à liberdade negocial, na sua interpretação não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador (entendida na base da determinação de um propósito subjectivo), mas sim o correcto entendimento do resultado final e objectivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão. II. A interpretação da sentença deve, então, fazer-se de acordo com sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto, ponderando quer o dispositivo final, quer a antecedente fundamentação, quer inclusivamente a globalidade dos actos que precederam a dita decisão, bem como quaisquer circunstâncias relevantes posteriores à sua prolação (art. 236º, nº 1 do C.C., aplicável ex vi do art. 295º do mesmo diploma).”

Ora, arquivado o processo por se ter entendido não estar caracterizado qualquer dos pressupostos legais de admissibilidade da pretendida alteração do regime, como é mister concluir-se, resolvidos/conhecidos ambos os modos/regimes (subsidiários) propostos de regulação do poder paternal quanto à guarda/residência da menor peticionados.

O arquivamento é-o da alteração mesma, em qualquer dos desenhos pretendidos ou peticionados.

Sem sentido a argumentação da omissão.

É também nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil).

A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação)»[1]

Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[2].

Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[3].

A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento.

Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[4].

Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de que esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta
.

Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente. Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, dessa forma, a invocada nulidade não se verifica.

Aliás, no conjunto de considerações e conclusões tiradas pelo recorrente resulta até, não obstante o apelo ou recondução ao regime das nulidades da sentença, que o mesmo não coloca em causa o erro de construção do silogismo judiciário, mas antes se dirige claramente à injustiça do decidido ou à falta de produção de meios de prova caracterizadores de factos que tem por decisivos ou ainda ao erro de julgamento quanto ao facto do rendimento da requerida. Nenhum destes aspectos ou questões está associado à construção lógica da decisão, a qual se mostra correctamente formulada. Assim sendo, carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Não se vislumbra qualquer nulidade da decisão, pois.


2. Da impugnação da matéria de facto

Caberá aqui destrinçar nas alegações de recurso uma série de questões distintas, como se antevê já da redacção acima do objecto a decidir, nesta parte.

Assim, a um tempo,
a) a falta de realização de diligências instrutórias oportunamente por si requeridas.

Desde logo, como anota A. Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, anotação ao art. 630º do CPC, ainda quando deva submeter-se ao regime geral de impugnação da legalidade do uso[5] de poderes-dever, a invocação da ausência dos pressupostos definidos pela lei[6] ou a alegação de que o acto extravasa o quadro das possibilidades legais[7], essa possibilidade apenas opera, quando colocado em causa no recurso da decisão final o objecto da prova, no quadro da necessária impugnação da matéria de facto provada ou não provada.

O poder de determinação de diligências probatórias é discricionário em si, ainda quando vinculado à verificação efectiva das condicionantes previstas nas normas que o estabelecem, interesse ou virtualidade probatória. É-o apenas e só quando haja recurso sobre a matéria de facto à demonstração da qual se dirigia a diligência probatória não oficiosamente ordenada, invocada a falta desta como razão para o erro de julgamento.

De todo o modo, a regra geral no domínio dos processos de jurisdição voluntária como aquele no âmbito do qual nos movemos desenha um “poder-dever” do juiz, incumbindo-lhe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, as diligências (também as relativas aos meios de prova propostos pelas partes), na medida em que julgue que aquelas são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio relativamente a factos que o Tribunal pode (e deve) conhecer. O juiz como condutor do acto processual do julgamento e, neste, da produção da prova, não apenas pode, como tem de determinar a realização das diligências probatórias que tenha como necessárias ao esclarecimento dos factos relevantes. De resto, o Recorrente mesmo acaba por se reconduzir correctamente à relevância deste poder-dever no quadro do processo em apreço, conforme conclusões xli) e ss.

Em si, de forma autónoma e em abstracto, sem a impugnação concomitante e relevante da matéria de facto adquirida ou indemonstrada, não é admissível o recurso autónomo/interlocutório da decisão de omissão da determinação imposta pela regra legal da oficiosidade[8].

Ora, o recurso interposto subentende-se (interpreta-se) colocar em causa factos havidos como indemonstrados (assim quanto à insuficiência do rendimento da requerida e à falta de condições de habitabilidade da sua nova casa/habitação) e não relevados/considerados (sem referência alguma na decisão) (assim os que se prendem com as competências parentais do requerente).

É o que justifica agora a apreciação da argumentação expendida, mas no segmento ou enquadramento respectivo, o da impugnação da matéria de facto tida/havida por não provada[9], reconduzindo-se (não sem algum esforço interpretativo) a uma verdadeira e própria impugnação do julgamento de facto quanto à aquisição na decisão recorrida da falta de demonstração da diminuição dos rendimentos da requerida, da falta de condições de habitabilidade da nova residência e do incumprimento de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (que na realidade se reconduz antes a uma violação pela mãe de deveres de cuidado para com a menor). Ainda à desconsideração do comportamento parental do Recorrente.

Nessa parte também, não acerta o alvo o Recorrente, que se reconduz à impugnação de factos que na realidade não foram havidos como provados, ao invés de pugnar, como seria mister, pela prova já daqueles que determinaram a decisão e que nela foram tidos por indemonstrados ou descaracterizados…i.é., pela prova dos factos por si alegados e que se reconduziam à alteração das circunstâncias pressupostas na regulação ou regime cuja alteração pede. A questão não é, pois, a da falta de prova dos concretos e efectivos rendimentos do agregado da requerida, com o que sem sentido a averiguação pretendida dos rendimentos do seu companheiro junto da SS. É antes a da falta de prova dos factos novos, das alterações ou modificações para pior da situação de vida da menor, que podiam justificar a alteração de regime.

De todo o modo, nesta perspectiva, não há, pois, razões para rejeitar a alcançada impugnação da decisão da matéria de facto e nada obsta, por isso, ao respectivo conhecimento. Convoca-se, a propósito, o Ac. do STJ de 03-10-2019, Rel. Rosa Tching, Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, publicado em www.dgsi.pt, no qual se exarou, a dado passo: «(…) como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal, «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.»

Embora difusa e confusamente identificados os pontos da discordância no corpo das alegações e nas conclusões, sendo o sentido do alegado o de que a aquisição dos rendimentos da requerida não podia ser considerada e o de que factos havia que podiam determinar uma decisão diferente (esse o sentido da alegação atinente à omissão da prova respectiva).

Pese embora a falta de referência expressa e concisa às questões de facto, misturadas ao longo das alegações de recurso e nas conclusões mesmas, é possível vislumbrar/interpretar a sua discordância quanto à matéria de facto, nos termos expostos.

Importa ter em atenção que, na indicação dos pontos que se pretende impugnar, não é exigível que se faça menção ao número que lhe foi atribuído no elenco factual, no caso inexistente. Essencial é que resulte com clareza que matéria se quer pôr em causa.

Se devem ser indicados nas conclusões os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, já no se refere à decisão a proferir sobre esses pontos basta que ela conste da motivação (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 196-197).

De todo o modo, a impugnação da matéria de facto limita-se àquelas questões, como ressalta agora da articulação entre as conclusões e a motivação, sendo, pois, aquelas e apenas aquelas objecto dessa impugnação, por ser essa a matéria que o Recorrente, de acordo com o corpo alegatório e as conclusões do recurso de apelação, considera, respectivamente, não poderem subsistir como não provadas[10] (a redução sensível dos rendimentos da requerida, a falta de condições da habitação e o incumprimento pela requerida de deveres de cuidado integrados no conteúdo das responsabilidades parentais[11]) e ser importante para a decisão a proferir (os factos que importam às suas competências parentais). Na verdade, embora a impugnação não se apresente, salvo o devido respeito, como modelar, é o que se infere da conjugação das conclusões e da motivação da apelação, mormente quando se atente na indicação dos meios de prova a que atribui relevo, que se dirigem àqueles aspectos.

É de concluir, pois, novamente, que foram, minimamente, observados os requisitos do art. 640º do CPC.

Desde logo, quanto à suscitada omissão da inquirição de testemunhas pretendida pelo requerente, alegadamente para demonstrar as suas próprias competências parentais, a questão vem a ser já a da total inutilidade da prova cuja realização se não ordenou, precisamente pela irrelevância do facto respectivo nesta sede.

Em causa já o juízo sobre a alteração superveniente que justifica a pretensão de modificação do regime de regulação existente, que não um juízo, necessariamente subsequente, sobre a conveniência de qualquer dos regimes alternativos propostos. Ora, as competências parentais do requerente relevam já apenas e só quanto a este segundo juízo, desnecessário perante a falta de verificação primeira do pressuposto legal de deferimento da alteração.

Ora, o exacto critério legal que delimita a intervenção do tribunal e que importa aplicar no caso concreto vem tão só a ser o de saber se a diligência probatória pretendida – independentemente da iniciativa das partes – é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

O dever funcional do juiz, como “poder-dever” subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio é função de que os meios de prova admitidos ou ordenados sejam relevantes para o esclarecimento da verdade e a apreciação da factualidade que o tribunal tem que conhecer para apreciação do mérito da causa, independentemente da vontade de qualquer uma das partes na sua produção (e da tempestividade dessa iniciativa). Coloca-se, pois, a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever.

Como resulta do que antecede, perante o quadro que se apresentava, inútil ou despiciendo o apuramento da matéria quanto à qual o Recorrente argui a omissão da produção de prova; com o que impondo-se concluir pela improcedência do segmento recursório que se prende com a insuficiência dos factos apurados para a concreta decisão.
b) O juízo probatório propriamente dito

Quanto agora à apreciação do erro de julgamento quanto à falta de prova de que tenham diminuído sensivelmente os rendimentos da requerida, pondo em perigo a subsistência da menor, a partir da prova efectivamente produzida e da fundamentação de facto da decisão recorrida.

Nessa parte, consignou-se na decisão recorrida que: «O requerente também alegou que a requerida e o companheiro não têm trabalho fixo e vivem em instabilidade financeira grave. Porém, à semelhança de outras questões, também aqui estamos perante especulação, já que, na conferência, o requerente disse que apenas sabe que a requerida deixou de trabalhar onde antes trabalhava (numa empresa de bicicletas), não sabendo se arranjou um novo emprego nem que rendimentos tem. Por seu turno, a requerida declarou na conferência que: se despediu em janeiro de 2024 da empresa onde trabalhava (desempenhando aí as funções de operária fabril) porque tem o curso de esteticista e iniciou atividade por conta própria, na área da sua formação; exerce atividade num salão de cabeleireiro, em ...); em março de 2024 auferiu cerca de €800,00 dessa atividade; o seu companheiro é operário fabril na empresa onde ela antes trabalhava e aufere um salário mensal de cerca de €800,00; e nunca lhe faltaram rendimentos para pagar as despesas da casa e da filha. Além disso, as declarações da requerida são confirmadas pelas informações obtidas na base de dados do ISS, pela informação social e pelo esclarecimento do ISS juntos aos autos, pois desses documentos resulta que até janeiro a requerida era operária fabril e ganhava €524,00 de salário mensal, que agora exerce atividade profissional por conta própria (esteticista), que o companheiro é operário fabril, que os rendimentos do trabalho do agregado da requerida ascendem a €1.530,00 mensais (a que se somam €222,00 mensais de prestações familiares) e que esses rendimento são suficientes para pagar todas as despesas do agregado, incluindo as despesas da criança (no total de €542,00 por mês).»

Desde logo, como se adiantou acima quanto ao enviesamento da leitura pelo Recorrente da decisão recorrida, não se tem por adquirido na decisão que os rendimentos da requerida ascendam aos valores que ela mesma assinalou em sede de declarações… Tem-se é por contra indiciado e correctamente, adiante-se, que à mudança de residência da requerida e cessação da relação laboral existente à data da regulação (estes sim, demonstrados) tenha correspondido também uma redução dos seus rendimentos e por isso que uma afectação da qualidade de vida da menor a justificar a pretendida alteração do regime da guarda. Disse-se correctamente na medida em que, não obstante a insuficiência primeira do relatório social realizado, o que resulta da totalidade da prova produzida é que apenas e só, como bem se anota na decisão recorrida, “suspeitas”, “desconfianças” e “desconhecimentos” do Recorrente, não objectivados ou corroborados pela prova produzida…Assim, não apenas as declarações da requerida, (que sempre são de atender ou relevar, mais que as sem qualquer fundamento objectivo ou conhecimento directo ou mesmo mediato do/pelo Requerente), mas, decisivamente, também, o relatório social, muito relevantemente na parte em que se anota ali a manutenção do cuidado com a menor e a sua adequada apresentação, como as condições e apresentação da sua casa…

Não resulta, pois, demonstrada, sequer minimamente indicada ou corroborada, na presença do mais decisivo elemento em situações como a decidenda, o relatório social, a realidade afirmada pelo Requerente, sendo justamente a essa falta de prova que se reconduz a decisão, da situação de facto a que se reconduzia o Requerente, como “facto constitutivo” do “direito à alteração pretendida do regime.

No que importa aos rendimentos[12], como à falta de condições de habitabilidade da habitação agora assumida, como, finalmente, à falta de cumprimento da obrigação de velar pela saúde concretizada no abandono de terapias necessárias…

Concorda-se, pois, totalmente com o juízo probatório de inconcludência da prova à demonstração dos factos que se constituíam como pressuposto legal da requerida alteração.

Improcedente bem assim o recurso, nessa parte.


3. Do mérito da decisão recorrida

Elencando os atos que comportam a tramitação processual da alteração da regulação das responsabilidades parentais, no regime da OTM (que mantém atualidade), Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família - Uma Questão de Direito(s)”, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 270-271. escrevem: “requerimento inicial por qualquer dos progenitores ou MP (…), autuação do requerimento (…); o requerido é citado para, em 10 dias, alegar o que tiver por conveniente (…); junta a alegação ou findo tal prazo, há lugar – ao arquivamento dos autos se o pedido for considerado infundado ou se for considerada desnecessária a alteração; - à tramitação dos artigos 175º a 180º da OTM (…)”.

E acrescentam na nota nº 160 (pág. 271) “Importa salientar que antes de mandar arquivar os autos (ou ordenar o seu prosseguimento), o juiz pode determinar a realização das diligências que considere necessárias (artigo 182º, nº 5 da OTM). É fundamental que nessa fase da tramitação dos autos se proceda a uma correta averiguação judicial, por forma a que apenas prossigam os processos em que exista realmente fundamento para uma alteração de regime do exercício das responsabilidades parentais, fazendo cessar atempadamente todos aqueles em que o pedido é infundado ou em que a modificação de regime se revela desnecessária.” (o destaque é nosso)

A tramitação prevista para a providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevista no art. 3º, al. c) do RGPTC e regulada nos arts. 34º e segs. do mesmo diploma aplica-se mutatis mutandis, nos casos em que um dos progenitores pretende a alteração do regime estipulado ou homologado pelo Tribunal – art. 42º do RGPTC.

Estabelece o nº 1 deste preceito que “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.

Como se alcança da leitura do preceito citado, a lei faz depender a procedência do procedimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais da verificação de um importante pressuposto: que a alteração de regime se funde em incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime a alterar, ou em circunstâncias supervenientes que imponham essa alteração.

Como oportunamente destacou o Ac. do STJ 13-09-2016 (Alexandre Reis), p. 671/12.5TBBCL.G1.S1, “o caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos (ditos de jurisdição contenciosa) e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede é que as resoluções tomadas no âmbito do incidente em apreço, como as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”.

É, por conseguinte, a esta luz que se deve entender o disposto no art. 988.º, n.º 1, CPC, nos termos do qual “as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”, bem como o próprio art. 42.º, n.º 1, do RGPTC, que estabelece que o procedimento tutelar cível de alteração do exercício das responsabilidades parentais tem lugar “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido(…).” O mesmo princípio inspira a norma do art. 41.º, n.º 4 do RGPTC, que prevê a possibilidade de, em sede de incidente de incumprimento, os pais acordarem na alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais.

Por outro lado, circunstâncias supervenientes são as ocorrências posteriores à data do encerramento da discussão – cf. art. 611.º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC.

No caso, convocados factos reconduzíveis à superveniência objetiva, que ocorre quando os factos que configuram a alteração das circunstâncias ocorrem depois do encerramento da discussão da causa em que foi proferida a decisão a alterar.

Ora, no âmbito do procedimento a que alude o art. 42.º do RGPTC, a alteração superveniente das circunstâncias constitui um pressuposto da alteração do regime das responsabilidades parentais. Neste sentido, cf. acs. RE 09-03-2017 (Tomé d’ Almeida Ramião), p. 926/10.3TBBRR-B.E1 e RL 28-03-2019 (Gabriela Marques), p. 1123/09.6T2AMD-A.L1-6., na base de dados já referida.

Como bem se aponta no ac. RG 08-06-2017 (Mª dos Anjos Nogueira), p. 7380/03.4TBGMR-C.G1, “para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.

Dispõe já, como se viu, o art. 42º, nº 4 do RGPTC que junta a alegação do requerido ou findo o prazo da mesma, o juiz, se considerar o pedido infundado ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo condenando em custas o requerente.

O legislador sistematizou a providência de alteração do regime das responsabilidades parentais em dois momentos processuais determinados. Assim, numa primeira fase, perante o requerimento inicial e citado o requerido, deve o juiz efectuar uma análise liminar das questões suscitadas pelas partes e, concluindo que o pedido de alteração é infundado ou desnecessário, ordena o arquivamento do processo condenando o requerente nas custas devidas. Não se justificando esse juízo valorativo, isto é, não evidenciando o processo razões que justifiquem o arquivamento, deve o juiz designar uma conferência de pais, encetando-se, então, nova fase, com aplicação (adaptada), do regime previsto nos arts. 35º a 40º do RGPTC, particularizando-se a possibilidade das partes arrolarem a prova que pretendem ver produzida (art. 39º, nº 4) e o julgamento (art. 39º, nº 7).

Analisando e aplicando este normativo, refere o ac. RG 15-05-2020 (Miguel Baldaia de Morais), p. 5874/17.3T8MTS-B.P1: “Já se deu nota que o processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária, o que significa que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgar mais conveniente e oportuna (art. 987º do Cód. Processo Civil), tendo em vista os interesses a salvaguardar. No entanto, isso não pode significar o desrespeito pelas regras processuais, não devendo confundir-se os critérios de conveniência e oportunidade com a prevalência da subjectividade e discricionariedade do julgador.

Diz-se isto porque, de acordo com o desenho legal, a possibilidade de ser determinado o arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (envolvendo a extinção da instância, mantendo-se, pois, o status quo já fixado) pressupõe um juízo valorativo que se terá de impor com evidência.

Com efeito, neste conspecto, o nº 4 do art. 42º do RGPTC recorre aos adjectivos “infundado” e “desnecessário”, os quais, assumindo natureza de conceitos indeterminados, devem ser interpretados e densificados - como sustenta Oliveira Ascensão em relação a este tipo de conceitos[13]- tendo por base o “critério valorativo fixado na cláusula geral”, sendo efectivamente necessário atender ao caso concreto.

Do que se expôs decorre que o legislador não deixou ao critério ou consideração do tribunal o arquivamento do processo em função de um juízo de (mera) oportunidade, devendo antes filiar esse juízo valorativo em factos que, objectivamente analisados, permitam concluir que a impetrada alteração se revela, em concreto, infundada ou desnecessária.”

Assenta, portanto, o artº 42º do RGPTC, direccionado para a alteração do regime das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, em dois pressupostos específicos e típicos: o incumprimento e a alteração das circunstâncias. Em face do disposto no nº 2, do mesmo dispositivo legal, no articulado em que deduz o pedido o requerente da alteração de regime, está obrigado a expor os seus fundamentos, ainda de modo sucinto. Ou seja, apesar de poder cumprir o ónus adjectivo de alegação consagrado nos arts. 147º e 3º, n.º 1 ambos do CPC de uma forma abreviada/resumida, o requerente não está dispensado, antes pelo contrário, de indicar a “causa petendi” da alteração de regime requerida, o que equivale a dizer que terá sempre de enunciar o facto ou factos de onde emerge o direito que pretende fazer valer. É que, a assim não se entender, estaria desde logo à partida inviabilizada a possibilidade de se assegurar um efectivo contraditório (cfr. artº 3º, nºs 1 e 2, do CPC), na sequência da citação do requerido, sendo que, mesmo onde não se admite o princípio dispositivo e antes vigora o inquisitório, de forma amplíssima, como é o caso dos processos de jurisdição voluntária, (Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, págs. 379/380.) existe a necessidade de se assegurar a discussão entre as “partes”, sendo o processo organizado em forma contraditória.

Mister é verificar, assim, se o ato decisório sob censura se revela (ou não) prematuro em função do posicionamento dos progenitores e dos elementos que constam dos autos.

Anote-se, finalmente, que também essa decisão deverá primordialmente salvaguardar o superior interesse da criança[14] (cfr. art. 1907º, nº 6 do Cód. Civil), e não o interesse dos pais, que apenas terá de ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele. Trata-se, como é consabido, de um conceito indeterminado, cabendo ao julgador densificá-lo valorativamente, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidindo em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado.

Daí que, na esteira das considerações supra expendidas, uma decisão de arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais pressupõe que os elementos recolhidos nos autos apontem no sentido de que o superior interesse da criança não está posto em crise perante a realidade que os mesmos evidenciem e que, nesse contexto, essa alteração se revela, in concreto, desnecessária ou infundada.

Temos para nós que os dados de facto que constam dos autos possibilitam, por ora e com a necessária consistência, suportar a emissão de um juízo valorativo nos descritos moldes, na medida em que os elementos de prova disponíveis permitem, numa análise objectiva, infirmar os factos (relevantes) constantes do requerimento inicial…

Dito isto, temos que, no caso dos autos, em face do alegado pelo requerente, a alteração do regime de residência ou guarda fixado com a progenitora ancora-se em factualidade subsumível a ambos os pressupostos a que alude o nº 1, do artº 42º, do RGPTC. Ou seja, a requerida nova regulação tem como pressuposto existirem circunstâncias supervenientes que obrigam a uma alteração do que estava estabelecido, mais concretamente o facto de o regime fixado estar a ser prejudicial para a criança, nomeadamente por a mãe não ter condições económicas e financeiras para assegurar a residência permanente da menor consigo; a falta de condições habitacionais da nova residência, alterada e o incumprimento da requerida ao negligenciar os cuidados de saúde da criança.

Como referência ao alcance do que se entende por circunstâncias supervenientes susceptíveis de justificar a alteração de regime fixado, nada obsta a que se lance mão, com as necessárias adaptações, claro está, tendo em conta os interesses a salvaguardar (sempre o superior interesse da criança), das condições que justificam, na lei civil, a modificação do contrato por alteração das circunstâncias (cfr. 437°, nº 1,do Cód. Civil), e, consequentemente, se v.g. as circunstâncias em que os progenitores fundaram o acordo a que chegaram no tocante à regulação do exercício do poder paternal, tiverem sofrido uma alteração anormal, então a sua modificação/alteração justificar-se-á, devendo ela assentar em juízos de equidade e na boa-fé, e obviamente, naquilo que impuser o superior interesse da criança (cfr. artº 40º, nº1 do RGPTC). Para tanto, a alusão a circunstâncias supervenientes assenta necessariamente numa aferição e/ou análise comparativa entre o estado actual das coisas e aqueloutro que existia aquando do acordo ou da prolação da decisão em vigor. Por isso é que, só após o confronto de ambos será possível concluir estar-se perante uma alteração anormal, que não apenas perante uma mera evolução natural e previsível da situação existente em momento anterior ao acordo e/ou decisão, a concretizar, ainda que de forma sucinta pelo requerente.

No caso dos autos, como se disse, ancora o requerente a pretendida alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal em vigor, em primeiro lugar, na ausência de condições em casa da mãe[15] e na ausência de meios económico-financeiros da requerida. A factualidade indiciada no relatório social elaborado nos autos infirma a versão carreada pelo requerente no requerimento inicial. Quanto ao mais que vem alegado e que serve de fundamento à acção, as informações recolhidas junto do estabelecimento de ensino não denotam qualquer factor preocupante em relação à estabilidade da menor, apesar da sua mudança de residência, nomeadamente, o mal estar da criança ou ansiedade ou retrocesso na evolução por via do abandono de terapias específicas de que beneficiasse e que confirmem a versão carreada pelo progenitor.

Na verdade, de facto, apenas resultou a mudança de residência da menor, de resto para uma habitação mais próxima da do pai, com o que, previsivelmente, maiores vantagens para uma convivência próxima ou, quando menos, menores inconvenientes para o pai com as conduções… E a alteração da actividade profissional da mãe…

Nenhuma destas realidades se constitui como uma modificação das circunstâncias que justifique a alteração pedida.

A decisão recorrida faz uma correcta e adequada ponderação da situação.

Considerando a idade e os problemas do espectro do autismo da criança é de admitir que tenha dificuldades no processo de adaptação ao novo modo de funcionamento familiar, num espaço distinto, com a mãe e o companheiro desta. Não emerge qualquer outro facto do qual resulte a necessidade ou sequer a conveniência na pretendida alteração. Apenas que o pai/requerente “não vê com bons olhos” as escolhas da mãe… Não já que estas tenham alterado de sobremaneira as condições da filha. Não se vê que a introdução de um novo factor de perturbação, mediante a adaptação ademais a uma outra residência e suas rotinas, a do pai, se imponha perante uma realidade em processo de estabilização.

Caberá, pois, aos familiares adultos, essencialmente aos progenitores e com mais enfâse ao progenitor guardião, conferir-lhe mecanismos de reacção, securizantes, de maneira a que se possa adaptar à sua nova realidade familiar, evitando a introdução ou acrescento de um novo factor de perturbação.

A situação de mudança de residência não é por si suficiente para que se considere alterar o regime de guarda com a progenitora, tanto mais que tal alteração poderá não contribuir para a estabilidade que a criança está em processo de adquirir, perante a mudança de casa que já vivencia.

Manifestamente que afastada qualquer discussão sobre as competências parentais ou o vínculo existente entre pai e filha… Ora, se este foi acautelado na anterior residência e com a guarda a cargo da mãe não se evidencia tal equilíbrio alterado pela mudança da mãe para uma outra casa, com um companheiro e, de resto, mais perto da casa do pai.

Assim, em face do circunstancialismo apurado, entendemos não existir qualquer fundamento para que se proceda a alteração da guarda/confiança da criança com/à mãe, que é para ela benéfico, pois que acautelado um amplo convívio com a figura paterna, competindo aos adultos, mormente a ambos os progenitores, a responsabilidade de acompanhando o crescimento da criança, com autonomia, proporcionar-lhe condições de estabilidade e segurança para que se adapte à sua nova realidade familiar e não introduzir ou acrescer outros “factores de perturbação”, sem que assentem em razões objectivas e demonstradas.

III.

Nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Porto, 08 de Maio de 2025

Isabel Peixoto Pereira

Paulo Duarte Mesquita

Isoleta de Almeida Costa

_______________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 122.
[2] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 670.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 686.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[5] Ou não uso, acrescento nosso.
[6] Ou da evidência destes, no caso do não uso.
[7] Ainda Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anotado, III, tomo 1, 2ª edição, p. 23.
[8] Sempre temos para nós que a omissão pelo juiz de uma iniciativa oficiosa de prova que se lhe impusesse, tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá reger-se no quadro da regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma.
Não sufragamos também o entendimento de que o meio processual único para a arguição da nulidade (processual) decorrente da omissão, como violação legal do princípio do inquisitório, seja a reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão, no prazo de dez dias (arts. 149.º e 199.º, n.º 1, do CPC) após o encerramento da produção de prova ou mesmo após a notificação da sentença, podendo ser interposto recurso da decisão que incida sobre a mesma reclamação.
 A exemplo do que sugerem Paulo Ramos de Faria e  Nuno de Lemos Jorge, em As outras nulidades da sentença cível, Julgar Online, setembro de 2024, p. 1 a 79[8], a p. 48, a propósito de uma hipótese paralela ou assimilável, que vem a ser a da violação de norma legal expressa sem a estatuição da consequência respectiva, a saber, a inobservância da regra da contraditoriedade, parece-nos que a prevalência da apelação como meio impugnatório explica que a violação do art. 411º  do CPC não caia inevitavelmente nas malhas do regime de arguição previsto no art. 195.º e seguintes, quando o recurso é admissível.
 Desta decisão caberá recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir sem a realização necessária do meio de prova que se impunha).
[10] Ainda quando, equivocadamente, se reporte o Recorrente à prova do facto inverso/anverso, a qual não se alcança da decisão recorrida, é possível perceber a discordância com os termos de facto da decisão.
[11] Rigorosamente também não estava em causa qualquer incumprimento do concreto regime das responsabilidades parentais, na falta às consultas de terapia da fala, mas antes um incumprimento mesmo destas responsabilidades, no que concerne aos deveres gerais de cuidado do progenitor.…
[12] Com o que, como se adiantou, desnecessária, por impertinente, a contra-prova de um facto que não logra a mínima indiciação, mediante a averiguação dos rendimentos do companheiro da Requerida.
[13] O Direito – Introdução e Teoria Geral, págs. 248 e seguinte.
[14] Cfr., sobre o conceito,  entre outros Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de divórcio, 6ª edição, revista, aumentada e actualizada, 2016, Almedina, págs. 41 e seguintes, Rui Epifânio e António Farinha, in Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, pág. 376 e seguinte, Almiro Rodrigues, in Interesse do Menor - Contributo para uma definição, in Revista Infância e Juventude, n.º 1, págs. 18 e seguintes e Celso Manata, Superior Interesse da Criança, in http://www.cnpcjr.pt/preview_pag.asp?r=2259.
[15] Sem qualquer sentido a alegação da insuficiência ou falta de condições habitacionais perante as que se apuraram existirem… Um equipamento de calefação vem a ser mais do que as comuns casas portuguesas dispõem.