MÚTUO
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Não basta que o demandante, invocando como causa petendi da sua pretensão um mútuo ou empréstimo, prove, apenas, a entrega de determinado montante pecuniário.
II - Incumbe-lhe, ainda, demonstrar a obrigação de restituição a cargo do demandado, pois que só assim se perfecciona o contrato de mútuo que lhe serve de fundamento.
III - Se fizer prova destes dois elementos constitutivos a acção procede; se o não fizer, a acção tem de improceder

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2025:732/21.0T8PVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., onde concluíram pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de € 32.255,27, acrescida de juros de mora desde 15/02/2021, ascendendo os vencidos à data da propositura da acção a quantia de € 332,27.

Alegou, em síntese, que, nos anos de 2011 a 2019, celebrou com os réus diversos contratos mediante os quais, a título gratuito, lhe entregou diversas quantias que aqueles se obrigaram a restituir-lhe.

Alegou, ainda, que efectuou o pagamento das quantias discriminadas nas alíneas a) a o) do art.º 5.º da petição, entre 06/02/2015 e 11/12/2018, que os réus se obrigaram a restituir-lhe.

Mais alegou que, entre 09/11/2011 e 22/03/2012, entregou aos réus as quantias discriminadas nas alíneas p) a aa) do art.º 5.º da petição, que os réus se obrigaram igualmente a restituir-lhe.

Alegou, ainda, que em 15/01/2021, 18/01/2021 e 02/03/2021 solicitou aos réus a devolução das quantias que lhes tinha entregue e estes não procederam à devolução devida.


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Citados, os réus apresentaram contestação, em que começaram por invocar que o réu CC é parte ilegítima, pedindo a absolvição do mesmo da instância.

No que tange aos empréstimos alegados, impugnaram a sua existência, dizendo que a autora e a ré mantiveram uma relação de amizade e que no âmbito dessa relação se ajudavam uma à outra em função das disponibilidades de tempo e de dinheiro de cada uma.

Segundo a versão dos réus, a autora pagou as despesas da ré discriminadas nas alíneas a) a o) do art.º 5.º da petição, no montante global de € 8.990,71, mas as restantes quantias que depositou na sua conta, discriminadas nas alíneas p) a aa) do art.º 5.º da petição, não foram recebidas pelos réus em seu benefício, mas apenas se destinaram a permitir que a autora obtivesse adiantadamente as quantias tituladas nos cheques pré-datados que lhe eram entregues pela ré, para poder gerir a sua actvidade comercial na empresa Em A... Unipessoal, Lda.

Para efeitos do recebimento dos aludidos adiantamentos, como combinado entre a autora e a ré BB, sensivelmente no dia em que os cheques pré-datados eram entregues pela ré à autora, esta efectuava um ou vários depósitos equivalentes ou de valor semelhante ao valor do cheque sacado pela ré da sua conta do Banco 1... com o n.º ...12.

Defendem que os montantes que a autora alega ter depositado na conta da ré no Banco 1... não configuram qualquer mútuo a favor desta, mas antes eram a reposição dos valores que aquela havia facultado a esta e, com ressalva de pequenas diferenças de valor destinadas a efectuar acertos, a repor valores em que a conta tinha ficado desfalcada na sequência do levantamento da quantia aposta pela autora no cheque, ou por outras razões que esta transmitia à ré, correspondem a um ou mais cheques levantados na mesma data ou em datas próximas e com o mesmo valor do dito depósito em numerário.

Com fundamento na falsa invocação da dívida a que alude nas alíneas p) a aa), a ré BB pediu a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, de montante não inferior a € 2.000,00.


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Notificada, a ré exerceu o contraditório relativamente ao pedido de condenação por litigância de má fé, impugnando a matéria alegada pela ré para o efeito e reafirmando o fundamento da sua pretensão.

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Realizou-se audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada e a conhecer parcialmente do mérito da causa, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de € 8.990,71.

Na audiência prévia, fixou-se ainda o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.


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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.

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Foi proferida sentença que:

a) julgou a acção totalmente improcedente relativamente ao réu e, consequentemente, absolveu o réu de todos os pedidos contra ele formulados pela autora;

b) julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento à autora da quantia remanescente, no montante de € 25.080,00, absolvendo a ré do mesmo.

c) julgou parcialmente procedente o pedido de condenação da ré no pagamento de juros, condenando a ré a pagar à autora juros de mora vencidos à data da propositura da acção no montante de € 91,63, bem como juros de mora que sobre a quantia de € 8.990,71 se venceram desde a referida data até efectivo pagamento desta quantia;

d) julgou o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé totalmente improcedente e, consequentemente, não condenou a autora em multa e na indemnização peticionada.


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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente AA veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

“I. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos que julga improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de € 25.080,00, por entender que a matéria de facto não provada foi incorretamente julgada e não existiu correta aplicação do Direito.

II. Assim, os concretos pontos D) e E) dos factos não provados foram incorretamente julgados.

III. Ora, a Recorrente irá impugnar conjuntamente os suprarreferidos pontos de facto, uma vez que tal matéria, para além de estar interligada entre si, foi aferida e motivada pelos mesmos meios de prova que a seguir se analisarão.

IV. Os factos aqui em causa relacionam-se unicamente com a obrigação da Ré de devolver à Autora as quantias referidas no ponto 2. dos factos provados, o que não foi considerado provado pelo Tribunal a quo.

V. Sucede que, o Tribunal a quo considerou que as declarações da autora e os documentos que a mesma juntou não são suficientes para se dar como provada a relação subjacente à realização dos depósitos, entendimento com o qual a Recorrente não se pode conformar, por entender que logrou demonstrar a concreta imputação dos empréstimos realizados através de tais depósitos.

VI. De facto, resulta claro da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento que a Autora efetuou o empréstimo dos valores referidos no ponto 2 dos factos provados à Ré, tendo a mesma a obrigação de devolver tais quantias à Autora, tendo a Autora sido clara e esclarecedora nas suas declarações, enquanto a Ré se contradiz no depoimento prestado.

VII. Assim, a Autora logrou explicar de que forma procedia aos empréstimos à Ré e de que forma eram movimentados valores por cheques.

VIII. De facto, a Autora peticiona apenas os valores entregues por si à Ré, através de depósitos, relativamente aos quais impendia sobre a Ré a obrigação de os devolver à Autora e não peticiona qualquer valor relacionado com os “cheques de favor” emitidos pela Ré.

IX. Tudo devidamente explicitado pela Autora nas declarações prestadas (mormente 2m 19s, 9m 35s, 11m 26s, 21m 24s, 8m 30s,15m 33s, 39m 51s, 46m 12s, 27m 00s, 44m 55s).

X. Em contrapartida, a Ré, no depoimento prestado (1m 49s, 5m 38s, 16m 10s, 42m 16s, 20m 42s) apenas tentou imputar a cheques de favor toda a relação entre as partes, o que não corresponde à verdade.

XI. Evidenciando-se contradições no seu depoimento, porquanto, por um lado, não se compreende como pode a Ré dizer que não sabia os cheques que eram movimentados e que não ia ver se depois tinha as cadernetas atualizadas e como é só depois de citada é que foi somar valores quando alega ter sido confrontada pelo Banco.

XII. Por outro lado, a alegação da Ré de que os cheques da Autora absorviam o dinheiro que tinha na conta e de que a Autora nunca pagou aos módulos dos cheques, nem as despesas, não é verdade, o que é evidenciado pelo extrato de 2011 (ano em que ficou a dever à Autora os cheques pré-datados), onde sempre que era apresentado a pagamento um cheque da Autora era também realizado um depósito para fazer face a esse cheque, sendo usado pela Ré o valor que entrava a mais para poder fazer levantamentos e pagamentos das despesas, tendo sido depositados, no ano de 2011, o valor de € 141.290,00 e os cheques levantados da conta da Ré totalizam € 140.823,26, o que quer dizer que foi depositado valor a mais, de cerca de € 466,74.

XIII. Para além disto, também não se entende a alegação da Ré de que deu um cheque de garantia em 2008 de € 12.000,00 para pagamento dos valores do Sr. DD e a Autora nunca quis saber do Sr. DD para, depois, em 2012, vir a Autora a rasgar o cheque para depois ir atrás do senhor DD, sendo um raciocínio desprovido de lógica. Para que é que a Autora faria isso?

XIV. Também não é verdade que todos os cheques fossem pré-datados, o que pode ser confirmado através do extrato da conta de cheques junto aos autos a existência de outro tipo de cheques, pois os valores dos factos provado em r) a w) são depósitos para um cheque NÃO pré-datado, o que está refletido no extrato de 2011 da Ré, concretamente, no dia 24/11/2011.

XV. Igualmente, a Autora não escondeu que eram pedidos cheques a outras pessoas, sendo que tal facto não se encontra refletido na listagem do Banco 2... porque, conforme resulta do documento do Banco 2... junto ao extrato da conta dos pré-datados, apenas estão lá refletidos os cheque que foram para a conta da Ré, sendo por isso que os cheques que foram para a conta da testemunha EE não estão aqui refletidos.

XVI. A Autora fazia cheques de garantia para a testemunha EE porque a mesma estava a fazer um favor à Autora e não havia nenhum favor em troca. Ao contrário do que se passava com a Ré, em que a Ré fazia o favor de emprestar cheques e a Autora emprestava-lhe dinheiro, o que não acontecia com a testemunha EE.

XVII. Conforme resulta do depoimento da testemunha EE (3m 58s, 20m 20s, 27m 27s), a relação entre a Ré e a testemunha EE diferenciava-se da relação com a Ré, não havendo empréstimo de valores à testemunha EE (20m 20s).

XVIII. Sendo que, não é de estranhar que a testemunha EE não soubesse do estado da relação da Autora e Ré uma vez que a Autora encerrou a loja em 2014 e a relação deteriorou-se após 2020 (0m 24s, 43m 00s).

XIX. Desta forma, a Autora demonstrou os depósitos efetuados na conta da Ré, logrando provar a entrega dos valores aqui em causa à Ré e, conforme resultou da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, logrou a Autora demonstrar de que foram realizados os empréstimos e que os mesmos eram efetivamente realizados e devidos pela Ré, não se tratando dos valores aqui em causa de depósitos relativos a “cheques de favor”.

XX. Não ficou demonstrada qualquer liberalidade da Autora à Ré quanto aos valores depositados a que se referem o ponto 2 dos factos provados, pelo que, tais valores devem ser restituídos à Autora.

XXI. Deve, assim, considerar provado que “- A ré obrigou-se a devolver as quantias referidas em 2. dos factos provados à autora, sem juros” e que “- A autora e ré sabiam que eram devidas à autora as quantias referidas em 1. e 2. dos factos provados”.

XXII. Pelo que, face à alteração da matéria de facto, impõe-se, necessariamente, alteração da decisão proferida.

XXIII. Desta forma, a Autora logrou demonstrar a deslocação patrimonial para a Ré, assim como, a existência de um acordo mediante o qual a Ré se obrigou a restituir igual quantia pecuniária à Autora.

XXIV. Deve, por isso, o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico celebrado entre as partes, por falta de forma, e deve a Ré ser condenada na restituição do capital “mutuado”, acrescido de juros de mora.

XXV. Em todo o caso, sempre se dirá que resulta dos factos provados a existência de depósitos de quantias monetárias a favor da Ré e que não se verifica provada qualquer matéria relativa à justificação de tais depósitos que tenha sido apresentada como matéria de exceção para justificar a inexistência da restituição de tais valores na posse da Ré.

XXVI. Pelo que, resultando provado a transferência patrimonial de montantes da Autora à Ré, sem que tenha sido demonstrado e provado qualquer facto justificativo que impeça o pedido de reembolso do crédito da Autora, terá, naturalmente, de ser julgada procedente a presente ação, ficando obrigada a Ré a restituir à Autora os montantes em causa e que constam dos factos provados em 2.

XXVII. A interpelação judicial da Ré para restituição de tais valores corresponde à reclamação de tal valor à Ré, sendo certo que apenas com a mesma a Ré restituiu os valores constantes dos factos provado em 1. à Autora.


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos provados

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. A autora efectuou os seguintes pagamentos a pedido ou por conta da ré:

a) € 4.632,52, em 06/02/2015, através de pagamento por multibanco de valores em execução pendente em tribunal;

b) € 139,62, em 09/09/2015, através de pagamento por multibanco de valores relativos a consumo de telefone;

c) € 177,20, em 15/10/2015, através de pagamento por multibanco de valores relativos a propinas da Faculdade da filha;

d) € 265,89, em 04/10/2015, através de pagamento por multibanco de valores à Segurança Social;

e) € 138,00, em 31/07/2017, através de pagamento por multibanco de valores relativos a inscrição no Mestrado da filha dos Réus;

f) € 135,00, em 20/09/2017, através de pagamento por multibanco de valores relativos a certificado de habilitações da Faculdade da filha dos Réus;

g) € 240,00, em 17/01/2018, através de pagamento por multibanco de valores relativos a propinas da Faculdade da filha dos Réus;

h) € 320,00, em 15/06/2018, através de pagamento por multibanco de valores relativos a propinas da Faculdade da filha dos Réus;

i) € 500,00, em 04/07/2018, através de pagamento por multibanco de valores relativos a propinas da Faculdade da filha dos Réus, efetuado em quatro pagamentos no valor de € 125,00 cada um;

j) € 129,66, em 05/07/2018, através de pagamento por multibanco de valores relativos a propinas da Faculdade da filha dos Réus;

k) € 39,71, em 11/07/2018, através de pagamento por multibanco de valores relativos a consumo de electricidade;

l) € 638,86, em 31/10/2018, através de pagamento por multibanco de valores à Segurança Social;

m) € 22,08, em 16/11/2018, através de pagamento por multibanco de valores de compra realizada para a filha dos Réus;

n) € 1.474,96, em 11/12/2018, através de pagamento por multibanco de valores à Autoridade Tributária;

o) € 137,21, em 11/12/2018, através de pagamento por multibanco de valores à Autoridade Tributária.

2. Nos anos de 2011 a 2019, a autora efectuou os depósitos das seguintes quantias na conta da ré:

1.1. € 1.000,00, em 09/11/2011;

1.2. € 1000,00, em 25/11/2011;

1.3. € 550,00, em 30/12/2011;

1.4. € 1.950,00, em 02/01/2012;

1.5. € 110,00, em 03/01/2012;

1.6. € 4.460,00, em 09/01/2012;

1.7. € 5.260,00, em 10/01/2012;

1.8. € 2.440,00, em 11/01/2012;

1.9. € 2.010,00, em 10/02/2012;

1.10. € 1.610,00, em 09/03/2012;

1.11. € 3.690,00, em 20/03/2012;

1.12. € 1.000,00, em 22/03/2012.

3. Autora e ré acordaram que as quantias referidas em 1. seriam devolvidas pela segunda à primeira, sem juros.

4. Em 15/01/2021, 18/01/2021 e 02/03/2021, a autora solicitou à ré a devolução das quantias que lhe emprestou.


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2.2. Factos não provados

O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:

a) A autora também efectuou os pagamentos referidos em 1. a pedido do réu ou por conta do réu.

b) As quantias referidas em 2. dos factos provados foram depositadas em conta do réu ou a pedido deste.

c) O réu obrigou-se a devolver as quantias referidas em 1. e 2. dos factos provados à autora, sem juros.

d) A ré obrigou-se a devolver as quantias referidas em 2. dos factos provados à autora, sem juros.

e) A autora sabia que para além das quantias referidas em 1. dos factos provados mais nenhuma lhe era devida.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões por resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:

- Da impugnação da matéria de facto;

- Do mérito do decidido.


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4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1. Da impugnação da Matéria de facto

A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto relativamente aos factos que constam das alíneas d) e e) dos factos não provados.

Defende que os referidos factos sejam dados como provados.

Vejamos, então.

No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.

Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.

Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.

Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.

Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.

Entende a Apelante que o Tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria de facto constante das alíneas D) e E), a qual, segundo defende, deveria ter sido dada como provada.

Consta das referidas alíneas que:

“d) A ré obrigou-se a devolver as quantias referidas em 2. dos factos provados à autora, sem juros.

e) A autora sabia que para além das quantias referidas em 1. dos factos provados mais nenhuma lhe era devida.”

Conforme se afere da argumentação da Autora/Apelante, os cheques disponibilizados pela Ré BB eram depositados pela mesma numa conta de pré-datados (também designada de “pós-datados”) da qual era titular uma empresa detida pela própria e que tinha sido aberta em Fevereiro de 2010, sendo que, após o depósito do cheque, o banco disponibilizava 90% do valor desse cheque, obtendo, dessa forma, financiamento para a actividade da sua empresa, a qual estava a atravessar dificuldades.

Sucede, ainda, que, de acordo com a versão que a Autora/Apelante trouxe aos autos em sede de Declarações de Parte, a Ré teria pedido para se financiar com o depósito dos seus próprios cheques na dita conta de pré-datados.

Resulta, todavia, da prova que, fruto da relação de confiança que à data unia Autora/Apelante e Ré/Apelada, esta disponibilizou àquela molhos de cheques por si assinados, para que esta os usasse para financiar a actividade da empresa de que era titular através da utilização de uma conta de pré-datados (também designada de “pós-datados”).

De resto, nas suas declarações, a Ré, seguindo as cópias das cadernetas da sua conta no Banco 1... explica, de forma clara, os mecanismos de utilização dessa mesma conta bancária por parte da Autora em proveito de si própria.

Assim, resulta das declarações da Ré, que, a pedido da Autora/Apelante, e fundada na amizade que então as unia, a Ré/Apelada BB requisitava cheques da sua conta bancária nº ...12, do Banco 1..., nesses cheques limitava-se a apor a sua assinatura, entregava-os, de seguida, à Apelante que, por sua vez, colocava nesses mesmos cheques o valor e a data que bem entendia, depositando-os, depois, numa conta que detinha no Banco 2....

Com o depósito dos cheques, esta instituição bancária libertava uma percentagem sobre o montante depositado, o que permitia à Apelante obter, adiantadamente, as quantias de que necessitava para poder gerir a sua actividade.

Por sua vez, sensivelmente no dia em que o cheque em causa era sacado da referida conta do Banco 1..., a Autora efectuava nessa conta um ou vários depósitos equivalentes, ou de valor semelhante, ao do cheque em questão, repondo, por esta via, o dinheiro que a Ré lhe tinha facultado através da entrega dos seus cheques apenas assinados por si.

Destarte, analisando os depósitos mencionados pela Autora/Apelante entre as alíneas p) e aa) do artigo 5º da Petição Inicial e confrontando-os com as cópias das cadernetas do Banco 1... que a Ré BB juntou à sua Contestação, estabelece-se a ligação entre os cheques pré-datados que esta entregou àquela apenas assinados e os depósitos em numerário que a Apelante efectuava na conta da Apelada para repor os valores que lhe tinham sido por esta adiantados ao facultar-lhe a utilização dos seus cheques.

Assim:

- al. p) do art. 5º P.I. - €1.000,00 depositados em 09/11/2011, referem-se aos €1.000,00

levantados no mesmo dia através do cheque nº ...47-2 – movimentos das linhas 15 e 14 da pág. 6 da Caderneta Bancária – DOC. CINCO-1 da Contestação;

- al. q) do art. 5º da P.I. - €1.000,00 depositados em 25/11/2011, referem-se aos €1.000,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...94 – movimentos da linha 01 da pág. 8 da Caderneta e da linha 20 da pág. 7 da Caderneta Bancária– DOC. CINCO-2 e CINCO-1 da Contestação;

- al. r) do art. 5º da P.I. - €550,00 depositados em 30/12/2011, referem-se aos €500,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...53-5 – movimentos das linhas 14 e 13 da pág. 9 da Caderneta Bancária – DOC. CINCO-3 da Contestação;

- al. s) do art. 5º da P.I. - €1.950,00 depositados em 02/01/2012, referem-se aos €2.000,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...35 (e, desta forma, ficam compensados os €50,00 depositados a mais em 30/12/2011) – movimentos das linhas 18 e 17 da pág. 9 da Caderneta Bancária – DOC. CINCO-3 da Contestação;

- al. t) do art. 5º da P.I. - €110,00 depositados em 03/01/2012, referem-se, juntamente com €1.520,00 depositados em 05/01/2012, aos €1.600,00 levantados a 05/01/2012 através do cheque nº ...59-4 - movimentos da linha 20 da Caderneta DOC. CINCO-3 da Contestação e das linhas 06 e 05 da pág. 1 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-1 da Contestação;

- al. u) do art. 5º da P.I. - €4.460,00 e al. v) do art. 5º da P.I. - €5.260,00, depositados em 09/01/2012 e 10/01/2012, respectivamente, referem-se, no seu conjunto, aos €4.200,00 e aos €5.500,00 levantados no mesmo dia através dos cheques nº ...56-1 e ...60-5, no seu conjunto – movimentos das linhas 08 e 10 e 07 e 09 da pág. 1 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-1 da Contestação;

- al. w) do art. 5º da P.I. - €2.440,00 depositados em 11/01/2012, referem-se aos €2.400,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...59-4 – movimentos das linhas 11 e 10 da pág. 1 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-1 da Contestação;

- al. x) do art. 5º da P.I. - €2.010,00 depositados em 10/02/2012, referem-se aos €2.000,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...24-6 – movimentos das linhas 03 e 02 da pág. 2 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-2 da Contestação;

- al. y) do art. 5º da P.I. - €1.610,00 depositados em 09/03/2012, referem-se aos €1.600,00 levantados no mesmo dia através do cheque nº ...09-5 – movimentos das linhas 17 e 16 da pág. 2 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-2 da Contestação;

- al. z) do art. 5º da P.I. - €3.690,00 depositados em 20/03/2012, referem-se às quantias

de €900,00, €1.500,00 e €1.300,00 levantadas no mesmo dia através dos cheques nº ...59-5, ...58-4 e 12-1, respectivamente – movimentos das linhas 10 e 07, 08 e 09 da pág. 3 da Caderneta Bancária – DOC. SEIS-2 da Contestação;

- al. aa) do art. 5º da P.I. - €1.000,00 depositados em 22/03/2012, referem-se aos €1.000,00 levantados no mesmo dia através do cheque n...14-5 – movimentos das linhas 16 e 15 da pág. 3 da caderneta – DOC. SEIS-2 da Contestação.

Destarte, apesar de resultar da prova que era a Ré BB quem financiava a Autora AA, esta, em sede de audiência de julgamento ofereceu uma versão, diferente da que tinha trazido aos autos na petição inicial.

Assim, segundo a Autora/Apelante, a Ré/Apelada também lhe teria pedido para descontar a seu favor cheques na conta de pré-datados.

Sucede, porém, que esta versão não só é desmentida pela Ré BB, como não encontra respaldo na documentação junta aos autos.

Assim, se é certo que a Ré nega a versão da Autora/Apelante, também é certo que essa versão da Apelante mostra-se imbuída de contradições que resultam das palavras da própria.

Com efeito, e como atrás referido, segundo a versão da Apelante, a partir de certo momento, que a própria localiza temporalmente na primeira metade do ano de 2010, a Ré BB pediu-lhe para descontar cheques em seu proveito, pois, por essa altura, a Autora já teria crédito e capacidade financeira, sendo essa, afinal, a questão que estava em discussão nos autos.

Assim, defende a Apelante que abriu a conta de pré-datados em Fevereiro de 2010 para fazer face às dificuldades que a sua empresa estava a atravessar.

Porém, segundo a própria, a partir de Maio desse mesmo ano estaria a usar essa mesma conta a favor da Ré BB.

Ou seja, entre Fevereiro e Maio de 2010, segundo a versão da Autora/Apelante, a mesma conseguiu de tal forma ultrapassar as dificuldades com que se enfrentava a empresa que detinha, que até já podia financiar a Ré BB.

Todavia, conforme consta expressamente dos Requerimentos da Autora de 18/09/2023 e 22/01/2024, assim como do Requerimento dos Réus de 01/02/2024, mas igualmente conforme consta do depoimento e das declarações de parte citadas nas Alegações da Autora como tendo sido proferidas entre os 05m06s e os 06m45s, nos cheques que se encontram juntos aos autos, e que estão em discussão na presente demanda, a Ré BB limitava-se a assiná-los, sendo a Autora quem neles escrevia o valor e a data.

Ora, se é certo que tal prática, à luz das regras da lógica e da experiência comum, faz sentido nos cheques que a Ré BB disponibilizava à Autora para esta financiar a actividade da sociedade de que era detentora, porém, já não o faz se tais cheques se destinassem a financiar a Ré, pois, nesse caso, o normal seria a Ré não só assinar os cheques, mas também apor a data e o valor.

Além disso, segundo as declarações e o depoimento de parte da Autora transcritas nas suas Alegações como sendo as proferidas entre os 09m35s e os 10m51s, os empréstimos à Autora teriam ocorrido até 22/03/2012, sendo certo que nessa data ocorreu o depósito identificado na alínea aa) do art. 5º da P.I..

A Autora, todavia, decidiu juntar aos autos, a 27/06/2024, um conjunto de talões de depósitos na conta da qual a Ré BB era titular no Banco 1..., e que se encontravam em poder da Autora por terem sido realizados com dinheiro seu, mas levados ao banco pela sua funcionária, EE, testemunha nos autos, dos quais resulta que o último depósito em dinheiro foi realizado a 07/05/2012, no valor de € 700,00.

Assim, a ser verdadeira a versão da Autora/Apelante segundo a qual entre Maio de 2010 e 22/03/2012 seria ela a financiar a Ré BB e não o contrário, então a conta do Banco 1... da qual esta era titular teria estado com saldo positivo até esse dia 07/05/2012 e, findo o alegado financiamento da Autora, teria a partir dessa data entrado em saldo negativo.

Todavia, do extracto de movimentos da conta da Ré BB junto aos autos por e-mail enviado pelo Banco 1... a 12/12/2024 resulta, precisamente, o contrário.

Assim, se até 07/05/2012 a conta da Ré oscila entre saldos positivos e negativos, a partir dessa data a conta nunca mais volta a apresentar saldo negativo.

Ou seja, se fosse verdadeira a versão da Autora, não só a conta da Ré BB teria que apresentar permanentemente saldos positivos durante o período dos alegados “empréstimos”, como teria, necessariamente, que cair para negativo e assim se manter após ter terminado esse dito “financiamento”.

Ora, cotejando o atrás referido extracto do Banco 1... junto aos autos por esta instituição a 12/12/2024, resulta que sempre que a Autora/Apelante deposita um cheque assinado pela Ré BB, a conta desta passa de um saldo positivo para um saldo negativo, só retomando o saldo positivo (e nem sempre) quando a Autora repõe o valor do cheque.

Ou seja, ao invés daquilo que a Autora/Apelante quer dar a entender nas suas Alegações quando insinua que a conta da Ré apresentava saldos positivos graças à Autora e como se constata da leitura dos extractos que o Banco 1... juntou aos autos a 12/12/2024, por diversas vezes a conta da Ré BB ficou a negativo.

Por outro lado, refere a Autora/Apelante que a partir do momento em que o seu irmão foi preso em 2012 e que a própria teve que começar a gerir os negócios deste, passou a ter à sua disposição enormes quantidades de dinheiro, pelo que deixou de ter falta de liquidez.

Sucede, porém, que a versão da Autora esbarra com a realidade constante dos extractos do Banco 2... juntos por esta instituição aos autos por e-mail de 14/04/2023.

Com efeito, cotejando os referidos extractos constata-se que a partir de Maio de 2012 a conta entra a negativo e assim permanece quase diariamente.

Relativamente à questão das verbas que envolvem um tal de Sr. DD, a versão da Autora não faz sentido, como, aliás, bem o nota a Senhora Juiz a quo.

Com efeito, se os cheques não são pré-datados, como a Autora o disse, e se eram para a Ré reembolsá-la de uma quantia de €12.000,00 que tinha emprestado a um amigo seu, por estar convicta de que este iria pagar-lhe a dita quantia, o normal seria esperar por esse pagamento e só então passar-lhe um cheque de €12.000,00.

E, a haver fraccionamento do valor em três cheques diferentes, tal só faria sentido, à luz das regras da lógica e da experiência comum, se o recebimento da quantia emprestada fosse, também ele, fraccionado. E por último, não faz qualquer sentido fraccionar um valor em três cheques para serem depositados em três dias seguintes.

Ainda a este propósito, defende a Autora/Apelante que não tem lógica a explicação dada pela Ré de que aquela rasgou o cheque depois de esta ter ido visitar o irmão daquela à cadeia.

Antes pelo contrário. No contexto em que ocorreu, faz todo o sentido, à luz das regras da lógica e da experiência comum.

Como se vê, a lógica é simples à luz das referidas regras: em agradecimento à Ré BB por esta a ter ajudado nos difíceis momentos que se seguiram à prisão do seu irmão, a Autora prescindiu do cheque-garantia da Ré, rasgando-o, optando por cobrar a quantia em questão directamente ao referido Sr. DD.

De resto, a própria Autora não nega o reconhecimento que tem pela ajuda que recebeu da Ré naquela fase da sua vida:

Relativamente às verbas elencadas na alínea z) do art. 5º da P.I., três cheques da Ré que se encontravam pré-datados para 19/07/2012, 19/08/2012 e 30/09/2012, respectivamente no valor de €1.500,00, €900,00 e €1.300,00 e que, portanto, totalizavam o montante de €3.700,00, foram movimentados antecipadamente 20/03/2012 porque a Ré teria dito à Autora que já o podia fazer pois já tinha dinheiro na conta para que fossem descontados.

Todavia, de acordo com os extractos juntos aos autos a 12/12/2024 pelo Banco 1..., constata-se que nem na véspera, nem na antevéspera, nem antes, a conta da Ré dispunha de saldo suficiente para acomodar o desconto de tais cheques, sendo que, após terem sido descontados, a referida conta bancária até ficou com um saldo negativo €3.638,55.

Mas, se afinal a conta da Ré não tinha saldo suficiente (ao contrário do que a Autora dá a entender que aquela lhe teria transmitido) impõe-se, então, perceber qual o motivo que levou a Autora a movimentar no mesmo dia do mês de Março de 2012, três cheques que estavam datados para Julho, Agosto e Setembro.

Ora, das declarações de parte da Ré BB, prestadas na sessão de Julgamento de 29/04/2024, com início às 11h12m20s, resulta que a Ré BB comunicou à Autora que ia deixar de requisitar cheques para lhe entregar a fim de depositá-los na conta de pré-datados por ter sido alertada pelo gerente do balcão do Banco 1... para terminar com tal prática.

Assim, a Autora/Apelante ao ter recebido da Ré/Apelada a informação de que o banco a tinha proibido de requisitar mais cheques, mas que os que fossem apresentados à cobrança seriam pagos, antecipou a apresentação à cobrança dos cheques que tinha em seu poder, no caso os três cheques pré-datados para Julho, Agosto e Setembro desse ano.

De resto, a Autora AA reconhece ter sido informada pela Ré BB do teor da reunião desta com o gerente do balcão do Banco 1... e, das suas palavras, depreende-se que deixou de usar os cheques da Ré por essa altura.

Além disso, é de salientar que, não obstante não se recordar deste episódio em concreto, a testemunha FF, gerente do balcão da Póvoa de Varzim do Banco 1.... à data dos factos em discussão nesta parte, presta um depoimento que vai de encontro ao da Ré BB.

Conforme é assumido pela própria Autora, não foi apenas junto da Ré BB que usou o “esquema” de que lançou mão para financiar a sociedade de que era titular.

Uma das pessoas de quem se socorreu foi a empregada de balcão da sua loja, a testemunha EE, que também se viu confrontada pelo banco onde detinha a conta bancária que era usada para movimentar os cheques que disponibilizava à Autora, que a obrigou a terminar com tal prática.

O primeiro aspecto que salta à evidência do depoimento de EE, é que a testemunha EE entregou cheques seus assinados por si à Autora no período que vai de 2012 a 2014.

Ou seja, a Autora/Apelante socorreu-se da testemunha EE para financiar a sua actividade (fosse empresarial ou pessoal), a partir do momento em que a Ré BB deixou de o fazer.

Por outro lado, e à semelhança do que sucedia com a Ré BB, também a testemunha EE acabou por perder o controle dos cheques que entregava à Apelante, a tal ponto que o banco (no caso, o “Banco 3...”) cancelou-lhe o levantamento de mais cheques. E tal como tinha sucedido com a Ré BB.

Assim, conclui-se que a Autora/Apelante socorria-se de terceiros para financiar a sua actividade, ou mesmo a sua vida pessoal, através do esquema de utilização de cheques emitidos por esses terceiros.

Alega, contudo, a Autora que nem todos os cheques eram pré-datados e que, por isso, nem todos surgem identificados na listagem do Banco 2... anexo à Declaração emitida por esta instituição com data de 05/006/2024 e que juntou aos autos.

Contudo, não é curial que da dita listagem do Banco 2... que a Autora juntou, não constem todos os cheques em discussão na presente demanda, ou seja, não constem todos os cheques que a Ré relacionou entre os arts. 55º e 66º da Contestação, e cujas cópias o Banco 2... juntou aos autos a 14/04/2023 e a 15/06/2023, na medida em que no quadro sob a epígrafe “Cheques Banco 1... apresentados OIC” inserido no e-mail que o Banco 1... enviou para os autos a 12/12/2022 apura-se que todos os referidos cheques foram depositados no Banco 2....

Assim, se todos os cheques que a Ré BB entregou à Autora foram, segundo o Banco 1..., depositados no Banco 2... (e tanto assim, que, como se viu, foi esta instituição que enviou para os autos as cópias dos referidos cheques) o que é que a Autora estava a encobrir, sendo a explicação dada pela testemunha GG, bancário que exerceu funções no balcão do Banco 2... onde a Autora tinha as suas contas domiciliadas.

Ou seja, como ficou demonstrado, todos os cheques que a Ré entregou à Autora a pedido desta para financiar a sua actividade, fosse a empresarial, fosse pessoal, foram utilizados em proveito próprio da Demandante.

Dito de outra forma: não só não existe a mínima prova, ou sequer indício, de que os depósitos efectuados pela Autora na conta do Banco 1... da qual a Ré BB é titular configuravam qualquer empréstimo a favor desta, na medida em que todos os depósitos em numerário destinavam-se a repor valores levantados dessa conta através dos cheques que a Ré/Apelada tinha facultado à Autora/Apelante, como até resulta que era a Ré BB quem emprestava à Autora AA.

Dúvidas não subsistem, portanto, que os pontos d) e e) dos Factos Não Provados foram correctamente julgados.

Assim, a apreciação da Sr.ª Juiz a quo surge-nos como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.

Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.

Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.

Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.


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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim a fixada em 1ª Instância.

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4.2. Do mérito da decisão

A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.

Sustenta tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama.

Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma afigura-se-nos que à luz da mesma se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Com efeito, resulta da prova produzida que inexistiu qualquer empréstimo da Autora/Apelante a favor da Ré/Apelada.

Conforme resulta da prova produzida, não existe sequer a mínima evidência de que a Ré/Apelada tivesse acordado restituir à Autora/Apelante qualquer quantia que tivesse sido depositada na sua conta.

Ao invés, foi a Ré que facultou à Autora conjuntos de cheques por si assinados, para que esta os utilizasse em seu proveito através da obtenção de crédito bancário que lhe era concedido numa conta de pré-datados do Banco 2..., sendo que todas os depósitos efectuados pela Autora na conta da Ré mais não eram do que a reposição dos montantes que lhe tinham sido facultados por esta através da utilização dos seus cheques.

Acresce que, não basta demonstrar a deslocação patrimonial para se provar a existência do contrato de mútuo.

Tinha, ainda, que demonstrar a obrigação da Ré em restituir-lhe, o que não ocorreu.

Ou seja, “não basta que o demandante, invocando como causa petendi da sua pretensão, um mútuo ou empréstimo, prove apenas a entrega de determinado montante pecuniário;

Incumbe-lhe ainda demonstrar a obrigação de restituição a cargo do demandado, pois que só assim se perfecciona o contrato de mútuo que lhe serve de fundamento.

Se fizer prova destes dois elementos constitutivos a acção procede; se o não fizer, a acção tem de improceder.

(…)

não basta ao demandante demonstrar a deslocação patrimonial, sendo ainda mister demonstrar que nos termos convencionados essa deslocação patrimonial tinha que ser revertida, isto é, que o demandado estava obrigado a restituir a quantia mutuada”[1].

De resto, como é consabido, sobre o autor impende o ónus da prova dos elementos constitutivos do direito que invoca e que judicialmente pretende ver tutelado. Sendo que, caso não cumpra tal ónus, ou mesmo em caso de dúvida, a questão é decidida contra si – artºs 342º e 346º do Código Civil.

Assim, ao contrário daquilo que se alega em sede do Recurso, não era a Ré que tinha que provar a matéria justificativa dos depósitos, mas sim a Autora que tinha que provar os factos constitutivos do direito de que se arroga.

Mas, ainda assim – e apesar de não ter que o fazer – certo é que, da prova produzida, resulta evidente que a Ré demonstrou a razão de ser dos depósitos efectuados na sua conta do Banco 1....

Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.


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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.


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Custas a cargo do apelante.

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Notifique.

Porto, 08 de Maio de 2025

Relator: Paulo Dias da Silva

1.º Adjunto: António Carneiro da Silva

2.º Adjunto: Manuela Machado

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

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[1] Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24/09/2018, processo nº 552/15.0T8FLG.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.