TRANSAÇÃO JUDICIAL HOMOLOGADA POR SENTENÇA TRANSITADA
RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
AÇÃO DE ANULAÇÃO DA TRANSAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Sumário

I - A sentença homologatória de transação judicial, transitada em julgado, só pode ser revertida no recurso de revisão.
II - No caso de transação judicial homologada por sentença transitada, tendo o recurso de revisão, com este fundamento, sido liminarmente indeferido por extemporaneidade, dado que tal decisão não constitui caso julgado material, não há impedimento formal à subsequente ação de anulação da transação.
III - Apenas ocorre caso julgado material impeditivo de ação de anulação de negócio de transação judicial no caso de ter naufragado o recurso de revisão por caducidade do direito de requerer a anulação da transação, porquanto esta caducidade tem um efeito extintivo do direito material, não sendo admissível nova decisão sobre a questão forma-se caso julgado material.
IV - A omissão de notificação nos termos do artigo 291º nº 3 do cpc, tendo sido proferida sentença homologatória da transação, constitui nulidade processual dispondo a parte do recurso da sentença com esse fundamento.

Texto Integral

Processo: 80/22.8T8MLD-B.P1





Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO




AA e marido BB, Autores nos autos de divisão de coisa comum a que estes são apensos, vieram intentar ação declarativa de nulidade e anulabilidade de transação judicial, objeto a transação homologada por sentença de 05.03.2024 (referência 131951463), proferida nos referidos autos principais, o que fazem nos termos do disposto no artigo 291.º do Código de Processo Civil.
Formularam o seguinte pedido:
Requer-se que seja declarada nula e anulada a transação homologada por sentença em 05.03.2024.

*

Subsequentemente à petição inicial foi proferido o seguinte despacho de indeferimento liminar:
“Por requerimento de 05.09.2024, já tinham vindo estes mesmos Requerentes interpor recurso extraordinário de revisão da supra referida transação (cfr. apenso A).
Tal recurso extraordinário de revisão foi objeto de indeferimento liminar, por despacho de 21.09.2024, proferido nesse mesmo apenso A e já transitado em julgado.
(…)
“ A parte, para anular transação homologada por decisão judicial transitada em julgado, tem ao seu alcance duas vias por que pode optar: ou lança mão de ação declarativa visando a anulação da transação (art. 291º, nº 2, CPC) e, procedente esta, recorre ao recurso de revisão; ou recorre, desde logo, ao recurso de revisão com vista à anulação da transação e à revogação da decisão homologatória (art. 696º, a. d), do CPC).” (Sublinhado e destacado nosso.)
Assim: ou a parte interpõe, desde logo, recurso de revisão, como já fizeram os ora Requerentes, o qual, caso fosse procedente, determinaria a declaração de nulidade ou a anulação da transação (e consequente revogação da decisão homologatória); ou a parte propõe ação para declaração de nulidade ou anulabilidade da transação, como vêm agora fazer os Requerentes.
(…)
Assim sendo, face ao exposto, ao abrigo das disposições citadas, por manifesta impossibilidade legal, indefere-se liminarmente a presente ação proposta pelos Requerentes, AA e marido BB”.
DESTA DECISÃO APELARAM OS AA QUE FORMULARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES AO QUE INTERESSA E EM SINTESE:
(…)
16.ª–Os Recorrentes interpuseram Recurso Extraordinário de Revisão da Transação Judicial, homologada por Douta Sentença de 05/03/2024 (referência 131951643), proferida nos autos principais,
17.ª – O Requerimento de interposição deste recurso foi liminarmente indeferido por manifesta extemporaneidade com o fundamento, de extemporaneidade por ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias (artigo 697.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) sobre a data do trânsito em julgado da referida Sentença homologatória.
42.ª – Os Recorrentes tinham duas vias para contrariar tal indeferimento: ou interpunham recurso do Despacho que não admitiu o recurso por extemporâneo, ou lançava mão na propositura da Acão Declarativa de Nulidade e Anulabilidade de Transação Judicial cuja possibilidade é-lhes conferida pelo artigo 291.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
43.ª –Deste modo, os ora Recorrentes, Autores na Acão principal, decidiram, propor contra os Recorridos a Acão Declarativa de Nulidade e Anulabilidade de Transação Judicial por apenso à Acão de Divisão de Coisa Comum que, foi objeto da transação .
(…)
45.ª - Na óptica das decisões proferidas pelo Tribunal a quo – indeferimento do recurso e rejeição liminar da ação – os ora Recorrentes nada podem fazer: já que não podia interpor recurso porque a sentença já havia transitado; não podia a mesma ser objeto de recurso de revisão, porque já tinha decorrido o prazo de 60 dias previsto no artigo 697.º, n.º 2, do CPC e não podiam, agora, arguir a nulidade da sentença homologatória porque já tinha usado o recurso extraordinário de revisão (…)
46.ª – A Douta decisão de que se recorre, bem como, a sua fundamentação, salvo o devido respeito, é contrária a lei.
47.ª – Primeiro, porque (…) a Sentença homologatória da transação não transitou em julgado por preterição do artigo 291.º, n.º 3, do CPC quanto aos Recorridos, e pela nulidade resultante da falta de mandatário nos Autos por parte dos Recorrentes e pela não sanação deste vício nos termos dos artigos 44.º, n.º 1, 45.º, n.º 2 e 48.º, n-º 2, todos do CPC.
49.ª - Não tendo sido proferida decisão de mérito sobre o recurso extraordinário de revisão porque o requerimento da interposição de tal recurso foi, imediatamente, rejeitado, lógico é de concluir que esta possibilidade conferida à parte, ora Recorrentes, pelo artigo 291.º, n.º 2, do CPC não foi por estes “utilizada” restando-lhes a outra alternativa que é a ação destinada à declaração de nulidade e anulabilidade da transação, ou seja, a presente ação.
(…)
52.ª – A Douta decisão de que se recorre, violou assim, para além do mais, os artigos 286.º e 287.º, n.º 2, ambos do Código Civil e os artigos 291.º, n.º 2, 696.º e 697.º do CPC.
Termos em que, deve a decisão de que se recorre ser revogada e proferido douto acórdão que admita a Acção de Divisão de Coisa Comum.
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Os recorridos juntaram resposta a sustentar a falta de fundamento da causa e do recurso
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Nada obsta ao mérito.
O
O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões dos recorrentes a única questão a decidir é a de saber se:
A instauração prévia de recurso de revisão para anulação de transação judicial, cuja petição foi indeferida liminarmente por extemporaneidade preclude o direito de posteriormente ser intentada ação de anulação do negócio da transação judicial.
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O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Aos factos mencionados no relatório supra acresce ainda a seguinte factualidade que resulta destes autos e apensos:
1- Conforme ata de 5-03-2024, constante dos autos principais foi homologada por sentença a transação das partes.
2- Consta da respetiva ata que estavam presentes os AA, e mandatária (…)
3- Que esta sentença foi logo notificada a todos os presentes.
4- A 5-09-2024 os AA por apenso àqueles autos apresentaram recurso de revisão, fundado na alínea d) do artigo 696º do Código de Processo Civil invocando diversos vícios processuais e ainda erro na declaração.
5- A 21-09-2024 foi proferida decisão liminar, de que não houve recurso, que declarou extemporâneo o recurso de revisão apresentado por decurso do prazo de caducidade, indeferindo liminarmente a petição inicial.
6- A 11-11-2024 pelos AA foi intentada a presente ação requerendo que “seja declarada nula e anulada a transação homologada por sentença em 05.03.2024”, Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
1
Como questão prévia anota-se que na sua alegação os AA invocam que a sentença homologatória da transação não transitou em julgado por não ter sido cumprido o artigo 291º nº 3, do Código de Processo Civil.
A este respeito, e não obstante a patente contradição entre esta alegação e a instauração do recurso de revisão a que os mesmos procederam antes, que tem como um dos requisitos precisamente o trânsito em julgado da sentença, refira-se que, em qualquer caso, tendo a sentença sido notificada à mandatária e partes no dia em que foi proferida como consta da respetiva ata, não se coloca aqui em discussão o trânsito da mesma, que terá ocorrido com o decurso do prazo de recurso (artigo 628º do Código de Processo Civil), sendo certo que o não cumprimento do artigo 291º nº 3, do Código de Processo Civil, quando exigido apenas importa a ineficácia da transação em relação aos notificandos, podendo ainda ser fundamento de arguição de nulidade processual e substanciar recurso da sentença, o que também não se verificou.
Este é o regime legal decorrente do disposto no citado normativo (artigo 291º nº 3) que dispõe: “Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito.” (ver a este respeito STJ 18/11/1997 Pereira da Graça,97B720 www.dgsi.pt que decidiu (…) “se tal notificação foi omitida verificando-se a referida nulidade que é processual e tendo sido proferida sentença homologatória da transação a parte tem ao seu alcance o recurso da sentença com esse fundamento”
Ainda António Abrantes Geraldes e outros (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág.337) “a falta (ou a insuficiência) de poderes ou a irregularidade do mandato que se manifeste em relação a atos de desistência, confissão ou transação referidos nos arts. 285º e ss., e que sejam praticados pelo mandatário no âmbito de processo judicial é cominada com a respetiva nulidade, que a lei sujeita a um regime específico de convalidação; apesar da invalidade, o juiz não deixará de proferir sentença homologatória, a qual será pessoalmente notificada ao mandante com a cominação de que, se nada disser (no prazo geral de 10 dias), o ato se considera ratificado e suprida a invalidade”
Donde que não tenha qualquer cabimento, nesta sede a sustentação da referida causa enquanto perturbadora do trânsito em julgado da sentença.
II
Quanto ao fundamento do recurso, que é o de saber se depois de ter sido intentado recurso de revisão com fundamento na alínea d) do artigo 696º do Código de Processo Civil, cujo requerimento inicial foi indeferido liminarmente por decurso do prazo de 60 dias aludido no nº 2, do artigo 697º, podem os requerentes sucessivamente vir instaurar ação de anulação/nulidade da transação, vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 291.º do Código de Processo Civil sob a epígrafe “ Nulidade e anulabilidade da confissão, desistência ou transação” estabelece-se que:
1 - A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil.
2 - O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.
(…)
Sobre a melhor interpretação da norma entende-se que a previsão do n. 2, complementa o sentido do n. 1, que tem exclusivamente em vista os casos de nulidade ou de anulação da confissão, desistência ou transação, baseados na falta de vontade ou nos vícios de consentimento dos outorgantes.
Em tais termos a destruição dos efeitos substantivos da transação poderá ser obtida em processo autónomo, alegando-se e provando-se a existência de um ou mais vícios do negócio jurídico em que se traduz a transação/desistência/confissão e no qual seja formulado o correspondente pedido: a declaração da nulidade ou a anulabilidade.
Por isso, o nº 1 do art 291º CPC refere que «a (…) transação pode ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza», querendo com isso tornar claro que se pretende neste particular remeter para o regime jurídico do negócio jurídico – arts 285/289º CC Lebre de Freitas [ Código de Processo Civil Anotado», Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Vol I, 3ª ed, p 571].
II.1
No entanto, “A destruição do efeito de extinção da instância produzido pela sentença homologatória só pode obtê-lo através da interposição de recurso de revisão”. Acórdão do TRG 25-05-2023 ANTERO VEIGA 3067/21.4T8BRG.G1(DGSI).
No mesmo sentido STJ 07/01/2010: SERRA BATISTA394-C/1999.P1.S1 (DGSI): “Na situação em que a transação/ confissão/desistência, foram homologadas por sentença transitada em julgado, a mera ação de anulação da transação não tem qualquer efeito relativamente ao caso julgado formado pela sentença homologatória, já que só sua revisão – a proceder – a atingirá”.
*

Ou seja, o caso julgado formado pela sentença que homologou a transação não é beliscado pela sentença que declara anulada tal transação. Com efeito são duas realidades diferentes: a transação/confissão/desistência – negócio jurídico passível de sofrer os vícios da vontade próprios, e a sentença passível de sofrer dos vícios próprios da sentença – a qual se transitou só pode ser alterada por recurso de revisão.
Daí que se a parte interessada intenta ação de anulação da transação judicial homologada e obtém sentença favorável, terá de intentar o recurso de revisão para afastar o caso julgado decorrente da sentença homologatória.
II.1.1.
Impressivamente o acórdão do STJ de 06/03/2008 JOÂO BERNARDO 08B32 (DGSI), esclarece a tal respeito (devendo considerar-se remetidas para as correspondentes normas do atual código as normas processuais invocadas no domínio da anterior legislação):
(…)”A transação vem definida no artigo 1248.º do Código Civil e é “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.” No primeiro caso, a transação é extrajudicial e no segundo judicial.
Sendo judicial, exige uma intervenção do juiz no sentido de proferir sentença homologatória – artigo 301.º, n.º 3 e 4.
Passam, então, a coexistir duas realidades:
A transação em si;
A sentença que a homologou.
Nos termos do artigo 301.º, n.º 1, a transação pode ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza, ou seja, como a generalidade dos contratos.
Dispondo o n.º2 que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação desta, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento.
O legislador consignou aqui a possibilidade de ataque à transação, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença sobre ela proferida, através de ação que vise esse fim.
Mais consignou que se pode pedir a revisão da sentença com esse fundamento.
Na sua melhor interpretação, este preceito aponta um ataque duplo:
Um, visando a transação em si;
Outro a sentença.
“Esta duplicidade de meios (ação e recurso) funda-se na distinção entre os efeitos (negociais) do acto de…transação e os efeitos (processuais) da sentença que os homologa” - Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 536. Podendo ver-se no sentido da duplicidade ainda Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 80 e III, 319 e, bem assim, o Acórdão do STJ de 4.11.1993, no BMJ 431, 417.
II.1.2
Com efeito exarada a transação no processo, correspondente àquilo que as partes quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita, há de ela incluir-se no regime geral dos negócios jurídicos (art.º 217° e seg.s do Código Civil).
A sentença está vocacionada para verificar se a transação é válida em função do seu objeto e da qualidade das partes nela intervenientes. É o que emerge expresso nº 3 do art.º 290º do Código de Processo Civil.
Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, 1999, Coimbra, pág. 535, refere: «Tratando-se de negócio de autocomposição do litígio, o juiz verifica, pela indagação relativa ao objeto, se este estava na disponibilidade das partes (art. 299) e tinha idoneidade negocial (art. 280 CC e 281 CC) e, pela indagação relativa às pessoas, e sua capacidade e a legitimidade que tinham para se ocuparem do objeto (art. 297, nomeadamente), o que constitui aplicação do direito substantivo. Verifica também a pertinência do objeto do negócio para o processo, isto é, a sua coincidência com o pedido deduzido, dado o ato processual pelo qual as partes fazem valer o negócio de autocomposição do litígio (…);
O fundamento admissível desta ação não são pois os vícios formais da sentença – esses só mediante a revisão podem ser atacados mas os vícios do negócio jurídico. É que embora a sentença homologatória da transação não aplique o direito substantivo aos factos provados na causa, não deixa de ser uma sentença de mérito, com condenação de uma das partes ou mais, consoante o negócio jurídico nela abrangido. A sentença passa a constituir caso julgado material (art.ºs 291º, nº 2 e 619º, nº 1, do Código de Processo Civil)”.
II.1.3
Nesta mesma senda o acórdão do TRG de 11-05-2023 FERNANDO BARROSO CABANELAS 226/21.3T8CBC.G1(DGSI) fixou: “.(…) No artº 772º do CPC na redação vigente em 2006 (atual artº 697º) estabelecem-se dois prazos:
Um primeiro prazo de 5 anos, que é absoluto e que em circunstância alguma – salvo quando envolver matéria relacionada com os direitos de personalidade – pode ser excedido, contando-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão a rever;
E um segundo prazo, de 60 dias, que funciona dentro daquele, e cujo início de contagem depende do fundamento de revisão que for invocado, prazos esses que são de caducidade e de conhecimento oficioso.
A declaração de nulidade ou a anulação da confissão, desistência ou transação, em ação para o efeito expressamente intentada, não desencadeia a ineficácia da sentença homologatória; esta tem de ser impugnada pela via do recurso de revisão” (…).
II.1.4
A este propósito, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pp 360-361, escreveu o seguinte (devendo considerar-se remetidas para as correspondentes normas atuais do CPC as normas legais mencionadas pelos Autor): “Referem-se à situação das partes os fundamentos indicados nas alíneas d), e e), do artº 771º.
a) A alínea d) alude à confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundasse.
Sabe-se, atento o declarado no nº2 do artº 301º, que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.
(…) Os três atos jurídicos referidos encontram-se sujeitos à disciplina do direito substantivo, podendo ser declarados nulos ou anulados como os outros atos da mesma natureza (artº 301º, nº1), segundo o regime dos artºs 285º e ss. do CC, por falta ou vícios da vontade (vg simulação, erro, dolo ou coação), de harmonia com o disposto nos artºs 240º e segs. do mesmo diploma.(…)
A declaração de nulidade ou a anulação da confissão, desistência ou transação, em ação para o efeito expressamente intentada, não desencadeia a ineficácia da sentença homologatória; esta tem de ser impugnada pela via do recurso de revisão.
Presentemente, na sequência da RPC2003, que, além do mais, reformulou a tramitação do recurso de revisão, não se exige a declaração prévia, por sentença transitada em julgado, da nulidade ou anulação da confissão, desistência ou transação em que a decisão a rever se tenha baseado, podendo o interessado interpor de imediato o recurso de revisão. Se o fizer, a declaração de nulidade ou a anulação do negócio processual ocorrerá no próprio recurso de revisão; se, diversamente, optar por uma ação, a declaração de nulidade ou a anulação ocorrerá no respetivo processo de declaração”.
Isto posto,
III.
A interpretação dada na decisão recorrida aos normativos em apreço e à doutrina e jurisprudência que citou, não se nos afigura a melhor. Com efeito, dos textos legais em análise e resenha jurisprudencial e doutrinária mencionadas não retiramos a conclusão a que se chegou na primeira instância.
A nosso ver, há que distinguir as situações em que a parte se socorre da revisão extraordinária de sentença nos termos da alínea d) do artigo 696º e (i) o processo prossegue para conhecimento do fundamento de facto da nulidade/anulabilidade da transação, com a consequente sentença de mérito sobre os fundamentos da referida nulidade/anulabilidade (…) ou por caducidade do prazo de requerer a anulação da transação (ii) da situação em que a decisão proferida é uma decisão liminar de indeferimento por extemporaneidade do recurso - caducidade do respetivo prazo (iii) e dentro deste, do prazo de 60 dias, como é o caso dos autos.
IV.1.
Na primeira situação forma-se caso julgado material sobre a validade da transação decisão que a torna imutável impedindo por consequência a sua reapreciação logo a subsequente ação de anulação/nulidade da transação.
No segunda situação o caso julgado é meramente formal respeita tão só ao prazo de caducidade para o recurso de revisão que foi conhecido (60 dias ) o qual no caso dos autos tem como limite _ como decorre da decisão proferida no recurso de revisão _ o momento do conhecimento da sentença homologatória e prazo para requerer a partir de então a revisão da sentença.
Tais limites não abrangem por consequência os vícios que sejam suscetíveis de determinar a anulabilidade/nulidade da transação nos termos gerais do negócio jurídico (artigo 217 e ss do CC).
Por outro lado se for obtida uma sentença que invalide a transação, abre-se para os recorrentes uma nova causa de conhecimento – a sentença, com o consequente novo prazo de 60 dias de que a partir de então (trânsito da sentença que declarou nula/anulada a transação) de que poderão beneficiar os interessados, uma vez ainda dentro do prazo de cinco anos intentarem o recurso de revisão.
Com efeito este novo prazo de 60 dias tem de ser conjugado com o prazo mais alargado de cinco anos e ainda com o prazo que a parte dispõe para requerer a anulação da transação caso estejamos perante este vício, que é de um ano (artigo 287º do CC).
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Conclui-se assim que a questão resolve-se a partir dos efeitos (materiais ou formais) do caso julgado.
Se na fase rescindente do recurso de revisão o direito de anulação da transação caducou a caducidade tem um efeito extintivo do direito material e então não é admissível nova decisão sobre a questão; mas se a rejeição do recurso de revisão se baseia na extemporaneidade da sua interposição o que constitui mero caso jugado formal, nada obsta a que seja intentada ação de anulação da transação (Ver neste sentido Lebre de Freitas in Código de Processo Civil anotado 3ª edição, volume 3º pp 308 e ss) .
Logo, se é interposto o recurso de revisão baseado na anulabilidade do negócio e o mesmo não é admitido por extemporaneidade do recurso (decurso do prazo de 60 dias), não tendo ainda decorrido o prazo em que a parte podia intentar a anulação é admissível a propositura desta ação autonomamente a fim de obter sentença favorável que sirva de fundamento à revisão extraordinária.
IV.1.2
No caso dos autos a rejeição do recurso de revisão fundou-se na sua extemporaneidade por decurso do prazo de 60 dias, decisão esta que constituindo mero caso julgado formal não impede que os mesmos AA beneficiando do prazo que gozam para anular o negócio intentem a ação de anulação e posteriormente se, obtida sentença de procedência com trânsito em julgado, desde que dentro dos prazos de 60 dias e cinco anos aludidos no artigo 697º, nº 2 do Código de Processo Civil requeiram a revisão da sentença.
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O recurso apenas visa apreciar a questão de saber se a prévia instauração de um processo de revisão de sentença no caso da alínea d) do artigo 697º, cuja petição foi liminarmente indeferida por caducidade obsta à posterior instauração de uma ação de anulação da transação e do que vem de se expor se conclui que não; isto, sem prejuízo da subsequente apreciação/valoração da adequação ou não dos fundamentos invocados na petição à ação de anulação do que ora se não cuida por não ser fundamento deste recurso.



SEGUE DELIBERAÇÃO:

PROVIDO O RECURSO. REVOGADO O DESPACHO LIMINAR RECORRIDO QUE DEVE SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO NORMAL DA INSTÂNCIA

Custas pelos Recorridos.







Porto, 8 de maio, de 2025.

Isoleta de Almeida Costa
Paulo Silva
João Maria Venade