DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
NULIDADE
CONVOCATÓRIA
IRREGULARIDADE
Sumário

I – Para apreciar se uma determinada deliberação da assembleia de condóminos extravasa o que consta da convocatória devem comparar-se as duas, sob o prisma de um agente normalmente diligente, colocado na posição concreta.
II – A matéria relacionada com a utilização do fundo comum de reserva é uma matéria autónoma da questão da elaboração (e aprovação) do orçamento anual, não sendo considerada por um declaratário normal como integrando o assunto do orçamento anual, importando que a discussão da utilização do fundo para fim diverso constitua um assunto a ser expressamente inserido na convocatória da assembleia de condóminos para poder ser deliberado.
III – A deliberação que prevê a utilização do fundo de reserva como fundo de maneio durante o ano, e nada prevê sobre a reposição do seu valor, e que determina o desconto do défice orçamental ao fundo comum de reserva ofende uma norma de natureza imperativa.
IV – As normas de natureza imperativa não podem ser afastadas por vontade dos condóminos, nem por unanimidade, constituindo a sua violação nulidade e não mera anulabilidade.

Texto Integral

Processo: 246/23.3T8CPV.P1


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:




I AA intentou, no Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva, acção declarativa, com processo comum, contra o Condomínio do “Edifício ...”, sito na União das Freguesias ... e ..., ..., representado pela sua administradora, “A..., Lda.”, pedindo que sejam julgadas inexistentes ou nulas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 12 de Janeiro de 2023, “atenta a manifesta desconformidade entre o conteúdo da respectiva acta e a realidade ou, quando assim se não entendesse, declaradas nulas, decidindo-se que tendo sido reprovado o relatório de contas do exercício de 2022 por votação da maioria das fracções então representadas é essa a única deliberação válida”, sendo o R. condenado a assim reconhecer, com as inerentes consequências.
Alegou para tal que é usufrutuária das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “C” e “H”, identificadas no art. 1º da petição inicial, do prédio, constituído em propriedade horizontal, a que respeita o Condomínio R., que recebeu convocatória para a Assembleia de Condóminos que teria lugar no dia 12/01/2023, tendo o seu representante solicitado ao funcionário da administradora a documentação contabilística respectiva (relatório de contas de 2022, orçamento para 2023 e documentação de suporte), que não lhe foi fornecida até ao dia da assembleia, pelo que, no início desta, estando presentes apenas os representantes de duas outras fracções, aquele pediu a palavra e referiu que considerava que a assembleia estava impedida de deliberar validamente, mas, como esta continuou, o mesmo votou contra a aprovação do relatório de contas, obtendo este seu voto vencimento, por a A. deter três fracções, pelo que a assembleia terminou ali e o representante da A. foi embora, convicto de que tudo o que se passou seria fielmente reproduzido na acta, o que não veio a suceder, do que a A. só veio a ter conhecimento quando recebeu da administradora do condomínio a cópia da acta elaborada, cujo teor não corresponde à verdade, tendo sido reprovado e não aprovado o 2º ponto da ordem do dia e não tendo sido tomada qualquer deliberação sobre os pontos 3º e 4º, para além de as supostas deliberações dos pontos 2º e 4º incluírem matérias que não constam da convocatória.
O R. contestou, invocando a excepção da caducidade do direito de impugnar as deliberações adoptadas pela assembleia de condóminos de 12/01/2023, por a acção não ter sido proposta nos 60 dias subsequentes a tal assembleia, impugnando os factos alegados pela A. para fundamentar a sua pretensão e alegando que todas as deliberações constantes da acta da referida assembleia de condóminos são válidas e têm total correspondência com a realidade.
Pediu ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio, tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de caducidade, e foram elencados os temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver o R. do pedido, e bem assim não condenar a A. como litigante de má fé.
De tal sentença veio a A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem:
«1. A A., por via da sua condição de usufrutuária das frações A, C e H do prédio em regime de propriedade horizontal, denominado Edifício ..., sito no gaveto formado pela Av. ... e R. Dr. ..., na União das Freguesias ... e ..., do concelho e comarca de Castelo de Paiva, sem aviso prévio, foi demandada em processo executivo pelo respectivo condomínio, representado pelo seu administrador, Condomínio ..., Ldª., com sede em ...
2. O fundamento da referida execução – Pº. ... - era a falta de pagamento de prestações mensais das despesas comuns do inquilino da fracção "H", BB, no valor, já com juros, de 395,30, acrescido de uma sanção de € 1.000,00.
3. Não obstante haver deduzido embargos, neles invocando a ilegalidade, nulidade/ineficácia das deliberações da assembleia de condóminos, estes foram julgados improcedentes por um projecto de decisão que a Mª. Juiz acolheu, mau grado não terem sido nele abordadas as invocadas nulidades.
4. Os inquilinos da fração "H" solicitaram ao Exmo. Sr. Dr. CC, advogado nesta comarca, que informasse o mandatário da A. de que sempre tinham pago as quotizações para as despesas do condomínio, fornecendo-lhe os correspondentes comprovativos das transferências bancárias, mensalmente efetuadas.
5. À A., perante tal realidade, outra via não restava do que demandar a responsável por tão grave erro, ou seja, a empresa administradora do condomínio, denominada Condomínio ..., Lda., dando assim origem ao Pº ....
6. Esta síntese introdutória torna-se indispensável para compreensão da evolução processual, em particular, na fase de julgamento, verificada em ambos os processos, ou seja, no presente, Pº. 246/23.3T8CPV, tal como no já mencionado Pº. ....
7. Acontece que no Pº. ..., tendo sido deduzido pela Ré a exceção de incompetência territorial do tribunal de ..., foi a mesma deferida, entendendo o Mº. Juiz remeter os autos para outra comarca. Porém,
8. Deduzida reclamação pela A., veio esta a ser acolhida por douto despacho do Tribunal da Relação do Porto, notificado em 23.11.2023 (juntam-se como documento 1 as respetivas peças processuais por facilidade de consulta, protestando juntar-se certidão se assim for julgado necessário), situação que poderia qualificar-se como uma ocorrência perfeitamente normal na tramitação processual.
9. Acresce, porém, que, em ambos os processos, antes de terminar a fase instrutória, mais precisamente, antes de ouvir uma testemunha da A., inquiriu os respectivos mandatários desta e a própria testemunha sobre se a A. não pretendia desistir de cada uma das ações.
10. A situação foi bem diferente da vulgar tentativa de conciliação pois que a pergunta se restringiu unicamente a aferir se a A. estava ou não disposta a desistir da ação e daí a sua estranheza, entendendo a A. que foi colocado em causa o princípio da igualdade das partes e bem assim o princípio do contraditório. (art.ºs 3º nº 3 e 4º CPC)
11. Na medida em que o Mº. Juiz tece considerações graves acerca da referida testemunha, invocando “… que é do meu conhecimento funcional — obtido no âmbito de outra ação proposta pela autora nestes autos contra a empresa administradora do condomínio em causa e que corre termos neste mesmo Juízo”, imprescindível se torna dar a conhecer, com a necessária amplitude o ambiente que subjaz às lides mencionadas.
12. Do que vem de descrever-se decorre, desde logo, a violação pelo Tribunal a quo do princípio da igualdade substancial das partes (artº. 4º CPC).
13 - Foi invocada (nºs. 4 e 5 da p.i.) a falta de fornecimento antecipado da documentação que permitia analisar a gestão do condomínio durante 2022 e a proposta de orçamento para 2023, reconhecida pelo administrador do condomínio, DD "...as contas são disponibilizadas no dia da assembleia" (m. 3.20), facto se encontra comprovado, não só pelos documentos 3 e 5, juntos à p.i., a que correspondem os FP 4 e 5, como pela confissão da ré vertida nos nºs. 22, 24 e 25 da contestação, e bem assim os FP nº. 13 e 18.
14. De relevar é ainda que nenhuma documentação de sustentação do orçamento de 2022 foi remetida à A., nem existe prova testemunhal que a fundamente; bem ao contrário, a testemunha EE declara “… o Sr. DD facilitou-nos os documentos que tinha na pasta (. 6.36), ... quem quis consultou, quem não quis, não consultou...” (m. 6.39), acrescentando ainda "...o Condomínio ... sempre nos facilitou os documentos no próprio dia (m.7.17).
15. Foi igualmente invocado (nº. 20 p.i.) que o representante da A. em 16.01.2023, ou seja, quatro dias após a Assembleia, enviara ao Dr. CC, advogado do inquilino da fracção H, BB, um email descrevendo o que se passara na assembleia de condóminos e bem assim o email endereçado à Ré em 01.02.2023, reproduzido no FP 27.
16. Está adquirido nos autos, pelas considerações neles vertidas pelo Mº Juiz, que foi justamente esta circunstância - o conhecimento pela A., através do seu mandatário, do pagamento das prestações para as despesas comuns - que deu origem ao processo nº 125/23.
17. Estes factos foram completamente desprezados e banidos do acervo de factos relevantes para a decisão, como resulta das respostas à matéria de facto vertidas na sentença, sendo certo que o email de 16.01.2023 é incontornável para asseverar a veracidade da narrativa da A. relativamente às presenças na assembleia.
18. Tendo-se retirado mais cedo, o representante da A., na completa ignorância do ocorrido posteriormente à sua saída da assembleia, a comunicação feita ao Dr. CC é, de acordo com as regras da experiência comum, tantas vezes mencionadas pelo Mº Juiz, o ato mais natural entre colegas com interesses na mesma questão.
19. Por isso, tal documento não pode ser sonegado à economia da lide e deve integrar a matéria de facto provada, com as inerentes consequências da lei.
20. O Mº Juiz não fez a adequada apreciação da prova, antes de mais porque omitiu toda e qualquer referência ao documento que estava obrigado a analisar, violando o disposto no art.º 607 nº 4 CPC, incorrendo, deste modo, no vício de omissão de pronúncia.
21. Aduziu ainda a A. (nºs. 39 a 48) que parte das deliberações concernentes aos factos 2º e 4º da ordem de trabalhos integram vícios que afetam a sua validade ou existência, visto tratar-se de matérias completamente ausentes da convocatória, onde nem sequer são abordadas, o que a conjugação dos FP 3 e 16 confirma de modo irrecusável, tal como os FP 20 e 21.
22. Os FP 7 e particularmente o nº. 8 não podem ser dados como provados:
aquele, na parte respeitante ao FF e este, na sua totalidade, visto que o próprio FF (nº. 9.38) instado sobre quem presidia à assembleia respondeu
"Eu acho que não fui, já fui noutra ..." e prossegue "Se não foi o Dr. GG ou o Sr. EE, então fui eu" (m. 9.40/10.02)
23. Estas afirmações demonstram, de forma irrecusável, a ausência deste personagem da assembleia, tanto mais que se trata de alguém com experiência, que já tinha participado em outras, sendo certo que a testemunha EE não foi capaz de identificar o FF, quando inquirida acerca das presenças no início da assembleia (m. 45.28), reforçando a sua ausência, afirmada pela A.
24. Deve, em consequência, ser retificada a redação do FP 7, retirando dela a pessoa do FF e eliminado o FP 8, com todas as legais consequências.
25. O FP nº. 12 e a justificação para ele apresentada esbarram com um conjunto de circunstâncias que ficariam por esclarecer, razão pela qual não pode ser dado como provado.
26. Como vem amplamente explicitado nos FP 29 a 33, fora intentada anteriormente uma ação (Pº. ...), rigorosamente nos mesmos termos da presente, com a única diferença de que os RR. eram os três únicos condóminos, presentes ou representados na assembleia em causa, resultante da respetiva ata, processo no qual, por opção de um entendimento questionável, tanto na doutrina como na jurisprudência, foram os RR absolvidos.
27. Não obstante, a A. suportando os pesados encargos judiciais, instaurou nova ação, agora contra o condomínio, narrando precisamente os mesmos factos e enunciando os mesmos argumentos, atitude que deveria ter sido valorada adequadamente, "segundo as regras da experiência de vida" invocadas na decisão (cfr pág. 23)"
28. É do perfeito conhecimento do julgador que GG, representante da A. junto do condomínio. é advogado com experiência de mais de 50 anos de exercício da profissão e, portanto, com a consciência plena de que a sua presença se justificava essencialmente na votação do ponto 2 da ordem de trabalhos,
29. É assim inteiramente descabida a afirmação (fls. 23) " ... o mais provável, segundo as regras da normalidade é que este tenha abandonado a reunião imediatamente na sequência de haver ditado..."; na verdade, com todo o respeito por opinião divergente, este raciocínio exclui, sem justificar de modo minimamente aceitável, o conjunto de circunstâncias, ocorridas posteriormente à assembleia.
30. A presença do representante da A. até à votação do ponto 2 da ordem de trabalhos, corroborada pelo email de 16.01.2023, por ele dirigido ao Colega Dr. CC, advogado do inquilino da A. na fracção H, cuja autenticidade jamais foi posta em causa, e bem assim o email de 01.02.2023, dirigido à Ré, que constitui o FP nº. 27, reforçam iniludivelmente a tese da petição inicial, evidenciando os vícios já apontados à decisão da matéria de facto.
31. A depreciativa análise do comportamento da testemunha GG, extensamente expendida ao longo das págs. 21, 22, 23 e 26 "de que a testemunha GG tem um interesse direto no despacho da presente lide, apesar de o ter procurado esconder” (pág. 25, 1º §), afirmação - e outras em que a sentença é pródiga - que para além de manifestamente insultuosa, carece de todo o fundamento.
32. Antes de mais, importa realçar um aspeto que, segundo as regras de experiencia da vida, se revela particularmente elucidativo: a fls.22, no início, afirma-se "... como um auxílio à autora com quem diz manter "muita proximidade", por ser sua "empregada de escritório", sua amiga, quase família".
33. Ora, a testemunha GG, no início do seu depoimento, esclareceu que as suas relações de amizade com a A. provinham da circunstância "de ser sua empregada de escritório há 45 anos, ter sido padrinho de casamento" e naturalmente, ter convivido durante todos dias úteis da semana, no escritório, com ela.
34. Na justificação apresentada para o seu convencimento acerca da relação entre a testemunha GG e a A., o Mº Juiz olvidou os aspetos mais significativos pois, como é da regra da vida, quem trabalha 45 anos com outra pessoa, tem naturalmente de manter uma boa relação, verificando-se assim que à regra do art.º 607º CPC não foi conferido o indispensável rigor, no seu cumprimento.
35. Numa acção em que unicamente se peticiona a nulidade, ineficácia ou anulação das deliberações de uma assembleia de condóminos, destituída pois de qualquer consequência material, não é possível vislumbrar onde reside o "interesse direto" no desfecho da lide que à referida testemunha é imputado pelo Sr. Juiz a quo de quem era seu particular dever, apontá-lo, descrevê-lo com o pormenor indispensável à sua identificação até porque, repetidamente, é esta a causa pelo Mº Juiz indicada como fundamento para descredibilizar a aludida testemunha; incorre assim o julgador mais uma vez, pelo menos, no vício de omissão de pronúncia.
36. O FP 26 refere "O procurador da autora não procedeu ao levantamento da referida comunicação" ou seja, ao envio da ata da assembleia. Salvo o devido respeito, não consta dos autos elemento algum que autorize tal afirmação, sendo certo que na contestação se não faz qualquer referência a este facto, devendo, portanto ser eliminado do acervo dos factos provados.
37. Além disso, a testemunha DD, inquirida a essa questão foi perentória “... a carta foi enviada à D. AA" (m.33.21), o que, de resto consta do FP nº 25, com o qual ficaria em frontal contradição. Deve pois o mesmo ser eliminado do acervo de factos provados.
38. Um facto de excecional relevância para a decisão da lide, de resto, amplamente exposto na petição e resposta: a total ausência de menção (porventura com as prevenções da lei) na convocatória da assembleia, aos múltiplos assuntos que foram objecto de deliberação, consta do FP nº 16, referindo a cobrança de dívidas e a aplicação de uma sanção de 1500,00€, mas não refere, não obstante a particular gravidade do assunto, é o modo como o mesmo foi trazido à discussão.
39. A testemunha EE, cujo depoimento foi enaltecido pelo Mº Juiz, explicitou "o administrador colocou uma proposta de 1.500,00€ para quem não pagasse (m.13,05); esta proposta foi aceite, faz sentido uma vez que o dinheiro é tão pouco" (m. 13.14).
40. Este acontecimento, de inegável relevância para a vida do condomínio, não foi vertido no conjunto dos factos provados e é necessário que o seja, para a boa administração da Justiça; ter trazido à discussão pelo administrador, responsável pela elaboração da convocatória, que dela o excluiu, manifesto é que tal deliberação foi intencionalmente provocada para evitar a ponderação da sua gravidade, apanhando de surpresa os incautos e pouco esclarecidos condóminos, gente simples, de pouca instrução, facilmente conduzidos pelo representante da administradora.
41. Por outro lado, é indúvio que ao administrador está vedada a sugestão ou proposta na assembleia seja do que for, já que a sua missão se limita a "Prestar contas à assembleia;", conforme dispõe o art.º 1436º al. l) CC.
(…)
43. Do confronto com o FP 3, ou seja, da convocatória para a assembleia cujas deliberações são objeto dos presentes autos, é irrecusável não existir nela a mais pequena referência à sanção de 1.500,00€, à autorização para a administração do condomínio, movimentar a conta bancária e emitir faturas extraordinárias, emprestar dinheiro ao condomínio e utilizar o fundo de reserva como fundo de maneio".
44. Esta série inaudita de atropelos às mais elementares regras de administração de uma empresa ou património que sempre seria inadmissível numa sã gestão empresarial, não poderia, em situação alguma, ser aprovada à socapa, mas a decisão sub judice não se deteve na apreciação deste conjunto de irregularidades com consequências ruinosas para o condomínio que, de um momento para outra pode ser despojado de todos valores, sem possibilidade de qualquer género de controlo.
45. Atento o exposto, os FP nºs 16, 20 e 21 devem ser eliminados por corresponderem a deliberações nulas, ineficazes ou anuláveis ou, pelo menos deles constar a irregularidade que corporizam.
46. Os factos não provados decorrem da circunstância de não ter sido encontrada uma explicação plausível para um facto que ninguém pôs em dúvida: o email enviado pelo representante da A. ao Dr. CC em 16.01. 2023, referindo com a maior simplicidade os acontecimentos da assembleia ocorrida quatro dias antes.
47. Especificamente, o F. não provado da al. i) está incorretamente formulado porque o que " ...foi enviado 15 dias depois" foi a carta dirigida à A.; a ata por email só foi remetida, agora sim, 15 dias depois do email referido no FP 27 (cfr. nºs 20, 21 e 22 da p.i.), facto reconhecido pela testemunha DD "...Foi enviado um email a pedir a documentação e nós mandamos-lhe a ata”.
48. Resta salientar que a argumentação utilizada na tentativa de sanar as divergências entre os temas da ordem de trabalhos, da convocatória e as extraordinárias deliberações tomadas é extremamente frágil, não contendo um único argumento de natureza jurídica.
49. Matérias tão importantes para cada um dos condóminos, pessoas de reduzidas posses e conhecimentos técnicos, como acrescer aos débitos das quotas, juros de mora, despesas inerentes ao ato de cobrança coerciva - "palavrões" cujo sentido era desconhecido, senão na totalidade, pelo menos da maioria dos condóminos presentes - e uma sanção pecuniária de mil e quinhentos euros, não podiam ser objecto de uma surpreendente proposta, ainda para mais, apresentada pelo empregado da administradora.
50. Saliente-se que a justificação é exclusivamente de responsabilidade do Mº. Juiz, pois a justificação "tais medidas foram, pois, discutidas e avaliadas na perspetiva de convulsar tais condóminos a liquidar tais dívidas e antever a cobrança das quantias em causa" (fls. 34, 3º §) não consta, segue aflorada na ata respetiva.
51. Qualquer dos condóminos deveria ter em mão, com dias de antecedência, o teor das referidas deliberações e conselho para ter a possibilidade de pedir explicações a pessoas da sua confiança, acerca das consequências de tais votações, certo como é que com os seus conhecimentos, não tinham, na assembleia, a menor noção do que estavam a decidir.
52. O mesmo acontece com a deliberação do ponto 4, rigorosamente omissa na convocatória: não está em causa, como na sentença se defende (pág. 35 2º §) que ao tribunal não compete "sindicar a bondade ou acerto das deliberações". Mas o que lhe compete é, no cumprimento da lei que privilegia a defesa dos interesses dos condóminos e pretende garantir a sua participação esclarecida na discussão e votação dos assuntos que lhe são apresentados (ac. citado), é assegurar que estes, pela sua cultura, conhecimentos e experiência de vida estão aptos a avaliar os conceitos ou estratégia que lhes são, de surpresa, apresentados.
53. O que são "faturas extra" como se justificam e para que servem, é por demais evidente que nenhum dos que votaram tem a mais pequena noção acerca disso, gente do campo (a D. Eva era mulher a dias do prédio) ou simples trabalhadores braçais ou reformados.
54. E, por último, o "truque" que não é empréstimo de dinheiro para o qual não seria necessária qualquer autorização específica, está "...a utilização do fundo comum de reserva durante o ano como fundo de maneio e "a elaborar faturas extra sempre que assim se justificar"
55. O Mº Juiz ignora e desvaloriza estas autorizações que significam que a administradora pode usar livremente o capital (da reserva) destes condóminos sem lhes dar quaisquer satisfações!
56. Em consequência de tudo quanto vem de expor-se, devem, os factos provados ser corrigidos na sua redação ou eliminados conforme se salientou, devendo os factos não provados, compaginados com os emails de 16.01.2023 e de 01.02.2024 (FP 27), ser dados como provados os constantes alíneas a) a i) - este com a correção apontada, em consequência do que, na procedência do presente recurso deve a sentença ser revogada, com as inerentes consequências legais.

NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E COM O SUPRIMENTO DO MUITO OMITIDO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E A SENTENÇA REVOGADA COM AS CONSEQUÊNCIAS DA LEI.».
No requerimento de recurso, a recorrente pretende a junção de um documento, respeitante à notificação de um despacho proferido na Reclamação nº ...-A.P1, aduzindo apenas, entre parênteses, “juntam-se como documento 1 as respetivas peças processuais por facilidade de consulta, protestando juntar-se certidão se assim for julgado necessário” (cfr. § 11 da motivação).
O R. apresentou contra-alegações, defendendo a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, “por falta de especificação nas alegações e conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e por falta de posição expressa sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação (que no caso se revela imprecisa e genérica)”, e, no mais, que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
No despacho de admissão do recurso decidiu-se:
Da(s) nulidade(s) invocada(s) nas alegações de recurso
Numa breve nota prévia, ressalta-se unicamente que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a conciliação entre as partes foi efetuada de modo natural, procurando-se aquilatar os seus reais interesses e a abertura de cada uma delas a soluções consensuais propostas pela contraparte, tendo o Tribunal procurado, humildemente, facilitar a comunicação entre as partes, conforme salienta a ilustre mandatária do réu (que, ao contrário do ilustre mandatário signatário das alegações de recurso, esteve presente na audiência de julgamento).
Noutro ponto, a autora arguiu a nulidade da sentença proferida nestes autos por o tribunal haver deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
Sem necessidade de tecer grandes considerações, entende este Tribunal que a arguida nulidade não deve proceder, porquanto a sentença não deixa de apreciar qualquer questão que integre o objeto do presente processo.
A não valoração de um documento (que se entende não ter a virtualidade de demonstrar o facto que a recorrente pretende provar) e a não consideração de factos que se julgam irrelevantes para a decisão da questão material controvertida não configura a referida nulidade.
Questão diferente, e que ultrapassa o âmbito da nulidade arguida, é a do acerto da decisão, que a recorrente parece confundir com as nulidades apontadas..
Pelo exposto, ao abrigo do art. 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil, entende este Tribunal que a arguida nulidade não deve proceder, sem prejuízo de melhor entendimento por parte dos Senhores Desembargadores.”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), e tendo ainda em conta que “as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”, cabendo ao tribunal de recurso “apreciar as questões solicitadas, sob pena de omissão de pronúncia”, mas não “responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para a sua sustentação” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. actualizada, 2022, págs. 135 e 136), são as seguintes as questões a tratar:
a) admissibilidade do recurso;
b) admissibilidade da junção de documento com o recurso;
c) violação dos princípios da igualdade substancial das partes e do contraditório;
d) nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
e) impugnação da matéria de facto;
f) (in)validade das deliberações constantes da acta da assembleia de condóminos em causa.
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Vejamos a primeira questão.
Nos termos do disposto no art. 639º, nº 1, do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
“Cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objecto do recurso”, sendo “claramente errada a reprodução no segmento das conclusões do teor da motivação” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 182 e 187, nota 321).
Tendo o recurso como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.), o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente, embora invoque o que considera ser matéria de facto incorrectamente julgada e a decisão que deve ser proferida (ainda que não da forma mais escorreita), percebendo-se que pretende pôr em causa os factos dos pontos 7, 8, 12 e 26 do elenco dos factos provados e que os mesmos sejam considerados não provados (ainda que não o diga expressamente, pois quanto ao ponto 12 diz que “não pode ser dado como provado” e quanto aos restantes diz que devem ser eliminados dos factos provados), e os factos não provados das alíneas a) a i) e que os mesmos sejam considerados provados, e ainda que seja acrescentada aos factos provados a matéria que indica na conclusão 39ª, não cumpre com a exigência de indicar as razões da discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna, indicado as passagens da gravação que considera relevantes no caso da prova gravada, no que concerne aos factos das alíneas a) a i) dos factos não provados.
Com efeito, a recorrente, nesta parte, limita-se a aduzir no § 64 que “os factos não provados decorrem da circunstância de não ter sido encontrada uma explicação plausível para um facto que ninguém pôs em dúvida: o email enviado pelo representante da A. ao Dr. CC em 16.01.2023, referindo com a maior simplicidade os acontecimentos da assembleia ocorrida quatro dias antes”, aludindo no § 65 apenas a uma incorrecção na formulação da al. i), e discorrendo sobre matéria de direito nos §§ 66 a 75, e a referir nos §§ 76 e 77 que “a sentença em apreço denota, para além dos vícios denunciados, falta de experiência de vida, na análise de situações que serão óbvias por quem com eles convive”, e, “em consequência de tudo quanto vem de expor-se, devem (…) os factos não provados, compaginados com os emails de 16.01.2023 e de 01.02.2024 (FP 27), ser dados como provados os constantes alíneas a) a i) - este com a correção apontada” (matéria que, com excepção do § 76, repete nas conclusões 46ª a 56ª!), não enunciando de que forma o documento a que alude permite, de forma conjugada ou não, considerar como provados cada um dos factos não provados que pretende sejam considerados na matéria provada, nem indicando outras provas concretas em benefício da sua pretensão, não logrando o tribunal de recurso perceber qual a concreta motivação e justificação destas alterações pretendidas quanto aos factos não provados.
Como se diz no Ac. da R.P. de 08/03/2021, com o nº de proc. 16/19.3T8PRD.P1, publicado em www.dgsi.pt, “sobre os recorrentes recaía o ónus de efetuar uma análise crítica sobre a prova produzida, só assim justificando o seu desacordo quanto à valoração da prova formulada pelo tribunal a quo e evidenciando o erro de julgamento que ao mesmo imputam.
(…)
Tal como ao tribunal é imposta uma análise crítica da prova produzida como forma de tornar as suas decisões claras e sindicáveis nomeadamente em segunda instância, também aos recorrentes que imputam erro de julgamento na decisão de facto é exigido um juízo critico sobre essa mesma prova, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa.
Os recorrentes (…) tão pouco formularam um juízo crítico circunstanciado e concreto sobre a prova produzida e valoração da mesma por parte do tribunal a quo que permita concluir violar a mesma as regras da lógica ou da experiência. Limitaram-se a invocar de forma genérica e global depoimentos testemunhais ou documentos, sem efetuar qualquer análise crítica justificativa de uma decisão diversa da seguida pelo tribunal recorrido.
Esta análise crítica da prova produzida é uma exigência que tem vindo a ser reconhecida quer pela doutrina quer pela jurisprudência”.
Perante a situação exposta, nem fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade [não exacerbar os requisitos formais a tal ponto que tal se traduza numa denegação/recusa da reapreciação da matéria de facto, ao arrepio do que foi a intenção do legislador e do que consta claramente da letra da lei (neste sentido, cfr. Ac. do S.T.J. de uniformização de jurisprudência nº 12/2023, de 14/11, D.R. n.º 220/2023, Série I, págs. 44 a 65, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 202 a 207)], se pode considerar que esteja minimamente cumprido o especial ónus de alegação que incumbia à recorrente quanto às matérias previstas no art. 640º, nº 1, al. b), do C.P.C..
Na verdade, à recorrente incumbe identificar e concretizar os meios de prova e os excertos da prova gravada que directamente contendem com os factos que impugna (como se disse, a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância) – cabendo ao tribunal de recurso, se o entender, apreciar da conveniência de ouvir a totalidade da prova gravada (não para fazer uma reapreciação global, mas apenas na medida em que o entenda necessário para contextualizar as passagens indicadas quanto aos pontos de facto impugnados).
“A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação” (cfr. Ac. do S.T.J. citado por António Santos Abrantes Geraldes na nota 353 da pág. 207 da ob. cit.).
A recorrente aduz ainda (depois de considerações de direito nos §§ 57 a 62, que repete nas conclusões 40ª a 44ª) que os factos dos pontos 16, 20 e 21 do elenco dos factos provados “devem ser eliminados por corresponderem a deliberações nulas, ineficazes ou anuláveis ou, pelo menos deles constar a irregularidade que corporizam” (§ 63 e conclusão 45ª), nada mais acrescentando sobre esta pretensão.
Afigura-se-nos que a recorrente confunde questões de direito, relacionadas com a validade e eficácia das deliberações impugnadas, com decisão da matéria de facto. Uma coisa é provar-se (ou não) que foram tomadas certas deliberações, coisa diferente é apreciar se as deliberações tomadas são ou não válidas e/ou eficazes. O que a recorrente refere nesta parte apenas contende com a legalidade das deliberações e não com a sua existência fáctica, donde não está em causa nesta parte uma verdadeira impugnação da matéria de facto, mas a expressão de uma discordância de direito quanto à referida legalidade.
E de todo o modo, ainda que se entendesse que de impugnação da matéria de facto se tratava, então também nesta parte a recorrente não cumpriu o aludido ónus de alegação que lhe incumbia, na medida em que em lugar algum do recurso, seja na motivação, seja nas conclusões, se indicam as razões pelas quais aquela entende que estes factos deveriam ser considerados não provados, nada sendo dito quanto aos elementos de prova que fundamentem a pretendida alteração.
Conclui-se, portanto, que a recorrente não cumpre com o especial ónus de alegação que lhe incumbia quanto à matéria prevista no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C., no que concerne aos factos dos pontos 16, 20 e 21 dos factos provados e às alíneas a) a i) dos factos não provados, apenas o cumprindo (minimamente) quanto aos restantes factos que impugna.
A consequência do incumprimento das especificações previstas no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C. é a rejeição do recurso na parte respectiva.
Assim, em conformidade com o disposto nesta disposição legal, rejeita-se o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto relativa aos factos 16, 20 e 21 do elenco dos factos provados e às alíneas a) a i) do elenco dos factos não provados da sentença recorrida, por incumprimento da recorrente do exigido no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C., sendo admissível na parte restante.
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Passemos à segunda questão.
A recorrente junta, com o recurso, um documento respeitante à notificação de um despacho proferido na Reclamação nº ...-A.P1, a que alude nos §§ 10 e 11 da motivação de recurso.
Nos termos do art. 651º, nº 1, do C.P.C., as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
De acordo com o disposto no art. 425º do C.P.C., depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
No caso, a recorrente nada alega no sentido de que a apresentação do documento não tenha sido possível em momento anterior ao recurso. Aliás, antes pelo contrário, do que alega na motivação de recurso resulta que junta agora o documento “por facilidade de consulta”.
Compulsado o concreto documento, verifica-se que a notificação em causa data de 23/11/2023, pelo que não resulta que o mesmo não pudesse ter sido junto antes.
Como quer que seja, o documento (que respeita à decisão de uma reclamação quanto ao deferimento de excepção de incompetência territorial num outro processo em que são partes a ora autora e a sociedade que administra o ora réu) não tem qualquer relevância para a apreciação do objecto do recurso, posto que nada contribui para a decisão das questões a resolver enunciadas.
O que determina que não se admita a junção de documento por parte da recorrente.
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Apreciemos a terceira questão.
Pretende a recorrente que foi violado o princípio da igualdade das partes por alegadamente lhe ter sido perguntado, antes da inquirição de uma testemunha, se não pretendia desistir da acção (o que igualmente teria sucedido num outro processo a correr termos no mesmo juízo), aludindo ao “ambiente que subjaz às lides mencionadas”, ao invocar o que teria sido dito pelo julgador, mas de forma incompleta, nem sequer conseguindo o tribunal perceber que “considerações graves” teriam sido tecidas contra a testemunha (cfr. § 15 e conclusão 11ª).
Nas contra-alegações o recorrido aduz que “em sede de conciliação, o Meritíssimo Juiz a quo concedeu a palavra aos Ilustres Mandatários das Partes para que, através de negociação, construíssem a solução do litígio, a qual não foi possível obter, não obstante a sua colaboração activa. O Meritíssimo Juiz a quo não formulou qualquer proposta concreta, nem mesmo, quando sucumbiram os esforços das partes. Sendo inteiramente falso que o Meritíssimo Juiz a quo propôs, nos presentes autos, ao Ilustre Mandatário da Recorrente e/ou da sua testemunha a desistência da acção”.
E no despacho em que o tribunal recorrido se pronuncia sobre as nulidades invocadas no recurso consta que “contrariamente ao alegado pela recorrente, a conciliação entre as partes foi efetuada de modo natural, procurando-se aquilatar os seus reais interesses e a abertura de cada uma delas a soluções consensuais propostas pela contraparte, tendo o Tribunal procurado, humildemente, facilitar a comunicação entre as partes, conforme salienta a ilustre mandatária do réu (que, ao contrário do ilustre mandatário signatário das alegações de recurso, esteve presente na audiência de julgamento)”.
Ora, este tribunal de recurso apenas dispõe do que resulta da tramitação processual dos autos, da qual nada resulta no sentido invocado pela recorrente.
Na verdade, da acta da primeira sessão da audiência de julgamento apenas consta que “o Mm. º Juiz de Direito, tentou o acordo entre as partes o que não se logrou” e da acta da segunda sessão da audiência de julgamento nada consta. Igualmente nada decorre das gravações das sessões em causa.
Como quer que seja, “o princípio da igualdade das partes (art. 4.º do CPC), concretização do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da CRP), determina que, durante todo o processo, as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, usufruindo de idênticas possibilidades de reclamar e demonstrar a razão que lhes assista, tendo nomeadamente as mesmas oportunidades de as expor, de produzir prova que as demonstre, e de sindicar o reconhecimento que tenha sido feito delas” (sumário do Ac. da R.G. de 08/10/2020, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 2196/20.5T8VNF-B.G1).
No caso, do que resulta dos autos, ambas as partes puderam apresentar os seus argumentos nos articulados e formular os requerimentos probatórios que entenderam, intervir na audiência de julgamento e sindicar a sentença proferida da forma que lhes aprouve, sem que fosse coarctada a sua acção por qualquer forma, nem resultando que tivesse existido algum tratamento discriminatório da ora recorrente por parte do juiz titular do processo.
Na conclusão 10ª a recorrente aflora ainda que teria sido colocado em causa o princípio do contraditório, embora sem explicar porquê.
Este princípio significa que ao longo de todo o processo as questões de direito e de facto sejam sempre decididas após as partes terem tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem, impedindo decisões surpresa, por não terem sido objecto de discussão prévia (art. 3º, nº 3, do C.P.C.).
No caso não se vê que tivesse sido tomada qualquer decisão pelo tribunal sem que a autora, ora recorrente, se pudesse pronunciar, não cabendo aqui a situação que a autora descreve (ainda que se tivesse demonstrado).
Não existe, pois, qualquer violação dos princípios da igualdade das partes e/ou do contraditório, não merecendo acolhimento a pretensão da recorrente nesta parte.
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Relativamente à quarta questão, invoca a recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do C.P.C., por, no seu entender, o tribunal recorrido não ter tomado em consideração o documento que respeita a uma comunicação de correio electrónico de 16/01/2023 enviada pelo representante da A. ao advogado do inquilino da fracção H, que, defende, deveria “integrar a matéria de facto provada”.
Na norma em referência prevê-se a nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Questões e não argumentos, pois que estes não se confundem com aquelas. O juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões com relevo para as pretensões das partes, suscitadas por estas ou de conhecimento oficioso, mas isso não implica que a sua decisão se debruce sobre todos os argumentos esgrimidos, como é jurisprudência pacífica.
Além disso, essa apreciação deve existir desde que o conhecimento da questão não se mostre prejudicado pela solução que tenha sido dada a outra questão conhecida previamente.
No caso concreto, a sentença recorrida conheceu efectivamente a questão que lhe era colocada e que respeitava à pretensão formulada pela A., ora recorrente, na petição inicial, de colocar em causa a existência e a validade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 12 de Janeiro de 2023, considerando os factos e a prova que entendeu relevantes para o efeito, concluindo o tribunal a quo pela improcedência daquela pretensão.
Saber se o documento em causa deveria ter sido considerado pelo tribunal na decisão da matéria de facto é questão que contende com o mérito desta decisão, podendo traduzir uma situação de erro de julgamento, mas não um caso de nulidade por omissão de pronúncia, posto que a apreciação de um meio de prova não corresponde a uma “questão a decidir”.
Pode-se concordar ou não com a decisão tomada e/ou com os seus fundamentos, pode-se entender que existiu erro de julgamento ou que a decisão não é correcta e é injusta, mas isso não significa a existência de omissão de pronúncia.
Note-se que a enumeração constante das alíneas da norma em causa é taxativa, não se incluindo entre as nulidades da sentença “o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, pág. 686).
É de concluir, pois, que não ocorre a nulidade invocada pela recorrente.
Não merece, portanto, provimento o recurso também nesta parte.
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Analisemos agora a quinta questão.
Assente (na primeira questão) que a recorrente cumpriu com as exigências respeitantes à impugnação da matéria de facto no que concerne aos factos dos pontos 7, 8, 12 e 26 do elenco dos factos provados e à matéria a acrescentar aos factos provados que indica na conclusão 39ª, apreciemos das alterações pretendidas.
A recorrente pretende que o facto do ponto 26 dos factos provados seja considerado não provado [“O procurador da autora não procedeu ao levantamento da referida comunicação” – trata-se da carta enviada a comunicar a acta referida no ponto 25)].
Tendo em conta a questão que está em causa no presente recurso – apreciação da validade das deliberações constantes da acta da assembleia de condóminos do dia 12 de Janeiro de 2023 – e a circunstância de ter sido conhecida na sentença recorrida a questão da caducidade do direito de impugnar tais deliberações, de forma definitiva, posto que nessa parte não foi interposto recurso, esta concreta factualidade objecto de impugnação por parte da recorrente não tem qualquer utilidade para a apreciação do mérito do presente recurso, uma vez que o facto acabado de referir que aquela pretende acrescentar em nada interfere com o conhecimento da questão colocada no recurso, qual seja a de saber se as deliberações impugnadas sofrem, ou não, de algum vício, restringindo-se a sua eventual relevância à questão da caducidade, que, como se disse, está definitivamente resolvida.
Face a tal circunstancialismo é irrelevante a alteração factual pretendida pela recorrente quanto ao ponto 26 da matéria de facto provada.
Sendo irrelevante tal factualidade para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticarem actos inúteis no processo (o que até se proíbe no art. 130º do C.P.C.), não há que conhecer da impugnação deduzida nesta parte (neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, pág. 334, nota 526, e, entre outros, o Ac. do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1), C.J.S.T.J., tomo I, pág. 13, e o Ac. da R.P. de 05/11/2018, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 3737/13.0TBSTS.P1).
Donde, em face do que acaba de se analisar, não se conhece da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente quanto ao ponto 26 dos factos provados.
Pretende ainda a recorrente que se acrescente ao elenco dos factos provados um facto com o seguinte teor: “o administrador colocou uma proposta de 1.500,00 € para quem não pagasse; esta proposta foi aceite” – o que se traduz na pretensão da recorrente de verter na matéria de facto provada que a deliberação aprovada a que se refere o ponto 16 dos factos provados foi trazida à discussão por proposta do administrador do condomínio.
Este facto que a recorrente pretende incluir na matéria de facto provada não foi alegado nos articulados, designadamente na petição inicial, nenhum vício tendo aí sido assacado à deliberação em causa que respeitasse à circunstância de esta ter sido deliberadamente provocada pela administração ou de ao administrador estar vedada a apresentação de propostas (o que foi invocado apenas em sede de recurso – cfr. conclusões 40ª e 41ª).
De acordo com o princípio do dispositivo, que vigora em processo civil, e que se encontra plasmado, nomeadamente, no art. 5º do C.P.C., apenas podem ser tidos em conta os factos essenciais alegados pelas partes (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas), com excepção unicamente dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos notórios e dos conhecidos pelo juiz por virtude do exercício de funções, e dos factos que sejam complemento ou concretização dos factos alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa (neste caso, desde que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar).
Conforme se diz no Ac. da R.P. de 13/06/2023, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 7695/21.0T8PRT.P1, «confere-se, pois, ao juiz, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, desde logo os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. E “factos instrumentais são os que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção”.
Num outro plano se apresentam os chamados “factos complementares” – os que sejam complemento ou concretização dos factos essenciais que integram a causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas –, também eles passíveis de ser considerados pelo juiz, quando resultem da instrução da causa, mas desde que sobre eles tenham tido as partes a possibilidade de se pronunciar.
Como se deixou bem notado no acórdão da RC de 7.11.2017, “para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”».
No caso, o facto em questão, para além de não ter sido alegado por qualquer das partes, nomeadamente pela autora, ora recorrente, em qualquer articulado, e não constituir facto notório ou de conhecimento oficioso (como é manifesto), não é facto instrumental, pois não serve para comprovar qualquer dos factos essenciais da acção alegados, e também não complementa ou concretiza qualquer facto alegado.
E sendo assim, porque o referido facto só poderia ser um facto essencial à pretensão da autora e não foi alegado, em conformidade com o que se analisou supra, o mesmo não pode ser considerado pelo tribunal, nem ser inserido na matéria de facto provada, sendo desnecessário averiguar se o mesmo resultou ou não da prova produzida - a integração na factualidade provada da decisão recorrida deste facto consistiria numa violação do princípio do dispositivo previsto no art. 5º do Código de Processo Civil.
Vejamos agora as restantes alterações pretendidas pela recorrente:
1) Que seja alterada a redacção do ponto 7 dos factos provados, para excluir a referência a FF e o facto do ponto 8 dos factos provados seja considerado não provado [“7) A reunião teve início pelas 18h00 e encontravam-se presentes e/ou representados através de procuração, os condóminos das frações, “E” (HH), “G” (EE), “C”, “H”, “A” (GG) e “D” (FF), correspondentes a 710/1000 do capital investido, e ainda o senhor DD, funcionário da sociedade «A..., Ldª.» e uma secretária deste;”; “8) Refira-se a este propósito que a fração autónoma designada pela letra “D” fez-se representar pelo Exmo. Senhor II, através da procuração, o qual esteve presente desde o início dos trabalhos até ao seu término;”].
Para o efeito, invoca a recorrente os depoimentos das testemunhas FF e EE.
2) Que o facto do ponto 12 dos factos provados seja considerado não provado [“Nesta sequência, o representante da autora abandonou de imediato a assembleia em curso, que prosseguiu com os demais condóminos ali presentes e representados;”].
Para o efeito, invoca a recorrente o depoimento da testemunha GG e o documento que corresponde à comunicação de correio electrónico de 16/01/2023.
A convicção do tribunal recorrido, quanto a estes factos, foi motivada da seguinte forma:
«No caso dos presentes autos, foram expostas ao Tribunal duas versões dos factos em causa diametralmente opostas, nomeadamente quanto às seguintes questões controversas:
- pessoas (condóminos ou respetivos representantes) que estariam na assembleia de condóminos em causa;
- deliberações em que interveio o representante da autora (se apenas a votação do primeiro ponto da ordem de trabalhos ou se também a do segundo);
- contexto e momento em que o representante da autora abandonou o local em que se realizou a assembleia de condóminos.
Conforme infra, se analisará, a prova produzida foi apta a gerar no Tribunal a convicção segura quanto à veracidade de uma delas.
(…)
Quanto à prova testemunhal.
Antes de mais, note-se que foram inquiridas quatro testemunhas: EE, FF, DD e GG.
Ora, os depoimentos das três primeiras testemunhas referidas foram totalmente convergentes e coincidentes quanto às principais questões controversas atrás enunciadas. Por seu turno, o depoimento da última das identificadas testemunhas foi completamente divergente dos demais.
EE depôs de modo seguro e esclarecido, com conhecimento de causa e sem revelar qualquer vontade de prejudicar a autora ou obter qualquer benefício do desfecho da demanda. Sendo condómino do edifício em causa, a identificada testemunha não escamoteou alguma mágoa e frustração pelo que refere serem diversos problemas provocados por atitudes do representante da autora (testemunha GG), manifestando, contudo, vontade e disponibilidade para ultrapassar os conflitos existentes, sendo clara a perplexidade da testemunha face à postura assumida por este.
A testemunha FF prestou um depoimento seguro, convicto e desinteressado, referindo que ocasionalmente participa em assembleias de condomínio do edifício em causa em representação da sua tia JJ.
Por seu turno, a testemunha DD, funcionário da empresa que administra o condomínio do edifício em causa, prestou o seu depoimento com segurança e convicção, sem denotar qualquer intenção de ocultar ou adulterar factos nem tecer comentários ou considerações que afetassem a credibilidade do seu testemunho.
No que respeita concretamente às questões controversas supra identificadas, todas as identificadas testemunhas esclareceram de modo detalhado, objetivo e perentório o modo como os factos ocorreram, sendo, como se disse já, os seus depoimentos perfeitamente convergentes e coerentes, o que reforçou reciprocamente a sua credibilidade. Assim, garantiram as referidas testemunhas que FF esteve presente do início ao fim da assembleia em causa (em representação de JJ) e que o representante da autora apenas votou o primeiro dos pontos da ordem de trabalhos da reunião, abandonando o local em que se realizou a assembleia de condóminos imediatamente na sequência de ver indeferida a pretensão de a reunião não se realizar nessa data por não lhe haver sido previamente remetida a documentação que havia solicitado.
A destrinça entre os depoimentos em causa não respeita unicamente ao seu conteúdo, mas ainda à sua credibilidade.
Com efeito, o depoimento de GG (representante da autora na assembleia em causa e, diga-se, em muitas outras) não mereceu qualquer credibilidade, uma vez que revelou intensa parcialidade, tendo decorrido do mesmo que esta testemunha tem, aparentemente, interesse no desfecho da causa. A identificada testemunha encetou uma clara tentativa de diabolização da empresa administradora do condomínio do edifício em causa, adotando uma postura e um discurso ostensivamente defensivo da posição assumida nos autos pela autora e acintoso face a outras pessoas.
Deve notar-se, neste conspecto, que o autor justificou inicialmente a sua participação nas assembleias em causa como um auxílio à autora, com quem diz manter “muita proximidade”, por ser sua “empregada de escritório”, sua amiga, “quase família”. Referiu, adiante, ter uma participação muito ativa no condomínio “desde a fundação” e que a autora “não ia as reuniões” e “não tem conhecimento” do que aí se passa. Acresce que, compulsada a certidão permanente das frações detidas a título de usufruto pela autora, constata-se que o proprietário das mesmas tem vários apelidos em comum com a testemunha em causa, o que indicia claramente uma relação familiar com este (devendo notar-se, neste conspecto, que é do meu conhecimento funcional - obtido no âmbito de uma outra ação proposta pela autora nestes autos contra a empresa administradora do condomínio em causa e que corre termos neste Juízo – que o proprietário das frações é filho do autor).
Assim, é manifesto que a testemunha em causa tem interesse no desfecho da causa. De tal circunstância, per se, não decorreria necessariamente a descredibilização do depoimento prestado. Contudo, o facto de procurar escamotear tal interesse dando-lhe, no mínimo, um enquadramento distinto do real, tem, naturalmente, a dita consequência.
O depoimento em causa, principalmente em confronto com os demais prestados e supra escalpelizados, foi manifestamente insuficiente para comprovar a versão dos factos trazidos aos autos pela autora.
Desde logo, ficou o Tribunal convencido de que FF estava presente na reunião em causa, não tendo a argumentação da testemunha no sentido de este ser “o homem de mão do DD (testemunha atrás referida)”, “aparecendo várias vezes para compor o quórum” tido a virtualidade de abalar minimamente a convicção do Tribunal quanto a tal facto, porquanto a testemunha não foi sequer capaz de identificar uma outra situação em que tal tenha acontecido, apesar de o referir genericamente (não foi capaz de identificar minimamente quando nem o tema em causa).
Por fim, deve notar-se que, entre as versões dos factos quanto ao contexto e momento em que o representante da autora abandonou a reunião (além de corroborada, nos termos analisados, pela larga maioria das testemunhas inquiridas), a trazida aos autos pelo réu é a mais consonante com as regras de experiência comum. É que, tendo em conta a postura intransigente e frontalmente contra a realização da assembleia na data em casa assumida pelo representante da autora, o mais provável, segundo as regras da normalidade, é que este tenha abandonado a reunião imediatamente na sequência de haver ditado para a ata o requerimento aí consignado, manifestando a sua oposição à realização da mesma.
Concretizemos, ora, à luz do supra exposto, os motivos pelos quais os factos elencados foram considerados provados e não provados, tendo ainda em conta a ausência de controvérsia quanto a alguns deles e as regras de distribuição do ónus da prova.
(…)
Os factos 6) a 23) foram considerados provados com base nos depoimentos testemunhais de EE, FF e DD, que, conforme se disse já, os descreveram de modo perfeitamente convergente e credível.».
Vista toda a prova testemunhal produzida, as três testemunhas indicadas pela recorrente e ainda a testemunha DD, afigura-se-nos ser correcta a apreciação do tribunal recorrido no sentido de terem resultado provados os factos em causa, vertidos nos pontos 7, 8 e 12 dos factos provados, posto que os mesmos foram confirmados pelas testemunhas EE, FF e DD, cujos depoimentos se afiguram, como foi concluído pelo tribunal recorrido, credíveis, tendo as testemunhas descrito o sucedido de forma perceptível e coerente – anote-se que, ao contrário do referido pela recorrente, a testemunha EE identificou perfeitamente o “rapaz jovem que é o representante da D. JJ”, apenas não se recordava do nome dele, tendo-se lembrado, na parte final do depoimento, a instâncias do juiz que presidia à diligência, que era “FF”, e a testemunha FF apenas não se recordava bem de quem tinha presidido à assembleia, mas foi peremptória na referência à sua presença na mesma e ao que lá se passou.
Tais depoimentos e o que deles resulta não foram infirmados pelo depoimento da testemunha GG, pese embora este não ser coincidente com aqueles, sendo que a apreciação do tribunal recorrido sobre a versão que lhe mereceu credibilidade não se mostra descabida e está feita de acordo com as regras da livre apreciação da prova, não resultando de forma alguma que a prova produzida impusesse decisão diversa da tomada na sentença recorrida (independentemente de quais possam ser as razões da divergência do depoimento desta última testemunha, fosse por deliberada alteração, fosse por alguma confusão ou falha de memória …).
Pelo que, a prova produzida suporta as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada, não havendo que alterar os pontos 7, 8 e 12 como requerido.
Não merece, portanto, provimento a impugnação da matéria de facto.
*

Resta apreciar a sexta questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão da recorrente é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida (transcrição):
«1) Encontra-se registado a favor da autora o direito ao usufruto das frações autónomas designadas pelas letras “A”, “C” e “H” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado Edifício ..., sito nas artérias Avenida ... e Rua ..., da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. ...51 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº. ...16;
2) No exercício referente ao ano civil de 2022, a administração do condomínio do edifício referido em 1) cabia à sociedade «A..., Ldª.»;
3) No exercício de tais funções, a sociedade identificada em 2) enviou à autora, na pessoa do seu representante junto do condomínio, GG, o email datado de 27/12/2022, com o seguinte teor:
«Convocatória
Nos termos do artigo 1432º do Código Civil, fica V. Ex.. por este meio, convocado(a) para a assembleia de condóminos a realizar no dia 2023-01-12 pelas 17:30 horas na seguinte morada:
Rua ..., ... Avenida ...
A ordem de trabalhos é a seguinte:
1- Eleição do presidente da mesa da assembleia;
2- Análise, discussão e votação do relatório de contas referente ao periodo de Janeiro de 2022 a Dezembro 2022;
3- Eleição da administração para o período de Janeiro de 2023 a Dezembro de 2023;
4- Análise, discussão e votação do orçamento de despesas para o período de Janeiro de 2023 a Dezembro de 2023;
5- Outros assuntos.
Se na assembleia Formal ordinária acima referida, não estiverem presentes ou representados condóminos titulares da maioria, ou não for possível formar a maioria prevista no nº 4 do artigo 1432º do Código Civil necessária para deliberar, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos proprietários presentes ou representados, desde que constituam pelo menos um quarto do capital total do condomínio, nos termos do n 4 do citado artigo 1432º do Código Civil.
Exmo. condomino.
A Administração do Condomínio vem por este meio proceder ao envio da convocatória para a realização da assembleia de condóminos.
Agradecemos a confirmação de receção da mesma, pela mesma via.
Encontramo-nos disponíveis para qualquer esclarecimento que considere pertinente.
Sem outro assunto de momento subscrevemo-nos apresentando os nossos melhores cumprimentos.
A Administração.
Desde já, agradecemos a sua presença.
Sem outro assunto de momento, despedimo-nos com os melhores cumprimentos.
A Administração.»;
4) No dia 29/12/2022, o identificado representante da autora endereçou [ao] à sociedade administradora do condomínio um email com o seguinte teor:
«Exmº, Sr. DD:
Recebi a convocatória para a assembleia de condóminos do denominado "prédio ..." em ....
Já tinha pedido por mais do que uma a vez informação das quantias em divida respeitantes ao ano corrente e à fracção "H".
Comunicaram-me que nessa altura tal não era possível, uma vez que havia que reformular os recibos por necessidade de alteração do valor dos mesmos.
Tal obstáculo estará naturalmente ultrapassado, dado que tanto o orçamento do presente ano como o do próximo deverão ser apreciados naquela assembleia.
A minha cliente pretende liquidar todos os valores em dívida.
Necessito por isso, que me forneça os mencionados orçamentos e bem assim qualquer documentação de suporte dos mesmos.
Fico a aguardar o seu envio.»;
5) O mesmo representante da autora enviou, a 10/01/2023, novo email para o mesmo endereço eletrónico, com o seguinte teor:
«Sr. DD:
Por email de 29.12.2022, solicitei a documentação indispensável à análise dos diversos pontos da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos do Edifício ..., em ....
Nenhuma resposta recebi até hoje.
Como bem sabe, a assembleia é nula se não forem facultados aos condóminos a documentação atinente às deliberações a tomar.
O problema não é meu mas da sua organização!!!
Além disso, solicitei também informação ácerca dos valores em divida pelo inquilino da fracção "H", BB.
Nada me foi fornecido.
É que ocorre uma situação que, provavelmente lhes irá causar sérias complicações, as quais deverão ser resolvidas pela assembleia de condóminos, sendo que, para o efeito, ou seja, para garantia da sua legalidade, as mesmas teriam de constar da convocatória da assembleia.
É que o referido Sr. BB afirma ter pago grande parte das prestações respeitantes ao ano 2021.
Qual o destino dos depósitos efectuados, só o Condomínio ... pode esclarecer.
Recordo que estamos na ante véspera da assembleia e que já não poderão ser compridas as regras legais ácerca da documentação facultada aos condóminos.»;
6) A referida assembleia veio, efetivamente, a realizar-se no dia 12 de janeiro de 2023, na garagem do edifício, tendo o representante da autora comparecido na mesma;
7) A reunião teve início pelas 18h00 e encontravam-se presentes e/ou representados através de procuração, os condóminos das frações, “E” (HH), “G” (EE), “C”, “H”, “A” (GG) e “D” (FF), correspondentes a 710/1000 do capital investido, e ainda o senhor DD, funcionário da sociedade «A..., Ldª.» e uma secretária deste;
8) Refira-se a este propósito que a fração autónoma designada pela letra “D” fez-se representar pelo Exmo. Senhor II, através da procuração, o qual esteve presente desde o início dos trabalhos até ao seu término;
9) No primeiro ponto da ordem de trabalhos foi eleito como presidente de mesa, por unanimidade dos presentes, o condómino EE;
10) De imediato, GG, na qualidade de representante da autora, pediu a palavra referiu considerar que a assembleia estava impedida de deliberar validamente, dado que não lhe tinha sido fornecida, com a necessária antecedência, a documentação imprescindível à análise e eventual aprovação dos valores constantes dos orçamentos dos exercícios de 2022 e para 2023;
11) Os demais condóminos, depois de auscultarem o funcionário da sociedade administradora do condomínio e por não concordarem com tal entendimento, manifestaram interesse em prosseguir com os trabalhos;
12) Nesta sequência, o representante da autora abandonou de imediato a assembleia em curso, que prosseguiu com os demais condóminos ali presentes e representados;
13) Entrou-se, portanto, no ponto 2 da ordem de trabalhos, tendo sido distribuído aos condóminos, pelo funcionário da sociedade administradora do condomínio, o relatório de contas do período de janeiro de 2022 a dezembro de 2022, a lista detalhada das dívidas existentes para com fornecedores/terceiros e a lista resumida e detalhada das dívidas dos condóminos ao condomínio;
14) O teor dos referidos documentos foi explicado pelo representante da administração e discutido pelos condóminos ali presentes;
15) De seguida, por unanimidade dos condóminos presentes foram aprovadas as contas, a lista de débitos existentes para com fornecedores e a lista de dívidas dos condóminos ao condomínio, passando os referidos documentos, nessa sequência, a integrar a ata elaborada como documentos nºs 3 e 4 anexos à mesma;
16) Neste ponto, foi ainda discutido e aprovado por unanimidade pelos condóminos presentes que deviam ser cobradas as quantias em dívida pelos condóminos ao condomínio, bem como cobrado o valor de 1500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de sanção pecuniária;
17) No terceiro ponto da ordem de trabalhos, a sociedade «A..., Lda.» informou que se encontrava disponível para continuar a administrar o condomínio no período de janeiro a dezembro de 2023, tendo sido aprovada por unanimidade dos condóminos presentes e representados a sua eleição;
18) Na sequência da sua eleição, a «A..., Lda.» distribuiu pelos condóminos o orçamento de despesas para período de janeiro a dezembro de 2023, tendo o mesmo sido analisado pelos condóminos.
19) Após análise do mesmo, foi o referido orçamento colocado à votação e aprovado por unanimidade dos condóminos presentes e representados;
20) Neste ponto, foi ainda deliberado por todos os condóminos ali presentes e representados que a sociedade «A..., Lda.» continuaria autorizada, tal como já vinha sucedendo nos exercícios anteriores, a movimentar a conta bancária do condomínio e a emitir faturas extraordinárias sempre que se verificasse tal necessidade;
21) Ficou ainda a referida sociedade autorizada, tal como já vinha sucedendo também, a emprestar dinheiro ao condomínio, se por motivos financeiros, não houvesse saldo bancário suficiente para suportar as despesas mais urgentes (serviços essenciais) e/ou a utilizar o fundo comum de reserva como fundo de maneio;
22) No último ponto da ordem de trabalhos, nada foi deliberado, mas apenas discutido pelos condóminos ali presentes;
23) Findos os trabalhos da assembleia, foi lavrada a ata na hora e a mesma foi assinada por todos os condóminos e procuradores ali presentes, nomeadamente:
- HH, na qualidade de representante do proprietário da fração “E”;
- EE, na qualidade de proprietário da fração “G”; e
- FF, na qualidade de representante da proprietária da fração “D”;
24) A ata da reunião foi lavrada com o seguinte teor:
«Ata número nove
Ao décimo segundo dia do mês de Janeiro de dois mil e vinte e tres, pelas dezoito horas, reuniram em assembleia geral ordinária em segunda convocatória que se anexa e faz parte integrante da ata (doc. n.º 1), os condóminos do denominado "Condomínio do Prédio Sito no ... da Avenida ... e Rua ..., ...", NIPC ...08, estando presentes ou representados os condominos perfazendo setecentos e dez por mil do total do capital investido, sendo que as frações E, H, C, A e D, estiveram representadas por procuração, as quais foram exibidas e se encontram arquivadas na documentação oficial do edificio, conforme lista de presenças que se anexa (doc. n.º 2), tendo a assembleia lugar na garagem do edificio, e com a seguinte ordem de trabalhos:
1- Eleição do presidente da mesa da assembleia;
2- Análise, discussão e votação do relatório de contas referente ao periodo de janeiro de 2022 a dezembro 2022;
3- Eleição da administração para o período de janeiro de 2023 a dezembro de 2023;
4- Análise, discussão e votação do orçamento de despesas para o período de janeiro de 2023 a dezembro de 2023;
5-Outros assuntos;
Iniciando a assembleia e entrando no ponto número um da ordem de trabalhos, ficou aprovado por unanimidade que o presidente da mesa da assembleia seria o Sr. EE representante da Fração G, pelo que após conferir a lista de presenças e proceder à leitura da convocatória, declarou aberta a sessão e informou que a assembleia se encontrava reunida de acordo com os termos legais e estatutários aplicáveis, pelo que se podia deliberar validamente. O procurador das frações A, C e H considera que a presente assembleia não tem condições para deliberar a cerca de qualquer orçamento, referente ao exercicio de dois mil e vinte e dois seja a proposta para o ano de dois mil e vinte e tres uma vez que não foram fornecidos com a necessária antecedência a documentação imprescindível a apreciação dos valores referidos naqueles orçamento, posto isto o representante das frações A, C e H, ausentou-se da assembleia ficando a mesma com o quórum de trezentos e quarenta por mil do total do capital investido.
Entrou-se então no segundo ponto da ordem de trabalhos, onde foi apresentado o relatório das contas referente ao período de janeiro de dois mil e vinte e dois a dezembro de dois mil e vinte e dois, que se anexa (doc. n.º 3) débitos a fornecedores incluídos, bem como os débitos de condóminos (doc. n.º 4). Tomou da palavra o representante da administração onde passou a explicar todas as rubricas constantes no relatório disponibilizado aos condóminos.
Após todos os esclarecimentos, foram as contas referentes ao período de janeiro de dois mil e vinte e dois a dezembro de dois mil e vinte e dois (doc. n.º 3) débitos a fornecedores incluidos, bem como os débitos de condóminos (doc. n.º 4), colocadas à votação, foram as mesmas aprovadas por unanimidade dos presentes. Ainda neste ponto foi aprovado por unanimidade dos presentes descontar o défice orçamental ao fundo comum de reserva. Em relação aos débitos, respeitantes a contribuições devidas pelos condóminos (quotas/fundo comum de reserva e extras), por unanimidade dos presentes ficou deliberado que esta ata servirá também como título executivo, para se poder agir coercivamente sobre os condóminos faltosos e que aos valores em débito das quotas mensais, deverão ser acrescidos juros de mora, as despesas inerente ao ato de cobrança coerciva, bem como uma sanção pecuniaria no valor de mil e quinhentos euros.
No terceiro ponto da ordem de trabalhos, a empresa A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... apresentou a sua proposta para administrar o edificio no período de janeiro de dois mil e vinte e tres a dezembro de dois mil e vinte e tres. Colocada à votação, foi esta eleita por unanimidade dos presentes como entidade administradora do edificio para o periodo referido.
Passou-se de seguida para o quarto ponto da ordem de trabalhos, em que foi apresentado, o orçamento de despesas para o periodo de janeiro de dois mil e vinte e tres a dezembro de dois mil e vinte e tres, conforme documento em anexo (doc. n.º 5). Após alguma discussão sobre orçamento proposto, foi o mesmo colocado à votação, tendo sido aprovado por unanimidade dos presentes, bem como aprovada a percentagem de dez por cento para o fundo comum de reserva. A distribuição deste orçamento pelas frações, originam as quotas mensais de acordo com a relação que se anexa (doc. n.º 6), sendo que a data de vencimento de cada mensalidade é o nono dia de cada mês. A administração permanece autorizada a movimentar a conta bancária do edifício (Banco 1...), até ser apresentado junto da referida entidade bancária documento que comprove a substituição/alteração da administração do condomínio em apreço e a elaborar faturas extras sempre que assim se justificar.. Os condóminos autorizam expressamente, que a empresa administrante possa pontualmente emprestar dinheiro ao condomínio para fazer face a necessidades urgentes de tesouraria, fazendo o condominio ao pagamento logo que possível, sem qualquer despesa adicional, bem como a utilização do fundo comum de reserva durante o ano como fundo de maneio.
Por fim entrou-se no último ponto da ordem de trabalhos, onde os senhores condóminos alertaram a administração que os débitos devem ser cobrados com maior regularidade, não devem ser acumulados tantos meses.
Nada mais havendo a tratar, encerraram-se os trabalhos da presente assembleia pelas dezanove horas, e lavrou-se a presente ata que depois de lida e aceite, vai ser assinada pelos presentes, e enviada aos condóminos ausentes. No que concerne aos documentos que fazem parte integrante da mesma, foi expressamente aceite por todos os presentes e conferido um voto confiança ao presidente de mesa, no sentido de apenas este (em representação de todos os presentes), proceder à analise e assinatura dos mesmos.»;
25) Posteriormente, a ata foi comunicada a todos os demais condóminos através de cartas registadas enviadas em 30/01/2023, nomeadamente:
- a KK, proprietário das frações autónomas designadas pelas letras “B” e “I”;
- à autora, na qualidade de usufrutuária das frações autónomas designadas pelas letras “C”, “H” e “A”;
- a LL, proprietária da fração autónoma designada pela letra “F”;
26) O procurador da autora não procedeu ao levantamento da referida comunicação;
27) No dia 01/02/2023, o representante da autora remeteu à administradora do condomínio, um email com o seguinte teor:
«Exmºs. Senhores:
Terão V. Exes., sem a menor dúvida, conhecimento do disposto no art. 1435 do Código Civil.
A assembleia de condóminos do Edifício ... teve lugar no dia 12 de Janeiro de 2023, ou seja, há precisamente 20 dias.
À minha constituinte, D. AA, ainda não foi entregue toda a documentação respeitante ao mencionado condomínio, bem como, que saiba, não foi comunicado à Banco 2... que todo e qualquer levantamento só com a sua autorização pode ser efectuado.
Superfluo será salientar que todas consequências da inércia dessa empresa no cumprimento das obrigações legais a que se acha adstrita, nomeadamente pagamentos em atraso, eventuais rescisões contratuais, etc, ser-lhe-á integralmente imputados.
Na expectativa da imediata satisfação das imposições legais supra mencionadas.»;
28) Em resposta, a 16/02/2023, a sociedade administradora do condomínio enviou ao representante da autora um email, com o seguinte teor:
«Boa tarde Exmo. Senhor,
Acusamos a receção da vossa comunicação, a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Conforme V. Exa, mencionou, e bem, realizou-se Assembleia Geral Ordinária no dia 12 de janeiro de 2023 e após realização da mesma foi enviada a respetiva ata comunicando assim as deliberações aprovadas na referida assembleia, conforme poderá verificar no documento em anexo. Contudo, podemos também verificar que a mesma não foi levantada, tendo sido devolvida à Administração. Com o intuito de esclarecer todas as dúvidas que possam surgir, remetemos em anexo cópia da ata da Assembleia realizada para uma melhor análise por Vª-Exª.
Qualquer dúvida, não hesite em contactar-nos.»;
29) No dia 13/03/2023, a autora propôs uma ação de processo comum contra MM, EE e JJ, todos condóminos do réu nos presentes autos, na qual deduziu o seguinte pedido: «Nestes termos, nos mais de direito e com o douto suprimento do muito omitido, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, devem as deliberações constantes da acta de assembleia de condóminos do Edifício ..., sito na Av. ..., ..., que teve lugar em 12 de Janeiro de 2023 serem julgadas inexistentes ou nulas, atenta a manifesta desconformidade entre o conteúdo da respectiva acta e a realidade ou, quando assim se não entendesse, serem declaradas nulas ou anuladas, decidindo-se que tendo sido reprovado o relatório de contas do exercício de 2022 por votação da maioria das fracções então representadas, é essa a única deliberação válida, com as inerentes consequências legais.»;
30) A referida ação correu termos neste Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva sob o n.º ...;
31) Na contestação apresentada nessa ação a 15/05/2023, os réus arguiram a exceção de ilegitimidade passiva para os termos da referida ação, pedindo a sua absolvição da instância;
32) Por requerimento que apelidou de resposta, a autora deduziu nessa ação um pedido de intervenção principal provocada do Condomínio ..., representado pelo seu administrador, Condomínio ..., Ldª., no caso de ser declarada a ilegitimidade dos réus;
33) Por saneador-sentença proferido na mesma ação a 20/06/2023 e transitada em julgado a 11/09/2023, foi decidido «julga[r] a exceção dilatória de ilegitimidade passiva procedente por provada e indefer[ir] a intervenção principal provocada de Condomínio ..., Lda., e, em consequência, [foram os réus] absolv[idos] da instância»;
34) A presente ação foi proposta a 20/08/2023;».
Sendo os seguintes, os factos não provados (transcrição):
«a) Após diversas considerações acerca das despesas ocorridas, designadamente com o portão da garagem, elevador e outras, o funcionário da administradora do condomínio, com a aquiescência do presidente da mesa, pôs à votação o relatório de contas do exercício de 2022, tendo votado favoravelmente o Sr. presidente da mesa e a representante de outra fração e negativamente o representante da autora, declarando este não aprovar o relatório de contas;
b) Ora, como a autora detém 3 frações – A, C e H – representando, respetivamente 110, 150 e 80 da permilagem, num total de 340 milésimas do capital, achando-se representadas apenas duas outras frações, a declaração do seu representante obtinha vencimento;
c) E tanto assim era que o funcionário da administradora do condomínio inquiriu-o “vota mesmo contra? Nem sequer se abstém?”;
d) Este respondeu que, se já declarara que a assembleia não tinha condições para deliberar, a sua posição, em coerência, era a de não aprovar deliberação alguma;
e) Então, o mesmo funcionário da administradora do condomínio exclamou “Se não aprova as contas, acaba aqui! E vamos embora!”;
f) Ao que o representante da A. respondeu “Pois com certeza! Não há outra solução!”;
g) Os então presentes, ao todo cinco pessoas, ou seja, o presidente da mesa, o representante da A., a representante de outra fração, o representante da administradora do condomínio, de nome DD, ao que se crê, e uma funcionária da mesma empresa que tomava notas no computador, começaram a conversar, em razão do que o representante da A. inquiriu a mesa sobre se era necessário ou não aguardar, uma vez que no início da assembleia os presentes tinham assinado a folha de presenças;
h) Tendo-lhe sido referido que estava acabada a assembleia, por via do intenso frio que se fazia sentir na garagem do prédio onde decorria a assembleia, decidiu este retirar-se, na absoluta convicção de que tudo quanto se passara seria fielmente reproduzido na ata, garantia acrescida pela circunstância de o Sr. presidente da mesa ser uma personalidade cujo seriedade era, para si, um dado adquirido;
i) Só decorridos 15 dias é que a administradora do condomínio, lhe remeteu, agora por email, o teor da mesma ata que a deixou completamente estupefacta;
j) A Autora sabe perfeitamente que os factos por si relatados na petição inicial não têm qualquer correspondência com a realidade;
k) A presente ação mais não é do que (mais) um ato de retaliação contra a ação executiva que lhe foi instaurada pelo Condomínio ... para a cobrança coerciva dos valores que esta tinha em dívida, na qualidade de usufrutuária das frações autónomas designadas pelas letras “A”, “C” e “H”.».
A A., ora recorrente, colocou em causa as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 12 de Janeiro de 2023 por:
- desconformidade entre o conteúdo da acta e a realidade dos factos ocorridos na assembleia;
- irregularidade da convocatória;
- incluírem matérias que não constavam da convocatória;
- falsificação de presenças na acta.
Relativamente às questões atinentes às presenças e à desconformidade da acta com a realidade, não tendo sido alterada a matéria de facto, nada há que alterar ao que foi concluído na sentença recorrida, posto que não se provaram os factos alegados pela A. que suportassem tais situações, antes pelo contrário, dos factos provados decorre a correspondência da acta com a realidade, quer quanto às presenças, quer quanto ao que aí se passou e foi deliberado.
No que concerne à irregularidade da convocatória, concorda-se com a sentença recorrida quando refere:
«Conforme se disse, subsidiariamente, a autora alega que algumas das deliberações expressas na ata da assembleia realizada a 12/01/2023 são anuláveis em razão da irregularidade da convocatória enviada aos condóminos para a mesma.
Note-se que tal invocação se resume à alegação de que os pontos expressos na ordem de trabalhos constante da convocatória não englobam algumas das matérias sobre as quais foram tomadas deliberações expressas na referida ata.
Com efeito, compulsada a petição inicial, é manifesto que a autora não fundamenta o pedido de anulação das deliberações em causa na alegada preterição do direito à informação atinente à alegada ausência de envio prévio da documentação que havia pedido à administração, referindo tal circunstância apenas a título de enquadramento e de justificação da sua conduta na reunião em causa.»
Portanto, resta apreciar da existência de deliberação sobre matérias que não constavam da convocatória.
Vejamos.
A propriedade horizontal constitui “um direito real que combina a propriedade e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova” (Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 13).
A condição dos condóminos de “co-utentes de um mesmo edifício” determina a necessidade de existirem formas especiais de administração das partes comuns e de serem tomadas decisões quanto às partes comuns e, nos casos em que a lei restringe a liberdade do exercício singular do direito de propriedade, quanto às fracções individualizadas, daí a existência de órgãos administrativos, no caso o administrador e a assembleia de condóminos (cfr. art. 1430º do Código Civil), sendo esta também o órgão deliberativo, como decorre do art. 1432º do Código Civil.
As deliberações a tomar pela assembleia de condóminos devem obedecer a todos os requisitos fixados nos vários números deste art. 1432º, e ainda, nos casos em que a lei o exija, aos requisitos especialmente previstos para determinadas deliberações em concreto, como é o caso do art. 1422º, nºs 3 e 4, do art. 1424º, nº 2, ou do art. 1425º do Código Civil.
E se estiverem em causa modificações ao título constitutivo da propriedade horizontal, tal deverá ser feito nos termos previstos no art. 1419º do Código Civil, e com o acordo expresso de todos os condóminos.
No caso dos autos, a A., ora recorrente, insurge-se, além do mais já analisado, contra as deliberações respeitantes ao acréscimo de juros de mora, despesas inerentes ao acto de cobrança coerciva e uma sanção pecuniária no valor de mil e quinhentos euros aos valores em débito das quotas mensais, esta inserida na discussão do ponto 2 da ordem de trabalhos, e à elaboração de facturas extras pela administração sempre que assim se justificar, à autorização para que a empresa administrante possa pontualmente emprestar dinheiro ao condomínio para fazer face a necessidades urgentes de tesouraria, e à utilização do fundo comum de reserva durante o ano como fundo de maneio, estas inseridas na discussão do ponto 4 da ordem de trabalhos.
O ponto 2 da ordem de trabalhos respeitava a “análise, discussão e votação do relatório de contas referente ao período de Janeiro de 2022 a Dezembro 2022” e o ponto 4 respeitava a “análise, discussão e votação do orçamento de despesas para o período de Janeiro de 2023 a Dezembro de 2023”.
Conforme prevê o nº 4 do art. 1432º do Código Civil, a convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
A propósito, diz-se no Ac. da R.P. de 07/11/2024, com o nº de proc. 2991/22.1T8OAZ.P1 (publicado em www.dgsi.pt), que «visa esta norma assegurar o conteúdo mínimo e razoável do direito de informação dos membros da assembleia não apenas para que a discussão e votação das deliberações seja produtiva, mas também para que estes possam aquilatar do seu real interesse em comparecerem nessa assembleia.
Nessa medida Sandra Passinhas salienta: “A ordem do dia tem de ser concretizada, não bastando qualquer das seguintes expressões: “vária”, “medidas relativas às partes comuns”, “modificação do regulamento” ou outras similares. A convocatória tem que esclarecer o condómino sobre os assuntos a que será chamado a votar. Trata-se, na prática, de respeitar uma exigência legítima de todos os que fazem parte da assembleia, de modo a que os condóminos e terceiros possam estar em condições de votar sobre assuntos conhecidos, no caso de se apresentarem pessoalmente à reunião, ou de darem indicações precisas a quem seja chamado a representá-los, em caso de ausência”.».
Assim, para apreciar se uma determinada deliberação extravasa o que consta da convocatória deve ter-se em conta “que está em causa é a protecção de uma confiança apreciada em termos razoáveis por um declaratário normal, tendo em conta não apenas os dois actos, mas também as regras gerais da boa fé e as finalidades teleológico-funcionais da própria comunicação (protecção do direito de participação e informação na assembleia).
Logo a metodologia para apurar se a deliberação extravasa ou não a convocatória é comparar as duas, sob o prisma de um agente normalmente diligente (art. 483º, do CC), colocado na posição concreta (art. 236º do CC)” (Ac. da R.P. citado).
Aplicando estes princípios ao caso concreto, e tendo em conta que “a prestação de contas, por parte da administração, concretiza-se num conjunto de elementos escritos (…) em que se deve incluir a relação dos gastos e das receitas ao longo do período em questão, a análise da eventual diferença quanto ao que fora orçamentado, a indicação dos condóminos cumpridores e em falta, a indicação das despesas efetuadas, sejam fixas, variáveis ou extraordinárias, impondo-se, nomeadamente, a elaboração de um balancete que expresse as despesas e receitas do condomínio, bem como o saldo respetivo” (cfr. Ac. da R.P. de 28/02/2023, com o nº de proc. 1533/19.0T8PVZ.P1 – publicado no mesmo sítio da internet), e que a elaboração do orçamento pressupõe a inclusão das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum (art. 1424º, nº 1, do C.C.) e das receitas decorrentes do pagamento das quotas respectivas pelos condóminos e daquelas eventualmente geradas pela utilização das partes comuns referidas no art. 1421º do Código Civil (arrendamento de garagens comuns, de espaços da fachada ou do telhado para afixação de publicidade, etc.), afigura-se-nos que a deliberação sobre o acréscimo de juros de mora, despesas inerentes ao acto de cobrança coerciva e uma sanção pecuniária no valor de mil e quinhentos euros aos valores em débito das quotas mensais, tanto mais que, no caso da sanção, esta já estava prevista, apenas se alterou o respectivo valor (como a própria A. refere no art. 47º da petição inicial) não extravasa o conteúdo do ponto 2 da convocatória, sendo de considerar, por um declaratário normal, como integrante da discussão das contas do ano anterior.
Do mesmo modo, a deliberação sobre a elaboração de facturas extra pela administração sempre que assim se justificar e a autorização para que a empresa administrante possa pontualmente emprestar dinheiro ao condomínio para fazer face a necessidades urgentes de tesouraria não extravasa, do ponto de vista do declaratário normal, o conteúdo do ponto 4 da convocatória, tratando-se de matérias relacionadas com a temática das despesas a orçamentar para aquele ano e seu respectivo pagamento.
Já assim não será no que respeita ao fundo comum de reserva.
Com efeito, a existência do fundo comum de reserva está prevista no art. 4º do D.L. nº 268/94, de 25/10, aí se determinando que é obrigatória a constituição deste fundo, para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios, que cada condómino contribui para o mesmo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio, e que deve ser depositado em instituição bancária, competindo à assembleia de condóminos a respectiva administração.
Actualmente (depois da alteração introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01) prevê-se no nº 3 deste artigo que no caso de, por deliberação da assembleia, o fundo comum de reserva ser utilizado para fim diverso do indicado no n.º 1, os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses a contar da deliberação, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado.
“Decorre desta norma que o fundo nela previsto se destina a solver as despesas de conservação do prédio, podendo a assembleia de condóminos deliberar a sua utilização para fim diverso, mas, nesse caso, os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado. O fundo comum de reserva não se destina, portanto, a assegurar despesas de fruição ou outras que não sejam de conservação”, estando aqui em causa o “interesse público na conservação dos edifícios”, tendo a norma natureza imperativa (cfr. Ac. da R.P. de 30/05/2023, com o nº de proc. 1499/20.4T8PVZ.P1 – publicado no mesmo sítio da internet).
Do que acaba de assinalar-se decorre que a matéria relacionada com o fundo comum de reserva, nomeadamente com a sua utilização para fim diverso, unicamente nas apertadas condições previstas na lei, é uma matéria autónoma da questão da elaboração (e aprovação) do orçamento anual, tratando-se ela própria de uma questão principal e não de uma matéria secundária relativamente a esta, não sendo considerada por um declaratário normal como integrando o assunto do orçamento anual, importando, por isso, que a discussão da utilização do fundo para fim diverso constitua um assunto a ser expressamente inserido na convocatória da assembleia de condóminos para poder ser deliberado.
O que nos leva a concluir que neste caso, a deliberação efectivamente extravasou o conteúdo da convocatória.
Mas mais do que isso. Como se viu, a norma respeitante ao fundo comum de reserva é uma norma imperativa, que não pode ser postergada por uma deliberação da assembleia de condóminos. O que significa que a deliberação em causa, para além de extravasar o conteúdo da convocatória, ofende uma norma de natureza imperativa, na medida em que se prevê a utilização do fundo de reserva como fundo de maneio durante o ano (o que sai fora do âmbito da norma quando prevê a utilização para fim diferente, pois que do seu teor literal resulta que se tratará de um uso em determinada situação concreta e num momento temporal único, posto que existe um prazo máximo de 12 meses para a respectiva reposição) e nada se prevê sobre a reposição do seu valor.
Esta situação ocorre igualmente quanto ao deliberado no ponto 2 da ordem de trabalhos sobre “descontar o défice orçamental ao fundo comum de reserva”, que nos mesmos termos viola a referida norma imperativa sobre o fundo comum de reserva.
Quais as consequências da invalidade que se concluiu existir nestas duas deliberações em causa?
O art. 1433º, nº 1, do Código Civil, dispõe que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
No entanto, “no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos”, pois que as primeiras são nulas e as segundas ineficazes (P. Lima – A. Varela, Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed. revista e actualizada, 1987, págs. 447 e 448).
Anuláveis serão apenas aquelas deliberações tomadas dentro da área de competência da assembleia (cfr. J.A. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2ª ed., revista e actualizada, ob. cit., págs. 183, nota 1, e 189) e que não ponham em causa normas de carácter imperativo.
Como se diz no Ac. da R.P. de 16/11/2010, com o nº de proc. 864/09.2TBPRG.P1 (publicado em www.dgsi.pt), “o regime traçado no art. 1433º do Código Civil tem âmbito de aplicação restrito às deliberações anuláveis – ou seja, àquelas que são afectadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos susceptíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das fracções ou infringem regulamentos anteriormente aprovados”.
Ora, as normas de natureza imperativa não podem ser afastadas por vontade dos condóminos, nem por unanimidade, pois têm natureza imperativa”, não sendo também afastadas pelo disposto no art. 1433º do Código Civil.
Tratando-se de norma de natureza imperativa, a sua violação constitui nulidade e não mera anulabilidade (cfr. art. 280º, nº 1, do Código Civil).
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – art. 286º do Código Civil.
Conclui-se, portanto, que as duas deliberações em causa são nulas, por violarem a norma no art. 4º do D.L. nº 268/94, de 25/10, sobre o fundo comum de reserva.
Anote-se que, ainda que a A., ora recorrente, não tenha posto em causa na petição inicial a deliberação sobre “descontar o défice orçamental ao fundo comum de reserva” por este específico motivo, tal não impede a decisão do tribunal nesta parte, uma vez que, como se viu, a nulidade pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Assim, concluindo:
- merece provimento o recurso no que concerne à declaração de nulidade das seguintes deliberações tomadas pela assembleia de condóminos do edifício do qual o R. é o condomínio, na reunião de 12 de Janeiro de 2023: “descontar o défice orçamental ao fundo comum de reserva”, inserida na discussão do ponto 2 da ordem de trabalhos, e autorização da “utilização do fundo comum de reserva durante o ano como fundo de maneio”, inserida na discussão do ponto 4 da ordem de trabalhos;
- no mais, não merece provimento o recurso.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela obtenção parcial de provimento do recurso interposto pela A., com a consequente alteração da sentença recorrida no que concerne à improcedência do pedido relativamente às duas deliberações respeitantes ao fundo comum de reserva, mantendo-se a mesma quanto ao mais.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
- não admitir a junção do documento apresentado com o requerimento de recurso;
- conceder provimento parcial ao recurso e, consequentemente, declarar nulas as seguintes deliberações tomadas pela assembleia de condóminos do edifício do qual o R. é o condomínio, na reunião de 12 de Janeiro de 2023: “descontar o défice orçamental ao fundo comum de reserva”, inserida na discussão do ponto 2 da ordem de trabalhos, e autorização da “utilização do fundo comum de reserva durante o ano como fundo de maneio”, inserida na discussão do ponto 4 da ordem de trabalhos;
- no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a restante parte da sentença recorrida.
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Custas da apelação e da acção por recorrente e recorrido, na proporção do respectivo decaimento, a qual, atentos os pedidos formulados e o resultado do recurso, se fixa em 3/4 para a recorrente e 1/4 para o recorrido (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente



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Porto, 8/5/2025.

Isabel Ferreira
Ana Vieira
José Manuel Correia