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MÚTUO PAGÁVEL EM PRESTÇÕES
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
Sumário
I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas. III - A interpretação de aplicar o prazo curto de 5 anos previsto no artº 310º, e), do CC, às obrigações constituídas nos termos acima constantes não configura qualquer impedimento de acesso aos Tribunais e de tutela jurisdicional na cobrança de créditos, porquanto o credor não está inibido de exercer o seu direito à cobrança do crédito, apenas se exige que o faça num período de 5 anos e não de 20 anos como pugna a Apelante, pelo que tal interpretação não padece de qualquer inconstitucionalidade.
Texto Integral
PROC. N.º 827/24.8T8LOU-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Execução ....
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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juiz Desembargador Paulo Dias da Silva
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Vieira
Por apenso à execução comum que A... - Stc, S.A. lhe moveu, vieram os executados AA e BB com os sinais nos autos, apresentar os presentes embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos com a consequente extinção da execução.
Notificada para contestar, a exequente fê-lo onde pugna pela improcedência dos presentes embargos de executado, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.
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No saneador-sentença foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provados os presentes embargos de executado deduzidos pelos executados AA e BB determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.
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Custas a cargo da exequente.
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Registe e notifique.”
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela Embargada/Apelante, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida pelo Juízo de Execução de Guimarães, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (doravante Tribunal a quo), que julgou procedentes os embargos, reconhecendo a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução.
B. Em suma, o douto Tribunal a quo decidiu declarar a prescrição do crédito exequendo, na medida em que considera que a restituição do capital, no âmbito de um contrato de crédito, deve ser submetida ao prazo de prescrição mais curto, de 5 (cinco) anos, sob pena de se desvirtuar a sua ratio, que vista estimular uma cobrança imediata e célere dos montantes fracionados.
C. Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, a decisão judicial recorrida merece total reparo na medida em que, a mesma, não foi proferida conforme os ditames da lei e do direito, pois entende a Recorrente que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos, no que tange à aplicação do direito.
D. Não obstante, e salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, sendo seu firme entendimento que o Douto Tribunal a quo não fez justa e sã aplicação do Direito, tendo decidido da forma mais gravosa para a Recorrente.
E. O Banco Cedente (Banco 1... S.A.), no exercício da sua atividade bancária celebrou no dia 08.10.2001 com AA e a Executada BB um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca a que foi atribuído o n.º de contrato/operação n.º ...03 no montante global de €74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos).
F. As obrigações emergentes do contrato/operação n.º ...03 encontravam-se garantidas por hipoteca sobre o seguinte imóvel: Fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente a uma habitação situada no segundo andar, localizada à direita de quem chega e identificada na porta por segundo andar, localizada à direita de quem chega e identificada na porta por segundo direito trás, com arrumo identificado com a letra da fração.
G. Os executados deixaram de pagar as prestações a 09.03.2010 e o Banco 1... S.A. intentou, para efeitos de recuperação dos seus créditos nos referidos contratos, a ação executiva n.º ..., proposta a 26/11/2010.
H. Não obstante as diligências efetuadas pela Recorrente para resolução extrajudicial, os Executados persistiram no incumprimento, razão pela qual foi intentada a competente ação executiva.
I. No âmbito do referido processo executivo vieram ser reclamadas as seguintes quantias:
Empréstimo identificado em 4º / CAPITAL - 62.369,29€ / JUROS LIQUIDADOS DE 09/03/2010 a 26/11/2010, À TAXA DE 2,112% ACRESCIDO DA SOBRETAXA DE MORA DE 4%- 2.774,30 € / IMPOSTO DE SELO - 110,97 € TOTAL - 65.254,53 €.
J. O imóvel hipotecado em garantia veio ser vendido tendo no âmbito do processo judicial ... em 25/09/2012, pela quantia de €51.125,00, a qual foi insuficiente para liquidação integral do empréstimo em dívida.
K. O processo judicial executivo nº ... veio a ser extinto por insuficiência de bens a 16/11/2012.
L. A acção executiva referente aos autos principais foi instaurada a 26/02/2024.
M. Com o vencimento da totalidade das prestações, após a resolução do contrato, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros.
N. Pelo que, entende a Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida.
O. Neste seguimento, estamos perante uma obrigação única, que resulta da celebração do contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo, mas não poderá ser equiparada a uma prestação periódica e renovável dependente do decurso do tempo.
P. Dada a natureza do contrato de crédito celebrado, como uma obrigação pecuniária única, cujo pagamento é diferido no tempo, não deve, nem poderá ser equiparado a um plano de amortização de capitais e juros – prestações duradouras.
Q. Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e prestações periódicas, é certo que a obrigação em apreço se situa nas primeiras: obrigação única com pagamentos fracionados, razão pela qual não poderá ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil.
R. Salvo o devido respeito, que é muito, estamos perante uma situação que exige a aplicação prazo de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil.
S. Assim mesmo determina a Doutrina (vide “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV”): “Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”
T. Pelo que não é, nem pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença de uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos.
U. De acordo com o contrato de mútuo executado nos autos principais, o reembolso seria feito no prazo de 30 (trinta) anos, com o vencimento da última prestação a ocorrer apenas em 08/10/2031, que de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça por força do acórdão n.º 6/2022, de 22 de setembro: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
V. Assim, cfr. supra exposto, tendo a resolução contratual operado em 09/03/2010, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos aplica-se relativamente a cada amortização de capital e juros.
W. Resolvido o contrato extrajudicialmente, como o foi, com base no incumprimento definitivo de um contrato de empréstimo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a Recorrente o montante total da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil.
X. Nada resulta do disposto no artigo 310.º do Código Civil que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.
Y. O vencimento imediato das prestações restantes significa, por si só, que o plano de pagamento faseado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que, fica sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
Z. Desfeita a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional.
AA. Aquando a instauração da acção executiva, a Recorrente peticionou pela condenação dos Embargantes no pagamento do capital acrescido de juros moratórios em face do seu vencimento exigiu a totalidade da dívida e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento, este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação.
BB. A este propósito vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/03/2017, Relator Jorge Teixeira, proferido no processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, que refere que:
“I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC.
II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de “juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.”
CC. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/06/2018, Relator Jorge Arcanjo, proferido no processo nº 17012/17.8YIPRT.C1, que refere que:
“Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação.”
DD. É, pois, esta a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode, nem deve deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9.º do Código Civil.
EE. Semelhante entendimento é sufragado na doutrina ensinada pelo Dr. António Menezes Cordeiro que dita que “(…) a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; (…) podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização. (…) “(Tratado de Direito Civil, V, págs. 175 e 176).
FF. Não estando perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações, mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade, a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal e que melhor satisfará os ditames da justiça, apenas será a de revogar a decisão recorrida.
GG. Considerando que ao caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 anos e que por conseguinte, à data da instauração da acção executiva ainda não havia decorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda.
HH. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
II. Não se vislumbra qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse, ou permita, à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos.
JJ. Neste seguimento, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas.
KK. Criar um mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos é nada mais, nada menos, de que frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda.
LL. A Recorrente não pode conceber que sejam prioritários os interesses de incumprimento reiterado de créditos que, em última instância, podem colocar em causa o sistema financeiro, face a interesses de cumprimento rigoroso e coercivo das obrigações contratualmente assumidas.
MM. Acresce que a referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando, assim, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
NN. Esta limitação da possibilidade de cobrança judicial dos créditos, imposta por tal interpretação normativa, fundamenta-se num manifesto erro interpretativo que tem por base uma proteção desnecessária e desmesurada dos Devedores, tendo em consideração os mecanismos existentes na nossa Ordem Jurídica para prevenir situações de insolvência.
OO. No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal a quo não pode distinguir onde a lei não distingue, sob pena de se limitar injustificadamente o acesso aos tribunais.
PP. Nesta sequência, deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos.
QQ. Atendendo aos motivos supra explanados, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Conclui pelo provimento do recurso.
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A Embargada apresentou contra-alegações, apresentando as seguintes Conclusões:
A) A decisão recorrida efetuou uma rigorosa aplicação do respetivo direito e, como tal, deve ser confirmada.
B) O Tribunal a quo entendeu que a quantia exequenda estava prescrita, sustentando que:
C) o prazo prescricional previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil visa a proteção do devedor, com o intuito de evitar que a acumulação da dívida que o retardamento na cobrança das prestações que incluem capital e juros por parte do credor conduzisse à impossibilidade de pagamento por parte do devedor ou do garante fiador enquanto devedor principal que renunciou à excussão prévia.
D) Mesmo que se considere vencido todo o capital, a preocupação com o devedor e garantes mantém-se.
E) E ainda: “Assim, como vem sendo a posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se equiparada “a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC”, pois o que “justifica a prescrição dos juros decorridos o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária” – cf. Acórdão do STJ, de 18/10/2018 (processo n.º2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), consultável em www.dgsi.pt “.
F) Concluindo que: “mesmo que o crédito cuja amortização acordada em prestações de capital e juros se tenha vencido antecipadamente pelo incumprimento nos termos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não se altera a natureza da dívida, porquanto o que é devido é a totalidade das frações, isto é, como se afirma no Acórdão do STJ, de 10/09/2020 (Processo n.º805/18.6T8OVR-A.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt. Deste modo, mantém-se a aplicação do prazo prescricional de cinco anos à totalidade das prestações em dívida e que constituem a quantia exequenda.
G) Carece de razão a exequente quando alega que o artigo 310.º do C.C. não se aplica aos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.
H) Na verdade, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é como se venceu a obrigação exequenda, mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.
I) A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento, quer ocorra de uma ou de outra forma, pois mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.
J) Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
K) Por tudo o que se referiu, pode-se concluir que ao fracionamento do pagamento do capital mutuado em prestações que incluem capital e juros é aplicável o prazo de prescrição previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, prescrevendo no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros, relativas a contrato de mútuo.
L) Da matéria de facto resulta que os executados deixaram de cumprir o contrato em 09/03/2010 antes da instauração da execução nº ... instaurada a 09.1.2010 e que veio a ser extinto por insuficiência de bens a 16.11.2012.
M) A prescrição interrompe-se pela citação (artigo 323.º, n.º 1C.C).
N) O prazo de prescrição iniciado a 09.03.2010 interrompeu-se com a propositura e citação na execução nº ... (proposta a 26.11.2010)
O) Tendo esta ação executiva sido extinta em 16/11/2012, reiniciou-se a contagem de novo prazo de prescrição de cinco anos por ter cessado a interrupção-artigo 326 nº 1 Código Processo Civil.
P) Assim, em 16.11.2012 reiniciou-se o prazo de cinco anos de prescrição e inexistindo causa interruptiva da prescrição, desde 16.11.2017 que os contraentes aqui executados nos termos do artº 304 do CC podem recusar o cumprimento pela prescrição do direito da exequente, pois que a nova Acão executiva foi instaurada a 26.02.2024, para além do prazo de cinco anos que se reiniciou a 16.11.2012.
Q) Destarte, bem decidiu o Tribunal a quo ao julgar procedente a oposição à execução por se verificar a prescrição.
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No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
- Alteração da decisão da primeira instância, por ser de aplicar ao crédito dos autos o prazo de prescrição de 20 anos e não de 5 anos.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. Por contrato de cessão de créditos, em 27 de janeiro de 2021 o Banco 1... S.A. cedeu à Sociedade B..., S.A.R.L, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de crédito junto como Doc. 1 com o req. executivo e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
2. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19 de abril de 2021, B..., S.A.R.L, cedeu à Exequente A... – STC, S.A., os créditos que detinha sobre os Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas, conforme Doc. 2 e 3 junto com o req. executivo e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. Os Executados notificados a 01.03.2021 da celebração dos contratos de cessão conforme carta remetidas e juntas sob doc.4 com o req. executivo.
4. O Banco Cedente (Banco 1... S.A.), no exercício da sua atividade bancária celebrou no dia 08.10.2001 com AA e a Executada BB um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca a que foi atribuído o n.º de contrato/operação n.º ...03 no montante global de €74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) conforme escritura pública junt sob doc.5 com o req. executivo e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
5. As obrigações emergentes do contrato/operação n.º ...03 encontravam-se garantidas por hipoteca sobre o seguinte imóvel:
- Fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente a uma habitação situada no segundo andar, localizada à direita de quem chega e identificada na porta por segundo andar, localizada à direita de quem chega e identificada na porta por segundo direito trás, com arrumo identificado com a letra da fração.
6. Os executados deixaram de pagar as prestações a 09.03.2010 e o Banco 1... S.A. intentou, para efeitos de recuperação dos seus créditos nos referidos contratos, a ação executiva n.º ... proposta a 26.11.2010.
7. No âmbito do referido processo executivo vieram ser reclamadas as seguintes quantias:
Empréstimo identificado em 4º
CAPITAL - 62.369,29€
JUROS LIQUIDADOS DE 09/03/2010 a 26/11/2010, À TAXA DE 2,112% ACRESCIDO DA SOBRETAXA DE MORA DE 4%- 2.774,30 €
IMPOSTO DE SELO - 110,97 €
TOTAL - 65.254,53 €
8. O imóvel hipotecado em garantia veio ser vendido tendo no âmbito do processo judicial ... em 25.09.2012 pela quantia de €51.125,00, a qual foi insuficiente para liquidação integral do empréstimo em dívida.
9. O processo judicial executivo nº ... veio a ser extinto por insuficiência de bens a 16.11.2012.
10. A presente acção executiva foi instaurada a 26.02.2024.
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2 - OS FACTOS E O DIREITO.
Alega a Exequente/Apelante que se impõe a revogação da decisão recorrida, por ser de aplicar ao crédito dos autos o prazo de 20 anos e não o de 5 anos como efectuado pelo tribunal recorrido.
Conhecendo:
Nos presentes autos o título executivo apresentado consiste num contrato de mútuo celebrado por escritura pública.
O exequente celebrou com o executado um contrato de mútuo com o reembolso do capital em prestações acrescido dos juros contratados.
A questão suscitada pela Apelante encontra-se claramente ultrapassada pela uniformização de jurisprudência operada pelo AUJ 6/2022, de 30-06-2022, proferido no proc. nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, Relator Vieira e Cunha, que estabeleceu jurisprudência nos seguintes termos:
I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Este acórdão dispôs directamente sobre a aplicabilidade da regra prevista na al. e) do art. 310º do C. Civil, que dispõe “Prescrevem no prazo de cinco anos: e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
A questão vinha sendo alvo de tratamento doutrinal e jurisprudencial com um sentido quase unânime, na afirmação de que o vencimento de toda a dívida não alterava a natureza da obrigação original, caracterizada pela convenção de pagamento fraccionado do capital e juros contratualmente previstos. Porém, constatando a utilidade da superação da divergência por vezes ainda verificada, o STJ interveio, providenciando pela uniformização da resposta judicial.
Como se diz ainda no aludido AUJ 6/2022, de 30-06-2022, a considerar-se, como em diversas decisões das Relações e que a Apelante invoca, que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Serve o exposto para dizer não assistir razão à Apelante quando invoca que com o vencimento da totalidade das prestações, após a resolução do contrato, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros e assim não seriam exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida.
Com efeito, entendemos que as razões expressas no AUJ 6/2022 continuam a manter-se, o que tem continuado a ser expresso na jurisprudência, vide entre outros, Ac. do STJ de 29.02.2024, processo 199/10.STBGRD-F.C1.S1, Relator: Sousa Lameira, in www.dgsi.pt.
*
Relativamente à questão da inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excepcional de cinco anos, considera-se inexistir qualquer inconstitucionalidade de tutela jurisdicional prevista no artº 20º nº 1, da CRP..
O aludido preceito dispõe que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
De acordo com a jurisprudência do TC «o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente:
(a) o direito de acção, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional;
(b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada;
(c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa;
(d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas», vide Acórdão do TC n.º 771/2017, Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros, in Acórdãos Tribunal Constitucional
Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”,
Reconduzindo-nos ao caso sub judicio, a interpretação de aplicar o prazo curto de 5 anos previsto no artº 310º, e), do CC, às obrigações constituídas nos termos constantes dos autos não configura qualquer impedimento de acesso aos Tribunais e de tutela jurisdicional na cobrança de créditos, porquanto o credor não está inibido de exercer o seu direito à cobrança do crédito, apenas se exige que o faça num período de 5 anos e não de 20 anos como pugna a Apelante.
Com efeito, como se diz no AUJ 6/2022, com a aplicação do prazo de 5 anos à cobrança das dívidas visa-se evitar a acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor e que o pode levar à insolvência e por outro lado o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Serve o exposto para dizer que o credor pode cobrar o seu crédito, só que o tem de o fazer no prazo de 5 anos e não de 20 anos, pelo que se tem de considerar que o credor tem tutela jurisdicional nos termos previstos no artº 20º, nº 1, da CRP, inexistindo, assim, qualquer inconstitucionalidade na interpretação feita de ser aplicável à cobrança do crédito dos autos o prazo de 5 anos previsto no artº 310º, e), do CC..
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Reconduzindo-nos ao caso sub judicio, o prazo de prescrição iniciou-se a 09.03.2010 interrompeu-se com a propositura e citação na execução nº ... (proposta a 26.11.2010).
A acção executiva foi extinta em 16/11/2012, reiniciando-se a contagem de novo prazo de prescrição de cinco anos por ter cessado a interrupção-arº326 nº 1 Código Processo Civil.
Não ocorreu qualquer nova causa interruptiva da prescrição, desde 16.11.2017, pelo que os contraentes aqui executados, nos termos do artº 304º, do CC podem recusar o cumprimento pela prescrição do direito da exequente, porquanto a nova acção executiva foi instaurada a 26.02.2024, para além do prazo de cinco anos que se reiniciou a 16.11.2012.
Assim sendo, bem andou a o Tribunal recorrido em declarar prescrito o crédito peticionado pela Apelante, pelo que improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:
a) Na total improcedência do recurso interposto pela Apelante, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante – artigo 527º, do Código de Processo Civil.