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ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO CERTO
RENOVAÇÃO
Sumário
I – Tratando-se o contrato de arrendamento dos autos de um contrato singular, celebrado entre dois contraentes (o que não é alterado pela circunstância de nele eventualmente serem inseridas cláusulas cujo teor seja retirado de “minutas-tipo”), não lhe são aplicáveis as regras da lei das cláusulas contratuais gerais, mas as regras decorrentes do Código Civil, designadamente as respeitantes à declaração negocial e à falta e vícios da vontade. II – Quando, no art. 232º do Código Civil, se alude ao acordo em todas as cláusulas sobre as quais qualquer das partes o tenha julgado necessário, não se está a querer impor uma discussão verbal cláusula a cláusula, mas que a vontade das partes (expressa ou tácita) abranja todas as cláusulas. III – Se é apresentada uma proposta contratual por um declarante, que é assinada, sem reservas, pelo declaratário, tal integra a existência de acordo sobre todas as cláusulas. IV – A norma constante do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva, mesmo na sua redacção actual, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/02. V – Não podendo o contrato de arrendamento ter duração superior a 30 anos, por disposição imperativa da lei, ainda que resultasse provado que a senhoria tivesse assegurado que nunca iria colocar termo ao contrato, tal não teria virtualidade para criar uma situação de confiança digna de tutela, com capacidade de tornar perpétuo o contrato celebrado com os arrendatários, o qual, mesmo que aquela nunca se opusesse à renovação, sempre terminaria ao fim de 30 anos, por caducidade.
Texto Integral
Processo: 2576/23.5T8MAI.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – AA intentou, no Juízo Local Cível da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa,com processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes “no despejo da fracção descrita no artigo 1.º desta petição, entregando-a à Autora livre de pessoas e bens”.
Alegou para tal que, por contrato de 01/03/2015, deu de arrendamento aos RR. o imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, com início nessa data, pelo prazo de um ano, renovável automática e sucessivamente por períodos de um ano, pela renda mensal de 461,25, e que, por carta registada com aviso de recepção, que enviou aos RR. em 28/02/2022, manifestou-lhes a oposição à renovação do contrato de arrendamento, tendo estes respondido, por carta já de 07/02/2023, que o contrato se estendia até 01/03/2025, e não entregaram o locado na data de 28/02/2023 em que o contrato terminou, nele continuando a habitar.
Os RR. contestaram, defendendo que a partir da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, de 12/02, o prazo mínimo de renovação passou a ser de três anos, pelo que, em 01/03/2019, o contrato renovou-se por três anos até 01/03/2022, data em que voltou a renovar-se por mais três anos até 01/03/2025, não produzindo qualquer efeito a comunicação enviada pela A., alegando que têm idade superior a 80 anos, tendo já mais de 65 anos na altura da celebração do contrato de arrendamento, que vivem no locado desde 2007, então com base num contrato de subarrendamento, que assinaram o contrato que lhes foi apresentado pela A. sem terem negociado a cláusula respeitante à vigência do mesmo ou entendido o seu alcance, pelo que a mesma deve ser afastada, e invocando a existência de abuso de direito por parte da A., porque sempre assegurou aos RR. que, não necessitando do locado para habitação própria, nunca os iria retirar do mesmo, tendo sempre criado nestes a legítima expectativa de que nunca iria pôr termo ao contrato.
A A. respondeu, reafirmando que a oposição à renovação é eficaz, defendendo não existir abuso de direito no caso, e impugnando os factos alegados pelos RR. como fundamento das excepções invocadas.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e a elaboração do despacho saneador.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência, condenar os RR. na entrega imediata do locado à A., livre de pessoas e bens.
De tal sentença vieram os RR. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem (na parte relevante):
«1. O presente recurso merece provimento porquanto (i) a decisão recorrida assentou num erro na interpretação e valoração da prova produzida e dos factos que o tribunal a quo deu como provados mas também (ii) num erro na interpretação e aplicação do artigo 1096 n.º 1 do Código Civil.
2. A prova produzida permite dar como provado, o ponto 1 constante dos factos não provados: “A cláusula de vigência do contrato não foi objeto de negociação nem lhes foi explicada pela Autora”;
3. Os factos dados como provados e constantes da sentença recorrida bem como o facto ora aditado na sequência da impugnação do supra referido ponto 1 dos factos não provados, demonstram com clareza que a Autora agiu, quando se opôs a renovação do contrato de arrendamento, com abuso de direito nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
4. A boa interpretação e aplicação do artigo 1096 n.º 1 do Código Civil determina que o contrato de arrendamento não cessou os seus efeitos a 29/02/2023 e renovou-se, em 28/02/2022 por um período de três anos, ou seja, até 28/02/2025.
5. A sentença recorrida mal andou por não ter valorizado que já existia entre as partes, um contrato de arrendamento anterior, que tinha vigorado durante 8 anos, (conforme decorre do ponto 8 dos factos provados e da prova documental junto aos autos através do requerimento de 16/02/2024 (ref.ª citius 38177216)).
6. O primeiro contrato de arrendamento celebrado em 2007 que vigorou durante 8 anos, entre as Partes, estipulava um prazo inicial de cinco anos bem como uma renovação por períodos de três anos (cf. aliás menciona a sentença no 1.º parágrafo da pág. 5).
7. Conforme resulta da prova documental e do depoimento de parte da Autora constante do respetivo ficheiro áudio de 06/02/2024 (gravado entre as 14:53 e às 15h14) e disponível via citiuscom a ref.ª “Diligencia_2576-23.5T8MAI_2024-02-06_14-53-44”, do minuto 03:01 ao minuto 04:26, constava como inquilino, no primeiro contrato de arrendamento celebrado em 2007, um amigo dos Réus, a testemunha DD.
8. Não obstante, a Autora sempre considerou os Réus como seus inquilinos diretos, conforme se extrai do seu depoimento de parte constante do ficheiro áudio supra identificado, do minuto 00:31 ao minuto 00:53 e do minuto 07:23 ao minuto 09:14.
9. A celebração do segundo contrato de arrendamento, aconteceu unicamente a pedido dos Réus, (conforme consta do ponto 9 dos factos provados e do depoimento de parte da Autora constante do ficheiro áudio supra identificado, precisamente do minuto 14:17 ao minuto 15:27).
10. Resulta da prova que, a vontade das partes foi apenas manter o arrendamento que já existia e teve unicamente como objetivo, colocar o arrendamento que na prática já existia entre as Partes, em nome dos Réus na medida em que até então, tal não sucedia.
11. A Autora confessou no seu depoimento de parte, constante do ficheiro supra identificado, do minuto 14:46 ao minuto 14:49, que o segundo contrato de arrendamento celebrado em 2015, não foi objeto de negociação,“porque se manteve tudo igual.”
12. Acontece que, a Autora alterou unilateralmente e sem conhecimento dos Réus a cláusula da vigência do arrendamento, ao colocar um período de renovação de um ano (conforme consta do ponto 2 dos factos provados) sendo certo que o primeiro contrato de 2007 renovava-se por períodos sucessivos de três anos.
13. Ora, considerando que i) durante 8 anos vigorou um arrendamento renovável por períodos de três anos, ii) a vontade manifestada pelo Réu (que pretendia simplesmente que o contrato existente passasse para seu nome) e iii) a idade já avançada dos Réus com 71 e 72 anos (cf certidões de nascimento junta aos autos através do requerimento de 16/02/2024 (ref.ª citius 38177216)), a Autora tinha a obrigação, de acordo com o princípio da boa-fé e da lealdade, comunicar e explicar previamente aos Réus a alteração que introduziu na cláusula referente ao prazo de vigência do contrato e sua renovações, o que não fez.
14. Pelo que, a cláusula de vigência do contrato, apesar da sua simplicidade, necessitava pelos motivos acima expostos de ser explicada e acordada com os Réus.
15. Os Réus confiaram na Autora e na convicção que, conforme acordado, o clausulado contratual se mantinha igual ao contrato de 2007, assinaram o novo contrato de arrendamento em 2015, o qual lhes foi enviado por e-mail no dia seguinte à conversa telefónica entre as Partes (conforme depoimento de parte constante do ficheiro áudio supra identificado, do minuto 14:17 ao minuto 15:27) sem o ter comparado com a versão anterior, e por isso sem entender que o prazo de renovação já não era o mesmo, motivo pelo qual não pediram explicações à Autora.
16. Em conclusão, resulta dos factos provados acima mencionados, dos contratos de arrendamento junto aos autos e do depoimento de parte da Autora, que o prazo de renovação de um ano não resultou da negociação das partes, nem a Autora advertiu, explicou ou deu conhecimento aos Réus tal prazo, antes pelo contrário, acordou com estes que “tudo se mantinha igual”..
17. Em face do exposto, impõe-se dar como provado e aditar à matéria de facto dada como provada, o seguinte ponto:
1. A cláusula de vigência do contrato não foi objecto de negociação nem lhes foi explicada pela Autora.
18. O Tribunal a quoconcluiu que o contrato subjudice continuou a renovar-se ao abrigo da lei antiga e pelo período de um ano, não estando abrangido pela lei n.º 13/2019 de 12/02 (doravante designada como “ lei nova”) que veio alterar a redação do artigo 1096.º do Código Civil, violando dessa forma o disposto no artigo 12.º n.º 2 in fine do Código Civil..
19. O tribunal a quo interpretou e aplicou o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, considerando que a lei impõe um limite mínimo de 3 anos mas somente para a primeira renovação.
20. Ora, não se descortina do texto da lei (do n.º 1 do artigo 1096 do CC) que o prazo mínimo de três anos seja somente aplicável à primeira renovação do contrato.
21. Ademais, tal interpretação viola o disposto no artigo 9.º do Código Civil na medida em que não tem sustento face aos objetivos expressos pelo legislador (cf artigo 1.º da lei nova) que é, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, como é manifestamente o caso dos presentes autos, face à idade e condições económicas dos Réus (último parágrafo da pág. 5 da sentença).
22. Pelo contrário, só contribuiu para agravar a vulnerabilidade dos Réus e não respondeu à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos Réus, que se encontram numa idade muito avançada e já permaneciam no locado há 16 anos!
23. De acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, julgamos ser a interpretação mais apropriada do artigo 1096 n.º 1 do Código Civil, a de estabelecer um prazo mínimo (imperativo) de 3 anos para todas as renovações, conferindo dessa forma uma maior estabilidade para os arrendatários em situação de especial fragilidade.
24. Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, a nova lei aplicar-se-á, a todos os contratos subsistentes aquando da sua entrada em vigor, mesmo aos que tenham sido objetos de uma ou várias renovações ao abrigo da lei antiga e já tenha vigorado mais de três anos.
(…)
27. Atento a todo o supra exposto, o prazo de renovação de um ano constante do contrato, deverá por força da lei ser considerado alargado para três anos pelo que, quando o contrato se renovou em 28/02/2019, foi imperativamente pelo período de três anos, ou seja, até 28/02/2022, tendo-se renovado automaticamente até 28/02/2025 na medida em que a oposição à renovação não foi comunicada com a devida antecedência, conforme decorre do ponto 5 dos factos provados.
28. Subsidiariamente e caso assim não se entender por se sufragar a tese da supletividade quanto ao prazo de renovação constante do n.º 1 do artigo 1096 do Código Civil, (o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona), sempre se dirá o seguinte:
29. Conforme decorre da supra impugnação da matéria de facto, a cláusula de vigência constante do contrato de arrendamento celebrado em 2015 nunca foi objeto de negociação entre as partes como nunca foi explicada pela Autora aos Réus.
30. Não existiu liberdade contratual pois, conforme supra explanado, a fixação do prazo de um ano não proveio da vontade expressa e reconhecida dos Réus pelo que numa boa aplicação do direito, deverá se afastar a aplicação do prazo de renovação de um ano constante no contrato sub judice, pois não foi livremente estabelecido por parte dos Réus.
31. Não havendo uma válida estipulação contratual pois os Réus não foram livres e informados em convencionar a cláusula de vigência, o contrato renovou-se, em 28/02/2022, supletivamente por um período de três anos, ou seja, até 28/02/2025.
32. Por fim, quanto à questão do abuso de direito, toda a factualidade evidenciada nos factos dados como provados e na impugnação do ponto 1 dos factos não provados, permite concluir que a Autora excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil porquanto defraudou, as legítimas expectativas dos Réus de que não iria colocar termo ao contrato de arrendamento.
33. Tais expe[c]tativas dos Réus foram criadas pela conduta omissiva da Autora que permitiu manter em vigor o arrendamento ao longo de 16 anos, sendo portanto legítimas e merecedoras de proteção legal.
34. Após 8 anos de vigência do primeiro contrato de arrendamento, a Autora reforçou essa confiança e expectativas dos Réus quando em 2015, anuiu na celebração de um segundo contrato de arrendamento em nome dos Réus embora estes já [es]tivessem com 71 e 72 anos de idade e o manteve em vigor durante mais 8 anos mas também quando, optou por não atualizar e assim aumentar a renda durante 16 anos.
35. Cientes da idade e das condições económicas dos Réus, o comportamento da Autora transmitiu confiança aos Réus e objetivamente para qualquer pessoa na posição daqueles, levando-os assim a crer legitimamente que poderiam viver no locado até ao fim das suas vidas.
36. Todo o supra explanado permite, objetivamente, criar a confiança de que a Autora não pretendia colocar termo ao arrendamento que mantinha com os Réus.
37. Conforme já foi abordado aquando da impugnação do ponto 1 dos factos não provados, a Autora pretende exercer um direito que não foi livremente acordado pelas partes, o que torna a sua conduta desleal e contrária ao princípio da boa-fé.
38. A Autora pretende salvaguardar-se do prazo de um ano para se opor à renovação do contrato quando tal prazo foi estabelecido, à revelia dos Réus.
39. O caso dos autos é uma situação extraordinária que reclama a aplicação do instituto do abuso de direito, para proteger a tutela da confiança e assim evitar uma situação de injustiça.
40. Face ao período decorrido e perante as mesmas circunstâncias do caso em apreço, já acima retratadas, qualquer homem comum, colocado na posição real dos Réus ficariam convencidos, de que a Autora não iria exercer o direito ora invocado.
41. Por outro lado, também se pretende proteger a legítima confiança dos Réus quanto à vigência do arrendamento, pois conforme decorre do ponto 6 dos factos provados, os mesmos entendem que o arrendamento se estende até 28/02/2025.
42. Atento ao supra exposto, a Autora agiu em manifesto abuso de direito, na modalidade de “supressio” pelo que deverá ser declarado ineficaz a oposição à renovação, mantendo-se assim atualmente o contrato em vigor.
43. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada, declarando improcedente o pedido de entrega do Locado.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE O CONTRATO DE ARRENDAMENTO CELEBRADO ENTRE AS PARTES EM VIGOR:
A) POR DAR COMO PROVADO QUE A AUTORA AGIU EM ABUSO DE DIREITO E DAR CONSEQUENTEMENTE COMO INEFICAZ A OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE POR MERO DEVER DE CAUTELA SE CONCEBE,
B) POR DAR COMO PROVADO QUE O CONTRATO DE ARRENDAMENTO SE RENOVOU EM 28/02/2022, PELO PERÍODO DE 3 ANOS, ATÉ 22/02/2025 FAZENDO ASSIM ACOSTUMADA JUSTIÇA!».
A A. apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso interposto, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas respectivas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência: a) impugnação da matéria de facto; b) oposição à renovação do contrato de arrendamento; c) abuso de direito.
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Vejamos a primeira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º): a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que os recorrentes deram cumprimento às referidas exigências, especificando o concreto facto que põem em causa e indicando as razões da sua discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugnam.
Apreciemos então.
Pretendem os recorrentes que deve ser dado como provado o facto do ponto 1 dos factos não provados, resultante da alegação do art. 28º da contestação.
Este facto é do seguinte teor:
“A cláusula de vigência do contrato não foi objecto de negociação nem lhes foi explicada pela Autora.”.
Para o efeito, invocam os recorrentes a comparação entre o teor do contrato em causa nos autos e o teor do anterior contrato de arrendamento subjacente ao contrato de subarrendamento celebrado inicialmente pelos RR., e o depoimento de parte da A..
O tribunal recorrido entendeu que a factualidade em causa resultou não provada, tendo motivado a sua decisão aduzindo que “não obstante o Réu afirmar que não negociaram o prazo do contrato reconheceu que a Autora enviou-lhe o contrato escrito e o mesmo assinou-o sem ler. Ora, a cláusula em causa é a primeira, tem um conteúdo simples e de fácil apreensão, não necessita ser explicada nem o Réu pediu explicações, sendo legítimo e expectável de que se assinou o contrato é porque concordou com os seus termos. Aliás, considerando o seu cumprimento escrupuloso, incluindo a renda e demais encargos, estranha-se que não o tenha lido. Acrescenta-se que, a considerar a tese do Réu, se não houve negociação quanto a tal cláusula e às demais é porque o mesmo não se predispôs a tal assinando o contrato sem o ler.”.
Vista a prova produzida (que analisamos na totalidade, vendo todos os documentos juntos aos autos e ouvindo toda a prova produzida na audiência de julgamento), verifica-se que da mesma não resulta a demonstração do facto em questão.
Com efeito, os recorrentes parecem confundir a negociação com a discussão presencial dos termos do acordo. Ora, como decorre dos arts. 224º e 228º do Código Civil, a proposta contratual pode ser feita de várias formas, incluindo por escrito, cabendo ao destinatário da mesma aceitá-la tal como lhe é apresentada ou introduzir-lhe modificações (que podem significar a rejeição da proposta ou equivaler a nova proposta), nos termos dos arts. 232º e 233º do Código Civil, sendo que a aceitação pode ser também por escrito, podendo inclusivamente ocorrer mediante a simples assinatura da proposta apresentada (que constitui conduta que mostra a intenção de aceitar a proposta, para efeitos do art. 234º do C.C.).
Quando, no art. 232º do Código Civil, se alude ao acordo em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas o tenha julgado necessário, não se está a querer impor uma discussão verbal cláusula a cláusula, mas que a vontade das partes (expressa ou tácita - cfr. art. 217º do C.C.) abranja todas as cláusulas. E se é apresentada uma proposta contratual por um declarante, que é assinada, sem reservas, pelo declaratário, tal integra a existência de acordo sobre todas as cláusulas.
No caso concreto, verifica-se que a cláusula primeira do contrato de arrendamento de 2015 é efectivamente diferente da cláusula terceira do contrato de arrendamento de 2007 (que foi celebrado com pessoa diferente dos RR., sendo que não está invocado nos autos qualquer falta ou vício da vontade, designadamente a existência de simulação, não tendo sido alegados factos nesse sentido). Porém, não resulta que assim não pudesse ser, posto que o que decorre do depoimento da A. e das declarações do R. marido é que a alteração do contrato se deveu à circunstância de os RR. quererem passar a ser arrendatários e não subarrendatários (quererem que o contrato passasse a ser “em nome deles”), mas nada resulta que todas as cláusulas contratuais tivessem que ser exactamente iguais às do contrato anterior (aliás, o R. marido põe o enfoque no facto de ter confiado que a A. sempre iria manter o contrato, mas não foi com a nova redacção que a situação se alterou, pois o contrato inicial tinha um período de 3 anos de renovação automática – a diferença foi de apenas dois anos no prazo de duração).
E verifica-se que a A. e o R. marido coincidem em explicar que a proposta contratual de 2015 foi enviada para os RR. por escrito, por correio electrónico, tendo sido devolvida à A. assinada pelos RR., pelo mesmo meio, tendo o R. marido esclarecido que ele e a R. assinaram a proposta sem lerem as respectivas cláusulas e sem terem solicitado o que quer que fosse à A. quanto ao teor do contrato.
Assim, sucede que houve efectivamente negociação e aceitação da proposta: ela foi enviada aos RR., que tiveram a possibilidade de aduzir o que entendessem sobre o seu conteúdo e optaram por aceitá-la, assinando-a, sem qualquer reserva, o que se traduz em negociação nos termos explicitados (como se disse, não tem que ser presencial, nem verbal). Ademais, o comportamento dos RR. inculcou a ideia de não necessitarem de qualquer explicação, para além de não a terem pedido expressamente, pelo que não faz sentido falar em qualquer inexistência de explicação por parte da A.. Anote-se que a cláusula 1ª não é a única diferente relativamente ao contrato de 2007, sendo também diferentes as cláusulas 2ª, 3ª e 5ª, o que aparentemente não incomodou os RR., que nada invocaram nessa parte.
Donde, perante o que resulta da prova, não se pode dizer que esta impusesse uma decisão diversa, mostrando-se correctamente julgada esta matéria na primeira instância.
Não merece, pois, provimento a impugnação da matéria de facto por parte dos recorrentes.
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Apreciemos agora a segunda questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão dos recorrentes é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida e que são os seguintes (transcrição):
«1. Por contrato celebrado a 1 de Março de 2015, a Autora deu de arrendamento aos Réus, o rés-do-chão direito, Habitação 04, para habitação, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., fracção inscrita na matriz predial com o n.º ...52... e descrita na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 00...5/080589-NA, com o Alvará de licença de utilização n.º ...5/97, emitido a 25.08.1997, pela Câmara Municipal ....
2. O contrato de arrendamento, foi celebrado pelo prazo de um ano, renovável automática e sucessivamente por períodos de um ano, caso não fosse denunciado nos termos legais, e teve o seu início a 01 de Março de 2015.
3. A renda inicial acordada foi de 5.535,00 €, por ano, paga em duodécimos de 461,25 €, por transferência bancária, no primeiro dia útil a que respeitasse.
4. A renda actual é de 461,25 €.
5. Por carta registada em 28 de Fevereiro de 2022, a Autora enviou carta registada com aviso de recepção aos Réus, que a receberam, manifestando-lhe a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento.
6. Os Réus em 7 de Fevereiro de 2023, responderam à Autora, por carta, confirmando o contrato de arrendamento, mas afirmando que o mesmo se estende até 1 de Março de 2025.
7. À data da celebração do contrato os Réus tinham mais de 65 anos.
8. À data da celebração do contrato os Réus já viviam no locado desde 2007.
9. O contrato de arrendamento datado de 2015 foi celebrado por vontade dos Réus.
10. A Autora sempre se revelou compreensiva face à situação de insolvência dos Réus e por isso, em 2007, anuiu na celebração do contrato de subarrendamento.
11. A Autora pretende vender o locado.
12. Os Réus pretenderam adquirir o locado à Autora no que a mesma anuiu.
13. Posteriormente desistiram da aquisição.
14. Desde a comunicação de oposição á renovação os Réus encontram-se num estado de pavor face à ideia de ficar sem casa.
15. A Ré perdeu a vontade de sair de casa, deixou de visitar a família e amigos e vive centrada no medo de morrer na rua.»
Sendo a seguinte, a factualidade não provada:
«1. A cláusula de vigência do contrato não foi objecto de negociação nem lhes foi explicada pela Autora.
2. A Autora sempre assegurou aos Réus que não necessitava do locado para habitação própria e que nunca iria colocar termo ao contrato.»
Não tendo havido alteração da matéria de facto, conforme propugnado pelos recorrentes, os factos que constam definitivamente como provados na sentença recorrida não permitem dar provimento à pretensão dos RR., recorrentes, no sentido de que o contrato de arrendamento teria que vigorar sem a cláusula de renovação anual do contrato, aplicando-se supletivamente o que consta da lei.
De todo o modo, ainda que resultasse provado o facto impugnado pelos recorrentes a solução não seria diferente.
Na verdade, afigura-se que existe alguma confusão dos recorrentes quanto à natureza do contrato em causa nos autos, que não é um contrato de adesão, mas um contrato singular, celebrado entre dois contraentes (o que não é alterado pela circunstância de nele eventualmente serem inseridas cláusulas cujo teor seja retirado de “minutas-tipo”), não lhe sendo aplicáveis as regras da lei das cláusulas contratuais gerais, mas as regras decorrentes do Código Civil, designadamente as respeitantes à declaração negocial (arts. 217º a 235º) e à falta e vícios da vontade (arts. 240º a 257º).
O que significa que a eficácia das cláusulas deste contrato teria que ser apreciada de acordo com as regras da apresentação, recebimento e aceitação da proposta contratual, nos termos já supra referidos (do que se teria que concluir que no caso houve aceitação da proposta nos termos em que foi apresentada) e que uma eventual divergência da vontade dos RR. apenas poderia integrar uma situação de erro na declaração, cuja consequência é a anulabilidade do negócio, que não é de conhecimento oficioso, tendo de ser invocada e alegados os factos integradores dos seus pressupostos, bem como, eventualmente, havendo interesse na manutenção do negócio sem a parte supostamente viciada, os factos determinantes da redução ou conversão do negócio (cfr. arts. 247º, 292º e 293º do C.C.).
Ou seja, no caso não há que desconsiderar a cláusula primeira do contrato.
Cabe, então, apreciar da oposição à renovação do contrato de arrendamento manifestada pela A., tendo em conta o que consta da referida cláusula e da lei aplicável.
Está assente entre as partes nos autos que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para habitação.
O contrato foi celebrado em 1 de Março de 2015, pelo prazo de um ano, renovável, data em que estava em vigor a redacção do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) constante da Lei nº 6/2006, de 27/02, decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14/08.
De acordo com o disposto no art. 1094º, nº 1, do Código Civil, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada, sendo que, no caso de contrato com prazo certo, este deve constar de cláusula inserida no contrato, não podendo ser superior a 30 anos, nos termos do art. 1095º do Código Civil (na redacção do nº 2 deste artigo em vigor à data não estava previsto limite mínimo de duração, apenas limite máximo).
Na redacção então em vigor dispunha o art. 1096º do Código Civil, sob a epígrafe “Renovação automática”, no seu nº 1, que salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte (que respeitava aos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias), prevendo-se no nº 3 a possibilidade de qualquer das partes se opor à renovação nos termos dos artigos seguintes.
À luz destas disposições legais, no contrato em causa nos autos estipulou-se que o arrendamento tinha a duração de um ano e estipulou-se a sua renovação automática por períodos de um ano.
Com efeito, o regime previsto no nº 1 do art. 1096º do Código Civil era um regime supletivo, para vigorar apenas quando não houvesse “estipulação em contrário”.
Entretanto, em 13/02/2019 (cfr. art. 16º), quando decorria (estando a 15 dias de terminar) o prazo da terceira renovação do contrato (prazo inicial: 01/03/2015 a 29/02/2016; 1ª renovação: 01/03/2016 a 28/02/2017; 2ª renovação: 01/03/2017 a 28/02/2018; 3ª renovação: 01/03/2018 a 28/02/2019), entrou em vigor a Lei nº 13/2019, de 12/02, constando do seu art. 1º que “a presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”, procedendo a alterações legislativas, entre outros, ao Código Civil e ao NRAU.
Assim, e para o que ao caso interessa, o nº 1 do art. 1096º do Código Civil passou a dispor que salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
E acrescentou-se um nº 3 ao art. 1097º com o seguinte teor: A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
No que concerne ao nº 1 do art. 1096º do Código Civil, a alteração foi apenas o acrescento da expressão “ou de três anos se esta for inferior”, mantendo-se toda a restante redacção da norma.
Ainda assim, alguma doutrina e jurisprudência, com base nessa alteração e no disposto no art. 1º da referida Lei, entendeu que a partir da entrada em vigor desta a referida disposição passou a tratar-se de norma imperativa no que concerne ao prazo da renovação, que teria sempre de ser igual ao prazo inicial ou de 3 anos se aquele for inferior, sem possibilidade de as partes convencionarem algo de diferente no contrato.
Porém, outra doutrina e jurisprudência entendem que esta alteração não tem o referido alcance, não tendo alterado a natureza supletiva da norma, desde logo em face do elemento literal e do elemento sistemático de interpretação, incluindo a necessidade de conjugação desta norma com a nova norma do nº 3 do art. 1097º do Código Civil.
Sendo que esta questão é relevante no caso concreto, uma vez que, estando em causa o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, concretamente no que concerne à sua duração, sem interferência dos factos que deram origem a esta relação jurídica, a lei nova aplica-se à relação de arrendamento em causa nos autos, pois abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor, nos termos do disposto no art. 12º, nº 2, do Código Civil (como, aliás, foi decidido na sentença recorrida, expressamente, ao invés do que os recorrentes referem no recurso, quando afirmam que o tribunal concluiu que o contrato continuou a renovar-se ao abrigo da lei antiga, não estando abrangido pela Lei nº 13/2019 – a sentença recorrida diz exactamente o contrário!).
Vistos os argumentos de uma e outra corrente (no sentido de que a norma actual é imperativa, embora alguns acórdãos reportando esta imperatividade unicamente ao prazo mínimo de renovação de 3 anos, podem ver-se os Acs. da R.G. de 11/02/2021, com o nº de proc. 1423/20.4T8GMR.G1, da R.G. de 08/04/2021, com o nº de proc. 795/20.5T8VNF.G1, da R.G. de 23/03/2023, com o nº de proc. 1824/22.3T8VCT.G1, da R.G. de 10/07/2023, com o nº de proc. 1627/21.2YLPRT.G1, da R.G. de 26/10/2023, com o nº de proc. 1231/23.0YLPRT.G1, da R.G. de 14/03/2024, com o nº de proc. 1951/23.09YLPRT.G1, da R.G. de 20/02/2025, com o nº de proc. 1234/23.5T8VCT.G1, da R.L. de 16/05/2024, com o nº de proc. 1282/23.5YLPRT.L1-8, da R.E. de 10/11/2022, com o nº de proc. 983/22.0YLPRT.E1, da R.E. de 10/11/2022, com o nº de proc. 126/21.7T8ABF.E1, da R.E. de 25/01/2023, com o nº de proc. 3934/21.5T8STB.E1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, da R.E. de 23/11/2023, com o nº de proc. 1182/23.9YLPRT.E1, da R.E. de 18/12/2023, com o nº de proc. 607/22.5YLPRT.E1, da R.E. de 08/02/2024, com o nº de proc. 1120/23.9YLPRT.E1, da R.E. de 11/07/2024, com o nº de proc. 39/24.0YLPRT.E1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, da R.E. de 16/01/2025, com o nº de proc. 78/24.1T8LAG.E1, da R.P. de 04/05/2023, com o nº de proc. 1598/22.8YLPRT.P1, da R.P. de 15/06/2023, com o nº de proc. 944/22.9T8VCD.P1, da R.P. de 12/10/2023, com o nº de proc. 328/23.1YLPRT.P1 (a 2ª adjunta reviu entretanto a sua posição no Ac. R.P. de 20/02/2025, com o nº de proc. 692/23.2T8ETR.P1), da R.P. de 25/10/2023, com o nº de proc. 1998/22.3T8PRD.P1, da R.P. de 25/01/2024, com o nº de proc. 8357/23.9 T8PRT.P1, este com um voto de vencido da ora relatora, da R.P. de 08/02/2024, com o nº de proc. 897/23.6YLPRT.P1, da R.P. de 08/02/2024, com o nº de proc. 840/23.2YLPRT.P1, este com um voto de vencido da ora relatora, da R.P. de 20/05/2024, com o nº de proc. 1686/23.3YLPRT.P1, da R.P. de 23/05/2024, com o nº de proc. 38/23.0T8BAO.P1, da R.P. de 23/09/2024, com o nº de proc. 63/23.0T8MTS.P1, da R.P. de 21/11/2024, com o nº de proc. 5650/24.7T8PRT.P1, este com declaração de voto da ora relatora defendendo a corrente contrária, da R.P. de 20/02/2025, com o nº de proc. 692/23.2T8ETR.P1, este com um voto de vencido (revendo posição anteriormente sufragada enquanto 2ª adjunta no Ac. da R.P. de 12/10/2023 com o nº de proc. 328/23.1YLPRT.P1), do S.T.J. de 20/09/2023, com o nº de proc. 3966/21.3T8GDM.P1.S1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, do S.T.J. de 12/12/2024, com o nº de proc. 138/20.8T8MDL.G1.S1, do S.T.J. de 13/02/2025, com o nº de proc. 907/24.0YLPRT.L1.S1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, e do S.T.J. de 13/03/2025, com o nº de proc. 1395/24.6YLPRT.L1.S1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária. E no sentido de que essa norma mantém o carácter supletivo, mesmo quanto à fixação de um prazo de renovação inferior a três anos, podem ver-se os Acs. da R.L. de 17/03/2022, com o nº de proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, da R.L. de 24/05/2022, com o nº de proc. 7855/20.0T8LRS.L1-7, da R.L. de 10/01/2023, com o nº de proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7, da R.L. de 21/12/2023, com o nº de proc. 5933/20.5T8LSB.L1-6, da R.L. de 27/04/2023, com o nº de proc. 1390/22.0YLPRT.L1-6, da R.L. de 22/02/2024, com o nº de proc. 1425/23.9YLPRT.L1-6, da R.L. de 18/04/2024, com o nº de proc. 2197/23.2YLPRT.L1-6, da R.L. de 07/05/2024, com o nº de proc. 2363/23.0YLPRT.L1-7, da R.L. de 16/05/2024, com o nº de proc. 2807/22.9T8CSC.L1-8, da R.L. de 11/07/2024, com o nº de proc. 10489/23.4T8SNT.L1-7, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, da R.L. de 10/09/2024, com o nº de proc. 814/24.6YLPRT.L1-7, da R.L. de 13/02/2025, com o nº de proc. 1581/24.9YLPRT.L1-8, da R.L. de 11/03/2025, com o nº de proc. 3847/23.6T8VFX.L1-7, da R.E. de 27/07/2024, com o nº de proc. 7/24.2YLPRT.E1 (o sumário contém um lapso de escrita que inculca a ideia contrária), da R.P. de 23/03/2023, com o nº de proc. 3966/21.3T8GDM.P1, relatado pela ora relatora, da R.P. de 12/07/2023, com o nº de proc. 19506/21.1T8PRT-A.P1, da R.P. de 14/09/2023, com o nº de proc. 1394/22.2YLPRT.P1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, da R.P. de 09/10/2023, com o nº de proc. 1467/22.1YLPRT.P1, da R.P. de 16/01/2024, com o nº de proc. 3223/23.0T8VNG.P1, da R.P. de 09/04/2024, com o nº de proc. 3179/23.0T8VNG.P1, da R.P. de 21/10/2024, com o nº de proc. 5746/22.0T8MTS.P1, da R.P. de 21/11/2024, com o nº de proc. 1064/24.7YLPRT.P1, este com um voto de vencido defendendo a corrente contrária, e do S.T.J. de 17/01/2023, com o nº de proc. 7135/20.1T8LSB.L1.S1 – bem como a doutrina neles citada, quer num, quer noutro sentido, encontrando-se todos os acórdãos aludidos publicados em www.dgsi.pt), afigura-se-nos que é mais consentânea com o espírito do legislador e está de acordo com o elemento literal e o elemento sistemático de interpretação aquela que defende a manutenção da natureza supletiva da norma, possibilitando a fixação de prazos de renovação inferiores a 3 anos (sem prejuízo de a efectiva duração inicial não poder ser, em concreto, inferior a 3 anos, caso a iniciativa de oposição à primeira renovação do contrato seja do senhorio, atento o disposto no art. 1097º, nº 3, do C.C.).
Louvando-nos nos argumentos aí expendidos, com os quais concordamos, permitimo-nos transcrever a seguinte passagem do já referido acórdão da R.L. de 17/03/2022, com o nº de proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6:
“Ou seja e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).
Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
Mas foi a opção do legislador.
O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código (…).
E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.
Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
Por fim, refira-se que o processo legislativo (…) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.
(…)
Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.
Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar.
Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019 (…).
Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento.
Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano. Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil” (sublinhados nossos).
Com efeito, percorrido o actual regime do arrendamento para habitação com prazo certo, o que dele decorre é que:
- há um prazo mínimo de um ano e um prazo máximo de 30 anos, que são imperativos;
- o arrendamento não pode ter duração inferior a um ano, mas pode durar apenas esse ano, caso se preveja a sua não renovação automática;
- estando prevista a sua não renovação automática, o arrendamento durará menos de três anos se for celebrado pelo prazo de um ou pelo prazo de dois anos.
Vistas estas situações, que resultam da conjugação dos arts. 1095º, nº 2, 1096º, n º 1, e 1097º, nº 3, do Código Civil, realmente não se percebe que nestes casos o legislador não quisesse proteger a segurança e estabilidade do arrendamento por mais tempo e não se tenha preocupado com a situação de desequilíbrio entre senhorio e arrendatário, e só o tivesse pretendido fazer nos casos de renovação automática em que o período inicial de duração fosse de um ou dois anos. Menos se percebe esta discrepância, se considerarmos a posição que defende que apenas o prazo de 3 anos como mínimo para a renovação é imperativo, o que significaria que no caso de contratos celebrados por 4 ou mais anos o prazo de renovação poderia ser fixado em período inferior ao inicial (desde que no mínimo 3 anos): também aqui se poderia questionar o porquê de num contrato com duração inicial de 10 anos se poder fixar a renovação por períodos de 3 anos, inferiores a um terço do período inicial – neste caso já não estaria em causa a estabilidade do arrendamento, nem seria relevante o desequilíbrio de posições entre as partes?
Portanto, o que pode concluir-se em termos de lógica do sistema e de boa interpretação do português utilizado no texto da norma é que o legislador pretendeu que nos casos em que as partes não quiseram regular expressamente essa matéria as renovações automáticas não fossem por períodos inferiores a 3 anos, mas não pretendeu que o não pudessem fazer de modo diferente, unicamente com as excepções já referidas, das quais resulta que tratando-se de arrendamento de duração de um ou dois anos, com renovação automática expressamente prevista, seja qual for o prazo desta, não pode haver oposição à primeira renovação do contrato por parte do senhorio (podendo haver essa oposição sem outras restrições que não o cumprimento do aviso prévio por parte do arrendatário – art. 1098º do C.C.).
Veja-se, aliás, a redacção da norma: inicia-se com a expressão “salvo estipulação em contrário”, seguindo-se uma vírgula e depois toda a expressão “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
Tal significa que a possibilidade de estipulação em contrário abrange toda a hipótese situada após a vírgula, isto é, a possibilidade ou não de renovação do contrato e a respectiva duração da renovação prevista. Ou seja, daí resulta que as partes podem estipular que o contrato não se renova no fim do prazo de duração inicial, podem estipular que se renova sem fixar prazo para o efeito ou remetendo para o prazo previsto na lei, ou podem estipular que se renova por prazo diferente do que consta da lei (nas palavras de Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 651, “a ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”).
Só não podem é prever que haja oposição à renovação por parte do senhorio antes de decorridos três anos desde o início do contrato, atenta a disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º do Código Civil. O que apenas significa que nos contratos em que não haja cláusula a prever a não renovação automática, a sua duração será no mínimo de 3 anos (salvo havendo oposição à renovação por parte do arrendatário), mas daí nada se pode inferir para os períodos ulteriores, posto que esta norma nada estabelece quanto a estes.
Assim, concluindo como Jorge Pinto Furtado (ob. cit., pág. 653), “cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender”.
Anote-se que, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil, embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, devendo ter-se principalmente em conta a unidade do sistema, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Para além de que, nos termos do seu nº 3, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A este propósito, cita-se o voto de vencido no Ac. da R.E. de 25/01/2023, com o nº de proc. 3934/21.5T8STB.E1: “No tocante ao elemento literal de interpretação, penso que a expressão "salvo estipulação em contrário", no início do preceito, abrange tudo o que nele se prevê;
- se o legislador pretendia que os arrendamentos se mantivessem em vigor por um mínimo de 3 anos, porque não foi contemplado esse prazo contratual mínimo para os novos arrendamentos no nº 2 do artigo 1095º do cód. Civ.?
- se o legislador pretendia que a oposição à renovação do contrato tivesse sempre um “período de carência” de 3 anos, porque não vedou a possibilidade de excluir por acordo a renovação automática (solução que, naturalmente, passará ser adoptada pelos senhorios com efeitos mais perversos do que os que actualmente existem)?”.
Afigurando-se-nos ainda fazer referência ao acórdão proferido, em 07/11/2024, no Processo nº 7001/23.9T8VNG.P1, desta mesma Secção do Tribunal da Relação do Porto (não publicado, mas do qual temos conhecimento funcional), que defende a natureza supletiva da norma em apreço (com um voto de vencido), desenvolvendo os argumentos atinentes aos elementos histórico, literal, sistemático e teleológico, concluindo que “se toda a regulamentação representa um equilíbrio entre interesses conflituantes, pelo especial significado social que o arrendamento urbano indiscutivelmente possui, quer referido ao interesse de uma das partes em dispor de um espaço estável de desenvolvimento da sua vida pessoal ou profissional, quer referido ao interesse do proprietário em dar àquilo que é seu o destino que entender, a procura desse ponto de harmonização neste campo ganha especial importância.
E por isso o que se impõe procurar será a definição do que, face ao conjunto das regras que para a questão concorrem e à ponderação que esteve na base da sua aprovação, razoavelmente se deve considerar que corresponde a essa articulação pacificadora a que qualquer regulamentação aspira.
Ora, e como acima se referiu, inexiste mínima evidência que a imposição de um prazo mínimo para a renovação do contrato de arrendamento destinado à habitação tenha sido considerada como de alguma forma relevante na obtenção do equilíbrio entre os interesses opostos de senhorio e inquilino – aliás, como se referiu, antes existem evidências no sentido contrário.
Pelo que, sempre com respeito por opinião diversa, o princípio de que devemos partir é o da liberdade das partes na fixação do conteúdo contratual no que à duração do vínculo negocial respeita [artigo 405º do Código Civil], obviamente com os limites previstos no artigo 1095º do Código Civil.” (sublinhados nossos).
Aplicando o acabado de referir-se ao caso concreto dos autos, verifica-se que a estipulação da cláusula de renovação por períodos de um ano, após um período inicial também de um ano foi perfeitamente válida à data da celebração do contrato de arrendamento e assim se mantém, não tendo sido afectada pela alteração de redacção do NRAU de 2019, pois que se manteve o carácter supletivo do art. 1096º, nº 1, do Código Civil.
O que significa que após o período inicial de um ano, que terminou em 29/02/2016, o contrato passou a renovar-se anualmente, sendo a primeira renovação de 01/03/2016 até 28/02/2017, a segunda renovação de 01/03/2017 até 28/02/2018, a terceira renovação de 01/03/2018 até 28/02/2019, a quarta renovação de 01/03/2019 até 29/02/2020, a quinta renovação de 01/03/2020 até 28/02/2021, a sexta renovação de 01/03/2021 até 28/02/2022 e a sétima renovação de 01/03/2022 até 28/02/2023.
Assente que no contrato em causa nos autos as renovações são por períodos sucessivos de um ano, constata-se que a comunicação da recorrida para oposição à renovação cumpriu com o respectivo prazo de “aviso prévio”.
Com efeito, no art. 1097º, nºs 1 e 2, do Código Civil determina-se que 1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Resulta claramente desta disposição legal que aqui estão em causa prazos mínimos de antecedência da comunicação, sendo a norma imperativa nesta parte (podendo fixar-se prazos superiores, mas não prazos inferiores), e que esta antecedência se reporta ao termo do prazo de duração inicial ou ao da sua renovação. O que quer dizer que, tratando-se de oposição à primeira renovação há que ter em conta o prazo de duração inicial, tratando-se de oposição a renovação subsequente o prazo a ter em conta é o da renovação que esteja em curso.
No caso, está em causa um contrato de duração inicial de um ano e com prazos de renovação sucessivos de um ano, aplicando-se a alínea b) do nº 1 deste artigo: a comunicação com a oposição à renovação há-de ser efectuada com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo em curso.
Iniciando-se a sétima renovação do contrato (de 01/03/2022 até 28/02/2023), e querendo a senhoria opor-se à oitava renovação (que seria para o período de 01/03/2023 até 29/02/2024), teria de o comunicar aos arrendatários o mais tardar até 31/10/2022, considerando o termo do prazo da sétima renovação em curso, em 28/02/2023.
Como decorre do ponto 5 da matéria de facto, a comunicação da recorrida foi por carta datada de 28/02/2022, tendo, portanto, sido perfeitamente respeitado o prazo de “aviso prévio”.
Conclui-se, assim, que foi tempestiva a comunicação da oposição à renovação do contrato por parte da recorrida aos recorrentes.
Donde, tendo a oposição à renovação sido comunicada nos termos legais e dentro do prazo legalmente previsto, a mesma produz efeitos, no caso a não prorrogação do contrato, que assim cessará (cessou) no termo do prazo, no dia 28/02/2023 (como concluiu a sentença recorrida, embora com um lapso na indicação do dia 29/02, posto que o ano de 2023 foi comum e não bissexto).
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Passemos à terceira questão.
Pretendem os recorrentes que a oposição à renovação do contrato por parte da recorrida configura no caso um abuso de direito.
Abuso de direito existe, como defendia Manuel de Andrade – Teoria Geral das Obrigações, pág. 63 -, ainda antes do actual Código Civil, quando este é exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, mostrando-se “gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade”.
No actual Código Civil, o art. 334º prescreve que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito, sendo que, como referem Pires de Lima e A. Varela (Código Civil anotado, vol. I, pág. 253), adoptou-se nesse preceito a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites” (cfr. ainda A. Varela, in R.L.J., ano 114º, págs. 74-75).
Como sustenta Orlando de Carvalho, o que importa averiguar é se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites de autodeterminação, poder esse que existe, tão somente, para se prosseguirem interesses e não para se negarem interesses, sejam eles próprios ou alheios, e o abuso de direito “é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele” – Teoria Geral do Direito Civil, Sumários desenvolvidos, Coimbra, 1981, pág. 44.
Tendo presente que um dos valores que a lei impõe é o dever de as partes, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, procederem de boa fé (art. 762º, n.º 2, do Código Civil), ou seja agir “com a lealdade, correcção, diligência e lisura exigíveis às pessoas normais face ao circunstancialismo envolvente”, o que “abrange o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, o devido e esperado às partes nas relações jurídicas envolvidas”, temos que o instituto do abuso de direito “rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo”.
Donde, a boa fé seja “uma exigência do direito imposta pela necessidade de impedir que a obrigação sirva para a consecução de resultados intoleráveis para as pessoas de consciência razoável” e também o espelho do comportamento de quem age “com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correcção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos da contraparte nem proceder de modo a alcançar resultados não toleráveis por uma consciência razoável” (Ac. do S.T.J. de 22/01/2004, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 03B4278).
Uma das vertentes ou manifestações do abuso de direito é o chamado venire contra factum proprium (a alusão dos recorrentes a “supressio” no recurso deve-se a lapso manifesto, posto que esta modalidade se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal modo longo que cria na contraparte a representação de que tal direito não mais será exercido, não sendo essa a situação invocada).
Na definição de Werner Weber, citado por Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pág. 742), a “locução “venire contra factum proprium” traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido pelo exercente” (o que alegam os recorrentes).
Segundo Baptista Machado (Obra Dispersa, Braga 1991, pág. 407), o instituto da proibição do “venire contra factum proprium” caracteriza-se pela combinação de dois elementos:
- Por um lado ser conforme à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente;
- Por outro lado, ser possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante, o qual carece de fundamento bem mais ténue do que aquele que exigiria a constituição de uma obrigação.
O princípio do “venire contra factum proprium”, como aplicação do princípio da confiança do tráfico jurídico, faz com que não deva ser desiludida a outra parte quando esta confia em declarações ou no comportamento do titular do direito, pois, como afirma Menezes Cordeiro (obra e vol. cits., pág. 758), “no essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê, (...) a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado investimento de confiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências”.
Além disso, “normalmente, não se exige culpa por parte do responsável pela criação da situação de confiança. Mas exige-se que ele estivesse em condições de poder agir doutra maneira, designadamente, que tivesse podido conhecer e impedir a aparência criada, usando o cuidado normal, que devesse e pudesse conhecer que, ao adoptar a conduta que cria a confiança, se priva para o futuro de parte da sua liberdade de decisão pessoal” (Baptista Machado, obra cit., pág. 414).
No que respeita aos pressupostos, salienta Baptista Machado (pág. 416) que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”.
“Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”.
Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida, de onde lhe resultarão danos, se a sua legítima confiança vier a ser frustrada.
Aplicando as noções sinteticamente expostas ao caso em apreço, temos que apenas se apurou que à data da celebração do contrato os RR. tinham mais de 65 anos e já viviam no locado desde 2007, com base num contrato de subarrendamento, e que a A. sempre se revelou compreensiva face à situação de insolvência dos RR.. Apurou-se ainda que os RR. pretenderam adquirir o locado à A., no que a mesma anuiu, mas posteriormente desistiram da aquisição.
Por outro lado, não se apurou que a A. sempre assegurou aos RR. que não necessitava do locado para habitação própria e que nunca iria colocar termo ao contrato.
O que significa que não resulta apurado nenhum comportamento da A., prévio à oposição à renovação do contrato, que seja clamorosamente ofensivo da justiça ou gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico, nem do qual se pudesse retirar a confiança de que a A. não pretendia fazer cessar em algum momento o contrato de arrendamento, assumindo-se a oposição perante tal confiança como um acto de sinal contrário de consecução de resultados intoleráveis.
Afinal, a A. limitou-se a exercitar o seu direito a não renovar o contrato de arrendamento, que constitui um contrato de natureza obrigacional, e que, embora possa ser de natureza duradoura, mantendo-se por alargado período de tempo, não é, nem pode ser (porque a lei o não permite), um contrato de duração perpétua – nos termos do art. 1095º, nº 2, do Código Civil, os contratos de arrendamento com prazo certo, como é o contrato dos autos, não podem ter duração superior a 30 anos, sendo esta disposição imperativa, atento o disposto no art. 1025º do Código Civil.
E se é assim, ainda que tivesse resultado provado que a A. tivesse assegurado que nunca iria colocar termo ao contrato, tal não teria virtualidade para criar uma situação de confiança digna de tutela, com capacidade de tornar perpétuo o contrato celebrado com os RR.. Acaso a A. nunca se opusesse à renovação, o contrato sempre terminaria ao fim de 30 anos, por caducidade, com obrigação dos arrendatários de restituir o imóvel (arts. 1051º, al. a), e 1038º, al. i), do C.C.).
Para além de que, no caso, atentas as características do contrato de arrendamento, é sempre conferida ao senhorio a possibilidade de mudar de opinião quanto à manutenção ou não do vínculo contratual, desde que cumpra com os requisitos previstos na lei, designadamente os relacionados com os prazos de aviso prévio.
Em conclusão, atento o exposto, não é possível concluir que a A. criou nos RR. a expectativa de que não pretendia opor-se em momento algum à renovação do contrato ou que a forma como pretendeu exercer esse seu direito por algum modo excedeu os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo seu fim social ou económico, antes pelo contrário.
Pelo que, não há fundamento legal para considerar que a A. agiu abusando do seu direito.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pelos RR. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelos recorrentes (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 2025/5/8.
Isabel Rebelo Ferreira
José Manuel Correia
Ana Vieira (Voto de vencido (artigo 663 nº1 do CP civil):[Vencida de acordo com a posição expressa no Acórdão por mim relatado e proferido no Processo nº Processo nº 5650/24.7T8PRT.P1, que indica o seguinte sumário: «I- O artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação, sucessivamente renováveis, vigentes à data da sua entrada em vigor (13-02-2019), e fixa um prazo imperativo mínimo de três anos para renovação do contrato de arrendamento…».)