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INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário
I - Para satisfação do dever informar de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita que o artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários impõe sobre o intermediário financeiro bastará a transmissão das características essenciais do valor mobiliário em presença; II - A solvabilidade futura do emitente de um título obrigacional não constitui um dos elementos a abranger no cumprimento desse dever de informação; III - A presunção de actuação culposa consagrada no nº 2 do artigo 314º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção originária [actualmente prevista no nº 2 do artigo 304º-A do mesmo CVM], não abrange o dolo ou culpa grave, correndo o ónus de demonstração dos factos que permitam demonstrar esse nível acrescido de censura sobre quem dele pretenda prevalecer-se, nos termos gerais; IV - A qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ser feita a partir da avaliação do perfil do investidor, das características dos valores mobiliários subscritos e do conhecimento de que o intermediário razoavelmente dispunha ao tempo da negociação; V - O risco inerente à subscrição de uma obrigação [nas suas duas vertentes – risco de solvabilidade do emitente do título; risco de depreciação do valor de transação do título] tem de ser aferido pelos elementos disponíveis no momento da subscrição, e não partir da constatação do não pagamento, anos após a subscrição, para afirmar um elevado grau de risco inerente à subscrição; VI - Não actua com culpa grave no exercício da sua actividade o intermediário financeiro que propõe, a um investidor de perfil conservador com nível de literacia financeiro desconhecido que até esse momento havia apenas aplicado os seus dinheiros em depósitos a prazo, a subscrição de obrigações subordinadas emitidas por uma entidade que é detentora de 100% do capital social da instituição bancária que realiza a intermediação financeira, não havendo, no momento da subscrição, mínima notícia depreciativa quanto ao desempenho económico-financeiro do emitente.
Texto Integral
Processo: 2234/24.3T8PRT.P1
Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
Relatório:
AA, residente na Avª. ..., nº ..., 3º, Porto; BB, residente na rua ..., nº ..., 2º direito, Porto; CC, residente na rua ..., ..., Porto; DD, residente na rua ..., nº ..., 2º, Porto; EE, residente na Praceta ..., nº ..., edifício ..., 2º esquerdo, Porto; FF, residente na Avª. ..., nº ..., apartamento ..., Porto; e GG, residente na rua ..., nº ..., 2º esquerdo frente, Porto; intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, perante o juízo central cível do Porto (J6), contra “Banco 1..., SA”, com sede na Avenida ..., Porto.
Alegaram os autores, em súmula, na petição inicial, que são os únicos e universais herdeiros de HH, falecido a 11 de Junho de 2006, de II, falecida a 13 de Fevereiro de 2008, e de JJ, falecida a 15 de Março de 2020.
Invocam que o falecido HH era cliente do réu [então designado de “Banco 2..., SA”], sendo titular de uma conta bancária à ordem aberta junto deste com o número nº .......
Afirmam que, antes do seu falecimento, o HH adquiriu títulos denominados “Obrigações A... ...”, pelo valor global de € 150.000,00, aquisição feita nas instalações do “Banco 2..., SA”, a um funcionário deste.
Afirmam que, no momento da aquisição, o funcionário bancário garantiu ao falecido pai dos autores que o título que estava a adquirir era em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo “Banco 2..., SA”, e com rentabilidade assegurada.
Afirmam que o falecido pai dos autores não possuía conhecimentos ou informação que lhe permitissem distinguir e avaliar os diversos produtos financeiros, o que o funcionário do “Banco 2..., SA”, sabia.
Alegam que o mesmo HH possuía um perfil conservador, até essa data sempre tendo aplicado os seus dinheiros em depósitos a prazo, desconhecendo o que significava adquirir obrigações, e não sabendo mesmo o que designava a expressão “A...”.
Invocam que o HH apenas se decidiu a contratar a aquisição por lhe ter sido transmitido que o capital se encontrava garantido pelo Banco, vencendo juros semestrais, assistindo-lhe a faculdade de levantar o capital e juros vencidos quando assim o entendesse, actuando convicto que se tratava de um produto idêntico a um depósito a prazo.
Afirmam que, caso o HH tivesse sido informado que existia qualquer risco de perda de capital, jamais adquiriria o produto financeiro em causa.
Invocam que jamais ao HH foi explicada qualquer cláusula contratual, ou entregue cópia de qualquer contrato.
Defendem a aplicabilidade, ao negócio celebrado entre o HH e o “Banco 2..., SA”, do regime das cláusulas contratuais gerais, designadamente do seu artigo 5º.
Alegam que, na data da maturidade do produto adquirido, em Abril de 2014, o réu não procedeu à restituição do capital aplicado, e deixou mesmo de proceder ao pagamento dos juros contratados.
Afirmam que o incumprimento do contratado por parte do réu colocou os autores num permanente estado de preocupação, tristeza e ansiedade, desconhecendo se vão ver-lhe restituído o dinheiro aplicado e os juros que tinham expectativa de receber, dano não patrimonial para cuja compensação entendem adequada a quantia de € 2.000,00.
Concluem pedindo:
a) a condenação do réu a pagar, à autora AA, o montante global de € 66.000,00;
b) a condenação do réu a pagar, à autora BB, o montante global de € 66.000,00;
c) a condenação do réu a pagar, a cada um dos autores, a quantia de € 7.142,85;
ou, subsidiariamente,
d) a declaração de nulidade de eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os € 150.000,00, entregues pelo falecido HH, em títulos «Obrigações Subordinadas A... ...»;
e) a declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que o réu tenha feito de tal montante;
f) a condenação do réu a restituir aos autores as quantias referidas em a) e b) ainda não recebidas dos montantes que o falecido HH entregou ao réu, acrescidos de juros à taxa contratada e de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;
g) a condenação do réu a entregar aos autores a quantia de € 2.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais.
Citado, o réu apresentou contestação, na qual, em súmula, começa por invocar a prescrição do crédito reclamado pelos autores, por força do decurso do prazo fixado no artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.
Confirma a subscrição pelo falecido HH do produto financeiro referido na petição inicial.
Classifica-o, no entanto, de baixo risco, pelo menos na data da sua subscrição, comparando-o a um depósito a prazo.
Afirma que o incumprimento que veio a ocorrer foi determinado a posteriores circunstâncias imprevisíveis e absolutamente excepcionais.
Invoca ter sido o adquirente devidamente informado quanto às características do produto, e nega ter sido prestada qualquer garantia de cumprimento pelo réu.
Recorda que a aquisição do produto em causa traduz um contrato entre o adquirente e a entidade emitente do título, actuando o réu apenas na qualidade de intermediário.
Impugna os fundamentos de facto e de direito da acção.
Conclui pedindo a procedência da excepção peremptória de prescrição, com a sua consequente absolvição do pedido, ou, se assim se não entender, pede a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
Os autores espontaneamente apresentaram articulado em que se pronunciam quanto à excepção de prescrição invocada pelo réu, no qual, em súmula, defendendo a aplicação ao caso do prazo geral de prescrição consagrado no artigo 309º do Código Civil, concluem como na petição inicial.
A audiência prévia foi dispensada.
O valor da causa foi fixado em € 200.000,00.
Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição.
Procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, tendo sido indeferida a reclamação apresentada pelos autores.
Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu a pagar:
a) à autora AA o montante global de € 50.000,00 referente à obrigação de que é titular;
b) à autora BB o montante global de € 50.000,00 referente à obrigação de que é titular;
c) a cada um dos sete autores o valor de € 7 142,85, que corresponde ao total da obrigação de € 50.000,00, titulada pela falecida irmã;
todas estas quantias acrescidas de juros de mora, contados à taxa de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
É desta decisão que, inconformado, o réu interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente;
2- Com tal decisão, o Mmo. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC;
3- Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao pai dos Autores informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do artigo 7.º do Código de Valores Mobiliários, CdVM), quanto às obrigações por este subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou;
4- O Recorrente entende, por um lado, que os factos dados como provados nos números 10-, 14-, 15- e 17- aí se encontram incorretamente inseridos, pugnando pela alteração da respetiva redação, que adiante se descreverá. Por outro lado, deveria o facto dado como provado número 16- ter sido dado como não provado e o facto não provado 6- ser inserido no elenco dos factos provados;
5- Sobre a venda do produto A... … e as respetivas características que foram transmitidas ao pai dos Autoras apenas foi inquirido o marido de uma das Autoras (KK), que, alegadamente, terá acompanhado o seu sogro ao banco e, consequentemente, assistido à subscrição das obrigações;
6- A testemunha apenas referiu, de forma muito genérica, que o produto foi apresentado por uma funcionária, a qual fez grandes elogios ao produto, referindo, que aquele produto tinha garantia total, sem risco nenhum, sendo que a segurança e a liquidez eram idênticas a do depósito a prazo, podendo levantar o capital investido quando assim o entendesse. Mais referiu que os juros eram superiores aos do depósito a prazo, sendo que foi este o fator fundamental para que o pai dos Autores subscrevesse as obrigações. Além disso, referiu ainda que lhe foi transmitido que o produto era idêntico ao depósito a prazo, embora não tivesse as mesmas características;
7- Em relação à garantia do capital referiu que o seu sogro estava convicto de que o produto seria garantido pelo Banco Réu, mas quando confrontado se foi transmitido ao sogro que o capital era garantido pelo Banco referiu não se lembrar e que o sogro também não tinha perguntado por quem é que o capital era garantido;
8- De tudo o que vem exposto, resulta que foi transmitido ao pai dos AA. que as obrigações A... tinham características diferentes do depósito a prazo, pelo que, o pai dos Autores deveria ter perfeita consciência de que o produto subscrito era diferente do depósito a prazo. Além disso, parece óbvio que o que motivou o pai dos AA. a subscrever as obrigações foi a sua “ganância” por uma maior rentabilidade. Pelo que, deveria o facto não provado 6 ser inserido no elenco dos factos provados e os factos dados como provados nos números 10, 14 e 15 ter a seguinte redação: 10. Na altura da aquisição das referidas obrigações o funcionário do Banco 2... informou o falecido pai dos autores que se tratava de produto idêntico ao depósito a prazo, mas com características diferentes. 14. O que motivou a autorização por parte do falecido pai dos Autores foi o facto de a rentabilidade das obrigações A... ... ser superior à dos depósitos a prazo. 15. O falecido pai dos Autores, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com características semelhantes de um depósito a prazo;
9- Contudo, não podemos deixar de salientar que este depoimento deve ser atendido e valorado com alguma parcimónia. De facto, a referida testemunha é aqui parte interessada no desfecho da causa. Evidentemente que, sendo marido de umas das Autoras, terá todo o interesse em que o Banco Recorrente seja condenado, e, portanto, sempre estaria inquinada na sua expressão do que é a realidade… Pelo que, atenta a manifesta parcialidade da testemunha KK seria, sempre, imprescindível, que a prova sobre a qualidade das informações que foram prestadas aquando da colocação do produto ao pai dos AA., fosse feita através da inquirição do colaborador que o vendeu. E isso não sucedeu!
10- Dada a (falta) de prova produzida, uma vez que não foi produzida prova que permita concluir que o Banco Recorrente conhecia a intenção do pai dos Autores em não investir em produtos de risco, deveria ter sido dada a seguinte redação ao facto provado 17: 17. Nunca foi intenção do falecido pai dos Autores investir em produtos de risco;
11- Por outro lado, embora a testemunha tenha afirmado que se o seu sogro tivesse conhecimento de que havendo uma insolvência perderia o capital, não teria subscrito as obrigações, tal afirmação não pode ser suficiente para se dar como provado o facto 16, pelo que deveria o mesmo ser inserido no elenco dos factos não provados.;
DO DIREITO
12- O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução;
13- O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários;
14- Daqui resulta que os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
15- Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes de se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado;
16- O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL!
17- Parece-nos por isso manifesto que a expressão operações a realizar aponta para uma atividade – decorrente da intermediação financeira – e não para o objeto dessa atividade – o instrumento financeiro;
18- Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura;
19- São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
20- A informação acerca do risco da perda do investimento tem de ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem!
21- É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens;
22- E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
23- O incumprimento é uma caraterística latente a qualquer obrigação, que pode, ou não, vir a manifestar-se e que tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivização em função do emitente!
24- Assim, resulta para nós claro que, mesmo à luz da lei actualmente em vigor, neste caso concreto, não houve dever de informação quanto ao risco do instrumento financeiro que o Banco Réu tivesse deixado por cumprir!
25- Na data da subscrição das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. Na redação vigente à data da subscrição das Obrigações resulta ainda mais evidente a sistematização supra referida dos deveres de informação, em função do negócio de cobertura e do negócio de execução (ou, se quisermos, em função do dever de informação anterior à celebração do contrato de intermediação ou, depois, na vigência do mesmo);
26- Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
27- O uso da expressão “capital garantido” apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade;
28- Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco... Tal juízo tem de ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos. E o certo é que as Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente;
29- Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente. Mas sempre se diga também que o Banco Réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente. Tal como não estava como não está obrigado a advertir o depositante sobre o risco da sua insolvência quando recebe um DP!
30- O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la;
31- VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha de ser os Autores a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
32- A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo pai dos Autores é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que os Autores venham depois a receber da emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ela desembolsado na subscrição do valor mobiliário;
33- Não podemos deixar de apontar que do elenco de factos provados não resulta um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida à A. e o acto de subscrição. De facto, sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, o pai dos Autores deixaria de subscrever o instrumento financeiro em causa;
34- Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o pai dos AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar;
35- No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
36- Não sabemos nem alcançamos o que é que o pai dos AA. não sabia que, se porventura soubesse, teria determinado a sua recusa em efectuar o investimento! Efectivamente ficamos sem saber quais as supostas características verdadeiras do produto que o pai dos AA. teria ficado sem saber e que por si só mudaria a sua decisão de investimento;
37- Assim, ou os Autores alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, o seu pai não teria realizado o investimento, ou então, têm de arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
38- A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico puramente abstracto, como se de um palpite se tratasse;
39- A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude;
40- Em suma, manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que os Autores, se lhe tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teriam realizado o investimento. Até porque nem sequer foi alegado!
41- Não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da A...;
42- De facto, lida e relida a sentença, a ideia que fica é a de que em 2004 não se colocava a segurança das obrigações A... – resultando isso mesmo do facto provado n.º 27 –, pelo que, era lógico que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do pai dos AA;
43- Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do pai dos AA. em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro;
44- Ora, parece-nos evidente e manifesto que o pai dos Autor conhecia os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente!
45- Data em que é facto público e notório que ocorreu uma corrida aos depósitos e levantamento dos mesmos.
Termos em que, do muito que doutamente será suprido, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença, e consequentemente, substituir-se por outra que julgue totalmente improcedente a ação proposta pelos AA./Recorridos.
Junta ainda 2 pareceres da autoria de eminentes jurisconsultos.
Os autores apresentaram contra-alegações, nas quais, em súmula, defendem não terem sido produzidos meios de prova que justifiquem a alteração da decisão sobre a matéria de facto defendida pelo recorrente, o que, na sua perspectiva, determina também a improcedência da alteração do enquadramento jurídico feito pelo tribunal a quo.
Concluem pedindo o não provimento do recurso.
O recurso foi admitido [despacho de 11 de Março de 2025, referência nº 469611279] como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar entendeu-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Fundamentação
Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido (nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil), delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente.
Assim, atentas as conclusões do recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:
A) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) O conteúdo da obrigação de informação que impende sobre o intermediário financeiro e a violação de tal obrigação por parte do recorrente [no que se inclui o estado de erro do HH quanto às concretas características do produto que subscreveu e a eventual anulabilidade do negócio daí decorrente];
C) O decurso do prazo de prescrição da obrigação de indemnização a cargo do recorrente com fundamento na sua actuação como intermediário financeiro;
D) O dano consequente a tal violação como medida da obrigação de indemnizar a cargo do recorrente.
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Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão impugnada.
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Factos Provados (transcrição):
1- No dia 11/06/2006, faleceu HH, em estado de casado com II.
2- Tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a sua mulher, II, e os seus filhos, LL, AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG.
3- No dia 13/02/2008, faleceu II, em estado de viúva de HH.
4- Tendo-lhe advindo como únicos e universais herdeiros, os seus filhos, identificados em 2-.
5- No dia 15/03/2020, JJ veio a falecer, em estado de solteira, maior, e sem filhos.
6- Tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros os seus irmãos, aqui Autores.
7- A 25 de Outubro de 2004, o falecido pai dos Autores, adquiriu 3 (três) obrigações A... ... no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada, dando um total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
8- Após o falecimento dos pais dos Autores, estes procederam às partilhas dos bens, sendo que as referidas obrigações ficaram atribuídas, uma a AA, outra a BB e outra a LL.
9- E, após a morte de JJ, a titularidade da respetiva obrigação passou para os seus únicos e universais herdeiros, os aqui Autores.
10- Na altura da aquisição das referidas obrigações o funcionário do Banco 2... informou o falecido pai dos autores que se tratava de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco 2... e com rentabilidade assegurada.
11- Não tendo sido explicado ao falecido pai dos Autores, o que eram obrigações, e em concreto, o que eram obrigações A... ....
12- O falecido pai dos autores sempre teve um perfil conservador no que respeitava aos investimentos do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.
13- A quantia de 150.000,00€ viria a ser colocada em obrigações A... ..., achando aquele que a aplicação tinha sido feita em produto do banco.
14- O que motivou a autorização por parte do falecido pai dos Autores foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.
15- O falecido pai dos Autores, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
16- Se o falecido pai dos Autores, tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações A... ..., produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco 2..., não o autorizaria.
17- Nunca foi intenção do falecido pai dos Autores investir em produtos de risco tal como era do conhecimento dos funcionários da ré.
18- Os juros das aplicações foram sendo semestralmente pagos.
19- Até Novembro de 2015, data em que cessaram tais pagamentos por parte da ré.
20- O prazo de maturidade dos produtos correu em 2014;
21- Sendo que a ré não entregou, até à data, nem o capital, nem os juros acordados.
22- Atribuindo a responsabilidade pelo pagamento à A....
23- Nunca foi entregue pela ré ao falecido pai dos autores qualquer contrato lhe foi lido ou explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas A..., nem que contivesse prazos de resolução unilateral ao falecido pai dos Autores; e nem nunca este conheceu qualquer título demonstrativo de que era possuidor de obrigações A..., não lhe tendo sido entregue documento correspondente.
24- As orientações e comunicações internas existentes no Banco 2..., em 2004, por parte da administração do banco, e que esta transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.
25- Sendo que a administração do banco tinha efectivo conhecimento das características da aplicação em causa.
26- Sendo que, de facto, o produto em causa não era equivalente a um depósito a prazo, sendo uma obrigação subordinada, o que era do conhecimento, pelo menos, por parte da administração do Banco 2....
27- Em 2004 não se colocava em causa a segurança das aplicações financeiras em causa.
28- A sociedade A... era titular de 100% do capital social do Banco 2..., o que se manteve até novembro de 2008.
29- Altura em que foi nacionalizada.
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Factos Não Provados (transcrição):
a) que, por força do não recebimento do capital investido pelo falecido pai, os Autores andem num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando iam reaver o dinheiro investido;
b) que tal provoque aos autores ansiedade e tristeza e “stress”;
c) que o produto dado à subscrição ao falecido pai dos autores fosse seguro como um deposito a prazo;
d) que, aquando da sua subscrição, o funcionário do Banco 2... tivesse explicado ao pai dos autores que a A... era a sociedade-mãe do Banco; que se tratava de um produto seguro;
e) que tivesse apresentado as condições do produto ou entregue a sua ficha técnica;
f) que a ré nunca tivesse dito que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da A...;
g) e que sempre tenha explicado todos os formulários dados a assinar pelo pai dos autores;
h) que o funcionário da ré que levou o falecido pai dos autores tivesse conhecimento das exatas condições da aplicação A....
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A)
A discordância do recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto reconduz-se à concreta redacção escolhida para os pontos 10-, 14-, 15- e 17- da matéria de facto provada [10- Na altura da aquisição das referidas obrigações o funcionário do Banco 2... informou o falecido pai dos autores que se tratava de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco 2... e com rentabilidade assegurada; 14- O que motivou a autorização por parte do falecido pai dos Autores, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias; 15- O falecido pai dos Autores, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco; 17- Nunca foi intenção do falecido pai dos Autores investir em produtos de risco tal como era do conhecimento dos funcionários da ré], à inclusão do ponto 16- na matéria de facto provada [16- Se o falecido pai dos Autores, tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações A... ..., produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco 2..., não o autorizaria], e à inclusão do ponto f) no elenco dos factos não provados [f) que a ré nunca tivesse dito que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da A...].
Mostrando-se razoavelmente cumprido o ónus fixado no artigo 640º do Código de Processo Civil, vejamos, pois.
O ponto 10- dos factos provados e a alínea f) dos factos não provados
Esta matéria refere-se à concreta informação prestada ao falecido HH pelos funcionários do então “Banco 2..., SA”, cuja posição o aqui réu veio a assumir, a propósito das características do produto financeiro que aquele, a 25 de Outubro de 2004, indiscutivelmente adquiriu pelo preço global de € 150.000,00 através dos serviços do antecessor do réu [ponto 7- da matéria de facto provada].
No ponto 10- da matéria de facto provada foi feito constar que o funcionário do Banco 2... informou o HH que se tratava de um produto «em tudo igual a um depósito a prazo», «com capital garantido pelo “Banco 2...”» e com «rentabilidade assegurada».
E, simultaneamente, da alínea f) dos factos não provados foi feito constar não ter sido feita prova que «a ré nunca tivesse dito que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da A...».
O recorrente pretende que passe a constar, apenas, que a informação transmitida se cingiu à indicação de se tratar de «produto idêntico a um depósito a prazo, mas com características diferentes», e que se julgue demonstrado que ao falecido HH jamais foi prestada qualquer garantia.
Analisada a documentação junta ao processo, fácil é constatar não ter sido apresentado absolutamente nenhum elemento documental que permita extrair seja que conclusão for a propósito dos antecedentes, longínquos ou imediatos, da decisão de emitir ordem de compra por parte do HH quanto ao produto financeiro em causa, designadamente quanto ao que foi transmitido ao adquirente ou às preocupações ou (in)certezas que este terá manifestado e que o terão orientado nessa decisão.
E, das testemunhas inquiridas, apenas o depoimento de KK [sobrinho e genro do falecido HH, que em audiência de julgamento declarou ter acompanhado o seu sogro às instalações do “Banco 2..., SA”, na altura em que a este foi proposta a aquisição e em que deu ordem para a mesma] parece ser aqui de alguma forma relevante – embora, salvo o sempre devido respeito por opinião diversa, e desde já se diga, parece que sem o relevo que a decisão recorrida lhe atribuiu e que os recorridos defendem.
Em primeiro lugar afigura-se fora de dúvida que em 2004 o falecido HH era já pessoa de avançada idade e financeiramente conservadora, que preferencialmente aplicava os seus dinheiros na constituição de depósitos a prazo ou em bens fundiários - foi o em audiência de julgamento unanimemente declarado pelas testemunhas que o conheciam bem [MM, NN, OO e PP, amigos de longa data do HH e da família deste; KK, como se disse, sobrinho e genro do HH], o que é totalmente compatível, segundo se afigura, com a conduta que, razoavelmente e de acordo com o que entende constituir a absoluta normalidade do acontecer, se espera de alguém que se encontra na fase final da sua vida, e, aliás, resulta do ponto 12- da matéria de facto provada, não impugnado pelo recorrente.
Mas igualmente será claro que, mesmo com os cerca de 90 anos que em 2004 apresentava, era ainda pessoa perfeitamente lúcida, responsável e competente, ao ponto de o seu genro declarar que, na deslocação feita às instalações do “Banco 2..., SA”, que precedeu a ordem de compra do produto financeiro aqui em análise, foi o HH quem conduziu a conversa, colocou as dúvidas que entendeu e decidiu o que considerou mais apropriado para si.
E, além do mais, necessariamente sabia a diferença entre entregar dinheiro ao banco para que simplesmente o guarde e posteriormente o entregue [definição de um depósito bancário na linguagem comum], e entregar dinheiro ao banco para realização de um investimento, designadamente para aquisição de um concreto produto financeiro [a testemunha OO, amigo de longa data do falecido HH e da família deste, sintomaticamente a este propósito, em audiência de julgamento declarou (3m20s a 3m40s) que o HH já desde 1973 conhecia a existência do mercado financeiro e da possibilidade de investir em bolsa, o que sempre terá recusado].
Logo, não sendo razoável duvidar que o HH regularmente recebia e analisava, ainda que sumariamente, os extractos bancários que o “Banco 2..., SA”, lhe enviava a propósito do relacionamento contratual que mantinha com o banco [juntos aos autos pelo aqui réu como documento 1 anexo à contestação], da simples leitura destes obviamente ficou a saber que, a 25 de Outubro de 2004, lhe foi retirada a quantia de € 150.000,00 para efectivação da operação «compra ...» - menção notoriamente diversa das inúmeras referências constantes dos mesmos extractos relativas à mera constituição de depósitos a prazo [com a menção literal «Constituição D/P»].
Portanto, a primeira reflexão a ter aqui presente é que, razoavelmente, o HH sabia que a quantia de € 150.000,00 que a 25 de Outubro de 2004 foi movimentada a débito na sua conta bancária nº ... não se destinou a ser aplicada num depósito a prazo – logo, esse produto necessariamente teria de ser diferente, e não igual, a um depósito a prazo, independentemente de a aplicação implicar a imobilização de um determinado de valor de capital, e, por isso, ser remunerada com a entrega de determinado valor a título de juro.
O acento tónico da semelhança afirmada pelo tribunal a quo, e defendida pelos recorridos, reconduz-se à garantia de retorno de capital e da rentabilidade, garantia supostamente prestada pelo próprio banco.
Vejamos.
Pensa-se ser óbvio que qualquer pessoa de mediana inteligência, experiência, capacidade e sagacidade, tanto hoje como em 2004, sabia e sabe que as instituições bancárias por princípio apenas por escrito assumem vinculações, designadamente no âmbito da prestação de garantias, pelo que, não dispondo o HH de qualquer documentação [não foi junta ao processo, o que dá no mesmo] relativa a eventual garantia prestada pelo “Banco 2..., SA”, no âmbito da compra do produto financeiro «...», será dificilmente crível que, em 2004, o mesmo HH, arquitecto, pessoa com experiência de vida pelo menos idêntica à média, tenha ficado convicto de beneficiar de uma qualquer garantia bancária prestada pelo “Banco 2..., SA”, no âmbito da compra do produto financeiro que estava a realizar.
Aliás, a este propósito considera-se elucidativo o depoimento prestado pela testemunha KK [que, como se disse, terá acompanhado o seu tio e sogro às instalações do “Banco 2..., SA”, na altura em que a este foi proposta a aquisição do produto em causa nos autos, e em que deu ordem para a mesma] quando, directamente confrontado sobre se alguma vez na conversa foi sequer referido que o “Banco 2..., SA”, garantia seja o que for no âmbito da aplicação em causa, de forma compreensível refugiou-se no longo período de tempo já passado e na ideia que tem de ter sido apenas transmitido que se tratava de um produto seguro, sem risco, idêntico a um depósito a prazo, confirmando mesmo que o seu sogro nem sequer indagou quanto à existência de uma garantia bancária propriamente dita [cfr 14m19 a 15m].
Portanto, não há documento de que se possa retirar referência a qualquer verdadeira garantia assumida pelo “Banco 2..., SA”, seja quanto ao reembolso do capital, seja quanto à rentabilidade, e a única testemunha que mostrou algum conhecimento directo sobre a questão também não o afirmou – logo, manifestamente não se pode concluir, tal como foi feito no ponto 10- da matéria de facto provada, ter sido dito ao HH que o reembolso do capital, e a rentabilidade do produto, se mostravam garantidos pelo Banco 2....
O que em nada belisca, como referiu a mesma testemunha KK, e claramente resulta do documento nº 5 junto com a petição inicial [print de mensagens entre funcionários do então “Banco 2..., SA”, a propósito da venda de obrigações idênticas às aqui em questão, em 2008 e 2009], que em Outubro de 2004 tenha sido transmitido ao HH que a aquisição daquele concreto produto financeiro não encerrava qualquer risco de perda de capital e era certa a rentabilidade publicitada, nessa medida sendo equiparável a um depósito a prazo, o que, se bem se analisa, linearmente se enquadra no forte sentimento de confiança no sector financeiro que em 2004 era uma realidade junto do público em geral [como vem expressamente dito numa das mensagens electrónicas que integra o documento nº 5 junto com a petição inicial, face ao ambiente de confiança nas instituições financeiras que em 2004 se vivia, do ponto de vista comercial era razoável afirmar que a venda de papel comercial da “A...”, detentora, directa ou indirectamente, da totalidade do capital social do “Banco 2..., SA”, corresponderia, em termos de risco, à venda de dívida do próprio banco, o que poderia ser equiparado a um depósito a prazo (como se sabe, o depósito bancário é muitas vezes equiparado a um mútuo irregular, com o banco na posição de mutuário) – o que também resulta dos pontos 27- e 28- da matéria de facto provada], independentemente de, nos anos subsequentes, instituições financeiras como o Banco 3..., o Banco 4..., o Banco 5..., a Banco 6..., o Banco 7..., o próprio Banco de Portugal, e, no que mais aqui releva, o Banco 2..., terem-se revelado totalmente indignos da confiança que milhões de pessoas neles depositaram, trazidas a público, como foram, condutas muitas vezes com ressonância criminal que lesaram as poupanças de uma vida de inúmeros cidadãos.
Seja como for, o que neste momento releva é que, indiscutivelmente tendo sido transmitido ao HH que estava a adquirir um produto financeiro sem risco de perda de capital e com rentabilidade assegurada, nenhum elemento probatório foi produzido que permita afirmar ter sido também transmitido que o “Banco 2..., SA”, garantia reembolso do capital e/ou dos juros contratados caso a sociedade emitente da obrigação incumprisse o pagamento – pelo simples e óbvio facto de nem sequer se ter cogitado a possibilidade de incumprimento por parte do emitente do título da dívida.
Mas, obviamente, também nada permite dar por assente o correspondente facto negativo – ou seja, que jamais tenha sido dito ao HH que o “Banco 2..., SA”, garantia seja o que for.
Aliás, segundo se apurou em julgamento, incluía-se mesmo na orientação da administração do “Banco 2..., SA”, dada aos seus funcionários, a propósito da comercialização deste tipo de papel comercial, a divulgação de uma garantia assumida pelo Banco 2... quanto ao capital investido [ponto 24- da matéria de facto provada].
Como é de há muitos anos a esta parte jurisprudência absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores, a alegação de um facto não equivale à alegação do seu contrário, e, consequentemente, a não demonstração de um facto não representa a prova do seu contrário – isto porque, lógica, jurídica e naturalmente, A e não-A são obviamente realidades diversas.
O que, no caso, conduz a que se julguem não demonstradas as realidades opostas afirmadas pelas partes – a prestação de garantia e a não prestação de garantia.
Concluindo, a prova produzida impõe a alteração deste ponto 10- da matéria de facto provada, passando o mesmo a constar do seguinte modo: 10- Na altura da aquisição das referidas obrigações, o funcionário do “Banco 2..., SA”, informou o falecido HH que se tratava de um produto sem risco de perda do capital e com rentabilidade assegurada, nesses aspectos semelhante a um depósito a prazo.
E, pelos exactos motivos, a alínea f) da matéria de facto não provada deve passar a constar do seguinte modo: f) que a ré nunca tivesse dito que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da A...; e que o funcionário do “Banco 2..., SA”, tenha dito ao HH que o Banco 2... garantia o reembolso do capital investido na compra das referidas obrigações.
Os pontos 14- e 15- dos factos provados
Retoma-se o que acima se deixou tido quanto ao que é possível retirar dos meios probatórios sobre a informação prestada ao HH e em que este fundou a decisão de subscrever o produto financeiro «...», para onde agora integralmente se remete - no âmbito da operação em causa nos autos simplesmente não há notícia de ter sido prestada qualquer garantia pelo “Banco 2..., SA”, independentemente de o HH ter confiado, como parece indiscutível que confiou, na informação [errada, soube-se depois] de inexistir risco de perda do capital ou da rentabilidade, tal como é razoável publicitar relativamente à constituição de um depósito a prazo [publicidade que também não será totalmente correcta, já que, em caso de insolvência da instituição bancária, a restituição de um depósito no valor de € 150.000,00 não se mostra integralmente garantida, nem mesmo pelo fundo legalmente criado. Mas à questão adiante retornaremos].
E, nesse pressuposto, parece óbvio concluir que o que terá motivado a decisão de contratar tomada pelo HH reconduziu-se à segurança da aplicação somada à rentabilidade acrescida que oferecia face ao tradicional depósito a prazo.
Assim, os meios de prova produzidos nos autos impõem, também, a alteração destes pontos da matéria de facto provada, passando a constar do seguinte modo: 14-O que motivou a autorização de compra por parte do falecido pai dos Autores foi o facto de lhe ter sido dito inexistir risco de perda do capital investido, beneficiando de taxa de juro superior à de um depósito a prazo. 15- O falecido pai dos Autores atuou na convicção de estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação tão segura como um depósito a prazo, nos termos referidos em 10-.
O ponto 16- dos factos provados
Pretende o recorrente a inclusão desta matéria no elenco dos factos não provados por entender simplesmente não terem sido produzidos meios de prova que razoavelmente justifiquem a sua demonstração.
Este ponto refere-se à opção que o falecido HH razoavelmente tomaria, quanto à compra, caso em Outubro de 2004 tivesse sido expressamente informado que:
- o produto financeiro «...» era um “produto de risco”;
- o cumprimento das obrigações associadas ao produto financeiro «...» não se mostrava coberto por qualquer garantia da parte do “Banco 2..., SA”.
A afirmação de determinada coisa ou realidade encerrar um qualquer risco ou perigo é, em si, notoriamente conclusiva, o que, afigura-se, por si só seria suficiente para determinar a sua exclusão da matéria de facto provada.
Embora nem sempre se mostre desprovida de escolhos a tarefa de estabelecer a linha limite entre a matéria de facto e a matéria de direito, parece pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto, constituindo apreciação de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
No âmbito da matéria de facto processualmente relevante inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) [neste sentido, veja-se o ensinamento de Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1963, páginas 180/181; e de Artur Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, volume III, Almedina, Coimbra, 1982, página 268].
Em função do concreto objecto do litígio, os juízos valorativos poderão ou não integrar a questão-de-facto do processo – determinante será, em qualquer caso, que não contenham valoração jurídica que esgote a solução final do litígio.
Para dar um exemplo de escola, numa acção de despejo em que autor e réu estão de acordo quanto à titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel, centrando-se o dissenso na manutenção/cessação do vínculo locatício, será razoável que se faça constar da matéria de facto provada que o imóvel é propriedade do autor e foi dado de arrendamento ao réu; pelo contrário, discutindo-se a causa jurídica da aquisição do direito de propriedade, não se poderá admitir que do elenco dos factos provados conste que qualquer das partes adquiriu a coisa, sendo aquela sua pertença.
No caso dos autos, os autores precisamente centram a sua censura na actuação dos funcionários do “Banco 2..., SA”, ao prestarem informação ao falecido HH quanto ao suposto intolerável “risco” [parece claro que se deve subentender, de perda do capital investido e de não pagamento da rentabilidade publicitada] que apresentava o produto financeiro adquirido, pelo que a simples afirmação de esse produto dever ser definido como «de risco», além de constituir mera colagem à alegação dos autores e desse modo esgotar a apreciação do litígio [o falecido HH reconhecidamente não pretendia adquirir produtos financeiros a que estivesse associado risco de perda do capital ou de não pagamento da rentabilidade publicitada. Logo, sem mais dizer-se que determinado produto apresentava tal “risco”, com o sentido acima indicado, é o mesmo que dizer-se ter sido vendido o que o HH não queria comprar], verdadeiramente nada nos diz quanto à realidade em presença.
Mas esmiucemos a questão um pouco mais.
O risco é desde há muito considerado uma categoria ontológica própria, verdadeiro resultado juridicamente relevante; talvez melhor, realidade fáctica apreensível pelos sentidos [cfr, a este propósito, “O Perigo em Direito Penal”, Prof. Faria Costa; Coimbra Editora; 1992; páginas 579 e ss – o núcleo essencial do conceito de risco «(...) radica na ideia de que o perigo representa um estádio relativamente ao qual é legítimo prever como possível o desencadear de um dano/violação (…)»; e “O Dolo de Perigo”, Dr. Rui Carlos Pereira, Editora Lex, 1995, páginas 33 e ss].
Ora, a determinação do critério material para definir uma situação de risco ou perigo, na medida em que trabalhamos com realidade que ainda não sucedeu e que poderá mesmo não ocorrer por força de facto totalmente inesperado e inverosímel, passará pela definição das probabilidades de ocorrência do resultado desvalioso, existindo risco «(...) quando, relativamente aos resultados possíveis, a probabilidade do resultado desvalioso é superior à probabilidade da sua não produção, quer dizer, é superior à probabilidade da produção do resultado valioso» [Prof. Faria Costa, ob.cit. páginas 597 e 598].
No cálculo de tais probabilidades possuem relevância decisiva as regras da experiência - «Ao buscarmos as regras da experiência para constituírem o critério da determinação (…) do perigo fazemo-lo (...) como cânone de valoração que, embora assente em um transfundo de empiria, se transcende e se eleva a regra de captação do real, verdadeiro ou construído. (...) A reiterada captação de factos (indiscutivelmente valorados) e a sua constante interiorização faz com que se aceite, colectivamente, que a um determinado facto se segue certo e determinado efeito» [Prof. Faria Costa, ob.cit, páginas 613 e 614].
No específico caso da negociação de valores mobiliários, o risco do investimento poderá ser analisado sob duas perspectivas distintas, obviamente interligadas – o inerente ao comportamento e solvabilidade da entidade de cujo desempenho depende o valor do título subscrito, por princípio mais relevante no caso de ser ínsito ao instrumento a restituição de um capital investido, na data da maturidade do produto; o relativo ao instrumento em si considerado, referente à evolução da sua avaliação pelo conjunto dos operadores do mercado, essencialmente relevante se for equacionada a sua transmissão antes da maturidade, se a houver.
Transpondo estas ideias fundamentais sobre o conceito operacional «risco» para a situação que nos ocupa, desde logo parece evidentemente de todo irrazoável definir a natureza do produto financeiro «...» como “de risco” em 2004 com fundamento na posterior declaração de insolvência da “A..., SA” [como é facto público, ocorrida em 2016 - verdade hoje indiscutível, mas que veio a cair no domínio público anos após a compra pelo HH], e o incumprimento da obrigação de reembolso do capital investido e de pagamento do juro publicitado – é que, nesse momento, já não temos “risco”, mas resultado, e a ideia de “risco”, como se disse, está antes ligada à probabilidade da verificação desse resultado, obviamente antes de este ocorrer.
Portanto, o que interessa, no caso, é definir qual o «risco» de incumprimento das obrigações de reembolso do capital e de pagamento do juro no momento em que o HH adquiriu o produto financeiro «...», isto é, Outubro/Novembro de 2004.
Ora, não temos qualquer elemento que indicie a existência, em 2004, de risco de incumprimento das obrigações de restituição do capital ou de pagamento de juros; aliás, pelo contrário, antes se nos apresentam sólidos elementos evidenciadores que, em 2004, a compra de títulos de dívida emitidos pela “A..., SA”, seria perspectivada, por qualquer investidor medianamente sagaz, capaz e inteligente, conservador e avesso a negócios com álea, como isenta de qualquer risco, ou, pelo menos, encerrando risco irrisório e desprezível, em qualquer das suas facetas acima referidas – é que, em 2004, a “A..., SA”, era dona de uma instituição bancária [ponto 28- da matéria de facto provada], e por isso, nessa altura, não havia qualquer motivo para sequer colocar a hipótese que não iria honrar as obrigações de pagamento assumidas [ponto 27- da matéria de facto provada].
Não se pode senão concluir que, em 2004, os títulos em causa mostravam-se associados a um baixíssimo risco de incumprimento – tão baixo como a hipótese de um tremor de terra, um incêndio ou uma inundação destruir algum património imobiliário pertença do HH, ou a possibilidade de a insolvência de uma instituição bancária determinar o não reembolso de depósitos bancários de valor superior a € 100.000,00 como aqueles de que o HH era titular.
E é apenas sobre a realidade que se vivia em 2004 que nos devemos mover.
Do que linearmente decorre que, seja porque se trata de uma afirmação conclusiva acerca de um relevantíssimo elemento do objecto do processo, seja porque verdadeiramente não possuímos qualquer elemento que em 2004 o permitisse classificar como tal, a definição do produto financeiro «...» como sendo «de risco» deve ser eliminada da matéria de facto.
O mesmo se diga quanto ao conhecimento pelo HH de que a aquisição não se mostrava garantida pelo “Banco 2..., SA”.
É que, como acima se referiu, e para onde agora se remete, o processo não fornece absolutamente nenhum elemento que permita aferir se uma suposta garantia de cumprimento a prestar pelo “Banco 2..., SA”, desempenhou ou desempenharia qualquer papel na formação da vontade de compra do HH – recordemos que era a “A..., SA”, dona de 100% do capital social do “Banco 2..., SA” [entidade que, a talho de foice, recorde-se apenas devido à intervenção salvadora do Estado Português não seguiu o mesmo caminho da insolvência imposto à “A..., SA”, como é do conhecimento público], e não o contrário, de modo que, segundo a absoluta normalidade do acontecer [já sabemos que a evolução dos acontecimentos nos mostrou uma realidade antes nunca vista. Mas, repete-se, o que nos interessa é a normalidade de 2004], o que acrescentaria ao negócio uma garantia prestada pela instituição em absoluto dominada pela emitente do título da dívida?
Simplesmente não se vê.
Por último, temos a afirmação do suposto desconhecimento da parte do HH de estar a comprar «obrigações A... ...».
Já acima se procurou deixar claro não haver qualquer dúvida que o HH teve perfeita consciência de não estar a constituir novo depósito a prazo.
Mas, então, se não estava a entregar € 150.000,00 para constituir um depósito a prazo, a entrega era para quê?
Admitamos que o funcionário do “Banco 2..., SA”, não esclareceu o HH, seja quanto à natureza jurídica e económica de uma obrigação, seja quanto à estrutural diferença desta face a uma acção, ou, na outra ponta do espectro de risco, a um depósito a prazo.
Mas nem sequer identificou pelo nome o produto que estava a ser subscrito?
E o HH não o quis saber para posteriormente poder identificá-lo nos extractos relativos à sua posição face ao banco, que razoavelmente sabia que iria receber?
Afirmá-lo não é razoável, contraria a ideia transmitida pelas inúmeras testemunhas inquiridas de o HH ser pessoa ponderada, cuidadosa e cautelosa com os seus investimentos, e, mais importante, não encontra respaldo em qualquer meio probatório produzido.
Concluindo, deve determinar-se a eliminação do ponto 16- da matéria de facto provada, e a sua inclusão no elenco dos factos não provados, como alínea i) – expurgada, como se disse, da referência à menção notoriamente conclusiva de estarmos perante produto «de risco».
O ponto 17- dos factos provados
A discordância do recorrente, quanto a este ponto, restringe-se ao segmento final «tal como era do conhecimento dos funcionários da ré», pretendendo a sua eliminação – conhecimento referido ao HH como pessoa avessa ao risco quanto aos seus investimentos.
Isto porque, na sua perspectiva, não foram produzidos meios de prova que permitam afirmar o conhecimento pelos funcionários do “Banco 2..., SA”, quanto ao perfil de investidor do falecido HH.
Quanto a este aspecto, dir-se-ia obviamente, não lhe assiste qualquer razão.
Pretender que as instituições bancárias, no âmbito do seu giro comercial, e desde que há actividade bancária, não mantêm e não actualizam as informações mais relevantes relativas aos seus clientes, entre elas o perfil de cada um quanto aos investimentos feitos e perspectivados fazer, é, com todo o devido respeito, simples exercício de retórica descolado da realidade da vida.
Afigura-se óbvio que cada instituição bancária avidamente recolhe as informações que relevam quanto aos potenciais interesses dos seus clientes pela contratação dos mais diversos produtos bancários, trate-se de mútuos destinados ao consumo, ao investimento ou ao apoio à tesouraria, de aquisição de produtos financeiros [acções, obrigações, títulos de participação, etc, etc], de contratos de seguro, etc, etc.
E, por isso, sendo o falecido HH cliente do “Banco 2..., SA”, havia pelo menos mais de 4 anos [tendo por referência Outubro de 2004 – veja-se como os extractos bancários juntos à contestação como documento 1 se iniciam em Julho de 2000], e sendo o HH reconhecidamente avesso à álea na realização dos seus investimentos [ponto 12- da matéria de facto provada], não temos qualquer dúvida em concluir, de acordo com o que se considera a absoluta normalidade do acontecer, que os funcionários do “Banco 2..., SA”, conheciam essa predisposição do seu cliente.
Nesta parte improcede o recurso.
B)
Em primeiro lugar, atendendo ao disposto no primeiro segmento do nº 2 do artigo 12º do Código Civil [quanto a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, por princípio apenas se aplica aos factos novos], aqui somente se deverá considerar a regulamentação legal vigente no momento da invocada retenção de informação que os autores imputam aos funcionários do “Banco 2..., SA”, facto ilícito que alegadamente terá conduzido à subscrição de obrigações pelo falecido HH em Outubro de 2004 [cfr artigos 12º a 14º, 16º, 20º, 28º, 29º, 33º e 36º, todos da petição inicial] – ou seja, quanto ao dever de informar e esclarecer que no caso em apreço impendia sobre o intermediário financeiro, deve aplicar-se o Código de Valores Mobiliários na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 66/2004, de 24 de Março, não obstante, como serão doutrina e jurisprudência hoje pacíficas, a reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, neste campo ter-se-á limitado a concretizar valorações que poderiam e deveriam já ser retiradas das regras anteriormente vigentes.
Não haverá grande dúvidas relativamente ao conteúdo dos deveres gerais de informação e esclarecimento que, já em 2004, impendiam sobre o intermediário financeiro, relativamente à pessoa do investidor, no momento da concretização do investimento.
No âmbito de um mercado altamente técnico e especializado como o mercado de capitais, o encontro entre as vontades negociais das entidades emitentes dos títulos e dos investidores não resulta do contacto directo entre «alienante» e «adquirente», antes é exclusivamente promovido por técnicos que, de forma remunerada, por conta, em nome e no interesse dos interessados na comercialização dos títulos, asseguram a concretização das transacções – isto é, na essência prestam um serviço [artigo 1154º do Código Civil].
“A intermediação no mercado de valores mobiliários deve ser entendida num sentido muito amplo, que contempla o conjunto de atividades dirigidas ao relacionamento da oferta e da procura com vista ao adequado funcionamento do mercado. Este conceito é de inspiração económico-financeira, não correspondendo a qualquer categoria ou agregado conhecido no vocabulário do direito comum. Assim se compreende que nele se integrem atos que juridicamente se qualificariam como prestação de serviços, mediação ou mandato mas também outros que são exercidos pelos intermediários financeiros por sua própria conta” [Prof. Carlos Ferreira de Almeida, in “As transacções de conta alheia no âmbito da intermediação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, 1997, Lisboa, LEX, página 292].
Ou seja, a actividade de intermediação financeira agrupa um grande conjunto de tipos negociais, de que constituem espécies a ordem, a gestão de carteira, a assistência técnica, económica e financeira, a colocação, a tomada firme, a recolha de intenções de investimento, o registo e depósito, a que serão aplicáveis as normas contratualmente fixadas [artigo 406º do Código Civil], as regras legais em cada sub-hipótese especialmente previstas [artigos 321º a 351º do Código dos valores Mobiliários] e, na sua falta, as disposições que regulam o mandato civil [artigo 1156º do Código Civil; nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 163/94, de 04 de Junho].
Ao “Banco 2..., SA”, instituição de crédito com autorização para agir como intermediário financeiro, estava aberto o exercício da actividade traduzida na execução de ordens relativas a valores mobiliários, [alínea a) do nº 1 do artigo 293º do Código dos Valores Mobiliários], nesse exercício impondo-se-lhe que actuasse no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes [nº 1 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários], com observação dos ditames da boa fé, de acordo com padrões de diligência, lealdade e transparência [nº 2 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários], para tal em princípio devendo informar-se junto do cliente sobre os conhecimentos e experiência deste no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado [nº 3 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários], obrigações que se impõem às pessoas que concretamente participem nessa actividade de intermediação [nº 5 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários].
A ordem, acto jurídico em que se funda a legitimidade da actividade levada a cabo pelo intermediário financeiro num determinado momento quanto a um determinado produto, e que notoriamente corresponde à situação em causa nos autos, tem de ser compreendida no quadro de uma relação contratual pré-existente [cfr, sobre a questão, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 15 de Novembro de 2007, processo nº 07B3093, e de 23 de Março de 2021, processo nº 1/19.5T8LRA.C1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/; e ainda o estudo do Prof. Menezes Leitão “Actividades de Intermediação e responsabilidade dos Intermediários Financeiros”, in “Direito dos Valores Mobiliários”, volume II, Coimbra Editora, 2000, páginas 129 e ss].
A «(…) actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura» [acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2007, acima referido], e é nesse quadro que deve ser perspectivado o (in)cumprimento dos deveres de informação.
Estes, impostos sobre o intermediário financeiro como garantia do esclarecimento do investidor quanto aos efeitos e consequências, para si, da ordem de compra de um valor mobiliário, mostravam-se [e mostram-se] genericamente elencados nos artigos 7º e 312º do Código dos Valores Mobiliários, destacando-se, no caso, o dever de informar quanto aos riscos envolvidos nas operações a realizar [alínea a) do nº 1 do artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários], sendo a extensão e profundidade da informação exigível determinadas pelo grau de conhecimento e experiência do cliente [nº 2 do artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários], mas sempre devendo a informação ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários].
Nos contratos de intermediação financeira que sejam celebrados com investidores não qualificados [melhor dizendo, não institucionais] estes são equiparados a consumidores para efeito da aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais [nº 1 e 2 do artigo 321º do Código dos Valores Mobiliários, na referida redacção], o que convoca a aplicabilidade, no relacionamento negocial entre o intermediário financeiro e o seu cliente investidor não qualificado, do regime consagrado no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro [designadamente as especiais regras relativas aos deveres de comunicação e de informação e ao ónus da prova quanto ao (in)cumprimento de tais deveres – artigos 5º e 6º deste diploma].
Hoje, também é certo, mostra-se pacificada a polémica em torno do ónus de demonstração da violação dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência na matéria, com o seguinte sentido - «No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos» [acórdão de uniformização de jurisprudência nº 8/2022, de 06 de Dezembro de 2021, publicado no Diário da República, I série, de 03 de Novembro de 2022].
Seja como for, afigura-se óbvio não assistir razão ao recorrente quando afirma [conclusões 14ª, 15ª, 17ª e 18ª] que os riscos a que se refere o artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários serão apenas os inerentes ao contrato de mediação propriamente dito, parecendo claro que neles essencialmente se incluirão os que decorrerão dos actos praticados em seu cumprimento, designadamente no que respeita às ordens de aquisição de produtos financeiros [caso contrário dificilmente surgiria compreensível o sentido na norma da expressão «operações a realizar». Recuperemos, a este propósito, e com o sentido que se deixa expresso no texto, as elucidativas palavras do Prof. Pinto Monteiro, a fls 14 do parecer da sua autoria junto em fase de alegações: «Assim sendo, o quantum de informação necessário para que os clientes possam tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre a subscrição de uma obrigação deve necessariamente incluir matérias como os seus riscos e natureza, embora a extensão e profundidade da informação a prestar dependa do “grau de conhecimentos e de experiência do cliente”, variando aquelas na razão inversa deste, nos termos do nº 2 do artigo 312º do CVM» (sublinhado nosso)].
Isto posto, centremo-nos no conjunto dos factos apurados quanto às concretas circunstâncias que rodearam a emissão da ordem de compra do produto financeiro «...» pelo falecido HH, cumprida pelo “Banco 2..., SA”, em Outubro de 2004.
Como decorre da documentação junta aos autos, as duas partes mantinham relação negocial já há pelo menos mais de 4 anos, no âmbito da qual o HH sempre apresentou perfil conservador no que respeita aos investimentos do seu dinheiro, sendo que, até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo, o que obviamente era do conhecimento dos funcionários do “Banco 2..., SA” [pontos 12- e 17- da matéria de facto provada].
Ao HH não foi prestada qualquer informação quanto à natureza do produto financeiro em questão, designadamente quanto às características de uma obrigação em geral, ou daquelas obrigações em concreto [pontos 11- e 23- da matéria de facto provada], antes apenas lhe sendo dito tratar-se de um produto sem risco de perda do capital e com rentabilidade assegurada, nesses aspectos semelhante a um depósito a prazo [ponto 10- da matéria de facto provada], ao ponto de o HH supor estar a aplicar o seu dinheiro num produto financeiro do próprio banco [ponto 13- da matéria de facto provada].
E é enquadrando estes factos no conjunto de regras legais aplicáveis acima enunciadas que devemos aferir se o intermediário financeiro em concreto (in)cumpriu a obrigação de informação que sobre si pendia, isto é, «se forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018, processo nº 20403/16.8SLB.L1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/].
Do que obviamente decorre que as «várias publicações doutrinais, nomeadamente os pareceres juntos aos autos, subscrito um pelo Prof. Pinto Monteiro e outro pelo Prof. Menezes Cordeiro, apenas servem para debate da matéria na generalidade» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023, processo nº 6695/18.1T8PRT.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/6695%2F18.1T8PRT.P1.S1/xMU3HbqcZargW_qdAB56xfomFEs?search=lqUDhUj2y8V96CMAYgs]
Ora, com todo o devido respeito, no caso concreto, afigura-se evidente que a informação transmitida ao HH quanto ao produto financeiro em causa, tendo em consideração o perfil e a idade do investidor em presença, não cumpre as exigências de completude, verdade, clareza e objectividade impostas pelo artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários, desde logo porque nem sequer abriu ao HH a possibilidade de ponderar as efectivas e reais diferenças entre a constituição de um depósito a prazo e a subscrição de uma obrigação, bem como as garantias de cumprimento associadas a cada uma de tais realidades [veja-se, numa situação com inúmeras semelhanças à dos presentes autos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 18 de Setembro de 2018, processo nº 20403/16.8SLB.L1.S1, acima ditado] – o primeiro, como se disse, encerrando no seu núcleo essencial a entrega de dinheiro para guarda e posterior devolução pela entidade a quem o dinheiro foi entregue, independentemente da remuneração do capital; a segunda conferindo ao seu titular um direito de crédito perante o emitente de um título [nº 1 do artigo 348º do Código das Sociedades Comerciais].
Tanto mais que o nº 2 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários toma por modelo de actuação, quanto aos intermediários financeiros, a conduta de um sujeito com diligência muito acima da média valorativa.
Ou seja, para esse sujeito diligentíssimo que em 2004 deveria constituir o modelo de conduta dos funcionários do “Banco 2..., SA”, na relação com o HH, a informação prestada não foi completa [porque não esclareceu quanto às diferenças substanciais entre o produto que estava ser subscrito e os negócios em que o HH habitualmente aplicava os seus dinheiros], não foi verdadeira [porque criou a possibilidade de o HH pensar, e consequentemente decidir, que estava a integrar no seu património algo semelhante a um depósito a prazo, tendo como contraparte o próprio banco], nem clara ou objectiva [misturando 2 realidades que são jurídica e economicamente diversas, confusão que potenciava a decisão do HH de subscrever o produto em causa].
Do que resulta que os funcionários do “Banco 2..., SA”, não procederam à transmissão da informação, em termos que possibilitassem a sua assimilação pelo seu destinatário, quanto à natureza do concreto instrumento financeiro em causa [cfr, a propósito, fls 18 do parecer do parecer da autoria Prof. Pinto Monteiro a fls 14 junto em fase de alegações].
Mostra-se claramente demonstrado o incumprimento pelos funcionários do “Banco 2..., SA”, do dever de informação que lhes incumbia respeitar no exercício da actividade de intermediação financeira, ou seja, a prática de um acto contrário à lei [ilícito], que se presume culposo [nº 2 do artigo 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção vigente em 2004. A talho de foice, sempre se dirá que o âmbito desta presunção parece bastante mais vasto que a consagrada no nº 1 do artigo 799º do Código Civil, na medida em que se estende à responsabilidade extra-contratual e que em qualquer caso se aplica na hipótese de violação de deveres informativos (cfr, a este propósito, a posição do Prof. Engrácia Antunes, in Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – alguns aspetos, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 56, 2017, página 46)], e nesse incumprimento se funda o dever de indemnizar a cargo do intermediário financeiro [nº 1 do artigo 314º do Código dos Valores Mobiliários, sempre na redacção vigente em 2004], independentemente da natureza contratual ou extra-contratual da responsabilidade civil em causa.
C)
O réu invoca a prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer, afirmando o decurso do prazo de 2 anos consagrado no nº 2 do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção vigente em 2004 [e que foi a redacção originária do CVM, mantendo-se intocada durante mais de 20 anos até ao Decreto-Lei nº 99-A/2021, de 31 de Dezembro], com o seguinte teor literal - salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.
A responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação no âmbito de um contrato de intermediação financeira, na redacção do CVM vigente em 2004, encontrava-se sujeita a dois prazos de prescrição distintos: se a actuação ilícita resultasse de dolo ou culpa grave, a responsabilidade prescreveria no prazo de prescrição ordinária previsto no artigo 309º do Código Civil; nas restantes situações, a responsabilidade prescreveria no prazo de 2 anos a partir da data em que o cliente tivesse conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Em primeiro lugar, impõe-se clarificar 2 aspectos.
Por um lado, não parece haver dúvida que, inexistindo dolo ou culpa grave da parte do intermediário financeiro, o dies ad quo do prazo de prescrição em apreço deve ser feito corresponder ao momento em que o investidor toma conhecimento da celebração do negócio e dos respectivos termos – negócio que, será evidente, tratar-se-á aquele em que o intermediário financeiro intervém nessa qualidade, por conta, em nome e no interesse do mandante investidor, em “execução da relação de cobertura, e não do negócio de intermediação propriamente dito” [cfr, a este propósito, e por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de Dezembro de 2019, processo nº 5838/16.4T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/].
Por outro, da mera presunção de actuação culposa pelo intermediário financeiro não decorre estarmos em presença de actos dolosos ou gravemente culposos, situando-se estes em diferente nível de censura ético-jurídica, para cuja aplicação se devem recorrer às regras gerais do ónus da prova – designadamente competindo a quem se pretenda prevalecer do prazo prescricional geral de 20 anos consagrado no artigo 309º do Código Civil o ónus de demonstrar factos que permitam concluir estarmos perante actos dolosos ou gravemente culposos [cfr, a este propósito, e por todos, também o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de Dezembro de 2019, acima identificado].
Isto posto, desde logo não haverá disputa que o processo não fornece qualquer elemento que verdadeiramente permita afirmar estarmos perante uma actuação dolosa dos serviços do então “Banco 2..., SA” [no sentido técnico-jurídico de conhecimento das circunstâncias envolventes da conduta e pré-figuração do seu resultado (elemento cognitivo) e adesão da vontade à prática do facto (elemento volitivo)] dirigida ao engano do HH.
Culpa grave consistirá na actuação contrária à que, nas mesmas circunstâncias, seria adoptada por todos os intermediários financeiros de menor inteligência, cuidado e diligência, tendo por base o padrão de normalidade desta concreta área de actuação; simples culpa designará a actuação que não respeita os padrões de exigência da normalidade de tais agentes [veja-se, a este propósito, em termos genéricos, o ensinamento do Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Livraria Almedina, volume I, página 577, nota 2].
É certo que a norma consagrada no nº 2 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários «(…) consagra um padrão de conduta erigido a partir de um sujeito diligentíssimo, em virtude de serem exigíveis aos intermediários financeiros os cuidados especiais que só as pessoas muitos prudentes observam” [acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2019, processo nº 1246/18.0T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/; neste sentido ainda, repetindo o que de forma unânime vem sendo afirmado na jurisprudência e doutrina nacionais, veja-se a posição de Gonçalo André Castilho dos Santos, in “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro”, Livraria Almedina, 2008, página 201].
Mas «cremos que não basta invocar o especial dever de diligência dos intermediários financeiros e a obrigação de que na sua actividade adoptem elevados padrões de diligência e de profissionalismo para daí concluir que qualquer falha cometida seria sempre devida a culpa grave por inobservância do grau de diligência requerido a tal profissional. Nessa situação a responsabilidade do intermediário financeiro estaria sempre sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos, pelo que a norma era desnecessária ou não tinha campo de aplicação. A norma só faz sentido admitindo-se que mesmo um intermediário financeiro cuja actividade se encontra sujeita a esse dever particular e padrão elevado pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave. A culpa consiste um juízo ético-jurídico de avaliação do comportamento devido. Por isso a qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ter em conta a notoriedade da falha (quanto mais notada ela devia ser, maior será o grau de culpa), a sua gravidade (quanto mais consequências tiver maior será o juízo de censura), a sua relevância para o fim social da disposição legal violada (quanto mais relevante ela for para a prossecução dos objectivos da norma, maior será o grau de culpa) e a intensidade da violação dos deveres do intermediário financeiro (mais grosseira a violação dos deveres de actuação e de cuidado, maior a culpa). Essa avaliação tem, no entanto, de ser feita em contexto, em concreto» [acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 06 de Fevereiro de 2025, processo nº 652/19.8T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/], avaliando o perfil do investidor, as características dos produtos financeiros subscritos e o conhecimento de que dispunha o intermediário ao tempo da negociação [esta tem sido a uniforme jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, a este propósito, o decidido no seu acórdão de 17 de Dezembro de 2019, acima identificado].
Principiemos por analisar a natureza do produto em questão.
Para a sua caracterização será determinante conhecer as concretas posições jurídicas a ele inerentes, tal como resultam das condições da emissão e dos documentos, registos e inscrições que lhes correspondam.
Com relevância para o caso, dir-se-á não bastar saber que se trata de uma obrigação, já que os sub-tipos de obrigação são inúmeros [veja-se, por exemplo, o leque de hipóteses que resulta dos artigos 360º e 361º do Código das Sociedades Comerciais]: obrigações de taxa fixa ou variável, subordinadas, de capitalização automática, seniores, perpétuas, convertíveis, com warrants, hipotecárias, participantes, etc.
No caso em apreço não dispomos do prospecto ou qualquer documento informativo relativo aos títulos adquiridos, e a única referência na petição inicial feita relativamente às características daqueles foi feita constar no artigo 28º da petição inicial, onde se diz estarmos perante «obrigações subordinadas», o que o réu não contesta.
A característica essencial de uma obrigação resulta manifesta da simples leitura da lei – as obrigações conferem aos seus titulares direitos de crédito perante a sociedade emitente [nº 1 do artigo 348º do Código das Sociedades Comerciais], representando um simples «empréstimo» remunerado, como vulgarmente se ouve dizer, nesse aspecto muito semelhante a um depósito bancário.
O facto de ser subordinada indica-nos que, em caso de insolvência do emitente, o reembolso do capital investido apenas é feito após pagamento dos credores comuns [artigos 48º e 177º do Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas].
Ora, passando a análise para o que é de esperar que o intermediário financeiro conhecesse acerca do título em questão no momento da negociação, e recuperando o que acima ficou dito, não dispomos de qualquer elemento minimamente indiciador que, em 2004, existisse algum risco de incumprimento pela sociedade emitente dos títulos, quanto às obrigações de pagamento de juros e/ou de reembolso do capital – não havia qualquer dúvida quanto à solvabilidade da sociedade emitente na data da maturidade do título, até porque era titular de 100% do capital social da instituição bancária que intermediou a subscrição [pontos 27- e 28- da matéria de facto provada].
E, nesse sentido, como se referiu, qualquer investidor medianamente sagaz, capaz, inteligente, conservador e avesso a negócios com álea, perspectivaria a aquisição do produto subscrito pelo falecido HH como isenta de qualquer risco, ou, pelo menos, encerrando risco irrisório e desprezível.
Conclui-se, novamente, que em 2004 os títulos em causa mostravam-se associados a um baixíssimo risco de incumprimento, equiparável à falência/insolvência da instituição bancária na altura integralmente dominada pela sociedade emitente do título – ou seja, para qualquer intermediário financeiro medianamente hábil, diligente, competente e sagaz, em termos de risco de incumprimento verdadeiramente equivaleria à constituição de um depósito a prazo, pelo que o que em 2004 foi transmitido ao HH [ponto 10- da matéria de facto provada] apenas obviamente corresponde a essa percepção.
E, como consequência, a subscrição do produto «...» na essência cumpria as expectativas do HH quanto à segurança e estabilidade do investimento dos seus dinheiros, pelo menos tal como em 2004 era razoavelmente possível considerar.
Terminando a análise pela consideração das características pessoais do investidor, apenas sabemos que era pessoa conservadora quanto aos seus investimentos [pontos 12-, 14-, 15- e 17- da matéria de facto provada], de avançada idade, mas perfeitamente lúcido e autónomo [elementos estes que, como se disse, apenas resultam do unanimemente declarado pelas testemunhas em audiência de julgamento].
Não temos nenhuma razão para supor que não lhe tenha sido dito que estava a subscrever «obrigações».
Dirão os autores que o HH jamais perspectivou a insolvência da “A..., SA”, ou a nacionalização do “Banco 2..., SA”.
Verdadeiramente, em 2004 ninguém o faria, nem sequer os profundamente conhecedores da realidade económico-financeira do nosso país – tratavam-se de entidades que inquestionavelmente perante a generalidade dos agentes económicos aparentavam grande pujança financeira.
Mas essa não é a questão.
Do que aqui se trata é de saber se o “Banco 2..., SA”, deveria ter expressamente advertido o HH que a subscrição dos títulos em questão trazia consigo a possibilidade teórica de incumprimento do dever de restituir o valor «emprestado», findo o prazo acordado, designadamente por falência/insolvência do emitente do título.
Tal possibilidade teórica decorre da própria essência do tipo de instrumento financeiro «obrigação», e o seu conhecimento, salvo sempre melhor opinião, deve presumir-se no investidor não qualificado médio [no sentido de medianamente informado, diligente, sagaz, capaz e competente – um «destinatário com cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste» (…)», sendo relativamente a esse destinatário que «(…) vamos determinar a forma de apresentação da informação, tendo nomeadamente em conta a complexidade da apresentação, a linguagem utilizada, o recurso a fórmulas matemáticas e a conceitos de âmbito especificamente económico, jurídico ou financeiro, etc» (acórdão do STJ de 16 de Junho de 2015, processo nº 1880/10.7TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/)], não sendo de impor ao intermediário financeiro que expressamente o saliente.
Logo, necessariamente sabendo o HH que estava a investir num produto que não era um depósito a prazo; mas correspondendo esse produto às características de segurança e estabilidade que o HH procurava ao realizar os seus investimentos, tal como era razoável supor em 2004; e presumindo-se no HH um grau de entendimento e competência absolutamente normais; considera-se que a violação dos deveres de informação acima apontada aos serviços do “Banco 2..., SA”, não atinge o limiar da culpa grave.
Consequentemente, é de 2 anos o prazo de que o HH ou os seus sucessores dispunham para fazer o seu direito de indemnização sobre o aqui réu – nº 2 do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção originária.
Prazo que se iniciou no momento em que, razoavelmente, os termos do negócio foram conhecidos pelos titulares do direito.
Ora, a maturidade dos títulos financeiros subscritos dá-se em 2014 [ponto 20- da matéria de facto provada], e em Novembro de 2015 cessaram quaisquer pagamentos com fundamento nessa subscrição [ponto 21- da matéria de facto provada], não tendo sido reembolsado o capital investido, e sendo a responsabilidade por esse facto atribuída pelo réu à “A..., SA” [ponto 22- da matéria de facto provada].
Consequentemente, afigura-se óbvio que pelo menos em Novembro de 2015 os aqui autores [já que o HH faleceu em Junho de 2006] ficaram cientes que aos títulos em questão não se encontrava associada qualquer garantia de reembolso do capital ou do pagamento dos juros, e que esses pagamentos seriam da responsabilidade da “A..., SA”, [posteriormente redenominada de “B..., SGPS, SA”] declarada insolvente em Junho de 2016 [estes últimos factos públicos e notórios].
A presente acção foi instaurada em Janeiro de 2024, claramente após o decurso do prazo prescricional.
Mostra-se prescrito o direito de indemnização que os autores pretendem fazer valer.
O que prejudica a análise da questão acima enunciada em D).
O recurso deve proceder.
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Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:
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Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, nos seguintes termos:
I- determina-se a alteração da redacção dos pontos 10-, 14- e 15- da matéria de facto provada, bem como do ponto f) do elenco dos factos não provados, passando os mesmos a constar da seguinte forma: 10- Na altura da aquisição das referidas obrigações, o funcionário do “Banco 2..., SA”, informou o falecido HH que se tratava de um produto sem risco de perda do capital e com rentabilidade assegurada, nesses aspectos semelhante a um depósito a prazo; 14-O que motivou a autorização de compra por parte do falecido pai dos Autores foi o facto de lhe ter sido dito inexistir risco de perda do capital investido, beneficiando de taxa de juro superior à de um depósito a prazo; 15- O falecido pai dos Autores atuou na convicção de estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação tão segura como um depósito a prazo, nos termos referidos em 10-; f) que a ré nunca tivesse dito que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da A...; e que o funcionário do “Banco 2..., SA”, tenha dito ao HH que o Banco 2... garantia o reembolso do capital investido na compra das referidas obrigações;
II- determina-se a eliminação do ponto 16- da matéria de facto provada;
III- determina-se a inclusão de um ponto i) ao elenco dos factos não provados, com a seguinte redacção: se o falecido pai dos Autores tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações A... ..., produto em que o capital não era garantido pelo Banco 2..., não o autorizaria;
IV- pela procedência da excepção peremptória de prescrição, revoga-se a decisão de 1ª instância, absolvendo na íntegra o réu dos pedidos contra si formulados pelos autores.
Custas, da acção e do recurso, a cargo dos autores – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 8/5/2025
António Carneiro da Silva
António Paulo Vasconcelos
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho