A solidariedade de uma obrigação pode resultar de convenção entre as partes e, apesar de não expressa, ser depreendida de modo concludente dos factos (artigo 217.º, n.º 1, do C. C.).
João Venade.
Isabel Silva.
Ana Márcia Vieira.
AA, residente na Urbanização ..., ..., ..., Leiria, propôs contra
BB, residente na Rua ..., Anadia
CC, residente na Rua ..., n.º ..., 6.º A, Aveiro
DD, residente na Rua ..., Aveiro
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação solidária dos Réus na quantia de 155.311,67 EUR, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral cumprimento.
Em síntese, alega que:
. em 15/12/2011, celebrou com os Réus contrato de cessão de quotas, através do qual lhes transmitiu três quotas sociais no valor de 24.939,90 EUR cada uma, das quais era titular na sociedade comercial por quotas “A..., Lda.;
. foi decidido, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 4006/18.5T8AVR, no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), decisão confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, que tinha de pagar, solidariamente com a sociedade “B..., S. A. a quantia de 250.000 EUR ao ali Autor, EE;
. pagou 155.311,67 EUR ao referido EE;
. tal montante foi considerado como devido, por conta das obrigações decorrentes do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, de 04/03/2011, pelo qual o Autor adquiriu a EE as mesmas quotas que transmitiu posteriormente aos ora Réus;
. na cláusula segunda do contrato de cessão de quotas, consta que «Estas cessões são feitas livres que quaisquer ónus ou encargos, com todos os correspondentes direitos e obrigações a elas inerentes e envolve, ainda, além da transmissão (…) dos direitos e obrigações correspondentes às (três) quotas sociais, a titularidade de eventuais suprimentos, abonos, remunerações e todos e quaisquer outros créditos que os Segundos Contraentes [aqui Autores] detenham, nesta data, sobre a sociedade comercial por quotas “A... (…)”, deixando o cedente, cônjuge marido, [ora Autor] de ser sócio da mencionada sociedade, de nela ter qualquer interferência ou responsabilidade, ficando, desde já, investidos no direito de regresso sobre os ora cessionários, caso sejam demandados a pagar o que quer que seja, em virtude do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, outorgado em quatro de Março de dois mil e onze.”
. interpelados para proceder ao pagamento da referida quantia, a título daquele mencionado direito de regresso, os Réus nada liquidaram ao Autor.
. DD:
. o documento n.º 1 (contrato cessão quotas), por corresponder a documento particular autenticado por advogado impedido (o advogado que autenticou o documento é filho do falecido FF, que o outorgou na qualidade de representante da sociedade B..., S.A.), é nulo;
. as partes quiseram vincular-se somente com observância da referida forma do negócio;
. inexiste assim qualquer obrigação de que seja devedora;
. a cláusula contratual, ainda que válida, é juridicamente ininteligível pois:
. o Autor (putativamente) alienou à Ré uma quota, cujo valor nominal era de 24.939,90 EUR, pela quantia de 83.333,33 EUR;
. foi estabelecido que a cessão era realizada “livre de quaisquer ónus e/ou encargos”, pertencendo à R. a titularidade de “eventuais suprimentos, abonos, remunerações e todos os créditos detidos pelo A. sobre a sociedade «A...…»;
. e que “deixando o cedente, cônjuge marido de ser sócio da mencionada sociedade, de nela ter qualquer interferência ou responsabilidade, ficando, desde já, investidos no direito de regresso sobre os ora cessionários, caso sejam demandados a pagar o que quer que sejam em virtude do Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência, outorgado em 4 de março de 2011”
. inexiste responsabilidade solidária da Ré e do A. a respeito de qualquer obrigação;
. o que as partes quiseram consagrar foi, tão-somente, a responsabilização do Autor enquanto alienante (vendedor) da participação social transmitida, e não da Ré, enquanto adquirente (compradora) da mesma;
. a Ré solveu indevidamente ao Autor, no âmbito de uma cessão de créditos nula, a quantia de 83.333,33 EUR atenta a nulidade do contrato.
Conclui assim pela improcedência da ação e, em reconvenção, pede que o reconvindo seja condenado a devolver-lhe a quantia de 83.333,33 EUR. acrescida de juros moratórios desde a notificação ao seu mandatário da presente reconvenção.
. CC e BB:
. no essencial, assumem o mesmo tipo de defesa da co-Ré DD e formulam igualmente pedido reconvencional pelo mesmo valor.
. se admitiram as reconvenções;
. se fixou como:
Objeto de litígio - validade do contrato de cessão de quotas, celebrado entre Autor e Réu no que se refere à sua forma - documento particular autenticado – discutindo-se se o advogado que autenticou o documento o poderia fazer e que consequências retirar do alegado impedimento.
Caso se conclua pela validade desse contrato discute-se se, face ao teor da cláusula 2º § único do contrato de cessão de quotas, os Réus são devedores ao Autor da quantia peticionada.
Caso se conclua pela invalidade do contrato de cessão de quotas, discute-se se o Autor deve devolver aos Réus as quantias, alegadamente, recebidas.
. se os Réus litigam de má fé; e como
Temas de prova
1) Essencialidade para as partes de que o contrato que constitui o documento 1 junto com a petição inicial fosse feito por documento autenticado;
2) Conhecimento por parte dos outorgantes, nomeadamente réus, do alegado impedimento do advogado que autenticou o documento;
3) Quem fez o pagamento ao Autor do preço das quotas cedidas aos réus e em que circunstâncias (arts. 31 e 41º da réplica e pontos E), F e G) dos factos não provados na sentença proferida no processo 4006/18.5T8AVR);
4) Matéria que constitui os pontos 1, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 22, 23 dos factos provados na sentença proferida no processo 4006/18.5T8AVR.
. condenar, cada um dos réus BB, CC e DD, a pagarem ao Autor AA a quantia de 51.770,55 EUR, acrescidas dos juros legais contados desde a citação.
. Réus, formulando as seguinte conclusões (das quais se eliminam as citações de depoimentos, matéria que não tem lugar em sede de conclusões):
«A) A Meritíssima Juiz “ a quo”, salvo sempre o devido e merecido respeito não valorou devida e convenientemente as declarações prestadas pelas testemunhas GG e HH, na verdade, tais declarações conjugadas com as declarações prestadas pelo Réu/Recorrente CC, e o cheque junto aos presentes autos emitido pela sociedade B..., SA, inerente ao negócio da transmissão de quotas da A..., levanta desde logo, uma suspeição insanável quanto a uma hipotética simulação no âmbito da aquisição por parte da primeira das quotas da segunda, até porque os únicos interessados nesse negócio foram o Autor e a sociedade C..., SA;
B) Os Recorrentes nunca discutiram qualquer cláusula contratual, valor, forma de pagamento, limitando-se apenas a apor a sua assinatura no sítio indicado pelo mandatário da sociedade C..., SA, Dr. II, até porque o negócio era da C... e não dos Recorrentes, daí o facto de nunca terem intervindo em qualquer negociação inerente à aquisição da totalidade das quotas da A...;
C) Salvo o devido respeito pela Meritíssima juíza “a quo”, não se entende, após as declarações prestadas pelo Réu CC, e pelas testemunhas GG e HH, e a prova inequívoca do pagamento do negócio efetuado pela sociedade C..., SA, ter dado por provado, além do mais, que não era minimamente credível que os Réus, ora Recorrentes, outorgassem um contrato de cessão de quotas, sem se inteirarem do seu conteúdo e que estivessem conscientes que poderiam ser responsabilizados por dívidas decorrentes do contrato de março de 2011;
D) Os Recorrentes para além de não se terem inteirado do conteúdo do contrato de cessão de quotas, desconheciam até de que tipo de negócio se tratava, pois limitaram-se a confiar, não pondo em causa o que lhe era transmitido por familiares e amigos de longa data
D) O documento que lhes foi apresentado para assinarem (contrato de cessão de quotas), foi também outorgado pelo Administrador da sociedade B..., SA, FF, e posteriormente, autenticado pelo mandatário da sociedade C..., SA, filho do Administrador, Dr. II;
E) Nos termos do artigo 5º, n.º 1 e 2 do Código do Notariado “O notário não pode realizar actos em que sejam partes ou beneficiários, directos ou indirectos, quer ele próprio, quer o seu cônjuge ou qualquer parente ou afim na linha recta ou em 2.º grau da linha colateral.”, sendo tal ato nulo;
F) A proibição prevista no artigo 5º, n.º 1 do Código do Notariado, aplicável ex vi do artigo 38º do DL 76-76 -A/2006 de 29/12, reporta-se apenas ao ato autenticado em si mesmo considerado, ao seu próprio conteúdo substancial, e não aos atos externos ao mesmo;
G) No caso em apreço, apreço, o Sr. advogado certificador, realizou actos em que é parte ou beneficiário, directo ou indirecto, pois o Administrador FF, era o seu pai, sendo indubitável o interesse, ainda que indireto, do ilustre advogado no ato por si praticado;
H) Ainda que se considerasse o acto da certificação nulo, pela violação do artigo 5º, n.º 1 e 2 do C.N., também deveria a Meritíssima Juiz “a quo”, ter considerado que o contrato de cessão outorgado pelos ora Recorrentes, não passou de um negócio simulado, do qual os Recorrentes desconheciam qual o efeito ou alcance pretendido como com o mesmo, e do qual não tinham qualquer quer conhecimento direto, até pelo elo facto de não serem administradores, apenas simples acionistas;
I) Resulta do ponto 15 dos factos provados “Os réus não tinham conhecimento dos factos descritos no ponto 8 dos factos provados”, isto é, desconheciam os Recorrentes toda e qualquer negociação havida anteriormente;
J) Ademais, os Recorrentes confiaram no que lhes foi transmitido pelos Administradores da B..., SA, assinando o documento que lhes foi exibido e nunca explicado, e que seria apenas uma formalidade para ultrapassar um problema que à data desconheciam, nem tinham obrigação de conhecer, porque nunca tiveram intervenção no negócio;
L) E em abono da verdade, quando o valor do negócio é pago diretamente pelos seus intervenientes, é normal que estes tentem saber e negociar todas as cláusulas constantes do mesmo mas, no caso em apreço, sequer houve por parte dos Réus/Recorrentes tal interesse, já que o negócio era da sociedade e apenas dizia respeito à sociedade, no caso “administradores e mandatário”, senão vejamos, este contrato é assinado num dia de festa e convívio onde estavam todos presentes;
M) Nos termos do artigo 227º do CC, um dos deveres pré-contratuais que para a parte decorre, concretizados do princípio da boa-fé na formação dos contratos, é o dever de informação e explicação com quem negoceia as informações necessárias ao conhecimento das circunstâncias que possam ser relevantes para a formação do acordo contratual, o que implica o dever de informar e explicar à contraparte sobre todas as circunstâncias relevantes relativas ao concreto negócio em causa, e que esta desconheça;
N) Ainda que os ora Recorrentes, tivessem tido acesso e conhecimento, o que não aconteceu, a todas as cláusulas contratuais constantes do contrato de cessão de quotas, a prova da comunicação das cláusulas cabe ao predisponente delas e não se basta com o facto de os aqui Recorrentes terem tido o contrato em seu poder quando da aposição das suas assinaturas;
O) Conforme resulta do depoimento prestado pelo Recorrente CC, este refere apenas que lhe foi comunicada a necessidade de assinar uma declaração, o que fez, tal como o Recorrente BB, “de cruz”, tendo por base a confiança nas pessoas envolvidas, nomeadamente, administradores e advogado, tendo apenas nesta data inclusive conhecido o Autor, o que se extraí claramente do depoimento do primeiro:
«(…).
P) Salvo o devido respeito, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, deveria ter dado como provado e não deu o ponto B) dos factos não provados “O Autor só tivesse intervenção no negócio para evitar que a C..., adquirisse a totalidade das quotas da empresa A... e assim passasse a estar sujeita ao tratamento fiscal previsto no art. 2º/2, d) do CMIT por deter mais de 75% das participações sociais”;
Q) Estamos nitidamente perante uma operação simulada para não entrega do IMT com a aquisição das quotas, operada pelo Autor/Recorrido e pela sociedade B..., SA, ao qual os ora Recorrentes eram totalmente alheios, eram terceiros de boa-boa -fé;
R) O artigo 291º do C.C., visa a proteção do terceiro de boa fé, ou seja, o terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio.”
S) A nulidade do contrato, por simulação, pode e deve ser arguida por qualquer interessado, e é, sempre, de conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do artigo 240º do C.C., apenas se salva guardando as situações de proteção de terceiros de boa fé;
T) Nos termos do regime geral, artigo 286º do C.C., a nulidade pode ser invocada a qualquer momento, isto é, sem prazo, por qualquer interessado, e pode e deve ser declarada oficiosamente pelo tribunal, ou seja, mesmo que ninguém lho peça;
U) Não foram valorados os depoimentos das testemunhas GG e HH, quando referem que o pagamento das quotas foi feito através de cheque emitido pela B..., SA e não pelos ora Recorrentes:
(…).
V) Pelos depoimentos transcritos, constata-se que os Recorrentes não teriam qualquer conhecimento do negócio, nem procederam ao pagamento das quotas, sendo a sociedade C..., SA a proceder ao pagamento das mesmas, emitindo cheque no valor de 250.000,00€, deveria, salvo sempre o devido respeito pela Meritíssima Juiz “a quo”, questionar porque é que a sociedade efectuou o pagamento do valor das quotas e não os Recorrentes, e que beneficio iria a sociedade retirar com tal pagamento, até porque os próprios Recorrentes desconheciam o fim que os administradores da sociedade C... SA tinham em mente conjuntamente com o mandatário desta, o que indubitavelmente realça uma nítida situação simulatória;
W) A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção nos factos provados, além do mais, no que refere ao ponto A) dos factos provados “quer as testemunhas HH e GG quer o Réu CC afirmaram que os Réus não tinham conhecimento do teor do contrato, assinando “de cruz” a pedido do Dr. II”, contudo a mesma Magistrada deu como não provado no ponto A) que “Os Réus não tenham tido conhecimento do teor do contrato referido em 1”, havendo assim uma clara contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, que consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada entre os factos provados e não provados, sendo que o mesmo facto tem interesse para a decisão da causa e que conduziu a uma decisão contrária àquela que foi tomada;
X) A nulidade da sentença prevista no artigo 615º n.º 1, al. c) do C.P.C., pressupõe que um erro de raciocínio lógico consiste em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito que o Juiz se serviu ao proferi-la, o que ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziram necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou pelo menos, de sentido diferente;
Y) Salvo o devido e merecido respeito pelo Tribunal “a quo”, podemos concluir que se verifica tal nulidade, uma vez que existiu contradição entre os fundamentos e contradição entre os factos provados, não provados e a decisão, pois os fundamentos invocados pela Meritíssima Juiz, logicamente deveriam conduzir a um resultado oposto ao que veio a ser expresso;
Z) Foram assim violados os artigos 5º n.º 1 e 2 do Código do Notariado, artigo 38º do DL n.º 76/2006 de 29/12, artigos 227º, 240º, 286º e 291º e ainda o artigo 615º n.º 1, al. c) do C.P.C..».
Concluem, pedindo a revogação da decisão.
«1. A sentença recorrida condenou, e bem, os Réus a pagar ao Autor a quantia de 51.770,55€ cada um, no total peticionado pelo Autor de 155.311,65€;
2. O Autor entende que o Tribunal a quo decidiu corretamente quanto à matéria de facto, reconhecendo como provados todos os factos relevantes demonstrados documental e testemunhalmente;
3. Contudo, o Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 513.º do Código Civil, concluindo que a obrigação dos Réus era conjunta e não solidária;
4. O artigo 513.º do Código Civil prevê que a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes;
5. A vontade das partes pode manifestar-se de forma expressa ou tácita, não sendo exigida declaração expressa para que seja estabelecida solidariedade (art. 217º CC);
6. A cláusula contratual relevante nestes autos prevê expressamente o direito de regresso do Autor contra os cessionários “como um todo”, revelando de forma clara a intenção das partes de instituir solidariedade na obrigação;
7. A interpretação da cláusula contratual, bem como os princípios que regem a matéria das obrigações solidárias, corroboram que a solidariedade foi efetivamente prevista pelas partes, ainda que possa ter sido tacitamente e não expressamente declarada;
8. É entendimento jurisprudencial pacífico que a declaração tácita resulta de factos concludentes que, pela sua inequivocidade, permitem deduzir a vontade de constituir obrigação solidária;
9. Os factos provados demonstram que os Réus atuaram de forma concertada, com relações familiares e pessoais diretas e interesses comuns, reforçando a existência de uma obrigação unitária e solidária;
10. A redação da cláusula contratual, associada ao contexto negocial e aos factos provados, confirma que a solidariedade é o regime aplicável à obrigação em questão;
11. A sentença recorrida deve ser substituída por outra que, mantendo a matéria de facto dada como provada, declare a solidariedade dos Réus na obrigação de pagar ao Autor a quantia de 155.311,65€;
12. Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais.».
Pede assim que a sentença seja substituída por outra que, julgando a ação procedente, declare a solidariedade da dívida dos Réus ao Autor, condenando-os, solidariamente, ao pagamento ao Autor do montante de 155 311,65 EUR, acrescida de os juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas, desde a citação até ao seu integral e efetivo pagamento, acrescido de custas e demais encargos processuais.
. apreciação da matéria de facto, incidente em especial sobre o desconhecimento dos Réus sobre o teor do contrato que assinaram;
. validade do contrato;
. solidariedade convencional da obrigação dos Réus.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«1 - Em 15 de Dezembro de 2011, Autor e Réus celebraram o contrato de cessão de quotas.
2 - Por via de tal contrato, o ora Autor transmitiu aos co-réus as três quotas sociais no valor de 24.939,90€ (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), cada uma delas, de que o Autor era titular na sociedade comercial por quotas “A..., Lda”, NIPC ...,
3 – Por decisão transitada em julgado proferida no processo sob o nº 4006/18.5T8AVR, no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), foi o ora Autor condenado a pagar, solidariamente com a sociedade “B..., SA”, a quantia de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros) ao ali Autor, EE.
4 - O aqui Autor procedeu então ao pagamento da quantia de 155.311,67€ (cento e cinquenta e cinco mil trezentos e onze euros e sessenta e sete cêntimos) ao referido Sr. EE, nos termos em que foi condenado.
5 - O montante em causa foi considerado como devido, por conta das obrigações decorrentes do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, de 04- 03-2011, pelo qual o aqui Autor adquiriu ao Sr. EE as mesmas quotas que transmitiu posteriormente aos ora Réus, através do contrato referido nos pontos 1 e 2 dos factos provados.
6 - Da cláusula segunda do contrato referido em 1 e 2 dos factos provados, no seu parágrafo único, consta que “Estas cessões são feitas livres que quaisquer ónus ou encargos, com todos os correspondentes direitos e obrigações a elas inerentes e envolve, ainda, além da transmissão (…) dos direitos e obrigações correspondentes às (três) quotas sociais, a titularidade de eventuais suprimentos, abonos, remunerações e todos e quaisquer outros créditos que os Segundos Contraentes [aqui Autores] detenham, nesta data, sobre a sociedade comercial por quotas “A... (…)”, deixando o cedente, cônjuge marido, [ora Autor] de ser sócio da mencionada sociedade, de nela ter qualquer interferência ou responsabilidade, ficando, desde já, investidos no direito de regresso sobre os ora cessionários, caso sejam demandados a pagar o que quer que seja, em virtude do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, outorgado em quatro de Março de dois mil e onze.”
7 - Da cláusula terceira do contrato referido em 1 e 2 dos factos provados consta que “os primeiros outorgantes (isto é, HH, GG e FF) na invocada qualidade de administradores e com poderes para o acto da sócia e sua representada “B..., SA, declaram que autorizam as cessões de quotas ora efectuadas pelos segundos contratantes, nos termos acordados.
8 - No âmbito do processo 4006/18.5T8AVR ficou provado que:
a) - Até Março de 2011 eram únicos sócios da Sociedade “A... Lda, EE, sua mulher JJ, KK e LL, sendo gerentes o Autor e suas filhas KK e LL.
b) - Por contrato promessa de cessão de quotas celebrado a 17 de Fevereiro de 2011, os sócios referidos em a) prometeram vender ao aí 1.º Réu, AA ou a quem ele viesse a indicar, a integralidade das quotas da Sociedade “A... Lda.
c) - O aí 1.º Réu, prometeu adquirir ou indicar pessoa ou sociedade que adquirisse aquelas quotas sociais, livres de ónus ou encargos, com todos os direitos e obrigações inerentes, pelo preço global de 3.500.00,00 €.
d) - A 4 de Março de 2011 foi celebrado Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, através do qual EE, sua mulher JJ, KK e LL venderam ao aí 1.º Réu, AA e à “B..., S.A.” –, representada no acto pelos aí 2.º e 3.º Réus, HH, GG (juntamente com o falecido Dr. FF) que compraram, a integralidade das quotas sociais da empresa “A..., Lda.”, estando convencionado um preço 3.500.000 €.
e) - Declararam os cedentes “que a sociedade, para além da facturação já facultada aos cessionários, cujo vencimento ocorre após a celebração do contrato, não tem outras dívidas perante terceiros, nem foi notificada, até ao momento presente, para o pagamento de quaisquer responsabilidades, incluindo as resultantes de fornecimentos de bens ou de serviços”.
f) - Foi ainda convencionado que “o Segundo contratante (Réu AA) e os Terceiros Contratantes (Réus GG, HH e FF, entretanto falecido), estes últimos na qualidade de Administradores e em representação da Cessionária B... SA, se obrigavam a diligenciar junto da “Banco 1..., S.A.”, pela exoneração ou liberação dos avales ou fianças, designadamente os prestados na conta corrente caucionada e na garantia bancária constituída a favor do I.A.P.M.EI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação), que qualquer um dos Primeiros Contratantes tenha prestado a favor da Sociedade Comercial por Quotas, denominada “A..., Lda”.
g) - Pela apresentação ... foi registada, no registo comercial, a designação de GG, HH e FF como gerentes da A... Lda.
h) - Desde 3 de Maio de 2007 vigorava um Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente entre a Sociedade por Quotas “A...” e a Banco 1..., S.A.
i) - Em tal Contrato (n.º ...) de Abertura de Crédito em Conta-Corrente com aval, a Banco 1... concedeu à mutuária A..., Lda, um crédito, em conta-corrente, até ao montante de € 250.000,00, destinado a apoiar o seu fundo de tesouraria.
j) - Tal contrato era avalizado pelo Sr. EE, aqui Autor, e a sua filha Dra. LL, também sócia e gerente da empresa “A...”.
k)- Foi convencionado que o prazo do contrato seria de 6 meses, automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos a menos que a Caixa ou o Cliente denunciassem o contrato por escrito, com, pelo menos, 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso, não gozando o cliente do direito de denúncia enquanto se mantiver qualquer importância em dívida ou existir qualquer valor tornado indisponível na conta-corrente.
l) - O contrato de crédito impõe como requisito de utilização dos fundos contratados o pedido escrito efectuado com uma antecedência mínima de três dias úteis.
m) - A nova gerência da A..., Lda., fez várias utilizações do crédito ao seu dispor na conta-corrente caucionada, logo no primeiro ano de funções, entre 31-07-2011 e 31-12-2011, atingindo-se o saldo devedor, em 31-12-2011, de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) – igual ao montante máximo de capital contratado, sendo que no momento de celebração do contrato de cessão de quotas ainda nenhum capital tinha sido usado.
n) - Em tal período continuaram a figurar como avalistas o Sr. EE e sua filha.
o) - Não foi efectuada qualquer comunicação dos aí Réus ao Autor da intenção de utilizar a conta.
p) - No dia 15-12-2011 foi celebrado Contrato de Cessões de Quotas, Aumento de Capital e Alteração do Contrato Social, através do qual o aí 1.º Réu, aqui autor, cedeu todas as suas quotas ficando consignado in fine § ÚNICO da Cláusula SEGUNDA:
“deixando o cedente, cônjuge marido (1.º Réu), de ser sócio da mencionada sociedade, de nela ter qualquer interferência ou responsabilidade, ficando, desde aí investidos (1.º Réu e esposa) no direito de regresso sobre os ora cessionários, caso sejam demandados (1.º Réu e esposa) a pagar o que quer que seja, em virtude do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, outorgado em quatro de Março de dois mil e onze.”
q) - No dia 16 de Setembro de 2015, a Banco 1... enviou à A..., Lda., uma carta regista com A/R de denúncia do contrato e solicitando o pagamento da dívida, continuando a conta corrente n.º ... a apresentar à data o saldo devedor de € 250.000,00, igual ao montante máximo de capital contratado, dando conhecimento do envio dessa carta ao agora Autor.
r) - Em 24-11-2015, para evitar a inevitável execução e penhora de bens, nomeadamente das contas bancárias do aí Autor e sua filha, o Autor autorizou uma transferência no montante de € 250.000,00 da sua conta bancária para a conta da A....
s) - Nessa mesma data, a Banco 1... liquidou a dívida da A..., no valor de € 250.000,00, da conta corrente n.º ....
t) - Pela apresentação 1/20160311foi registada a declaração de insolvência da A... Lda, determinada por sentença transitada em julgado a 30/03/2016, conforme apresentação ....
u)- O Réu GG pertenceu ao Conselho de Administração da B... SA até 2015 e o Réu HH até 2016.
v) – Foi a sociedade A..., Lda. quem utilizou a conta corrente caucionada
x) - O aí Réu AA nunca teve intervenção na gestão da empresa A..., Lda, não fazendo qualquer diligência para liberação do aval referido em f).
9 – O advogado que autenticou o documento que titula a cessão de quotas, referido em 1 e 2, Dr. II, é filho do falecido FF, que o outorgou na qualidade de representante da sociedade B..., SA.
10 – O valor de transmissão de cada uma das quotas referidas em 1 foi feito pelo valor de 83.333.33. €, cada uma.
11 - Os pagamentos das quotas em questão foram concretizados com dinheiro, titulado por cheque emitido pela sociedade B..., SA.
12 – Entre Autor e Réus inexistem relações pessoais.
13 - Através do contrato referido em 8 d) a empresa B... SA adquiriu a quota maioritária da sociedade A... (com o valor nominal de 149.639,40€) e o Autor, adquiriu as remanescentes três quotas referidas no ponto 2 dos factos provados
14- Os ora Réus, a quem o Autor veio a alienar as suas ditas quotas na sociedade A..., têm relações familiares e pessoais directas, próximas com os administradores da B... SA,
15 - Os Réus não tinham conhecimento dos factos descritos no ponto 8 dos factos provados
16 - Os Réus sabiam que o advogado que autenticou o contrato referido em 1 e 2, Dr. II, era filho de um dos administradores da B..., SA FF.».
E resultou não provado:
A) – Os Réus não tenham tido conhecimento do teor do contrato referido em 1.
B) O Autor só tivesse intervenção no negócio para evitar que a C..., adquirisse a totalidade das quotas da empresa A... e assim passasse a estar sujeita ao tratamento fiscal previsto no art.2º/2, d) do CMIT, por deter mais de 75% das participações sociais.».
A). Impugnação da matéria de facto.
Os recorrentes iniciam as alegações da sua peça mencionando que «o presente recurso, tem como objeto toda a matéria de facto e de direito constante da sentença.».
Porém, com o devido respeito, só vislumbramos duas impugnações concretas à matéria de facto e que se reportam aos factos não provados e com a abrangência que a seguir analisaremos; é essa a amplitude que resulta das alegações (com transcrições integrais de depoimentos) e depois é mencionada nas conclusões sob as alíneas P), V) e W).
A recorrente pretende que tais factos resultem provados; analisemos então os mesmos.
Facto não provado A).
Os Réus não tenham tido conhecimento do teor do contrato referido em 1.
Este contrato é o que se refere nos factos provados 1 e 2, a saber:
. Em 15/12/2011, Autor e Réus celebraram contrato de cessão de quotas.
. Por via de tal contrato, o Autor transmitiu aos co-réus as três quotas sociais no valor de 24.939,90 EUR cada uma delas, de que o Autor era titular na sociedade comercial por quotas “A..., Lda.
Tal contrato é o que consta como documento n.º 1, junto com a petição inicial, em que:
. HH, por ele, e em representação de GG, intervindo na qualidade de:
. administradores e em representação de B..., S. A.;
. gerentes e com poderes de representação da sociedade A..., Lda. – 1.ºs. outorgantes -;
. AA (ora Autor) e mulher, MM – 2ºs. outorgantes-;
. A..., Lda. – representada pelos 1ºs. e 2ºs. outorgantes – 3.ª outorgante;
. DD – 4.ª outorgante e ora co-Ré -;
. CC – 5.º outorgante e ora co-Réu -;
. BB – 6.º outorgante e ora co-Réu -;
. NN, em nome de OO – 7.º outorgante -.
Mais se refere que todos celebraram então um contrato de cessão de quotas, aumento de capital e alteração de contrato de sociedade. No que respeita aos presentes autos, releva o contrato de cessão de quotas, que se pode descrever do seguinte modo:
. a sociedade B..., S. A., ali representada por pessoas (1ºs. e 2º.s) que também são os únicos sócios de «A...…», cedem a quota desta sobre si própria (valor de 24.939,90 EUR) à 7.ª outorgante;
. os 2ºs. (Autor incluído) cedem três quotas de «A...…», no valor de 83.333,33 EUR cada aos 4.º, 5.º e 6ºs. outorgantes (Réus);
. as cessões são feitas livres de ónus e encargos, envolvendo ainda a transmissão para os 4.º, 5.º e 6ºs. outorgantes (Réus) dos direitos e obrigações correspondentes às três quotas sociais, a titularidade de eventuais suprimento, abonos, remunerações e todos e quaisquer outros créditos que os 2ºs. (Autor) detenham nesta data sobre a sociedade «A...…», deixando o cedente-Autor de ser sócio da sociedade, ficando desde logo investido no direito de regresso sobre os cessionários (4ºs. a 6ºs.), aqui Réus, caso o Autor seja demandado a pagar alguma quantia em virtude do contrato de cessão de quotas e renúncia à gerência de 04/03/2011 (nosso sublinhado por ser a parte que é essencial para a presente demanda).
Este último contrato (datado de 04/03/2011) está referido no ponto 8, alíneas d) a f) sendo que, no essencial, consiste na aquisição pelo aqui Autor e «B...…» das quotas acima referidas de «A...…».
Prosseguindo, o que significará então a alegação (não provada) de que os Réus não tinham conhecimento do contrato que assinaram? Nas contestações apresentadas nos autos, a menção não é muito clara pois:
. contestação de DD – alega que era apenas uma simples acionista da sociedade B..., S. A. (artigo 9.º);
. BB e CC – desconheciam o contencioso que tinha desembocado no processo n.º 4006/18.5T8AVR – artigos 53.º das respetivas contestações.
Ora, este último desconhecimento já ressalta do facto provado 15: os Réus não tinham conhecimento dos factos descritos no ponto 8 dos factos provados onde, em síntese, se descreve o que ficou provado naquele processo judicial. E o ser uma simples acionista, não significa, por si, que se desconheça o que sucedia na empresa e, muito menos, que se desconheça o que significa e o alcance do contrato que se assinou.
No recurso, liga-se a falta de conhecimento a uma suposta simulação contratual (não alegada nos articulados) e a uma contradição factual entre o ponto A) dos factos provados ao referir-se que quer as testemunhas HH e GG quer o Réu CC afirmaram que os Réus não tinham conhecimento do teor do contrato, assinando de cruz a pedido do Dr. II, mas depois deu-se como não provado no ponto A) que Os Réus não tenham tido conhecimento do teor do contrato referido em 1, havendo assim clara contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Reproduzem-se (na íntegra) ainda depoimentos de onde se julga que se visa retirar que, afinal, os Réus não conheciam o motivo porque celebraram o contrato, julgando ser uma mera formalidade.
O tribunal recorrido afirma que:
. no que se refere ao ponto 15 dos factos provados, tal resulta do facto de os Réus não serem administradores da C... e não terem nela participação ativa, limitando-se a serem acionistas, como resultou do depoimento das testemunhas PP, técnico de contas da C... e QQ, funcionária de escritório da C...;
. No que se refere ao ponto A) dos factos (não) provados quer as testemunhas HH e GG quer o Réu CC afirmaram que os Réus não tinham conhecimento do teor do contrato, assinando “de cruz” a pedido do Dr. II. Também as testemunhas PP e QQ afirmaram, que os Réus não têm participação activa na empresa, limitando-se a serem accionistas. Ora, independentemente da sua participação mais ou menos activa na vida da empresa, não é minimamente credível que os Réus outorgassem um contrato de cessão de quotas, sem se inteirarem do seu conteúdo.
Note-se que, quanto a dois deles, consta do próprio contrato que têm formação académica superior. Quanto ao outro foi ouvido em audiência de julgamento, sendo patente do seu discurso que é alguém esclarecido, não sendo minimamente credível que assinasse de “cruz”. Assim, estavam conscientes que poderiam ser responsabilizados por dívidas decorrentes do contrato de Março de 2011.
Os Réus poderão ter confiado, isso sim, é que os seus parentes e amigos, administradores da C... e da A..., fizessem desta uma gestão proveitosa, e que, mercê dessa gestão, nunca viessem a ser responsabilizados.
Como se afigura manifesto, quando se menciona ponto A) dos factos provados, está em causa um lapso de escrita, querendo referir-se ponto A) dos factos não provados até porque a indicação dos factos provados é feita através de algarismos, além de que esta fundamentação surge na parte referente aos factos não provados.
Assim, não vemos que haja contradição entre referir-se o que foi mencionado por testemunhas e, ainda assim, ter-se entendido que não se apurava o referido desconhecimento do teor do contrato que celebraram, estando justificada essa não prova (e, a haver contradição, seria um erro de julgamento e não uma nulidade de sentença que exige a contradição entre fundamentos e decisão e não contradição entre factos – artigo 615.º, n.º, c), do C. P. C.-).
Quanto à questão da simulação, como já referimos, não tendo sido alegada, será infra apreciada.
No que respeita à prova produzida, nada temos a acrescentar ao referido pelo tribunal recorrido. Na verdade, ouvida toda a produção de prova testemunhal, a convicção que se obtém, naturalmente da nossa parte, é que não se pretendeu explicitar nem o motivo da celebração do negócio em causa, nem da intervenção dos aqui Réus nem como é que, supostamente, estes desconheciam o que estavam a assinar. Repetimos, os Réus não alegam nos autos que assinaram o contrato desconhecendo que o faziam ou desconhecendo o conteúdo do que assinavam; como tal, face à ausência de uma mínima explicação coerente sobre o contexto da celebração deste acordo de dezembro de 2011 (explicação que não ultrapassou a confiança que se tinha em II), não é possível outro resultado que não seja o de julgar não provado tal circunstancialismo.
Improcede assim esta argumentação.
O Autor só tivesse intervenção no negócio para evitar que a C..., adquirisse a totalidade das quotas da empresa A... e assim passasse a estar sujeita ao tratamento fiscal previsto no art.2º/2, d) do CMIT, por deter mais de 75% das participações sociais.
Os recorrentes/Réus pretendem que o facto resulte provado mas sem razão, no essencial pelo que já referimos: se não é dada explicação sobre o motivo da celebração do negócio nem sobre a participação dos Réus, mencionar vagamente que «havia uma questão fiscal» mas que de não se lembra qual seria (CC), ou que não se sabe se era para não pagar aquele imposto (HH), não pode, pelos depoimentos, resultar provada tal factualidade.
Sabemos que tal estará ligada à mencionada, no recurso, simulação mas, face a tudo o que referimos, pela prova testemunhal, não resulta que aquela alínea B) possa ser dada como provada, sendo que, não tendo sido a simulação alegada nos articulados, não vemos como é que as testemunhas iriam responder a questões sobre a mesma (perguntas que, na nossa visão, pelo menos diretamente, não foram efetuadas pelos ilustres mandatários, apenas questionando se o desconhecimento do contrato não adviria de ser apenas uma formalidade para se ter benefícios fiscais).
Pensamos que a simulação se relacionará com a intervenção dos três Réus no contrato ao invés da única participação de «C...…» mas que, como dissemos, não pode ser demonstrada. Mas vejamos ainda:
Quem alega a questão dos interesses fiscais é o Autor, na réplica à reconvenção de que entretanto os Réus desistiram. E, naquele articulado, o mesmo refere que, tendo-se comprometido, em 04/03/2011, a comprar ou indicar quem comprava o capital social de «A...…», o certo é que o fez em março de 2011, comprando três quotas de «A...…», adquirindo «C...…» a quota de valor – 149.639,40 EUR -.
Continua o Autor a referir que o que visava era transmitir as três quotas também para «C...…», o que se fez em março de 2011 e que, por motivos fiscais, quem adquiriu as quotas foram os Réus, ao invés de «C...…». Mas o Autor não alega que essa parte era simulada (pois se o fizesse certamente a petição inicial teria de ter outros contornos); o que alega é que os Réus tiveram efetiva intervenção, figurando no contrato, atentas as relações familiares e próximas com a administração de «C...…».
Ora, o que os Réus, no recurso, pretendem que se demonstre é um passo seguinte àquela alegação do Autor: não só figuraram no contrato por ser do interesse fiscal de «C...…» que assim sucedesse, como figuraram alheados do que sucedia, quer da motivação de «C...…» quer do que constava no contrato.
Todas estas alegações não têm prova nos autos, como já referimos, sendo que, se era essa a intenção dos Réus, desde logo deteriam de o ter alegado no momento próprio: ao contestarem a ação. É certo que a nulidade que advém da simulação é de conhecimento oficioso (citado artigo 286.º, do C. C.), e se, estiverem provados factos de onde resulte que houve uma simulação contratual, o tribunal oficiosamente declarar a nulidade.
Mas para existirem factos, os mesmos têm de ser carreados para os autos e depois serem elencados na factualidade provada, o que não sucedeu no caso: as partes não alegaram que houve simulação contratual pelo que, sendo uma factualidade essencial para se poder declarar a nulidade do contrato, não se deteta como poderia o tribunal recorrido pronunciar-se sobre essa matéria ou como pode, o tribunal de recurso, fazê-lo, no que sempre seria uma questão nova, no caso, sem factos que a sustentassem.
A circunstância de constar nos autos o pagamento do preço da cessão de quotas não pelos Réus mas pela empresa «C...…» (aquela que, nas palavras do Autor, seria a interessada na detenção das quotas – documento junto em 21/01/2022 -), não tem o relevo suficiente para podermos concluir por uma simulação contratual (isto pressupondo que se poderia acrescentar esse facto) pois pode o pagamento ter sido feito pela sociedade precisamente com o acordo dos Réus no sentido de estes serem os efetivos detentores de quotas.
Ou seja, o pagamento ser feito através da empresa devido àquelas questões fiscais não significa inelutavelmente que a detentora daquelas três quotas era C...…»; poderia ser um indício para tal conclusão mas não a prova definitiva de que houve simulação contratual até porque os Réus nunca explicam, nos articulados nem na produção de prova, essa situação.
Improcede assim esta argumentação.
A). Do recurso dos Réus.
O recurso dependia, no essencial, da alteração da matéria de facto no sentido de que os recorrentes desconheciam o que tinham contratado (desconheciam o teor do contrato) e que o mesmo tinha tido a sua intervenção apenas formalmente; essa perspetiva não se provou, pelo que essa possibilidade de procedência do recurso está arredada.
Quanto à questão da simulação e da sua eventual consequência (nulidade, conforme artigos 240.º, n.º 2 e 286.º, do C. C.), é preciso atentar que, por um lado e como já realçamos, não foi alegada a simulação do contrato em causa. E não foi alegada seja em termos expressos seja em termos fácticos de onde se pudesse posteriormente retirar que afinal tinha sido alegada. Os Réus nunca alegam que o contrato não foi por si celebrado ou que intervieram como testas de ferro de outra pessoa (coletiva); apenas alegaram que o contrato era nulo por força da autenticação ser inválida e que inexiste direito de regresso por falta de uma relação creditícia do Autor para com os mesmos Réus.
Prosseguindo, os recorrentes (Réus e também o Autor, no seu recurso subordinado) não suscitam qualquer questão sobre a validade formal do contrato e, pensamos que agem corretamente já que, mesmo sendo nula a autenticação da cessão de quotas atento o impedimento do advogado que procedeu à autenticação, mantém-se a validade do contrato per si, agora sob a forma de documento particular escrito, ou seja, o que resulta invalidado é a autenticação e não o a matéria substantiva sobre que a mesma incidiu[1], tal como entendido pelo tribunal recorrido.
E depois, não tendo resultado provado que:
. os contraentes tenham estipulado prévia e convencionalmente qualquer regra sobre a forma que o contrato deveria adotar na sua celebração;
. as partes só tenham querido celebrar o contrato por aquela específica forma (documento particular autenticado), não a querendo como válida por mero documento particular, não se pode retirar qualquer validade formal à cessão de quotas em análise.
Na verdade, nos termos do artigo 223.º, n.º 1, do C. C., sabemos que podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada; mas, repete-se, essa estipulação não foi efetuada (por exemplo, num contrato promessa de cessão de quotas ou até no próprio contrato, aqui se referindo que o contrato só valeria se celebrado naquela forma).
Como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, parte geral, 4.ª, página 204, a forma convencional implica um pacto prévio pelo qual as partes combinaram emitir as suas declarações por certo modo.
No caso, não existe um pacto prévio à celebração do negócio; o que existe é a própria celebração de um negócio em que as partes aceitaram celebrá-lo daquele modo mas não em cumprimento de uma prévia combinação nesse sentido. Não há convenção de onde se possa presumir (precisamente por se ter convencionado) que o contrato só podia ser celebrado naquela forma especial.
Como o artigo 228.º, n.º 1, do C. S. C., na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03, em vigor desde 30/06/2006[2], ou seja, vigente aquando da data de celebração do contrato, estipula que «A transmissão de quotas entre vivos deve ser reduzida a escrito», não há qualquer vício quanto à forma escrita do contrato.[3]
E não se deteta qualquer vício na obrigação assumida pelos aqui Réus, nomeadamente aquele alegado na contestação: estar em causa uma obrigação indeterminada (que a tornaria nula nos termos do artigo 280.º, n.º 1, parte final, do C. C.[4].
Na verdade, a cláusula prevê expressamente que os Réus têm de pagar ao Autor o valor que este tiver de pagar o que quer que seja, em virtude do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, outorgado em quatro de Março de dois mil e onze.
A obrigação está determinada/particularizada: só aquela que tiver por causa a celebração do referido contrato de cessão de quotas, podendo os Réus defender-se da demanda a exigir tal pagamento negando, por exemplo, que a origem do valor, total ou parcialmente, se centre no referido contrato. Foi a concretização querida pelas partes, ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º, do C. C.) e não se demonstra qualquer tipo de vício na formação da vontade (erro, por exemplo) que possa justificar a sua invalidade[5] (voltaremos a analisar esta questão quando nos pronunciarmos sobre a solidariedade da obrigação dos Réus).
Deste modo, não se vislumbra qualquer procedência na argumentação dos Réus/recorrentes no sentido de afastarem a responsabilização pelo pagamento que se mostra convencionado que seria da sua responsabilidade.
O Autor apenas questiona que os Réus tenham sido condenados a pagar a quantia em questão (155 311,67 EUR) de forma conjunta, ou seja, cada um tendo de pagar 51 770,55 EUR, como decidido ao invés de terem sido condenados a pagar 155 311,67 EUR solidariamente.
O recorrente alega que foi convencionada a solidariedade, pelo menos de forma tácita, sendo que, estando em causa uma cessão de quotas, essa solidariedade até é regra no âmbito das relações comerciais (artigo 100.º, do C. Comercial).
Vejamos.
Nos termos dos artigos 512.º e 513.º, do C. C., temos que:
«1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.
Artigo 513.º
«A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.».
O Autor pediu a condenação dos Réus a pagarem-lhe o que, por seu turno, foi solidariamente (com «C...…») condenado a pagar a EE, no valor de 250 000 EUR. Essa condenação teve por base o que consta das alíneas d) e f), do facto provado 8), a saber:
. em 04/03/2011 celebrou-se contrato de cessão de quotas e renúncia à gerência, através do qual aquele EE, sua mulher JJ, KK e LL venderam a AA (ora Autor) e a «C...…, S.A.”, que compraram, a integralidade das quotas sociais da empresa «A...…»;
. foi convencionado que AA (ora Autor) e «C..., S. A., se obrigavam a diligenciar junto da “Banco 1..., S.A.”, pela exoneração ou liberação dos avales ou fianças, designadamente os prestados na conta corrente caucionada e na garantia bancária constituída a favor do I.A.P.M.EI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação), que qualquer um dos Primeiros Contratantes tenha prestado a favor da Sociedade Comercial por Quotas, denominada “A..., Lda”.
E, como o Autor e «B...…» não conseguiram proceder àquela exoneração/liberação, a entidade bancária (C. G. D.) pediu o pagamento da quantia aos ainda avalistas, EE e filha, LL que assim o fizeram, no referido montante de 250 000 EUR.
Esta é a génese do direito do Autor sobre os Réus: a aquisição de quotas de «A...…» e ter assumido que teria de obter o resultado de extinguir aquele aval e/ou fiança, o que afinal não fez. Tendo depois cedido as suas quotas aos Réus, quis salvaguardar-se de algum tipo de dívida que viesse a assumir em virtude de ter sido detentor de capital social da empresa, o que se veio a concretizar - só por ter adquirido aquelas quotas é que o Autor também terá assumido a obrigação de libertar o antigo detentor do capital social da obrigação decorrente do aval -.
As partes não questionam, nos autos e no recurso, que está preenchido o circunstancialismo que possa desencadear o pedido do Autor e, em rigor, estará: por causa das obrigações assumidas pelo Autor ao adquirir as quotas é que o mesmo aceitou obter a extinção do aval, sendo até lógico concluir que aquela salvaguarda pode ter sido um dos pressupostos da efetiva celebração da cedência de quotas.
De qualquer, modo, esta questão não é suscitada no recurso pelo que, voltando então ao nosso contrato, está em causa uma cláusula convencional que, na nossa visão, não se encaixa numa figura típica de uma obrigação – não é uma fiança pois não se assume a obrigação de garantia de dívida do Autor (artigo 627.º, n.º 1); não é uma assunção de dívida já que o credor é alheio à negociação (artigo 595.º, n.º 1) - nem é uma sub-rogação de direitos (artigos 589.º e seguintes, todos do C. C.) pois o devedor não efetuou qualquer pagamento ao credor -.
Assim, a alegada fonte solidariedade terá de resultar da convenção.
O que então sucede é que o Autor, deixando de ser detentor de capital social, por ter cedido a três pessoas as suas quotas, pretendeu que fossem essas três pessoas a assumir qualquer responsabilidade que adviesse do funcionamento de «A...…», aqui se incluindo a obrigação de pagar o aval por falta de liberação do mesmo.
Ora, se três pessoas adquirem quotas de uma empresa, passando a ser quotistas da sociedade e essas mesmas três pessoas aceitam que têm de pagar ao cedente das quotas o que este tenha pago (naquele condicionalismo), afigura-se-nos que se quis que fossem os três em conjunto que o fizessem e não que cada um ficasse limitado à sua quota parte na responsabilidade.
Os três Réus adquiriram as quotas, cada uma de valor igual, e assumiram pagar aquela dívida como uma obrigação dos três e não como uma obrigação dividida em três frações, cada um decidindo se paga a sua quota parte ou não (obrigação solidária como foi a do Autor em conjunto com «C...…» a pagar a EE, conforme sentença de 14/04/2020, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto em 27/04/2021).
Essa poderá ser a estratégia processual, totalmente legítima, dos Réus (em especial da Ré DD que já consignou em depósito a usa quota parte – apenso B -), mas do contrato e do seu contexto – adquirem quotas no âmbito de uma empresa em que há relações familiares, havendo proximidade entre a noção de empresa «C...…» e os Réus quotistas, aceitando que seja a empresa a pagar a sua dívida - como que estes surgem como um só, como a própria empresa.
Não se nos afigura que, ao estabelecer-se aquela possibilidade, os Réus terão querido apenas responder perante o Autor na sua quota parte de responsabilidade mas antes que, havendo uma dívida que tinha origem na empresa cujas quotas adquiriram, se o Autor o solicitasse a qualquer um deles, responderiam como um só como se fosse solicitado à própria empresa.
Pensamos assim que, do contrato, surgem factos que permitem concluir que se quis instituir uma solidariedade convencional no pagamento da dívida ao Autor, conclusão que se retira de uma convenção de solidariedade tácita, conforme artigo 217.º, n.º 1, parte final, do C. C.: «a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. (veja-se Ac. R. C. de 02/06/2020, processo n.º 1990/19.5T8VIS.C1, www.dgsi.pt, sobre esta possibilidade).
Deste modo, pensamos que a obrigação de pagamento em causa é solidária, alterando-se assim a douta decisão recorrida, apenas nesta parte.
Pelo exposto, decide-se:
1). Julgar totalmente improcedente o recurso dos Réus.
Custas do recurso pelos recorrentes.
2). Julgar procedente o recurso do Autor e, em consequência, alterar a decisão recorrida passando a constar:
«…condenam-se os Réus a pagar, solidariamente, ao Autor, a quantia de 155.311,67 EUR, acrescida de juros legais contados desde a citação.».
Custas deste recurso pelos recorridos.
Registe e notifique.
Porto, 2025/05/08.
João Venade
Isabel Silva
Ana Vieira
______________
[1] Sobre a validade de uma procuração particular autenticada, quando a autenticação é inválida, Ac. S. T. J. de 21/04/2022, processo n.º 1670/13.5TBPTM.E1.S1, www.dgsi.pt: I. Não cumprindo a autenticação duma procuração os requisitos legais constantes da Portaria n.º 657-B/2006, tal inquina a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo apenas como documento particular.
[2] Artigo 64.º
Entrada em vigor
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente decreto-lei entra em vigor no dia 30 de Junho de 2006.
[3] O Decreto-Lei n.º 53/2011, de 13/04, citado na decisão recorrida, manteve incólume a redação do artigo 228.º, do C. S. C..
[4] É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
[5] Veja-se Ac. do S. T. J. de 14/09/2023, processo n.º 3158/14.8TBBRG-A.S1, www.dgsi.pt que, em parte, trata de matéria factual semelhante à dos autos no que se refere a ter sido convencionado uma causa concreta, concluindo inexistir indeterminabilidade - «esta apenas garante as obrigações dos mutuários (devedores principais) decorrentes de cada um dos contratos celebrados em que os Embargantes outorgaram, apondo a sua assinatura, como fiadores, e que constituem os contratos dados à execução. Para além disso, a fiança está circunscrita às obrigações decorrentes daqueles contratos, existindo clara e expressa menção à sua origem e natureza contratual – trata-se daquela relação contratual, e apenas dela.».