REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VISITAS
INCUMPRIMENTO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário

I – Invocando o requerente o incumprimento do que se encontra regulado quanto ao regime de visitas e contactos entre o pai e o menor, alegando que a mãe impede os convívios deste com aquele desde determinado momento temporal, o que há que apurar é apenas se existe incumprimento culposo por parte da progenitora, ou seja se existiu alguma interferência, ou mesmo conduta voluntária, desta, censurável, na falta de convívios do menor com o pai no período em causa.
II – Tal factualidade não necessita de prova pericial para ser demonstrada, podendo sê-lo por outros meios de prova, inclusivamente testemunhal.
III - Ainda que assim não fosse, sempre haveria que ponderar o superior interesse deste, posto que se, por um lado, é importante para o seu desenvolvimento o convívio com ambos os progenitores, por outro lado deve evitar-se expor o mesmo a situações que lhe causem sofrimento psicológico e abalo emocional.
IV – Se o menor rejeita de todo qualquer intervenção técnica, resultando das suas declarações que tal o afecta negativamente ao nível psicológico, o interesse da sua saúde emocional é superior ao interesse do apuramento das razões da não existência de convívios com o pai, demandando o superior interesse do jovem, com 15 anos de idade e cuja vontade deve ser tida em conta, que o mesmo não seja sujeito a avaliação pericial (e que se recorra a outros meios de prova para demonstrar o alegado incumprimento da requerida).

Texto Integral

Processo: 436/13.7T6AVR-J.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA deduziu, no Juízo de Família e Menores de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, relativamente ao seu filho menor BB, nascido em ../../2009, contra a mãe deste, CC, alegando que esta incumpriu o regime de visitas fixado, impedindo os convívios do menor com o pai desde o primeiro fim-de-semana de Abril de 2021, e pedindo que sejam ordenadas as diligências necessárias ao cumprimento coercivo e se condene a requerida a pagar uma multa até 20 U.C.’s e uma indemnização a favor do jovem, do progenitor requerente ou de ambos.
Por despacho de 16/05/2023 determinou-se a notificação da requerida para alegar o que tivesse por conveniente, o que esta fez, por intermédio do requerimento de 26/05/2023, aduzindo que não impediu o requerente de contactar e conviver com o menor.
Realizou-se conferência de pais e procedeu-se à audição do menor, o qual referiu, além do mais, que “não quer visitas supervisionadas com o pai na Segurança Social, nem com a intervenção de psicólogo, nem com sessões individuais, nem com sessões conjuntas”, “não quer qualquer tipo de contactos com o pai”, “que é sua vontade própria não querer estar com o pai”, “que só de pensar em estar com o pai fica muito nervoso”, “que a mãe lhe diz que deve estar com o pai mas o declarante não quer”, que “não quer ter com o pai nem convívios presenciais, nem videochamadas, nem contacto telefónico nem de qualquer forma”, “não quer ter acompanhamento psicológico e também não quer a intervenção de técnicos”.
Não tendo havido acordo dos progenitores, notificaram-se os mesmos para apresentarem alegações e/ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos.
O requerente, além do mais, requereu “que o jovem e os progenitores sejam sujeitos a uma avaliação pericial em psicologia, a ser realizada na Faculdade ..., uma vez que para dar resposta aos quesitos 2. e 7. da Avaliação Pericial ao Jovem, entende-se que, no âmbito da perícia, deverá ser realizada uma sessão de observação de interação com cada um dos progenitores e o jovem, de acordo com as boas práticas e guidelines da Ordem dos Psicólogos Portugueses”, indicando os seguintes quesitos:
I) Avaliação Pericial ao Jovem
1. Avaliação dos traços de personalidade e funcionamento psicológico;
2. Qual a representação e qualidade do vínculo afetivo do jovem com cada um dos progenitores?;
3. Avaliar se o jovem manifesta sentimentos ou conflitos de lealdade e/ou aliança com a progenitora e se existem comportamentos de retaliação da parte da mesma para o jovem rejeitar os convívios com a figura paterna. Se sim, detalhar tais sentimentos e comportamentos;
4. Aferir se existem receios ou medo em desiludir os progenitores. Se sim, determinar quais os comportamentos e as verbalizações do jovem face aos progenitores;
5. Aferir os reais motivos da recusa do jovem estar com o progenitor? E se os mesmos são legítimos para limitar ou inibir os convívios com o progenitor?;
6. Qual o impacto do conflito parental no jovem?;
7. Aferir a dinâmica relacional entre o jovem e cada um dos progenitores;
8. Aferir as práticas educativas dos progenitores (perspetiva do jovem) e a sua adequação para o seu desenvolvimento integral;
10. Se existem memórias passadas traumáticas ou fantasiosas acerca do progenitor, dependentes de sugestionamento da parte de terceiro e/ou da parte da progenitora? Se sim, quais?
9. De acordo com os resultados aferidos, deve ou não ser tentado o restabelecimento do vínculo afetivo do jovem com o progenitor? Qual a modalidade de convívios mais adequada? E se o jovem deve beneficiar de algum tipo de intervenção psicológica individual e/ou familiar, no âmbito da terapia familiar sistémica?
II). Avaliação Pericial aos Progenitores
A) Avaliação de Personalidade
1. Avaliação dos traços de personalidade e funcionamento psicológico dos progenitores, aferindo-se se existe perturbação da personalidade ou psicopatologia e/ou instabilidade emocional;
2. Aferir se os progenitores apresentam traços de personalidade que apontem para a manipulação, dissimulação ou simulação de forma a controlar a realidade em benefício próprio;
3. Avaliar se os progenitores possuem mecanismos defensivos que lhes permitam gerir de forma adequada a agressividade e a tolerância à frustração, e/ou se é evidente um padrão de impulsividade ao nível das atitudes e comportamentos, bem como, qual é a sua postura face à autoridade parental;
4. Avaliar se os progenitores evidenciam capacidade de insight e de motivação para a mudança comportamental ou se apresentam rigidez estrutural que impacta no potencial para alterar comportamentos/atitudes;
B) Avaliação das competências parentais:
1. Descrição da forma em que o funcionamento psicológico dos progenitores, se reflete no exercício das responsabilidades parentais e qual o seu eventual impacto no desenvolvimento do jovem;
2. Avaliar se os progenitores possuem um modelo educativo adequado para dar resposta às necessidades do jovem, se legitimam ou não práticas punitivas ou demasiado permissivas, bem como, avaliar a perceção dos progenitores relativamente às suas estratégias educativas;
3. Avaliação da capacidade dos progenitores em promover o processo de autonomização do jovem e de respeitar a sua individualidade e intimidade em função do seu grupo etário;
4. Qual a capacidade dos progenitores em assegurarem uma relação de proximidade física e afetiva do jovem com o outro progenitor?
5. Em que medida os progenitores evidenciam competências adequadas de comunicação que lhes permitam negociar e gerir divergências tendo em conta o interesse do jovem?
6. Se os progenitores devem de beneficiar de acompanhamento psicológico/psiquiátrico, e/ou, terapia familiar regular.”
A requerida pronunciou-se pelo indeferimento de tal prova pericial (requerimento de 10/01/2024).
O Ministério Público, na promoção de 14/01/2024, considerou que “a meu ver, das declarações do menor resulta bem claro que não há culpa da progenitora na falta de visitas do menor ao progenitor. Atenta a idade do menor, não vislumbro a utilidade de realização de perícias ao pai ou á mãe ou ao menor e muito menos vislumbro a possibilidade de se decretar nos autos a visita forçada como pede o progenitor”.
Em 09/02/2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Alegações da progenitora e do progenitor de 14.12.2023 (folhas 29-31 e 32-37):
Uma vez que se ordenou o cumprimento do disposto no artigo 39º, n.º4 do RGPTC, encontrando-se juntas as alegações importa ordenar o prosseguimento dos autos, nos termos do preceituado no artigo 39º, n.º 5 do RGPTC, aplicável “ ex vi” do artigo 41º, n.º 7 do mesmo diploma legal.
Na audiência, após a mediação, ouvir-se-ão os progenitores presentes em declarações (cfr. artigo 29º, n.º1, al. a) do RGPTC).
Mais admito a prova testemunhal apresentada nos autos, mais concretamente a folhas 31 verso (alegações da requerida /progenitora) e 35 verso (alegações do requerente/progenitor). As testemunhas ali indicadas são a apresentar nos termos do artigo 39º, n.º8 do RGPTC.
Nas suas alegações, o progenitor requer a realização de prova pericial ao jovem e aos progenitores.
O Ministério Público e a progenitora pugnaram pelo seu indeferimento.
Vejamos.
Se recuarmos nos autos, verificamos que o jovem foi ouvido recentemente e, por essa ocasião, referiu que não aceita o acompanhamento psicológico, nem a intervenção de técnicos. Na medida do exposto, atenta a idade do jovem e não havendo aceitação, nem colaboração dele, não será útil e conveniente a realização de tais perícias. Entendemos, que não pretendendo o Jovem ser intervencionado, submetê-lo a perícias poderá surtir o efeito contrário, ou seja, criar um maior afastamento entre pai e filho.
Nestes termos, por não se mostrar útil e conveniente, indefiro realização das perícias
Notifique.».
Desta decisão veio o requerente interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1ª
Nos presentes autos de apenso H, em sede de Alegações efectuadas nos termos do artigo 39º, n.º 4 do RGPTC, requereu o ora Recorrente que o seu filho BB e ambos os progenitores fossem submetidos a uma avaliação pericial em psicologia, a ser realizada na Faculdade ..., indicando, para o efeito, os respectivos quesitos (vide alegações ref. 15462015 de 15/02/2024) quer para o menor, quer para os progenitores.

O despacho ora recorrido, que decidiu indeferir a realização das perícias requeridas pelo Recorrente, vem fundamentado da seguinte forma: (…)

Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não usou de fundamentos suficientes para indeferir a realização das requeridas perícias;

Ocorre, pois, a nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação, vício resultante das disposições conjugadas dos artigos 154º, n.º 1, 607° nº 2 a 4 (por analogia) e 615° n.º1, als b) e 4 (por analogia) todos do CPC;

A, aliás, fundamentação apresentada pelo tribunal a quo para indeferir a realização das perícias é, com o devido respeito, parca e deficitária, porquanto em relação à avaliação pericial ao jovem BB, o tribunal apresenta, sintetizadamente, duas “razões” para o indeferimento: a idade do jovem e o facto de o mesmo não se querer submeter à realização de tais perícias.

Já em relação à avaliação pericial aos progenitores, o tribunal recorrido optou por não fundamentar, de todo, o indeferimento das perícias, havendo por isso uma gritante inexistência de fundamentação.

Para além da falta de fundamentação do despacho recorrido, ora alegada e da qual não se prescinde,

O indeferimento da realização das perícias requeridas pelo aqui recorrente coloca, indubitavelmente, em causa o superior interesse do menor BB.

Desde há 3 anos, o menor recusa-se a passar tempo com o aqui recorrente, com a agravante de não atender o telefone, nem tampouco responder às suas SMS.
10ª
O menor BB foi ouvido pelo tribunal recorrido, em 29 de Novembro de 2023, e no âmbito de tal audição afirmou, nomeadamente, que não queria qualquer tipo de contacto com o pai e, bem como também não queria ter com o pai nem convívios presenciais, nem videochamadas, nem contacto telefónico, nem de qualquer forma de contacto (Ref.ª Citius n.º 130365251);
11ª
Tanto o Ministério Público como o Tribunal deveriam querer apurar os motivos de tal recusa, até porque o BB também disse: “Que se o pai fosse diferente talvez quisesse estar com ele mas não sabe” (sic)- sublinhado nosso
12ª
Nos casos de ruptura da unidade familiar, devida a separação dos pais, e salvo melhor entendimento, sempre se deverá procurar manter uma relação de proximidade com o progenitor a quem o menor não seja confiado, a não ser que circunstâncias excepcionais o desaconselhem.
13ª
Se o menor BB se recusa a estar com o aqui Recorrente, é fundamental apurar as razões desse comportamento de rejeição da figura paterna, daí o pedido da perícia!
14ª
“O fenómeno de recusa das crianças à relação com um dos pais é sempre multifactorial, não resultando de uma só causa”, sendo que, no presente caso, devido à ausência de um motivo sério, ponderoso e identificado, a recusa de estar com o pai, irá, muito provavelmente, comprometer um desenvolvimento sadio do menor, situação que preocupa, naturalmente, o Recorrente.
15ª
Entende o recorrente que deverá ser produzida a competente prova pericial, conforme oportunamente requerida ao tribunal a quo, tendo em vista determinar os motivos da recusa do menor em estar com o recorrido, o estado emocional e comportamental do menor e, por essa via, apurar a realidade dos factos e a real vontade do jovem.
16ª
Como vem sendo amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, os vínculos afectivos são do maior relevo para o equilibrado desenvolvimento da criança e a figura do pai, nesse desenvolvimento, é tão importante como a figura materna, a menos que existam factos objectivos que indiciem que o convívio com o pai é desfavorável para o interesse da criança (neste sentido, o acórdão da RP de 15/12/2020, proc. nº. 2148/15.8T8GDM-D.P2, disponível em www.dgsi.pt).
17ª
A perícia, com enquadramento legal plasmado na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do RGPTC, traduz-se num juízo técnico emitido por alguém que aprecia e apreende factos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe ou que são relativos a pessoas, pode fornecer informação bastante que possa contribuir para a tomada da decisão que se quer esclarecida e assertiva, o que in casu é particularmente reclamado pelo “superior interesse do menor”.
18ª
O exercício das responsabilidades parentais não pode ficar prejudicado pela dissociação familiar, relacionando-se a realização do interesse da criança com a observância de dois princípios fundamentais: (i) o desenvolvimento harmónico da criança depende necessariamente de ambos os progenitores, não podendo nenhum deles substituir a função que ao outro cabe; (ii) as relações paterno-filiais situam-se a um nível diferenciado do das relações conjugais ou maritais.
19ª
O exercício das responsabilidades parentais faz-se de acordo com o disposto no art.º 1906º do Código Civil e tendo em conta o superior interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de proximidade com os dois progenitores.
20ª
Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa, no artº. 36º, n.º 6, dispõe que "os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumprem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial".
21ª
De acordo, ainda, com os Princípios de Direito da Família Europeia relativos a Responsabilidades Parentais, o exercício destas não pode ficar prejudicado pela dissociação familiar, relacionando-se a realização do interesse da criança com a observância de dois princípios fundamentais: a) o desenvolvimento harmónico da criança depende necessariamente de ambos os progenitores, não podendo nenhum deles substituir a função que ao outro cabe; b) as relações paterno-filiais situam-se a um nível diferenciado do das relações conjugais ou maritais.
22ª
No âmbito do direito de visitas, o progenitor não guardião tem o direito de se relacionar e conviver com a criança como um meio de manifestar a sua afectividade por esta, de ambos se conhecerem reciprocamente e partilharem os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias e valores mais íntimos (cfr. Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, 5ª ed., pág. 108 e 109).
23ª
Estabelece o artº. 9º, nº. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança a existência do direito do menor em manter relações pessoais e contactos directos regulares com os pais, salvo se tal se mostrar contrário aos seus superiores interesses.
24ª
Após a audição do BB, que tem 14 anos, e a sua afirmação de recusa em estar com o Pai, impõe-se averiguar dos motivos de recusa para se aceitar essa recusa como justificada, sem mais.
25ª
De facto, e como já referido acima, a perícia requerida revela-se necessária à prossecução do interesse do menor e, consequentemente, não a deferindo a Meritíssima Juiz de Direito não acatou e, por isso, violou, o comando expresso no artigo 39.º, n.º 5 e 21.º, n.º 1, alínea d) do RGPTC, bem como o expresso no artigo 1906.º, n.º 8, primeiro segmento do Código Civil: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor”, que consagra o princípio do «superior interesse do menor» que informa e orienta todo o regime tutelar cível.
26ª
O superior interesse do menor BB não só não está salvaguardado, como, salvo o devido respeito, é violado com a decisão de que ora se recorre, motivos pelos quais deverá a mesma ser revogada, ordenando-se a realização da perícia requerida pelo progenitor e ora Recorrente ao jovem BB e aos progenitores.
27ª
Foram, desse modo, violadas pela decisão recorrida, entre outras, as disposições legais substantivas previstas nos artigos 21º, n.º 1, alínea d) e 39.º, nº 5, ambos da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro e o artigo 1906°, n.º 8 do Código Civil e as disposições legais adjectivas previstas nos artigos 154º, n.º 1, 607° nº 2 a 4, e 615° n.º1, als b) e 4 todos do CPC;
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que defira a prova pericial requerida, com o que farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!».
A requerida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido, por despacho de 12/04/2024, e os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação do Porto, sem que tivesse sido proferido o despacho previsto no art. 617º, nº 1, do C.P.C..
Por despacho da relatora de 01/10/2024, e pelos fundamentos aí aduzidos, determinou-se, ao abrigo do disposto no art. 617º, nº 5, 1ª parte, do C.P.C., a baixa do processo para que fosse proferido o despacho previsto no nº 1 da mesma norma.
Nessa sequência, foi então proferido o despacho de 08/10/2024, no qual se decidiu que não se verifica a nulidade invocada pelo recorrente.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar:
a) apreciar da nulidade da decisão recorrida;
b) averiguar da pertinência ou não da realização da prova pericial requerida pelo recorrente.
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Vejamos a primeira questão.
Invoca o recorrente a nulidade da decisão proferida em primeira instância por fundamentação deficiente quanto ao indeferimento da perícia respeitante ao menor e por falta total de fundamentação quanto ao indeferimento da perícia respeitante aos progenitores, nos termos dos arts.154º e 615º, nº 1, al. b), e nº 4, do C.P.C..
Para que se verifique a situação prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., tem de tratar-se de uma falta absoluta, “embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”, não bastando que “a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, pág. 687).
No caso concreto, o despacho recorrido contém efectivamente os fundamentos (justificação da decisão – ainda que de forma sucinta) que motivaram a sua decisão de indeferir a realização das perícias solicitadas – pode-se concordar ou não com os mesmos, pode-se entender que só são válidos para a perícia requerida ao menor e não para a requerida aos progenitores, mas eles constam da decisão.
Aliás, vistos os argumentos invocados pelo recorrente percebe-se que o que está em causa é a sua discordância quanto ao teor da decisão, que compreendeu. Simplesmente discorda da posição que o tribunal assumiu.
Ora, pode-se entender que existiu erro de julgamento ou que a decisão não é correcta e é injusta, mas isso não significa que exista falta de fundamentação.
Note-se que a enumeração constante das alíneas da norma em causa é taxativa, não se incluindo entre as nulidades da sentença “o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (ob. e auts. cits., pág. 686).
É de concluir, pois, que não ocorre a nulidade invocada pelo recorrente.
Não merece, portanto, provimento o recurso nesta parte.
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Apreciemos a segunda questão, sendo a factualidade relevante a que consta do relatório antecedente, resultante da análise do processo de incumprimento das responsabilidades parentais (Apenso H).
De acordo com o disposto no art. 41º do R.G.P.T.C., em caso de incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido quanto ao exercício das responsabilidades parentais, por parte de um dos pais ou de terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada, podem ser requeridas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos (nº 1), havendo que proceder, em caso de não haver acordo dos pais em conferência, nos termos do art. 38º e segs. (nº 7), respeitantes ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Atento o disposto no art. 39º, nº 5, do R.G.P.T.C., findo o prazo das alegações, o juiz, sempre que o entenda necessário, ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º, onde se inclui a solicitação de informações a entidades externas, cuja finalidade, além do mais, pode ser a de realizar exames, conforme previsto no art. 22º do mesmo diploma legal.
Considerando o disposto no art. 33º, nº 1, do R.G.P.T.C., que remete, nos casos omissos, para as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores (onde não há enunciação de temas de prova), é de concluir que, neste caso, de acordo com o que consta do art. 410º do C.P.C., a instrução tem por objecto (…) os factos necessitados de prova.
Resultando ainda do disposto no art. 411º do C.P.C. que as provas a produzir devem ser aquelas que sejam “necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.
Portanto, apenas devem ser produzidas as provas que sejam essenciais para a descoberta da verdade e a justa composição do concreto litígio apresentado ao tribunal, cujo objecto serão os factos ainda carecidos de prova que integrem a causa de pedir da acção (cfr. arts. 3º e 5º do Código de Processo Civil).
No caso, o recorrente pretende que seja realizada uma “avaliação pericial” ao filho menor e aos progenitores, com o objecto decorrente dos quesitos que apresentou e já transcritos no relatório supra.
Ora, tendo em conta o objecto do presente processo, que, como decorre do que já se disse, consiste em apurar se houve incumprimento do que se encontra regulado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, no caso por parte da mãe e quanto ao regime de visitas e contactos entre o pai e o menor no período em questão, afigura-se que os quesitos indicados pelo recorrente não permitem demonstrar esta factualidade e apenas poderiam eventualmente fazer sentido numa acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Com efeito, como se diz no Ac. da R.G. de 08/10/2015, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 508/05.1TMBRG-A.G1, “coisa diferente da vontade manifestada pela menor para não querer ir com o pai é o motivo ou causa dessa recusa, na qual uma eventual situação de “alienação parental” “relevará ao nível duma possível alteração da regulação do poder paternal (…), e não do seu incumprimento”.
Por outro lado, há que ter em conta que “o incumprimento deve ser censurável, ou seja, podendo ser cumprido, acaba por o/a progenitor/a adotar uma atitude que, sem motivação plausível, quebra o decidido pelo tribunal e/ou pelas partes”. Há, pois, que apurar se existe “qualquer tipo de interferência da progenitora no sentido de, sem motivo, influenciar” o filho “no sentido de não contactar com o pai” (posto que uma eventual “resistência do filho em aceitar a visita ao progenitor”, “sustentada numa sua fragilidade psicológica que impede que essa visita se realize de modo sereno e afetuoso como se deseja, sendo até a mera antecipação da sua realização uma violentação do bem-estar” do menor, não permitirá “concluir por qualquer tipo de censura à, no caso, progenitora que aceita essa recusa” e não conduz o filho à visita com o progenitor (cfr. Ac. da R.P. de 20/02/2025, com o nº de proc. 352/14.5T8PRT-F.P1, no qual a ora relatora interveio como adjunta, publicado no mesmo sítio da internet).
Assim, tendo em conta o que está em causa na acção e o que acabou de se analisar, conclui-se que a matéria que se pretende avaliar com a perícia não respeita a factos que sejam necessitados de prova para a boa decisão da causa.
E de todo o modo, saber se existiu alguma interferência, ou mesmo conduta voluntária, da requerida na falta de convívios do menor com o pai no período em causa é factualidade que não necessita de prova pericial para ser demonstrada (cfr. art. 388º do C.C.: a prova pericial ocorre quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem), podendo sê-lo por outros meios de prova, inclusivamente testemunhal.
Verifica-se, pois, perante o exposto, que a prova pericial requerida pelo recorrente não tem pertinência para a apreciação da questão a decidir nos autos, sendo inútil o resultado que da mesma se pudesse obter para a decisão do litígio.
Ainda que assim não fosse, nomeadamente quanto à avaliação pericial requerida ao menor, sempre haveria que ponderar o superior interesse deste, posto que se, por um lado, é importante para o seu desenvolvimento o convívio com ambos os progenitores, por outro lado deve evitar-se expor o mesmo a situações que lhe causem sofrimento psicológico e abalo emocional.
No caso, tendo em conta que o menor rejeita de todo qualquer intervenção técnica, resultando das suas declarações que tal o afecta negativamente ao nível psicológico, afigura-se que, no caso concreto, o interesse da saúde emocional do mesmo é neste momento superior ao interesse do apuramento das razões da não existência de convívios com o pai, demandando o superior interesse do jovem, neste momento com 15 anos de idade e cuja vontade deve ser tida em conta, que o mesmo não seja sujeito a avaliação pericial (e que se recorra a outros meios de prova para demonstrar o alegado incumprimento da requerida).
Não merece, pois, censura a decisão recorrida que indeferiu a realização daquela prova.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pelo requerente e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 8/5/2025
Isabel Ferreira
António Carneiro da Silva
Ana Vieira