EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO
INADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
Sumário

I - É viável em sede de embargos de executado deduzir como defesa a compensação do crédito exequendo com um contracrédito, mesmo que este não se encontre documentado em título com força executiva.
II - A inadmissibilidade da reconvenção no quadro dos embargos de executado não inviabiliza a invocação da compensação vista a sua natureza extintiva da obrigação e vocação de extinção total ou parcial da execução.

Texto Integral

Proc. 8964/24.2T8PRT-A.P1


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa e entrega de locado[1] que AA e BB lhes moveram, vieram CC e DD opor-se à execução por meio de embargos de executado.

Para tanto alegam:

- a ineptidão da instância executiva por falta de pedido;

- a errada conformação do valor da execução, entendendo adequado o valor de €60.000,00;

- a nulidade da cláusula penal (subsidiariamente a sua redução) acordada para o caso de atraso na entrega da coisa que, objecto de decisão judicial, foi homologada;

- a existência de contracrédito por obras realizadas na coisa após a homologação do acordo dado à execução que pretendem compensado, fundamento este, benfeitorias, também para se operem a entrega da coisa nos termos do art.860.º, n.º1, do CPC.

Os exequentes deduziram contestação, pugnando pela sua improcedência e pelo prosseguimento da execução.


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Foi dispensada a audiência prévia e proferida sentença conhecendo do mérito da causa, decidindo-se a final:

«Pelo exposto, julgo os embargos parcialmente procedentes e, em consequência:
- fixo o valor da execução em € 11.550(onze mil quinhentos e cinquenta euros);
- julgo improcedente o demais alegado em sede de embargos.»


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Do assim decidido interpuseram os embargantes recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

A. Não andou bem o tribunal recorrido ao entender que a cláusula penal estipulada na transação foi homologada por sentença transitada em julgada e por isso estar impedido de conhecer da sua nulidade

B. Acontece que a sentença que homologou tal transação não tomou posição (não conheceu) concretamente da dita questão.

C. Não se verifica in casu a excepção de caso julgado. Mostra-se assim violado o art. 577º al. i) do CPC

D. É legalmente possível, nos presentes autos conhecer da questão suscitada – se o valor da cláusula penal é ou não desproporcionado

E. Pelas razões que constam nos arts. 10º a 15º da petição inicial, que aqui reproduzem, linha por linha, palavra por palavra, o valor da cláusula penal é desproporcionado

F. A cláusula é nula atento o disposto no art. 280º do Código Civil, sendo que caso assim se não entenda ser reduzida atentos os critérios de equidade

G. A sentença recorrida violou o art. 729º al. h) do CPC ao não permitir aos recorrentes fazer prova de um contracrédito de Euros 5.000,00 sobre os exequentes / embargados com vista a obterem a compensação de créditos

H De notar que o invocado crédito dos executados / embargantes / recorrentes emerge e benfeitorias levadas a cabo depois da transação celebrada.

I Impõe a revogação da decisão recorrida por outra que permita aos recorrentes, na fase própria, fazerem prova dos factos que alegaram nos arts. 16º a 28º da sua petição inicial, que são juridicamente relevantes atento o art. 729º al. h) do CPC

J O Tribunal recorrido com a sua decisão, ora em crise, impediu os recorrentes de poderem lançar mão do art. 860º do CPC. O que não se aceita.

L. O tribunal a quo não apreciou a questão suscitada pelos embargantes / recorrentes nos arts. 29º a 38º da sua p.i. de embargos

M. Foi invocado que os exequentes / embargados / recorridos ao requererem a execução abusam do seu direito (atento o disposto no art. 334º do Código Civil)

N. A omissão do tribunal traduz-se numa nulidade (omissão de pronuncia devida) que se invoca (art. 615º nº 1 al. d) do CPC.

Pedem:

Nestes termos e nos melhores de direito o presente recurso merece provimento devendo em consequência revogar-se a decisão recorrida por outra que nomeadamente:

- aprecie a nulidade da cláusula penal constante na transação (o valor é desproporcionado) - art. 280º do Código Civil – arts. 10º a 15º da p.i.

- permita aos embargantes/executados fazerem prova do contracrédito que invocam ser titulares sobre os embargados / exequentes – art. 729º al. h) do CPC – e que depois possam lançar mão do art. 860º do Código Civil (arts. 16º a 28º da p.i.)

- que aprecie a questão suscitada pelos embargantes / recorrentes nos arts. 29º a 38ºda sua p.i. de embargos, seja que osexequentes / embargados/ recorridos ao requererem a execução abusam do seu direito (atento o disposto no art. 334º do Código Civil) – arts. 29º a 38º da p.i.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:


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Dos Factos

Com relevância para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:

1.Os exequentes deram à execução como titulo executivo a seguinte transação e sentença homologatória, proferia no âmbito do proc. Nº …., do Juizo Local Civel de Matosinhos- Juiz 4:

Nos presentes autos de ação declarativa comum, que AA E BB moveram contra CC E DD, lograram as partes transigir nos precisos termos constantes do documento particular que juntam e se dá por integralmente reproduzido.

Atenta a qualidade das intervenientes, devidamente representadas em juízo por mandatário com poderes especiais, e devidamente subscrita a transação pelos RR., encontrando-se o objeto do litígio na disponibilidade das partes, julga-se válida a transação alcançada, pelo que se homologa por sentença, e, consequentemente, condena-se as partes no cumprimento das obrigações que assumiram, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1, a contrario, e 290.º, n.º 1 do CPC.

Em conformidade, declara-se extinta a instância, nos termos do art. 277.º, al. d), do mesmo diploma.

2. No requerimento executivo os exequentes na parte designada à alegação dos factos fizeram constar: “Os factos constam do titulo executivo, porquanto as partes celebraram Transação homologada por sentença”.

3. Liquidaram a quantia exequenda nos seguintes termos: “O Executado, para além da entrega do locado, nos termos da cláusula penal, tem já nesta data uma divida no valor de €1050,00 (três rendas mensais a título de cláusula penal) pela não entrega do locado”.


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III.

É consabido que resulta dos arts.635º, n.ºs 3 a 5 e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[2], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar as seguintes questões, e tão só estas face ao que se projecta decidir:

- Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;

- Da nulidade processual decorrente da não produção da prova oferecida pelos recorrentes.


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Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

Pugnam os recorrentes pela nulidade da decisão recorrida (omissão de pronuncia devida - art. 615º nº 1 al. d) do CPC) por não se ter apreciado o abuso de direito invocado (conclusões L a N).

Decorre da decisão posta em crise que, fazendo improceder os embargos sem precedência de produção de prova, de facto não conheceram do invocado abuso de direito alegado sob os artigos 29.º a 38º dos embargos de executado.

A decisão discorre sobre o valor da acção e ineptidão da p.i. (art.º 6-9 dos embargos), trata da questão da nulidade ou redução equitativa da cláusula penal inserta na transacção dada à execução (art.º10-15 dos embargos), discorre-se sobre a viabilidade de se operar em sede de execução a compensação (art.º16-28), pronuncia-se sobre as benfeitorias (art.º39 e 40 dos embargos), mas nada se diz a propósito do suprarreferido abuso de direito.

É, pois, a decisão em crise omissa quanto a esta questão que, tendo-se feito improceder todas as outras questões, teria necessariamente de ser abordada.

Por via disso defendem os recorrentes que a decisão é nula ao art.º615.º, n.º1, al.d), do CPC.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

«A falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na primeira parte da referida al. d) e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º).

Trata-se, pois, de uma omissão de julgamento de forma ou de mérito, a qual não se confunde com uma decisão efetiva de não conhecimento da questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais»[3]

As questões a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e excepções.

No caso em apreciação já nos referimos que não ocorreu pronúncia quanto à suscitada questão do abuso de direito, sendo certo que o conhecimento da questão não ficou prejudicada pela solução dada às questões anteriormente tratadas e por não terem merecido provimento[4].

Não fosse assim não ocorreria a invocada nulidade.

De facto, «[n]ão há omissão de pronúncia para as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por força da conjugação do artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, com o artigo 608.º, n.º 2.»[5],

Estaríamos pois em condições de declarar a nulidade em questão e, vista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no art.º 665.º do CPC, teria este tribunal de conhecer do abuso de direito.

Ocorre no entanto que se nos depara uma outra questão, também suscitada, que compromete este desiderato, qual seja, a segunda questão atrás elencada e que determinará a revogação da decisão com consequente baixa dos autos à primeira instância para que, produzindo-se prova, decida em conformidade.

Vejamos então a segunda questão.


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Da nulidade processual decorrente da não produção da prova oferecida pelos recorrentes.

Diferentemente da nulidade atrás referida a suficiência dos elementos para proferir decisão antecipada de mérito não constitui propriamente uma questão a decidir, tal como previsto no artigo 608º do Código de Processo Civil.

Como se refere no Ac. do TRP de 13 de Julho de 2022[6], «[a]s questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.

Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil).

Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.

Como é bom se ver, a suficiência dos elementos para proferir decisão antecipada de mérito não constitui propriamente uma questão a decidir, tal como previsto no artigo 608º do Código de Processo Civil, mas antes uma exigência legal de ordem adjetiva para que possa ser proferida decisão antecipada de mérito, exigência que terá que ser apreciada pelo julgador tendo em conta as diversas soluções plausíveis das questões decidendas.

Tal juízo imprescindível ao conhecimento antecipado do mérito da causa visa a economia no uso dos meios processuais e, deste modo, uma utilização mais eficiente dos mesmos. De facto, se à luz da referida visão plural sobre as respostas às questões a resolver, a produção de prova pessoal nada trará de útil para conhecimento das questões que se ainda acham em aberto, uma utilização racional desses meios impõe que se decida de imediato sem a prática de quaisquer atos inúteis (veja-se o artigo 130º do Código de Processo Civil).

Assim, conclui-se que um julgamento antecipado do mérito da causa sem que se achem reunidas as condições legais para tanto não conduz a uma decisão nula por excesso ou omissão de pronúncia, mas determina sim a ilegalidade da decisão por violação do critério legal constante da alínea b) do nº 1 do artigo 595º, do Código de Processo Civil

Ora é esta ilegalidade que é invocada pelos recorrentes no que concentra nas conclusões G. a J:

G. A sentença recorrida violou o art. 729º al. h) do CPC ao não permitir aos recorrentes fazer prova de um contracrédito de Euros 5.000,00 sobre os exequentes / embargados com vista a obterem a compensação de créditos

H De notar que o invocado crédito dos executados / embargantes / recorrentes emerge e benfeitorias levadas a cabo depois da transação celebrada.

I Impõe a revogação da decisão recorrida por outra que permita aos recorrentes, na fase própria, fazerem prova dos factos que alegaram nos arts. 16º a 28º da sua petição inicial, que são juridicamente relevantes atento o art. 729º al. h) do CPC

J O Tribunal recorrido com a sua decisão, ora em crise, impediu os recorrentes de poderem lançar mão do art. 860º do CPC. O que não se aceita.

Aferir se foi ou não cometida a citada ilegalidade passa pela efectiva análise se o tribunal a quo estaria em condições de conhecer de mérito na fase em que o fez, ou seja, sem produção de prova sobre factos alegados e reportáveis ao contracrédito invocado pelos executados (com relevo para condicionar a execução na sua vertente de pagamento de quantia certa) e benfeitorias (com relevo para a execução na sua vertente de entrega de coisa certa)[7].

E para isso impõe-se analisar essencialmente o conjunto de argumentos que o tribunal a quo trabalhou com vista a concluir que não é possível aos executados operar a compensação no âmbito dos embargos de executado (por não ser possível a dedução de reconvenção e por o contracrédito não se encontrar demonstrado em título executivo)[8]/[9].

Aderindo-se à posição que aceita a compensação a operar em sede judicial por via de reconvenção na parte que excede o crédito exequendo (até aí funcionando como excepção peremptória[10]), argumentando-se com a inadmissibilidade da reconvenção em sede de embargos de executado[11], outrossim invocando-se que as benfeitorias alegadas pelos recorrentes nos embargos (cujo valor corresponderá ao citado contracrédito que se pretendia compensar) não estão reconhecidas por sentença[12], fez o tribunal a quo improceder os embargos sem conceder a possibilidade dos embargantes de provarem aquilo a que se propuseram (contracrédito / benfeitorias).

Quanto à inadmissibilidade da defesa por compensação judicial de créditos em embargos de executada, sem que o contracrédito alegado esteja documentado em título dotado de força executiva, igualmente da admissibilidade da reconvenção[13] em sede executiva, passamos a transcrever o Ac. do STJ de 10.11.22[14]:

«(..) o Código de Processo Civil de 2013 resolveu legislativamente esta questão (o que não significa que não se continuem a ouvir vozes que não relevam a alteração legislativa ocorrida, quer na doutrina, quer na jurisprudência) ao introduzir expressamente entre as defesas que é possível deduzir a uma execução de sentença “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” (alínea h) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil), sem que tenha condicionado o contracrédito a compensar à sua documentação em título com força executiva, sendo essa defesa, sem quaisquer condicionantes, por identidade de razão, também possível quando a execução é baseada noutro título (artigo 731.º do Código de Processo Civil).

A necessidade de uma referência expressa à possibilidade de invocar em embargos de executado este meio de defesa extintivo do crédito exequendo deveu-se, à nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação na ação declarativa, no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Como explicam Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, é que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos, a caraterização adjetiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo.

E esta nova norma, aditada já na parte terminal do processo legislativo que levou à aprovação de um novo Código, não só teve a virtude de esclarecer que a compensação não deixava de poder ser invocada nos embargos de executado como meio de defesa da pretensão executiva, como, ao fazê-lo, sem quaisquer restrições ou condicionantes, tomou posição na anterior problemática suscitada sobre a necessidade do contracrédito se encontrar suportado por título com força executiva.

Na verdade, não só a exigibilidade judicial do contracrédito, referida no artigo 847.º, n.º 1, a), do Código Civil, não se confunde com o seu reconhecimento judicial, como a sua invocação como meio de defesa apenas tem como finalidade fazer vingar um facto extintivo do crédito exequendo e não executar esse contracrédito, pelo que não valem aqui argumentos de igualdade de armas das partes. E razões de celeridade não se podem sobrepor à admissão de direitos de defesa.

Esta opção encontra-se agora bem expressa na lei, não tendo justificação, no domínio do direito constituído, prolongar a polémica que ocorria no âmbito do Código de Processo Civil de 1961.»

Refere Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa que «(…) se o executado for titular de um crédito sobre o exequente, será admitido a invoca-lo em embargos, com o intuito de, reconhecido tal crédito, obter a compensação determinante da extinção total ou parcial da execução. Mas o sentido da al. h)[15], que foi introduzido pelo CPC de 2014, é inseparável do regime que ficou consagrado no art.266.º, n.º2, al.c), onde foi estabelecida uma solução segundo a qual a invocação de um contracrédito em processo declarativo pendente, independentemente do seu valor, deve ser feita por via reconvencional. Perante esta solução, não é possível manter o entendimento, que já vigorou no passado, de que o crédito do executado poderia ser invocado em sede de embargos, a título de exceção perentória e como facto extintivo, ao abrigo da al.g) e sujeita aos respetivos requisitos.

Deste modo, o quadro é o seguinte:

(….)

c) Porém, se o crédito apenas se constituir ou puder ser invocado depois do oferecimento da contestação na precedente ação declarativa, poderá constituir fundamento de embargos ao abrigo da al.h) (STJ 28-10-21, 472/20), nos mesmos termos em que poderia ser invocado em ação própria, sem sujeição a quaisquer requisitos diferentes dos aplicáveis numa ação declarativa que vise o reconhecimento de um crédito e a fixação dos efeitos decorrentes, ainda que no caso dos embargos de executado tal efeito seja somente o compensatório (….); por maioria de razão não tem de constar de documento dotado de força executiva (cf.RC 28-1-20, 5179/18; contra: RG 21-1-21, 144/09, RL 22-3-18, 2232/17) (…).»[16]

Também Lebre de Freitas refere que «(…) a compensação continua a constituir uma exceção perentória e o que a nova lei estabelece é, quando muito, um ónus de reconvir na ação declarativa (pedindo a mera apreciação da existência do contracrédito) cuja observância é suporte necessário da invocação da exceção. A nova norma tem a utilidade de deixar claro que, seja como for, a compensação (até ao montante da obrigação exequenda), pode constituir fundamento de embargos de executado (…)»[17]

A compensação é uma forma de extinção de obrigações.

Por assim ser, no quadro de uma acção declarativa, é oponível por via de excepção, apenas sendo de se operar processualmente pela via reconvencional caso o contracrédito se apresente de valor superior e aquele que invoca a figura pretenda fazer valer um pedido autónomo que vá para além da extinção do crédito contra si invocado.

No quadro dos embargos de executado, esta configuração das coisas deve merecer um ajuste nos termos que atrás se referiu, ou seja, é admissível a invocação da compensação ainda que a reconvenção nesta sede não seja admissível. A invocação de contracrédito terá então uma função meramente compensatória.

Os recorrentes, como já se referiu, não deduziram qual pedido autónomo que fosse para além da extinção do crédito contra si invocado, por conseguinte sendo descabida a exigência que a ser assim, tinham de deduzir reconvenção, e, por a mesma não ser admissível em sede de embargos de executado, prejudicado ficaria o conhecimento da contracrédito invocado.

Diremos com o Ac. desta relação de 6.5.2019[18] que «(…) não se vê onde na lei se acha vedado ao embargante, a quem se permite a invocação de todos os fundamentos de extinção da obrigação exequenda, mormente por compensação [arts. 729.º h) e 731.º CPC], vir ao processo de embargos, verdadeira ação de natureza cível, discutir os fundamentos do crédito que invoca.

Claro que o labor processual subjacente a tal admissibilidade pode ir além do que, em princípio, constitui uma ação executiva e uma oposição, mas isso pode suceder com os mais variados motivos da oposição.

Não podemos, pois, deixar de manifestar a nossa adesão à tese consignada no ac. desta Relação e secção, datado de 22.5.2017, onde se lê: Em tese geral, a oposição à execução quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal.

Fundando-se a execução em sentença, os embargos à execução podem ter algum dos fundamentos enunciados no art. 729º CPC.

Nos termos do art. 729º/g) CPC podem invocar-se como fundamentos da oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

No art. 729º/h) CPC autonomizou-se a defesa por compensação, prevendo-se que pode constituir fundamento da defesa o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

A compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações.

A razão de ser de tal autonomização prende-se com a nova qualificação processual da compensação face à previsão do art. 266º/1//2 c) CPC.

Em conformidade com o disposto no art. 266º/1//2 c) CPC a compensação apenas pode ser formulada pela via da reconvenção e tal circunstância levaria a negar a sua admissibilidade em sede de oposição à execução, por não ser admissível reconvenção.

Tal interpretação seria contrária ao regime substantivo e ao próprio fim dos embargos ou oposição à execução.

A autonomização da compensação visa, assim, demonstrar que em sede de embargos à execução de sentença também é possível deduzir oposição com tal fundamento

Não andou bem, pois, a decisão sindicada ao não aceitar apreciar a compensação invocada com o argumento da mesma só poder ser deduzida por via de reconvenção e esta não ser admissível em sede de execução no âmbito de embargos e executado.

Não terá andado bem também a, como cremos ter acontecido, considerar-se que o contracrédito a compensar, seguramente considerando-o quanto às alegadas benfeitorias na medida que legitimam a retenção da coisa até liquidadas[19]/[20], teriam de constar reconhecidas em documento com força executiva.

Imponha-se, pois, a produção de prova quanto às questões referidas[21].

Não se determinando o prosseguimento dos autos para produção de prova, ao invés proferindo-se decisão de imediato, incorreu o tribunal a quo em ilegalidade, ilegalidade que veio a ser suscitada em sede de recurso e por só na sentença a mesma se ter revelado.

Tal ilegalidade consubstancia nulidade nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

«[N]ão sendo caso de nulidade legalmente tipificada (nos artigos anteriores ao artigo 195º ou em disposição avulsa que comine tal vício à infração em causa), a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Não estando em causa nenhuma das nulidades previstas nos artigos 186º, 187º, na segunda parte do nº 2 do artigo 191º e nos artigos 193º e 194º, todos do Código de Processo Civil, ou em que a lei permita o seu conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer de um tal vício após reclamação do interessado (artigo 196º do Código de Processo Civil).

As nulidades que não sejam de conhecimento oficioso devem ser apreciadas logo que reclamadas (artigo 200º, nº 3, do Código de Processo Civil).

O prazo para a dedução de reclamação contra eventual nulidade que não seja de conhecimento oficioso é de dez dias, sempre que a parte não esteja presente, por si ou por mandatário, no momento em que é cometida (artigos 199º, nº 1, 2ª parte e 149º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), sendo o termo inicial de tal prazo o dia em que depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Nesta eventualidade, sendo o processo expedido em recurso antes de findar o prazo para a dedução da reclamação, a arguição da nulidade pode ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição (artigo 199º, nº 3, do Código de Processo Civil).

As disposições legais que se têm vindo a citar permitem concluir, com toda a segurança, que o meio próprio de reação contra a prática de nulidades processuais atípicas é a reclamação para o órgão que praticou ou omitiu o ato contrário à lei e não o recurso.

Só assim não será quando o vício esteja explícita ou implicitamente coberto por uma decisão judicial.

Daí que seja corrente a afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.

Por isso, no circunstancialismo dos autos, a alegada nulidade processual cometida pelo tribunal recorrido, porque apenas percetível para o recorrente com o conhecimento da decisão recorrida, pode e deve ser suscitada em via de recurso, tanto mais que por força do disposto no nº 1 do artigo 613º do Código de Processo Civil, se esgotou o poder jurisdicional do tribunal recorrido quanto à matéria da causa com a prolação da decisão recorrida».[22]

Em face do exposto, por se ter suscitado tempestivamente no recurso a ilegalidade da opção em se proferir decisão sem se produzir prova com vista a apurar do citado contracrédito (e benfeitorias)[23] invocado pelos embargantes, impõe-se declarar a nulidade dessa opção e revogar a decisão[24], em consequência ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista a realização do julgamento, precedida ou não, de acordo com o alto critério do tribunal a quo, da realização de quaisquer diligências que entenda necessárias.

No quadro da decisão que ulteriormente se imponha deverá decidir-se de tudo quanto foi suscitado e não se encontre prejudicado pela decisão assumida, em concreto evitando a omissão atrás constatada (1ª questão).

Em face da presente decisão e seu conteúdo, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas no recurso.


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IV.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos nos termos explicitados na parte final da motivação que antecede.

Custas pelos recorridos.


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Sumário:

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Porto, 8/5/2025
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
José Manuel Correia
Isabel Peixoto Pereira
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[1] Do requerimento inicial da execução consta no item finalidade da execução: execução com diversas finalidades.
[2] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[3] Rui Pinto. Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Revista Julgar Online, Maio de 2020, p.21.
[4] Como decorreria do disposto no art.608.º, n.º1, 2ª parte, do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (….)»
[5] Rui Pinto, artigo cit., p. 25.
[6] Proc.3765/20.0T8LOU-A.P1
[7] A execução tem dupla finalidade, cumulação de execução fundada em sentença como o consente o art.º710 do CPC
[8] Cremos poder retirar esta conclusão do que se diz propósito das alegadas benfeitorias, cujo valor corresponderá ao citado contracrédito.
[9] Já quanto às benfeitorias a argumentação é parca, de resto algo incompreensível quando se questiona porque não foram as mesmas alegadas na acção onde se formou o título dado à execução, incompreensível porque as benfeitorias, cujo valor corresponderá ao mesmo tempo ao citado contracrédito, conforme alegado, ocorreram após a homologação da sentença executada.
Afirma-se, coisa que releva também para concretizar o que se disse na nota anterior: «não estando reconhecido por sentença as benfeitorias realizadas (porque não alegou esses factos na fase declarativa?), e, consequentemente, não poder opor aos exequentes o credito por estas, fica prejudicado o conhecimento do alegado direito de retenção do imóvel, ou da suspensão da execução até que o valor delas seja caucionado pelos exequentes, por falecer o principal pressuposto do direito de retenção e do direito ao seu valor.»
[10] Diz-se na sentença: «Aderimos a esta última corrente, que é largamente maioritária, segundo a qual até ao montante do crédito a compensar a compensação é um facto extintivo (se total) ou modificativo (se parcial), a deduzir como exceção perentória e, relativamente ao excesso, se o houver, integra uma pretensão autónoma, a formular por via de reconvenção.»
[11] Diz-se na sentença: «Pode, pois, o executado alegar nos embargos matéria de impugnação e de exceção (artigo 571.º, nº2). Mas não pode reconvir: a reconvenção, que não é um meio de defesa mas de contra-ataque, não é admissível nem no processo executivo nem nos processos declarativos que a ele funcionalmente se subordinam.»
[12] Assim parecendo, cremos, fazer depender a admissibilidade da defesa por compensação judicial de créditos em embargos de executada do contracrédito estar documentado em título dotado de força executiva.
[13] Dizer que os embargantes, conforme resulta da petição de embargos, em momento algum deduziram reconvenção.
[14] Proc. 1624/20.5T8LLE-A.E1.S1, Cura Mariano.
[15] (Nota nossa). Do art.729 do CPC: «Fundando.se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguinte: h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos (..)»
[16] CPC anotado, V.II, 2ª Ed., p.88.
[17] A Ação Executiva, À Luz do CPC de 2013, 7ª ed., p.203 e 204.
[18] Processo n.º 4784/17.9T8LOU-A.P1
[19] Diz-se na sentença quanto à compensação, dai se retirando a conclusão que se deixou no texto: «No caso e pelos fundamentos supra exarados e que subscrevemos, nunca seria de admitir a compensação, além de que, ainda que a entendêssemos como possível, não se concluindo nestes autos ser de reconhecer o credito do embargado, nunca poderíamos falar em credito a compensar com outro credito, pressuposto da compensação.»
[20] Diz-se na sentença, quanto às benfeitorias: «Não estando reconhecido por sentença as benfeitorias realizadas (porque não alegou esses factos na fase declarativa?), e, consequentemente, não poder opor aos exequentes o credito por estas, fica prejudicado o conhecimento do alegado direito de retenção do imóvel, ou da suspensão da execução até que o valor delas seja caucionado pelos exequentes, por falecer o principal pressuposto do direito de retenção e do direito ao seu valor.»
[21] Relativamente às benfeitorias, refere Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa: «(…) Considerando que o direito a benfeitorias deve ser feito valer por via reconvencional e, por isso, na contestação (art.266.º, n.º2, al.b)), julgada procedente a ação e dada à execução a sentença condenatória, o executado é admitido a deduzir embargos para invocar as benfeitorias mas apenas quando o direito correspondente se tiver constituído depois de esgotado o prazo para contestar aquela ação declarativa. Nestes casos, acautelando a hipótese de as benfeitorias autorizarem a retenção, mesmo sendo o título executivo uma sentença, a previsão do n-º3 do art-º626-º deve ser conjugada com a possibilidade de tais embargos virem a ser deduzidos, pelo que, consumada a apreensão da coisa, a respetiva entrega ao exequente deverá ser retardada em termos de permitir a notificação do executado e a sua eventual dedução de embargos com fundamento em benfeitorias, em especial e autorizarem a retenção da coisa (….)» - Op. Cit. p.299.
[22] Ac. da Relação do Porto atrás citado.
[23] Bem ou mal, como expediente dilatório ou não, releva tal alegação. Não obstante, a final devendo o tribunal a quo tirar as rigorosas e devidas consequências no quadro do instituto da litigância de má-fé se se apurar ter sido invocação censurável.
[24] Nos termos do art.195.º, n.º2, do CPC, a anulação de um acto, no caso a decisão que entendeu estar-se em condições de proferir decisão de mérito, arrasta todos os ulterior actos que dele dependam em absoluto, portanto a decisão em crise.