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PENA DE PRISÃO
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário
I-O regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não se traduz numa pena de natureza autónoma, ou numa pena de substituição, mas sim como um modo alternativo de execução da pena (curta) de prisão. II-Para além disso, este modo alternativo de execução da pena de prisão, para além de apresentar um maior potencial ressocializador, traduz, também, na sequência do progresso tecnológico, o recurso a meios de vigilância eletrónica por forma a alterar/substituir a execução da privação de liberdade no sentido de pensar formas alternativas ou substitutivas da prisão, sobretudo para penas de pequena dimensão. III- Tratando-se de uma decisão sobre a execução em meio prisional de uma pena de prisão de curta duração, como é o caso concreto, não poderemos deixar de considerar, devido ao impacto que têm no processo de ressocialização do condenado, os problemas relativos ao nosso sistema prisional. Na verdade, o estabelecimento prisional deveria prosseguir os objetivos da pena de prisão, por um lado, e garantir, por outro, os direitos dos reclusos.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
Nos autos acima identificados do Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais foi proferida sentença, datada de ...-...-2024, de cuja parte decisória consta:
Decide-se condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada:
a. de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
b. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de treze meses nos termos do art. 69.º, n.º 1 al. a) do CP.
Não se conformando com essa decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação formulado as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª No âmbito dos presentes autos o arguido foi condenado a 6 (seis) meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 13 (treze) meses. 2.ª O principal e único motivo da discordância do Arguido, ora Recorrente, perante a decisão proferida na douta sentença prende-se com a aplicação da medida concreta da pena. 3.ª Apesar do arguido ter vários antecedentes criminais, a verdade é que a maioria das condenações dizem respeito a factos com mais de 6 (seis) anos, com sentenças com mais de 4 (quatro) anos; 4.ª O Recorrente nunca esteve envolvido a qualquer acidente de viação, seja com ou sem efeito de álcool; 5.ª O arguido encontra-se familiar, social e profissionalmente bem integrado; 6.ª Ao integrar a função pública vai auferir um ordenado de € 878,41 (oitocentos e setenta e oito euros e quarenta e um cêntimos); 7.ª O Recorrente condena veemente a sua atuação consequência da sua problemática aditiva e tenciona fazer/ faz acompanhamento para se desvincular gradualmente dos consumos de bebidas alcoólicas; 8.ª Por tudo o exposto, essencialmente devido à suas atuais condições pessoais, estando o arguido familiar, social e profissionalmente integrado e a fazer tratamento para se curar da sua problemática aditiva, entende o Recorrente e requer a Vossas Exas. que a pena de prisão em que o arguido foi condenado, seja substituída pela prisão em regime de permanência na habitação vigiada por meios técnicos de controlo à distância, com permissão para se deslocar no horário de trabalho. Assim, nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e desta forma ser revogada a douta Sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão em regime de permanência na habitação, com permissão para se deslocar no horário de trabalho.
O Ministério Público respondeu ao recurso pelo seguinte modo (transcrição): 1º Cremos que não assiste razão ao recorrente no que concerne ao pressente recurso, nada havendo apontar no que concerne à matéria de facto provada e sua fundamentação de facto e de Direito. 2º Assim, no que concerne à matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, a mesma resultou da análise critica e conjugada de toda a prova produzida, documental, testemunhal e pericial, de acordo com as regras de experiência e livre convicção do julgador, em consonância com o disposto no artigo 127º e 163º, ambos do CPP. 3º Atento teor das conclusões do recurso interposto, que delimitam o objeto do processo, o recorrente não coloca em causa a natureza e medida das penas aplicadas ao arguido, apenas a forma de execução quanto à pena principal, privativa de liberdade, pretendendo agora que lhe seja permitido o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. 4º Resulta dos autos, das atas de julgamento e da douta sentença que o arguido não compareceu em julgamento apesar de regularmente notificado e não prestou colaboração à DGRSP para elaboração do relatório social, para determinação da medida da pena e eventual cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. 5º Em nosso entender não se mostram verificadas quaisquer dos vícios a que alude o artigo 410º do CPP, ou quaisquer nulidades que importe conhecer. 6º Do teor da douta sentença resulta à saciedade que o Tribunal a quo ponderou devidamente a possibilidade de determinar a aplicação do disposto no artigo 43º do CP, isto é que o arguido pudesse cumprir a pena em que foi condenado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia, o que só não aconteceu porquanto o arguido não colaborou com a DGRSP na elaboração do relatório social. 7º Apenas com a elaboração de relatório social se pode aferir se o imóvel onde habita o arguido tem condições para a instalação de equipamento de VE, ou da aceitação do arguido e dos restantes membros do agregado. 8º Importa, pois, concluir, que andou bem o tribunal a quo pelo que entendemos que o recurso não merece provimento.
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A Sra. PGA junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se pela improcedência do recurso aderindo à resposta apresentada pelo MP em primeira instância.
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Não foi cumprido o artº 417º, n.º 2 do C.P.P uma vez que não foi emitido parecer autónomo quanto à interposição do recurso e quanto à resposta do MP na primeira instância.
II - Questões a decidir:
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Art.º 119º, nº 1; 123º, nº 2; 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões apresentadas pelos arguidos recorrentes, há que analisar e decidir:
Se estão reunidos os pressupostos para que a pena de prisão aplicada ao arguido seja executada em regime de permanência na habitação.
III - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida, quanto à fundamentação da matéria de facto decidiu do seguinte modo (transcrição):
Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respetiva decisão, resultou provado que: 1. No dia ... de ... de 2023, pelas 01:15 horas, na Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, em S. Domingos de Rana, área deste município, o arguido efetuou a condução do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QD, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,73 g/l, correspondente à taxa de 1,83 g/l registada, deduzido o valor de erro máximo admissível. 2. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não podia conduzir veículo na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas. 3. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente sancionada e ainda assim não se absteve de a praticar. (Mais se provou) 4. Não foi possível proceder à elaboração de relatório social porquanto o arguido não colaborou com os serviços sociais para o efeito. (Antecedentes Criminais) 5. Do certificado de registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações: i) Por decisão transitada em julgado a ........2018, pela prática a ........2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na proibição de condução de veículo pelo período de 4 meses. ii) Por decisão transitada em julgado a ........2018, pela prática a ........2018, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, que perfaz o total de 300,00 euros e na proibição de condução pelo período de três meses. iii) Por decisão transitada em julgado a ........2020, pela prática a ........2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que perfaz o total de 450,00 euros e na proibição de condução pelo período de cinco meses e 15 dias. iv) Por decisão transitada em julgado a ........2020, pela prática a ........2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 145 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, e na proibição de condução pelo período de nove meses. v) Por decisão transitada em julgado a ........2020, pela prática a ........2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em concurso efetivo com crime de violação de proibições, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos e nove meses de proibição de condução de veículos a motor. vi) Por decisão transitada em julgado a ........2023, pela prática a ........2022, de um crime de condução de desobediência, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e dez meses de proibição de condução de veículos a motor.
Quanto à questão relativa ao eventual cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, o tribunal a quo fundamentou do seguinte modo (transcrição): Finalmente, releva apreciar da possibilidade de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. O regime de permanência na habitação a par da extinta prisão por dias livres e do regime de semidetenção, é também uma pena de substituição que se pode aplicar em substituição de pena concreta de prisão não superior a dois anos de prisão. O atual art. 43.º, do Código Penal, no seu n.º 2 define que o regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. São pressupostos da sua aplicação, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito legal, para além dos requisitos gerais das penas substitutivas da prisão, a conclusão de que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, o consentimento do próprio arguido/condenado e face à previsão das seguintes situações: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do art. 45.º. O regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa. O regime de permanência na habitação tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento parcial ou continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral. A filosofia do preceito assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. O paradigma apoia-se também em considerações que transcendem o sujeito do processo. É, antes de mais, indesejável que e projetem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio profissional e social (ainda mais quando a execução em Estabelecimento Prisional vedaria totalmente a continuação da frequência de aulas e submissão a exame com vista à obtenção da carta de condução – finalidade última para que se obvie a possibilidade de cometimento de futuros e reiterados crimes desta índole). Diante da factualidade apurada e visto que o arguido em nada colaborou para o efeito não se nos afigura suscetível de determinar tal modo de execução da pena reclusiva. Impor-se-á, atentas as necessidades punitivas que o caso suscita o cumprimento da pena de prisão efetiva, em regime prisional, por se nos afigurar insuscetível de o ver cumprido em regime de permanência na habitação.
Apreciemos o recurso.
A questão que está colocada a este tribunal de recurso consiste em saber se a pena de 6 meses de prisão, em que o arguido se mostra condenado, poderá ser cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, dado que o legislador passou a permitir, com a entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23.08 que, a partir de 21.11.2017, penas de prisão não superiores a 2 anos pudessem ser cumpridas no domicílio do condenado, ou se, pelo contrário, exige um cumprimento efetivo em estabelecimento prisional.
Com efeito, a escolha e a medida da pena (privativa de liberdade) já se mostra fixada e nem isso o arguido coloca em questão.
De acordo com o disposto no artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Daqui resulta que a proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos. Por sua vez, a reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
Segundo o artigo 42º nº 1 do CP, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Afirma-se na exposição de motivos do diploma que procedeu à revisão do Código Penal em 1995 (Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março) que “o Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador” o que faz com que a principal finalidade das penas, tal como definido pelo legislador, seja a prevenção especial, isto é, a reintegração do agente na sociedade, mas sempre aliada a finalidade de prevenção geral positiva, que tem como objetivo a proteção dos bens jurídico-penais, através da atuação sobre a comunidade.
A finalidade de prevenção especial positiva mostra-se reafirmada no artigo 2.º, do CEPMPL, onde consta que a execução das penas privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade.
Em todo o caso, a finalidade de reintegração não significa, como bem refere Anabela Rodrigues, in A posição jurídica do recluso no exercício da pena privativa da liberdade, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XXIII, Coimbra, p. 110, que “[n]ão se trata de impor um conteúdo moral e valorativo concreto – a «meta» - mas tão-só de facultar «caminhos» - através dos quais se realiza o pleno desenvolvimento da personalidade humana – preparando o recluso para decidir, ele próprio, face às alternativas com que se depara numa sociedade heterogénea e plural”. Esta ideia mostra-se reforçada por Taipa de Carvalho, in Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, op.cit., p. 63, ao afirmar que “[a] função de ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, i. é, uma substituição da “mundividência” do condenado pela “mundividência” dominante na sociedade, mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais) para a possibilitação da realização pessoal de todos e da cada um dos membros da sociedade”.
Destes ensinamentos podemos concluir que a prevenção especial não se traduz numa correção, numa emenda moral, e nem, muito menos, num tratamento médico ou coativo a exercer sobre o condenado, mas sim um processo onde se exige uma participação ativa deste onde tem de consentir e querer ser regenerado e reintegrado na sociedade. Só assim as finalidades das penas serão alcançadas.
São, pois, estas as finalidades que têm de ser tidas em consideração pelo juiz, quer ao nível da decisão de “punir”, quer da escolha, da medida e da execução da pena.
No caso em apreço a decisão de “punir”, escolha e medida da pena já se mostra fixada e nem isso o arguido coloca em questão no seu recurso, motivo pelo qual este tribunal não pode tecer considerações a esse respeito. A única questão em discussão é, como já dissemos acima, ao nível do modo de execução da pena.
Quanto a esta questão comecemos pelo que dispõe o artigo 43.º do CP:
“Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.
Daqui resulta que o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não se traduz numa pena de natureza autónoma, ou numa pena de substituição, mas sim como um modo alternativo de execução da pena (curta) de prisão.
A introdução deste meio alternativo de execução de penas curtas de prisão, isto é, até 2 anos, prevista na Lei 94/2017 de 23.08, traduz o reconhecimento do legislador, na sequência daquilo que já constava no Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, de que as penas de prisão traduzem um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a quem venha ser aplicada. Traduz, ainda, a preocupação de, por um lado, furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e, por outro lado, impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações familiares, sociais e profissionais. Com efeito, pode ler-se no DL n.º 48/95, de 15 de março, “[a] pena de prisão – reação criminal por excelência – apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção”.
Acresce que neste regime existe uma total responsabilização do condenado, o que pode ser benéfico para a sua reintegração social.
Para além disso, este modo alternativo de execução da pena de prisão, para além de apresentar um maior potencial ressocializador, traduz, também, na sequência do progresso tecnológico, o recurso a meios de vigilância eletrónica por forma a alterar/substituir a execução da privação de liberdade no sentido de pensar formas alternativas ou substitutivas da prisão, sobretudo para penas de pequena dimensão.
É neste percurso de evolução que hoje nos encontramos na certeza de que, como diz F. Dias in A Reforma do Direito Penal Português Princípios e Orientações Fundamentais, Coimbra, 1972, 31: “É um facto, como nota algures Aldous Huxley que nós pensamos e sentimos hoje de uma maneira mais subtil e variada que os antigos se bem que dentro de anos a nossa subtileza possa parecer sem dúvida, aos olhos da posteridade, uma tosca barbárie. Se ao homem de oitocentos repugnava já a pena corporal, cruel e infamante, que era ainda então a regra, como não compreender que ao homem de hoje repugne em igual medida que ao delinquente se furte o bem inestimável da sua liberdade física, quando outras formas haja de o direito penal cumprir a sua função? E se a isto acrescentarmos que, depois da crença do século XIX no valor da ressocialização da prisão, já hoje mal haverá quem duvide de que ela acaba por constituir as mais das vezes um fator criminogéneo, teremos as razões por que, se a prisão continua a ser a forma – regra de efetivar a pena é só por se não ter ainda descoberto o modo de integralmente a substituir.
Há que referir que esta medida de execução alternativa da pena de prisão, por não se traduzir num cumprimento em meio prisional, não significa e nem pode ser encarado, quer pelos tribunais, quer pelos condenados e, muito menos, pela sociedade em geral, utilizando aqui aquilo que é dito pelo próprio legislador na introdução ao código penal, “como formas de clemência legislativa, mas como autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos de certas zonas da delinquência”.
Concordamos com Anabela Rodrigues, in As sanções penais clássicas e alternativas na legislação portuguesa, O direito penal em Acão numa sociedade em evolução, Cadernos do CEJ, Lisboa, p. 116, quando afirma que “(…) qualquer das formas de substituição da pena clássica não deixa de envolver a inflição de um “mal”, que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem a sofre, constituindo, nesse sentido, uma pena”.
Para além disso, é pacífico o entendimento de que as medidas alternativas à prisão, bem como quanto ao seu modo de execução fora do meio prisional, sobretudo nas penas de curta duração, melhoram as possibilidades de reintegração do condenado no seio da sociedade e de aceitação de valores sociais por parte daquele; acresce que a sua execução fora do meio prisional, ou seja, no seio da comunidade e com a possibilidade do condenado manter ativa a sua atividade profissional, incentiva a maior participação daquela na administração da Justiça penal, melhorando a compreensão e aceitação das medidas não privativas de liberdade ou de modos alternativos à execução da pena de prisão.
Estando em causa a possibilidade de um modo alternativo à execução de uma pena curta de prisão – 6 meses – não podemos deixar de aqui ter presente os princípios que presidem à execução das penas de prisão e que se encontram plasmados no Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade. O primeiro deles é o princípio da individualização, presente no art. 5.º, do CEPMPL, de acordo com o qual a execução tem por base as necessidades de cada recluso. Nesse sentido, a pena não é determinada de modo absoluto, devendo ser adaptada ao caso concreto, o que demonstra a pessoalidade da pena. Deve, portanto, ser tida em conta a heterogeneidade dos reclusos que compõem os estabelecimentos prisionais. Em segundo lugar, temos o princípio da inclusão que determina que se deve aproximar as condições de vida no estabelecimento prisional às condições de vida em meio livre. Por fim, o princípio da voluntariedade, através do qual se procura a adesão voluntária do preso às normas que regem a vida do estabelecimento prisional e se promove a participação do recluso na sua reinserção social.
Com vista a dar concretização prática a estes princípios o artigo 21º do CEPMPL determina que deve ser desenvolvido um Plano Individual de Readaptação, o qual “(…) visa a preparação para a liberdade, estabelecendo as medidas e atividades adequadas ao tratamento prisional do recluso, bem como a sua duração e faseamento, nomeadamente nas áreas de ensino, formação, trabalho, saúde, atividades socioculturais e contactos com o exterior”.
Ora, sendo uma pena de 6 meses de prisão, portanto de curta duração, somos confrontados, desde já, com uma dificuldade prática que se traduz na impossibilidade de implementar, devido ao curto período que o condenado irá permanecer em ambiente prisional, quer os princípios que acabamos de mencionar, quer o Plano Individual de Readaptação, bem como as finalidades de ressocialização.
Tratando-se de uma decisão sobre a execução em meio prisional de uma pena de prisão de curta duração, como é o caso concreto, não poderemos deixar de considerar, devido ao impacto que têm no processo de ressocialização do condenado, os problemas relativos ao nosso sistema prisional. Na verdade, o estabelecimento prisional deveria prosseguir os objetivos da pena de prisão, por um lado, e garantir, por outro, os direitos dos reclusos.
Ora, quer os relatórios da Provedoria de Justiça, quer do observatório permanente da justiça, bem como as várias condenações sofridas pelo Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do artigo 3º do CEDH, sendo as mais recentes de fevereiro e maio do corrente ano, passado apontam para existência de várias fragilidades no sistema prisional português traduzidas, basicamente, no seguinte: sobrelotação prisional; na taxa de reclusão das mais elevadas da União Europeia; estabelecimentos prisionais sobre ocupados com cidadãos de baixos recursos sociais e económicos, muitos deles a cumprir penas de prisão pela prática de crimes de pequena e média gravidade; más condições de higiene, de salubridade e de segurança dos alojamentos. Estas fragilidades, para além de afetarem direitos fundamentais dos reclusos, comprometem, seriamente, a concretização dos propósitos pretendidos pelo processo de ressocialização do condenado.
Deste modo, esta realidade terá de ser um dos fatores a ter em conta aquando do processo de decisão de execução, ou não, de uma pena curta de prisão em meio prisional, sob pena de cairmos naquilo que diz Germano Marques da Silva, “(…) o conhecimento puramente jurídico é cego, ignora as mais das vezes a realidade da vida que está por detrás das normas, ignora a vida que é vivida atrás dos muros das prisões”.(Germano Marques da Silva (2020), Temas de Direito (textos dispersos de Direito Penal, mas não só), op. cit., p. 18).
Aderimos àquilo que refere Camila Pinto Bettencourt (2017/2018), in Sobrelotação Carcerária e Poder Judicial: uma relação ambivalente, p. 44, a propósito das penas de curta duração “(…) o alto risco de contágio criminal, o alto custo da sua aplicação, além do baixíssimo efeito em relação aos fins preventivos da pena, sem se esquecer que são penas demasiado graves para delitos menores”.
A jurisprudência também partilha desta opinião, considerando que “[a]s penas curtas de prisão são nocivas ao delinquente porque raramente conseguem a sua ressocialização, surtindo, frequentemente, o efeito contrário, levando-o a perder muitas vezes o seu posto de trabalho, debilitando os vínculos familiares, fazendo-o correr o risco de contágio criminal e a habituação à prisão” Acórdão TRG, 31 de janeiro de 2011, Processo 480/10.6PABCL.
Regressando à questão que ora nos ocupa e após, em traço necessariamente grosso, termos abordado alguns aspetos relativos aos fins das penas e execução de penas de prisão de curta duração, começamos por dizer que, quanto aos aspetos formais enunciados no artigo 43º do CP, os mesmos mostram-se preenchidos na medida em que o arguido mostra-se condenado numa pena de 6 meses de prisão e consente, dado que ele próprio o peticiona em sede de recurso, que a pena fosse executada no domicilio, mediante vigilância eletrónica. Deste modo, tudo consiste em saber se o cumprimento da pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação permite, como defende o recorrente, que se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena.
O Tribunal a quo entendeu que as finalidades da punição não ficavam salvaguardadas se a pena não fosse cumprida em estabelecimento prisional, essencialmente, por duas razões: no facto de o arguido em nada ter colaborado para o efeito e atentas as necessidades punitivas que se verificam no caso concreto.
Conclui, assim, o tribunal a quo que não é possível afirmar que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, permitisse dar resposta às finalidades da execução da pena de prisão, uma vez que tal modo de cumprimento das anteriores penas aplicadas não foi suscetível de prevenir a prática, pelo arguido, de novo crime de idêntica natureza.
Apesar de serem verdadeiros os argumentos avançados pelo Tribunal a quo para não permitir o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, também é certo que essas razões não são absolutas e que existem outras circunstâncias, algumas delas já mencionadas supra, que devem ser ponderados e que o Tribunal a quo não considerou ou valorou, não obstante constarem da matéria de facto assente, ou serem factos públicos e notórios.
O facto do arguido não ter colaborado, nomeadamente comparecido nos serviços de reinserção social, não permite concluir, sem mais, que o mesmo não será influenciado, de forma positiva, pela execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Para além disso, o tribunal a quo não ponderou os aspetos negativos relacionados com a interrupção do processo de vida do arguido, nomeadamente quanto ao seu afastamento do meio familiar e profissional.
Outra circunstância não ponderada pelo tribunal recorrido prende-se com o facto de o último crime da mesma natureza praticado pelo arguido ter ocorrido em ...-...-2020, cerca de quase 3 anos antes da prática do crime em causa nestes autos e última condenação sofrida pelo arguido ter ocorrido em ...-...-2023. Este distanciamento temporal, quanto ao mesmo tipo de crime, permite-nos concluir que este não se mostra totalmente indiferente ao modo de execução das penas que cumpriu.
Acresce, sob outro ponto de vista também não irrelevante, a circunstância de o crime praticado pelo arguido ser um crime de perigo abstrato - cuja pena não excede no seu limite máximo 1 ano de prisão - que não reclama grandes períodos de encarceramento, nem tem associado grande alarme social e nem acentuada ressonância ética.
Por último, outro fator que não se mostra ponderado pelo tribunal recorrido prende-se com os aspetos negativos associados às penas curtas de prisão, sobretudo quando executadas em estabelecimento prisional que não reúne as condições adequadas a proporcionar um verdadeiro processo de ressocialização. A pena de prisão executada em meio prisional para além de privar o condenado da sua liberdade, afasta-o da realidade social.
A este propósito Anabela Rodrigues afirma que a prisão “(…) segrega o indivíduo do seu estatuto jurídico normal, atinge a personalidade, favorece a aprendizagem de novas técnicas criminosas e propõe valores e normas contrários aos «oficiais»” A realidade mostra que são raros os casos em que os presos recebem uma influência positiva dos colegas de prisão. Na maioria dos casos, citando a mesma autora,“(…) ficam arriscados a ser corrompidos se forem misturados na massa de uma população penitenciária cuja igualdade se faz sempre em baixo nível”. (in Novo olhar sobre a questão penitenciária: estatuto jurídico do recluso e socialização, jurisdicionalização, consensualismo e prisão p. 46.).
Deste modo, ponderando todos estes fatores e por estarmos convencidos que a introdução do arguido, neste período da sua vida, em ambiente prisional teria efeitos negativos e constituiria um retrocesso no esforço da reintegração social exigido pelo artigo 42º do Código Penal, até porque para que ocorra uma efetiva reintegração social é necessário que o arguido a queira e que lhe sejam proporcionadas condições para o efeito, entendemos que o regime de permanência na habitação, durante o qual o arguido irá manter a integração familiar e profissional, é o que melhor garante as finalidades associadas às reações criminais.
Termos em que se conclui que a pena de 6 meses de prisão, em que o arguido se mostra condenado, será cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos da alínea a) do nº 1 e 2 do artigo 43º do Código Penal.
Para além disso, ao abrigo do disposto no número 3 do artigo do Código Penal, por forma a que o arguido mantenha a sua atividade profissional, ficam, desde já, autorizadas as ausências necessárias ao exercício da sua profissão.
IV - DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes da 9ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso do arguido AA, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida na parte em determinou o cumprimento efetivo da pena, em estabelecimento prisional.
Aplica-se ao recorrente a execução da pena de 6 meses de prisão mediante a permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com autorização para sair para exercer a sua atividade laboral, em termos e horário a definir na primeira instância.
Sem custas – artigo 513º nº 1 do CPP
Notifique
Lisboa, 8 de maio de 2025
Processado por computador e revisto pelo Relator (cf. art.º 94º, nº 2, do CPP).
Ivo Nelson Caires B. Rosa
André Alves
Marlene Fortuna
Voto de vencido
Voto vencida a decisão, por considerar que não deveria ter sido dado provimento ao recurso pela razões que se seguem.
Na verdade, o arguido fez “ouvidos moucos” às sucessivas condenações pela pratica de crimes de idêntica natureza, tendo tido várias oportunidades para alterar o seu comportamento, o que, no entanto, não fez.
Mas mais importante do que as condenações anteriores – a última das quais em ........2022, transitada em julgado em ........2023, ou seja, mais de um ano depois da prolação da sentença -, foram as seguintes circunstâncias, destacando, sobretudo, a segunda:
i. não compareceu na audiência de julgamento, lugar onde poderia, se assim quisesse obviamente, dar explicações para o sucedido, o que só ele poderia saber e dar nota ao tribunal;
ii. o facto de não ter querido colaborar com a DRGSP (e que depende em primeira-mão da sua vontade) demonstra uma personalidade de indiferença perante as normas e os tribunais e impediu que se soubesse com a certeza, nesta sede exigível, quais as condições de vida do recorrente. E não basta, quanto a nós, que o recorrente se lembre, agora, de afirmar que se encontra inserido social, familiar e profissionalmente e que “tenciona fazer/faz acompanhamento para se desvincular gradualmente dos consumos de bebidas alcoólicas” [numa expressão absolutamente contraditório nos seus termos: ou tenciona “fazer” ou já está a fazê-lo “faz”…não se compreende…] para que este Tribunal Superior acredite, sem mais, o que agora é trazido em momento bem ulterior à realização da audiência de julgamento (local próprio e de excelência para a produção de prova).
É, assim, manifesto que o ora recorrente não quis saber o que poderia suceder, manteve-se indiferente ao comando das autoridades, “acordando” apenas quando viu o que foi decidido e nos termos em que foi, por sua única e exclusiva culpa - tivesse o recorrente estado presente e colaborado com a DGRSP, poderíamos, em tese, concordar com a sua execução na habitação.
Desta feita, teria negado provimento ao recurso e, consequentemente, mantido a decisão recorrida que não nos merce censura pela forma fundamentada como desmontou a possibilidade de aplicação das penas substitutivas.
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Marlene Fortuna