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EXECUÇÃO
PERSI
OPOSIÇÃO
OFICIOSO
PRECLUSÃO
VENDA
Sumário
1. A integração do mutuário no PERSI por parte do credor bancário mutuante constitui condição de procedibilidade da execução proposta por este contra aquele, assim se apresentando a falta da mesma integração como excepção dilatória a ditar a absolvição do executado/mutuário da instância executiva. 2. O credor bancário mutuante não está obrigado à integração do mutuário no PERSI no caso de o contrato de mútuo já não vigorar (como no caso da resolução por incumprimento definitivo) no momento da entrada em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10. 3. Nos casos em que o executado não deduz oposição por embargos de executado pode ainda pedir, através de simples requerimento e já depois de esgotado o prazo para deduzir essa oposição por embargos, que o tribunal conheça de qualquer uma das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726º do Código de Processo Civil, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 4. Neste caso tal requerimento não tem a potencialidade de desencadear a produção dos efeitos a que respeita o art.º 733º do Código de Processo Civil, no que respeita à sustação dos termos da execução e, designadamente, da sustação da venda do bem penhorado, já que apenas está em causa o pedido para que o tribunal exerça o poder/dever a que respeita o art.º 734º do Código de Processo Civil, o qual só pode ser exercido até ao momento da transmissão do bem penhorado. 5. Se a venda é concretizada e só depois dessa concretização (com a transmissão do bem vendido ao adquirente) é que o executado vem requerer ao tribunal que conheça de uma questão que, se conhecida em sede liminar, determinaria o indeferimento (ou o aperfeiçoamento) do requerimento executivo, neste momento já se mostra precludida a possibilidade de o tribunal conhecer da questão suscitada, sob pena de violação do direito adquirido por aquele terceiro de boa fé. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 10/1/2012 B., S.A. (posteriormente substituído processualmente por O., S.A.) intentou acção executiva contra N. e outros, apresentando como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca outorgado por escritura pública de 12/8/2002, liquidando a quantia exequenda no montante de € 68.702,87, e alegando que a mesma corresponde ao valor do capital em dívida não amortizado, juros e imposto de selo, sendo devida por força do incumprimento da obrigação de pagamento das prestações do mútuo, a partir de 15/6/2011.
Os executados foram regularmente citados, não tendo deduzido oposição por embargos.
Foi efectuada a penhora do imóvel objecto da hipoteca.
Foi efectuada a citação de credores, tendo sido verificados e graduados os créditos reclamados, por sentença de 19/11/2021.
Foi realizada a venda do imóvel penhorado por leilão electrónico.
Com data de apresentação de 17/3/2023 foi registada, a favor de T., Ld.ª (proponente que apresentou a melhor proposta) a aquisição, por compra em processo de execução, do imóvel penhorado.
Em 25/1/2024 o executado N. apresentou requerimento (ref. 47779196) visando a declaração da nulidade da penhora e da venda, aí concluindo pela extinção da execução e sustentando tal pretensão na verificação da falta de integração dos executados no PERSI.
A exequente e a adquirente do imóvel exerceram separadamente o contraditório, mas sustentando ambas a improcedência do requerimento apresentado.
Em 19/6/2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“O DL nº 227/2012, de 25.10 - diploma que estabelece os princípios e as regras a observar pelas Instituições de Crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários relativamente aos contratos de crédito – entrou em vigor em 01.01.2013 e a presente execução foi iniciada em 10/01/2012, pelo que não é aplicável ao caso em concreto. Por outro lado, tal questão apenas poderia ter sido invocada até à venda em causa. Pelo exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada. Custas pelo requerente que se fixam em 2 ucs. Notifique”.
O executado N. recorre deste despacho (requerimento de 28/6/2024, com a ref. 49342485), terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. Tal como decorre do Ac. STJ de 9/02/2017 no Proc. 194/13 durante o período entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento a instituição de crédito não pode instaurar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
2. A instituição de crédito mutuantes deve informar o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à entrada em mora;
3. Recorde-se que, muito antes de 2012, através DL 349/98, art.º 7º B, n.º 1, estabelecia-se que os mutuantes apenas podem proceder à resolução ou a qualquer a outra forma de cessação do contrato de crédito após três prestações vencidas e não pagas pelo mutuário, acrescentando-se que o incumprimento parcial da prestação não é considerado desde que…
4. A questão que se coloca desde logo é a de saber tal imposição normativa em vigor desde 1998, era ou não do conhecimento oficioso e sendo a responsabilidade do mandatário constituído anos depois da instauração da execução era de fazer lembrar que era obrigação do Tribunal exigir tal prova à Exequente?
5. Aliás, nos termos da correspondente Directiva foi imposto aos Estados-Membros adoptar medidas que determinem uma ponderação adequada antes de intentarem processos de execução. Será que foi exigida prova da tentativa da instituição bancária de evitar ir para Tribunal? Foi exigida prova da interpelação do fiador?, etc… como condição de procedibilidade.
6. Não restam dúvidas de que o regime do PERSI instituído em 2012 já tinha consagração legal à data da instauração da execução e decorria, aliás, de um Directiva Comunitária (Directiva nº 2014/17/EU) através da qual as instituições financeiras ficaram obrigadas a acompanhar de forma permanente e sistemática a execução dos contratos de créditos dos seus clientes, com vista a detectar eventuais indícios de riscos de incumprimento, cabendo-lhes implementar um plano de reestruturação ou um modelo de negociação, não estando dependente de qualquer pedido formulado pelo mutuário.
7. Efectivamente, na data da instauração da execução já se encontrava em vigor a obrigação legal de a instituição financeira dar cumprimento, sem nada ser solicitado, aos deveres de informação e comunicação os quais não tendo sido alegados nem demonstrado o seu cumprimento deveria ter conduzido ao despacho de ineptidão do requerimento executivo – de conhecimento oficioso – o que não teve lugar e apesar do tempo decorrido ainda podem e devem ser suscitados.
8. Temos assim que enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da divida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito.
9. Ora, a instituição financeira não só não demonstrou no requerimento executivo ter dado cumprimento a essa obrigação como também não notificou o fiador, sendo que também com base em tal omissão deveria o requerimento executivo ter sido (oficiosamente) liminarmente indeferido omissão essa que não é da responsabilidade do Recorrente, não obstante o tempo decorrido.
10. Aliás, dir-se-á que o executado já deveria ter entregue as chaves há 15 anos, mas como pode tal entendimento ser compatível a omissão dos referidos deveres por parte da instituição financeira, excepção essa que é do conhecimento oficioso?
11. E como pode a adquirente que não ponderou aquando da compra, por um valor manifestamente inferior ao de mercado o que levaria a que a exequente mesmo após a venda prosseguisse com a penhora?
12. Mais, adquiriu uma casa sabendo que estava ocupada, afigurando-se que uma família não tem mais direitos do que a outra!
13. Aliás, a adquirente assumiu uma posição semelhante à de uma cessionária, verificando-se que através dessa compra pretendeu-se alcançar o que era proibido, resultando do Dl 227/22, de 25/10, artigos 14º, 16º e 18º - em vigor na data da compra pela ora Exequente – proíbe a cessão total ou parcial do crédito ou a transmissão a terceiro da posição contratual na vigência do PERSI.
14. Aliás, admitir a Exequente a prosseguir com a penhora ainda que com base em alegada lacuna não é mais do que deixar entrar pela janela o que se impediu de entrar pela porta, contornando a intenção que esteve subjacente ao regime criado pelo DL nº 227/2012, de 25/10, configurando tal solução uma clara fraude à lei que nada tem a ver com a posição do executado e ora Recorrente ao longo de todos ou parte dos 13 anos!
15. A lógica do Tribunal a quo reside em considerar que nunca se poderá pôr em causa a cobrança de um crédito, ainda que o procedimento subjacente à cessão do mesmo tenha violado flagrantemente normas imperativas, uma vez que o Tribunal a quo coloca as regras da iniciativa privada, da livre transmissibilidade da propriedade, da concorrência e da estabilidade do mercado acima de quaisquer outros interesses!
16. Pelo contrário, regime instituído nos artigos 14.º a 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, não permite outro entendimento que não seja o de que o legislador pretendeu impedir a cessão de créditos e a instauração de uma acção de execução antes da integração do devedor em incumprimento no PERSI e durante a sua execução; sendo assim ininteligível a alegação de que a excepção em causa apenas pode ser invocada até à primeira transmissão sob pena de se beneficiar o infractor.
17. Naturalmente que perante a alegação da excepção a instituição bancária deveria vir ao autos alegar e sobretudo fazer prova com junção do talão do registo do CTT da carta a comunicar que perante o sinal de incumprimento o mutuário tinha o direito ou período de carência de 4 anos com pagamento apenas da parte relativa aos juros.
18. A instituição bancária notificada da excepção nada veio dizer e muito menos juntar em termos de prova documental, sendo certo que foi notificada através do mandatário.
19. A doutrina tem sido unânime a considerar que perante essa falta de alegação e sobretudo de prova, sejam consideradas como demonstração do incumprimento da norma imperativa sobre a instituição bancária.
20. Demonstrado o incumprimento da norma imperativa encontra-se evidenciada a aplicação das denominadas excepções dilatórias contempladas no art.º 578º do CPC, as quais são de conhecimento oficioso, com efeitos à data da instauração da execução ao abrigo do normativo da Defesa do Consumidor.
21. Sendo do conhecimento oficioso, não está sujeita a qualquer preclusão, ou seja, pode ser invocada e declarada a todo o momento, e diríamos nós qualquer que seja a fase do processo pois que de outra forma a instituição bancária incumpridora passaria a ser beneficiaria da violação. Afigura-se assim irrelevante se decorreram ou não 15 anos após o prazo concedido para Oposição mediante Embargos, tal como é irrelevante alguma não resposta por parte executado e ora Recorrente visto que se trata de matéria do conhecimento oficioso.
22. Ao contrário da decisão recorrida, há muito que o Tribunal da 1º instância – por se tratar de excepção de conhecimento oficioso - devia ter apreciado e verificado a excepção dilatória da inominada de preterição do PERSI.
23. Assim é absolutamente irrelevante que o prazo de apresentação de embargos tenha ou não sido precludido pois que o conhecimento oficioso e o carácter imperativo da excepção em causa não se compadecem com a preclusão do prazo de embargos.
24. Sendo, aliás, irrelevante se já teve lugar ou não alguma transmissão pois que na prática o imóvel nunca deixou de estar na posse do Recorrente em conjunto com o seu filho e netos visto que quem adquire um bem sem primeiro verificar se a casa estava e está habitada não pode ser considerado terceiro de boa-fé. Se não solicitou o dinheiro de volta foi porque não quis!
25. Ora, no caso em apreço não é essa a questão nem se trata de indeferimento preliminar nem de aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas tão só do conhecimento da excepção dilatória e da absolvição da instância executiva, naturalmente com consequências na nulidade de adjudicação e/ ou transmissão.
26. Por outras palavras, o conhecimento da excepção não visa qualquer aperfeiçoamento do requerimento executivo pois que não se pode aperfeiçoar a falta de uma notificação formal pois que o não envio da carta registada não pode ser suprido com o aperfeiçoamento do…
27. Não está em causa o aperfeiçoamento do requerimento executivo nem o indeferimento preliminar pois que o indeferimento preliminar é passível de suprir deficiências e apresentar novo requerimento e como já vimos a questão não se resolve com suprir deficiências mas tão só com aplicar uma sanção à instituição bancária que violou uma norma imperativa, e que não pode com base na violação ser beneficiada com novas oportunidades.
28. Resulta do despacho recorrido que o recorrente reclamou e arguiu a nulidade da penhora e da venda. Perante tal arguição de nulidade era suposto que o Meritíssimo Juiz proferisse despacho limiar e consequente determinação de suspensão imediata dos actos de execução.
29. Aliás, também era suposto que o Tribunal ordenasse a notificação do Exequente para se pronunciar sobre a arguição de nulidade da penhora e da venda e pedido de extinção da execução.
30. Mais, quanto a dúvidas sobre o realojamento as mesmas foram colocadas de forma expressa tendo sido arroladas testemunhas destinadas a fazer prova da impossibilidade de realojamento, desconhecendo-se as razões da recusa de inquirição (art.º 861º nº 6 do CPC).
A adquirente do imóvel apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
• A aplicabilidade do regime de integração dos executados no PERSI;
• A possibilidade de conhecimento oficioso da excepção dilatória da falta de integração dos executados no PERSI, após a transmissão do imóvel penhorado;
• A verificação da integração dos executados no PERSI, como condição de procedibilidade da execução.
Já quanto às demais questões que resultam das conclusões do recurso, como a proibição da venda judicial (conclusão 13) e a impossibilidade de realojamento (conclusão 30), está este Tribunal de recurso impedido de as apreciar.
É que, sendo o modelo do nosso sistema de recursos o de reponderação (e não o de reexame), está excluída a possibilidade de alegação de factos ou questões novas na instância de recurso, salvo quanto àquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Por isso é que, como se refere no acórdão de 28/5/2009 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Oliveira Rocha e disponível em www.dgsi.pt), “do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem”.
Regressando ao caso concreto, torna-se evidente que aquilo que o executado/recorrente visou com o requerimento que foi objecto de conhecimento pela decisão recorrida respeita tão só à consideração do disposto no D.L. 227/2012, de 25/10, e às consequências da falta de integração dos executados no PERSI aí previsto, o que resulta igualmente da economia da decisão recorrida.
Pelo que, no âmbito do presente recurso, está excluída a apreciação das referidas novas questões, porque não constituíam (e não constituíram) objecto de conhecimento pela decisão recorrida.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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O D.L. 227/2012, de 25/10, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, criando uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Nos termos do art.º 2º de tal diploma o regime aí definido aplica-se aos contratos de mútuo para aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, celebrados com clientes bancários.
Ora, não sofre controvérsia que o crédito exequendo emerge de um contrato de mútuo que se enquadra no âmbito de aplicação definido pelo referido art.º 2º do D.L. 227/2012, de 25/10.
Também se apresenta como incontroverso que, de entre os princípios e regras que emergem desse diploma legal, e que devem ser observados pelas instituições de crédito, consta o PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento).
De acordo com o disposto nos art.º 14º e seguintes do referido diploma legal, o cliente bancário que se encontre em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes do contrato de crédito é obrigatoriamente integrado no PERSI, o qual comporta uma fase inicial (tendente à referida integração obrigatória), seguida de uma fase de avaliação, proposta e negociação, e culminando com a extinção do PERSI.
Resulta ainda da al. b) do nº 1 do art.º 18º do referido D.L. 227/2012, de 25/10, que a instituição de crédito está impedida de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção do procedimento.
Tal como vem afirmando repetidamente a jurisprudência, como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2024 (relatado por Fernando Baptista e disponível em www.dgsi.pt), “verificando-se os pressupostos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção/execução judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção desse procedimento”.
Ou seja, não sofre controvérsia que, como ficou afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 22/2/2024 (relatado por Rute Sobral e subscrito pelos aqui relator e primeira adjunta respectivamente como segundo adjunto e primeira adjunta, e disponível em www.dgsi.pt), “recai sobre a instituição de crédito exequente o ónus da prova do cumprimento de tais obrigações que para si decorrem do artigo 12º, e ss do DL 227/2012, de 25-10, demonstrando, designadamente, as comunicações de integração e de extinção de PERSI, que constituem condições objectiva de procedibilidade da execução, consubstanciando, a sua ausência, excepção dilatória inominada geradora da extinção da instância”.
O que é o mesmo que dizer que a integração do mutuário no PERSI por parte do credor bancário mutuante constitui condição de procedibilidade da execução proposta por este contra aquele, assim se apresentando a falta da mesma integração como excepção dilatória a ditar a absolvição do executado/mutuário da instância executiva.
A questão que se coloca é a de saber se, no caso dos autos, é aplicável tal regime.
Com efeito, a presente execução foi intentada em 10/1/2012 mas o D.L. 272/2012, de 25/10, só entrou em vigor em 1/1/2013, como resulta do seu art.º 40º.
Como ficou referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/9/2019 (relatado por Acácio das Neves e disponível em www.dgsi.pt), “a exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respectivo art.º 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objecto de resolução com fundamento no incumprimento”.
Ora, no caso concreto dos autos o contrato de mútuo já não se encontrava em vigor à data da propositura da execução, pois que a exequente já havia considerado o empréstimo vencido na sua totalidade, nos termos convencionados nas cláusulas 13ª, al. e), e 17ª, ambas constantes do documento complementar à escritura pela qual o contrato foi formalizado.
O que equivale a afirmar que a exequente não estava obrigada à integração dos executados no PERSI, porque à data da entrega em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10, já não vigorava o contrato de mútuo.
Quanto à possibilidade de o regime emergente do D.L. 227/2012, de 25/10, poder ser aplicado retroactivamente, importa recordar que resulta do nº 1 do art.º 12º do Código Civil que a lei só dispõe para o futuro. E, do mesmo modo, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Do mesmo modo, ainda, resulta do nº 2 do mesmo art.º 12º que quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos.
Ou seja, tendo o D.L. 227/2012, de 25/10, entrado em vigor em 1/1/2013, resultando expressamente previsto que só era aplicável aos contratos cuja vigência ainda se mantivesse ao tempo da sua entrada em vigor, tendo a exequente demandado executivamente os devedores cerca de um ano antes da entrada em vigor daquele diploma legal, e não mais se mantendo em vigor o contrato de mútuo de onde emerge a dívida exequenda, torna-se manifesto que a mesma não estava obrigada a realizar um procedimento legalmente inexistente.
O executado/recorrente sustenta que a obrigatoriedade de integração no PERSI, nos termos regulados pelo D.L. 227/2012, de 25/10, já decorria da Directiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 (relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação).
Torna-se patente que tal fundamentação não pode proceder, pela singela circunstância de a entrada em vigor de tal instrumento normativo de direito europeu ser posterior à entrada em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10, e sem que daquele se retire qualquer aplicação retroactiva, ou tão pouco a situações em que o contrato de mútuo para aquisição de imóvel habitacional já deixou de estar em vigor. Aliás, resultando do seu art.º 43º que “a presente directiva não se aplica aos contratos de crédito em vigor antes de 21 de Março de 2016”, e uma vez que nessa data já não estava há muito em vigor o contrato de mútuo de onde emerge o crédito exequendo, não faz qualquer sentido convocar a referida directiva para sustentar a aplicação retroactiva do regime do PERSI instituído pelo D.L. 227/2012, de 25/10.
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Todavia, e mesmo que se afirmasse a aplicabilidade do regime em questão, designadamente por não se poder afirmar a cessação do contrato de mútuo (mas apenas a exigibilidade da totalidade do capital em dívida, sem que o contrato se tivesse por resolvido com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação de restituição do capital mutuado), ainda assim mostrava-se já precludida a possibilidade de conhecimento oficioso das consequências da falta da integração dos executados no PERSI.
Com efeito, e como resulta do nº 1 do art.º 734º do Código de Processo Civil, tal excepção dilatória podia ser conhecida oficiosamente “até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados”, nos termos do nº 1 do art.º 734º do Código de Processo Civil.
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 97), tal intervenção oficiosa “pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes”.
Não se discute que o executado/recorrente podia suscitar a questão do conhecimento oficioso dessa excepção dilatória, por simples requerimento (como o fez, através do requerimento de 25/1/2024). Aliás, isso mesmo sustentam os autores acima referidos, quando na obra em questão (pág. 78) afirmam “ser sempre admissível apresentar requerimento destinado a confrontar o juiz com situações passíveis de enquadramento no art.º 734º, preceito que admite a rejeição oficiosa da execução até uma fase adiantada da instância. Por conseguinte, a defesa através de simples requerimento será uma via ajustada a enquadrar situações que lidem apenas com questões de natureza processual, dependentes da mera análise do processo, desde que, em qualquer dos casos, o contraditório seja eficazmente salvaguardado”.
Não obstante, não se pode perder de vista que só a defesa por embargos de executado concede ao executado a possibilidade de obter a sustação da venda do bem penhorado, seja pelo nº 1 ou pelo nº 5, ambos do art.º 733º do Código de Processo Civil. Do mesmo modo, só a defesa por embargos de executado permite que, ainda que que a execução prossiga, não haja lugar a pagamento sem a prestação de caução, nos termos do nº 4 do mesmo art.º 733º.
Ou seja, efectuando uma interpretação sistemática das normas legais em questão, pode-se afirmar que nos casos em que o executado não deduz oposição por embargos de executado pode ainda pedir, através de simples requerimento e já depois de esgotado o prazo para deduzir essa oposição por embargos, que o tribunal conheça de qualquer uma das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726º do Código de Processo Civil, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. Mas neste caso tal requerimento não tem a potencialidade de desencadear a produção dos efeitos a que respeita o art.º 733º do Código de Processo Civil, no que respeita à sustação dos termos da execução e, designadamente, da sustação da venda do bem penhorado, já que apenas está em causa o pedido para que o tribunal exerça o poder/dever a que respeita o art.º 734º do Código de Processo Civil, o qual só pode ser exercido até ao momento da transmissão do bem penhorado.
Assim, se a venda é concretizada e só depois dessa concretização (com a transmissão do bem vendido ao adquirente) é que o executado vem requerer ao tribunal que conheça de uma questão que, se conhecida em sede liminar, determinaria o indeferimento (ou o aperfeiçoamento) do requerimento executivo, neste momento já se mostra precludida a possibilidade de o tribunal conhecer da questão suscitada, sob pena de violação do direito adquirido por aquele terceiro de boa fé.
O que significa, reconduzindo ao caso concreto tudo o que ficou acima afirmado, que desde 17/3/2023 ficou precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art.º 734º do Código de Processo Civil, já que nessa data a aquisição passou a estar registada a favor do adquirente, assim se concretizando a venda.
O que é o mesmo que concluir que o tribunal recorrido não mais podia conhecer oficiosamente da excepção dilatória inominada da falta de integração dos executados no PERSI, nos termos requeridos em 25/1/2024.
Em suma, não há que fazer qualquer censura à decisão recorrida, quer quando aí se decidiu pela inaplicabilidade das regras relativas ao PERSI ao caso dos autos, quer quando resulta da mesma que a questão da integração dos executados no PERSI só poderia ter sido invocada até à venda do imóvel.
O que equivale a afirmar, sem necessidade de ulteriores considerações, que a decisão recorrida não merece qualquer censura, face à improcedência das conclusões do recurso, e ficando ainda prejudicado o concreto conhecimento oficioso da questão da verificação da integração dos executados no PERSI, como condição de procedibilidade da execução.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 8 de Maio de 2025
António Moreira
Higina Castelo
Fernando Caetano Besteiro