CONTRATO DE TRÂNSITO OU EXPEDIÇÃO
RESPONSABILIDADE POR CULPA IN CONTRAHENDO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
OMISSÃO DE INFORMAÇÃO ESSENCIAL PARA A DECISÃO DE CONTRATAR
Sumário

I - O contrato de trânsito ou expedição é um contrato típico, com um regime legal específico que, apesar de compreender elementos próprios de um contrato de mandato, não convoca a aplicação de regras gerais de prescrição, pois que ele próprio dispõe que direitos indemnizatórios fundados na responsabilidade contratual do transitário prescrevem no prazo de dez meses.
II - O prazo de prescrição aplicável a uma situação de responsabilidade por culpa in contrahendo será o de 3 anos, a que se refere o nº 2 do art. 227º, nº 2 do C. Civil, ainda que referida a contratos para os quais o respectivo regime prescreva prazos de prescrição mais curtos.
III - A conclusão pela culpa in contrahendo de uma das partes a quem é imputada a omissão de informação essencial para a decisão de contratar exige, quanto ao pressuposto da ilicitude, a demonstração de factos dos quais se possa inferir que essa omissão consubstanciou a violação de regras da boa-fé subjacentes a deveres de proteção e de informação que se lhe impunham.

Texto Integral

PROC. 5209/20.8T8MTS.P2
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2

REL. N.º 952
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Anabela Andrade Miranda

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

AA,, residente na Rua ..., s/n, ..., ... ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... LDA., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, entretanto integrada na B..., LDA., e contra C... COMPANY, S.A., com sede em ... ..., ... ..., Suíça, peticionando a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de 14.010,98 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de incumprimento contratual, bem como os juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento e, ainda, as custas processuais.
Alegou ter celebrado com a 1.ª ré um contrato com vista à expedição e transporte de bens pessoais para o Brasil, tendo fornecido à mesma os elementos e documentos que oportunamente lhe foram solicitados por aquela ré, tendo tal contrato sido formalizado através da fatura ..., de 11/04/2019, no valor de 1.580,00 Euros, na sequência do que a 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um contrato de transporte marítimo, titulado pelo Bill of Lading n.º .... Já após o embarque, a 1.ª ré informou que o consignatário indicado para a receção dos referidos bens pessoais não podia ser um particular, mas antes um agente NVOCC, com CNPJ, tendo, por conseguinte, as rés promovido o retorno dos bens expedidos a Portugal, com o que incumpriram as obrigações contratadas com o autor.
Alegou o incumprimento lhe determinou danos de natureza patrimonial, no valor global peticionado, correspondentes ao preço pela expedição dos bens não rececionados, ao valor que adicionalmente lhe foi pedido para levantamento da mercadoria em Portugal, o custo do recurso a um segunda sociedade transitária para o levantamento daquela mercadoria, os valores pagos ao despachante, os valores das viagens realizadas pelo autor ao Brasil para receção dos bens e, ainda, o valor das rendas pagas pela estadia naquele país. Sofreu também danos morais, consistentes no nervosismo, preocupação e tristeza pelo desconhecimento do paradeiro dos bens, pela burocracia com que teve que lidar – face aos entraves levantados por, alegadamente, a Alfândega brasileira não aceitar parte da carga (perfis de madeira) como bens pessoais, bem como pelo vexame de ter que pedir dinheiro emprestado à irmã para pagar as quantias pedidas para levantamento dos bens, danos morais esses que computou em 3.500,00 Euros.
Regularmente citada, a ré C... Company, S.A. contestou, em termos que agora não relevam, já que veio a ser absolvida da instância, por ilegitimidade, no despacho saneador.
A ré A..., Lda. também contestou, invocando a prescrição do direito indemnizatório peticionado pelo autor, em face do decurso do prazo de 10 meses, contados da conclusão da prestação de serviços contratualizada, a que alude o Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho.
Sustentou ainda a caducidade da ação face ao decurso do prazo de 1 ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que as mesmas deveriam ser entregues, nos termos do artigo 3.º n.º 6 §4.º da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em matéria de conhecimentos de carga, assinada em Bruxelas a 25 de Agosto de 1924 e recebida no nosso direito interno pelo Decreto- Lei n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950.
Alegou, além disso, que o Bill of Landing foi preenchido em respeito pelas indicações fornecidas pelo autor, verificando-se que, quanto à identificação do Consignee e do Notify, tais indicações não obedeciam à legislação brasileira, por não poderem aqueles ser particulares, mas antes agentes NVOCC, com CNPJ (pessoa coletiva inscrita enquanto tal junto das autoridades alfandegárias brasileiras), não tendo o autor, pese embora tenha sido solicitado para tanto, indicado agente autorizado alternativo.
Acresce ter sido informada de que os perfis de madeira enviados pelo autor como bens pessoais poderiam não ser aceites pela Alfândega brasileira, o que obstou, ainda, a que os agentes NVOCC contactados pela ré com vista ao desembaraço da carga tivessem aceite a prestação do serviço.
Por esse motivo e para evitar a aplicação de coimas avultadas aplicadas pelas autoridades alfandegárias brasileiras e por ser a solução menos onerosa, a ré solicitou o retorno dos bens a Portugal, sendo a privação dos bens expedidos apenas imputável ao autor e ao despachante contratado pelo mesmo.
Impugnou, ainda, os danos invocados pelo autor, seja por desconhecimento, seja por falta de nexo com o incumprimento invocado.
Sustentou, em conclusão, que o incumprimento contratual verificado foi imputável ao próprio autor e ao despachante contratado pelo mesmo e terminou defendendo a improcedência da causa.
Saneado o processo e prosseguindo este para julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela culpa, quer do autor, quer da ré, pela incumprimento do contrato em causa. Todavia, foi declarada a prescrição do direito reconhecido ao autor, em razão do que a ré veio a ser absolvida de tudo quanto contra si vinha pedido.
Tal sentença foi objecto de recurso, em resultado do qual este TRP decretou a sua anulação, em ordem a que o tribunal recorrido viesse a decidir questão que lhe havia sido submetida e cuja apreciação havia sido omitida (hipótese de responsabilização da ré por culpa in contrahendo).
Regressado o processo à 1ª instância, concluiu o tribunal pela desnecessidade de reabrir a audiência de julgamento, passando imediatamente à prolação de nova sentença. Declarou (à semelhança do decretado na primeira sentença) a prescrição do direito do autor e julgou a acção improcedente, depois de ter rejeitado a hipótese de responsabilização da ré por culpa in contrahendo.
Desta sentença vem interposto novo recurso pelo autor, que o termina formulando as seguintes conclusões:
(…)
*
A ré não ofereceu resposta eficaz ao recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foi, depois, recebido, nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
*
Invoca a recorrida a prolixidade das conclusões de recurso, sugerindo a utilidade do convite ao aperfeiçoamento das mesmas.
Apesar da prolixidade das conclusões do recurso, que o apelante não logrou corrigir apesar de isso já lhe ter sido referido anteriormente, afigura-se-nos que as conclusões apresentadas acabam por ser inteligíveis, não se justificando dar uma nova oportunidade ao recorrente para concretizar as questões para as quais pretende uma nova apreciação.
Atentar-se-á, no longo elenco de afirmações que o apelante apelida de conclusões, dali se extraindo o que se lograr identificar como questão a reapreciar.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).
Do enunciado apresentado pela apelante, conseguem identificar-se as seguintes questões:
1 - Alteração da matéria de facto, designadamente aditando-lhe a seguinte factualidade:
13B – teor da comunicação da C... para a ré A..., em 4/2/2019, referindo a necessidade de o consignatário ser um agente transitário.
22A, 22B e 22C – teor de comunicações entre a ré e a C....
33 – comunicação de BB à A..., referindo que “A CC é escritório de despachante e não pode constar como CONSIGNATARIO.
35A, 35B e 35C - comunicações de BB à A... e resposta, quanto ao preenchimento do Bill of Lading.
37 – Resposta do autor à proposta de resolução do problema, recusando-a dado o seu custo.
44 – Indicação, do autor à ré A..., de uma empresa e informação da recusa ulterior desta, para actuar como consignatário da carga de uso pessoal.
2 – Nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quanto a tal factualidade
3 - Verificação dos pressupostos de responsabilidade pré-contratual da ré., discutindo se a factualidade apurada permite concluir que “…a exigência de uma agente, pessoa colectiva ou dotada de CNPJ válido, com a qualidade de NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier) certificado para consignação da carga, resulta da imposição por parte da C..., no âmbito da relação comercial estabelecida com a Recorrida, já desde 2013 e recordada à Recorrida em 04-02-2019, aceite por esta, e não uma obrigação legal ou alfandegaria brasileira, mas que esta, ciente e dolosamente, omitiu ao Recorrente, (…) bem sabendo que a contratação de um agente NVOCC implicaria um custo suplementar, tal como se veio a verificar.” Isto a acrescer com a circunstância de “a Recorrida, num primeiro momento, antes do embarque da carga e saída em alto mar, ter indicado, à revelia do Recorrente, a A... Brasil como consignatário, por ser agente NVOCC certificado, para, num segundo momento e quando sugerida tal solução pelo Recorrente para resolução do bloqueio instalado por força da desconformidade do conhecimento de embarque, ter recusado por a A... Brasil assim não o aceitar”.
4 – Alteração da matéria de facto alterando-se a classificação dos factos provados 17º, 26º, 33º, 35º, 37º, 44º, 59º e 68º e dos factos não provados: 1º, 3º, 6º, 7º e 9º e adição de diversa outra factualidade, como descrito na al. K) das conclusões.
5 – Inexistência de concorrência de culpa do autor e Responsabilidade exclusiva da ré, por incumprimento do contrato.
6 – Ressarcibilidade dos danos invocados.
7 – Inaplicabilidade do prazo prescricional previsto no Decreto-Lei nº 255/99, de 07-07.
*
A decisão das questões identificadas supra torna útil a atenção à matéria apreciada pelo tribunal recorrido, que consta do seguinte:
Factos Provados
Com relevância para a decisão de mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A A... era uma sociedade comercial que tinha por objeto social a “actividade de transitário consistindo na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias por via aérea, marítima, rodoviária ou qualquer outro meio de transporte”.
2. O autor iniciou, em data não concretamente apurada, atividade profissional em ..., no Brasil,
3. Deslocando-se ali frequentemente, com estadias de 2 a 4 meses.
4. Por esse motivo, decidiu proceder à expedição para o Brasil de bens pessoais, consistentes em mobílias de quarto e sala e foros decorativos de aglomerado para forrar paredes e chão.
5. Para tal, optou por recorrer a uma empresa de logística de transportes/transitária.
6. O autor, em representação da referida sociedade comercial D..., Lda., já havia solicitado os serviços da A... para efetuar exportação de mercadorias em nome da referida empresa e tendo como destinatária uma empresa de que é titular no Brasil.
7. A 22/03/2019, solicitou a, pelo menos, 2 empresas transitárias orçamentos/cotações para o transporte terrestre e marítimo daqueles bens pessoais, em contentor – e a par de um segundo contentor com mercadoria comercial –, desde ..., ... até ao Porto de ..., em ..., Brasil, tendo obtido resposta da ré A... e da sociedade E....
8. A 25/03/2019, a A... remeteu ao autor o e-mail de resposta com a proposta de cotação com o seguinte teor:
“(…) No seguimento do solicitado, envio abaixo n/ cotação para 1x20’ de bens pessoais da ... até ao porto de .... .../... port: Eur 1580,00
Inclui: Transporte Terrestre (.../...); Transporte Marítimo (.../...); Despesas portuárias na origem; VGM
Não inclui: Seguro; Despesas portuárias no destino; Despacho de Exportação e de Importação; IVA; Embalamento; Manuseamento; Verificações Físicas e Armazenagens (caso ocorram); Outros trâmites aduaneiros (caso sejam necessários). (…)”.
9. A proposta da A... foi aceite pelo autor, que adjudicou àquela a organização do transporte dos dois contentores, um contendo carga comercial e, o outro, com bens pessoais.
10. A fim de agilizar os contactos, a 29/03/2019, o autor solicitou a BB, despachante no Brasil e funcionário da sociedade CC Despacho Aduaneiro, que verificasse junto dos serviços administrativos da A... se a documentação necessária ao transporte dos seus pertences havia sido entregue, no intuito de permitir o “desembaraço”/desembarque da carga no destino.
11. No mesmo dia 29/03/2019, o referido BB remeteu à A..., por e-mail, os seguintes elementos:
- Documentos de identificação civil portugueses e brasileiros, porquanto o autor é portador do “registo geral” n.º 10.688.509;
- Packing list/lista de embarque dos bens a transportar;
- Comprovativo de morada em Portugal e no Brasil.
12. Da lista de mercadoria enviada à A..., 23 dos 49 volumes de carga estão identificados como “perfil de forro/piso imitação madeira”.
13. A 01/04/2019, às 11h52m e às 11h58m, a A... solicitou ao autor e a BB, respetivamente, instruções para a emissão do Bill of Landing, expressamente informando o autor que “no Consignee e Notify não poderá ser uma entidade individual”.
13A. A 27/06/2013, a C..., por mensagem de correio eletrónico com o assunto “... – House Hold Goods to Brazil consigned to a Physical person/NOT allowed anymore”, havia comunicado a todos os seus agentes que:
“(…) Considerem que com efeitos imediatos, foi decidido parar de imediato a aceitação de reservas de Bens Domésticos/Pessoais para o Brasil se não forem consignados a um NVO/Agente (Freight Forwarder), devido aos riscos financeiros/legais que enfrentamos no Brasil.
Se o acima não for respeitado, os contentores não serão descarregados no Brasil e serão cobradas taxas extras sobre o agente manifestante! (…)”.
13B. ADICIONADO UM FACTO, COM A NUMERAÇÃO 13B, NOS TERMOS QUE INFRA SE EXPLICITAM.
14. BB, no mesmo dia 01/04/2019, pelas 16h05m, remeteu um e-mail à A... com as seguintes instruções:
“(…)
Para a proforma FP ...
Shipper: D..., Lda
Rua ..., Nº ...-2ºDrt Letra ..., Apartado ... – ... ...
Contribuinte Nº PT-...
Telefone: ...
Fax: ...
Consignee:
F... LTDA
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – Brasil
CNPJ: ...
Notify:
CC DESPACHO ADUANEIRO
Rua ..., ... ... – ... – PE
Fone: ...
Para a proforma ...;
Shipper:
DD
Rua ... – ... ... ... – ...
Consignee:
DD
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ...
Notify:
CC DESPACHO ADUANEIRO
Rua ..., ... ... – ... – PE
Fone: ... (…)”.
15. A 01/04/2019, pelas 16h45m, o autor remeteu um e-mail dirigido à A..., corrigindo as instruções para a emissão do Bill of Landing respeitante aos bens pessoais que haviam sido comunicadas por BB, com o seguinte teor:
“(…) Para o envio de bens pessoais será em nome de AA, conforme abaixo e paking list em anexo:
Shipper:
AA
Rua ... – ... ... – ... – ...
Consignee:
AA
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – ...: ...
Notifiy:
CC DESPACHO ADUANEIRO
Rua ..., ... – ... – PE
Fone: ... (…)”.
16. A 05/04/2019, a A... remeteu ao autor a seguinte informação que havia recebido do seu despachante:
“(…) Quote” Sendo assim teremos de fazer na mesma dois despachos. Porque ainda assim o soalho não pode ser considerado como bens de uso pessoal.
O que devemos fazer é um despacho para os bens pessoais, com a declaração de valor e classificando a mercadoria como tal. E fazemos outro despacho, também com declaração de valor (com os pesos e volumes e valor) para o pavimento, onde é classificado como tal.
“Unquote
Peço-lhe que nos envie duas packing lists separadas bem como duas declarações de valor.
(…)”.
17. Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados.
18. A 08/04/2019, os bens pessoais do autor foram carregados, na sua residência.
19. A 11/04/2019, a A... emitiu a fatura n.º ..., no valor de 1.580,00 Euros, sobre o autor, a qual foi paga pelo autor nessa mesma data.
20. As condições de venda estabelecidas foram as seguintes:
a) DAP Suave – delivery at place em ..., Brasil;
- Com data prevista de saída em 08/04/2019 e data prevista de chegada a 22/05/2019;
- Com local de carga em Rua ..., s/n, ..., ... ..., e descarga em ...;
- Incluindo como porto de saída de ... e porto de chegada ..., sendo os bens pessoais do autor transportados no navio ...;
b) Freight all in: ou seja, inclui o frete e sobretaxas principais, por contentor ou ton/m3.
21. Em anexo à referida fatura foi junto documento denominado “Condições Gerais de Prestação de Serviços pelas Empresas Transitárias”, com o seguinte teor:
“(…) Artigo 2.º
Âmbito
Toda e qualquer prestação de serviços pelo Transitário, que tenha lugar no âmbito da actividade e do regime definido no respectivo estatuto jurídico aprovado pelo Dec. Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, reger-se-á, salvo convenção em contrário, pelas presentes cláusulas contratuais gerais.
Artigo 3.º
Aplicabilidade
O Transitário deverá prestar os seus serviços de harmonia com as instruções do cliente, conforme acordado. Na falta de estipulação escrita de condições contratuais diferentes, o cliente, quer intervenha ou actue na qualidade de possuidor dos bens ou mercadorias, quer faça, ou não, na qualidade de agente ou representante de outrem, fica constituído perante o transitário nos direitos e obrigações que as presentes condições gerais estabelecem.
(…) Artigo 8.º
Instruções escritas
1. O cliente é obrigado a enunciar, por escrito, e de modo claro, preciso e completo, as instruções e as especificações das mercadorias respeitantes ao objecto de cada contrato.
2. O transitário, à data da recepção das instruções, deve proceder à sua análise com o fim de verificar a sua conformidade com os serviços que se tenha comprometido a prestar.
Artigo 9.º
Conferência das instruções
À recepção dos documentos emitidos pelo transitário, o cliente deve examiná-los cuidadosamente e assinalar imediatamente os eventuais erros ou divergências, por forma a que o transitário possa efectuar, em tempo, as necessárias rectificações.
Artigo 10º
Instruções inadequadas ou insuficientes
1. Caso se verifiquem nos documentos ou declarações do cliente, erros, inexactidões, insuficiências, ou falta de indicações necessárias à boa execução do contrato, nomeadamente quanto à natureza, valor, peso, medida ou conteúdo das coisas objecto do contrato, recairá sobre o cliente, toda a responsabilidade pelas consequências resultantes de tais anomalias.
2. Se o transitário se aperceber da existência de quaisquer anomalias ou irregularidades a que se refere o número anterior, das quais possam resultar responsabilidades e/ou prejuízos para qualquer dos contratantes ou para terceiros, deve de imediato informar o cliente, de modo a que essas anomalias ou irregularidades, possam ser sanadas em tempo oportuno.
3. Se as anomalias ou irregularidades previstas nos números anteriores não forem sanadas em tempo que permita ao transitário dar execução aos serviços que integram as suas atribuições, fica o mesmo legitimado a rescindir o contrato, ou a dar-lhe execução de acordo com o teor dos documentos e declarações do cliente, caso em que correm, por conta deste, todos os danos e responsabilidades que directa ou indirectamente resultem das referidas anomalias ou irregularidades.
4. No caso de mercadorias objecto de contrato de compra e venda, a não conformidade das instruções do cliente com as condições inerentes ao referido contrato será da responsabilidade do cliente.
(…) Artigo 14º
Instruções na movimentação de bens ou mercadorias
1. O transitário poderá promover outras operações igualmente por conta do contratante, nomeadamente a recolha ou armazenagem dos bens ou mercadorias, quer em obediência a instruções recebidas deste, quer pelo período em que dele aguarda instruções, quer ainda em consequência de interrupções ou adiamentos do transporte, devendo, em qualquer caso, informar, de imediato, o mesmo contratante.
2. Na falta de instruções especiais do contratante, o transitário utilizará as vias e meios que julgar convenientes ou possíveis para o encaminhamento dos bens ou mercadorias objecto do serviço que lhe tenham sido confiados.
Artigo 15º
Outras obrigações do transitário
O transitário só se obriga a promover trâmites ou formalidades junto das entidades competentes que expressamente lhe sejam solicitadas pelo cliente; em qualquer caso o transitário não responderá pelos prejuízos que possam resultar do indeferimento ou de demoras daquelas entidades ou de insuficiências nos elementos que, para o efeito, lhe tenham sido fornecidos pelo cliente.
(…) Artigo 22º
Limitação da Responsabilidade
1. O transitário responde perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado.
2. A responsabilidade do transitário resultante dos contratos celebrados, é limitada pelos montantes estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se for convencionado pelas partes outro limite.
3. Em qualquer caso a responsabilidade do transitário não será superior ao valor real do prejuízo ou ao valor dos bens ou mercadorias, se este for inferior.
(…) Artigo 25º
Prescrição do Direito de Indemnização
O direito de indemnização resultante da responsabilidade da empresa transitária prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação do serviço contratado (…)”.
22. A A..., no âmbito das suas funções, acordou com a C... Company, S.A. o transporte via marítima da carga.
22A. ADICIONADO UM FACTO, COM A NUMERAÇÃO 22A, NOS TERMOS QUE INFRA SE EXPLICITAM.
23. A 16/04/2019, a A... remeteu ao autor um rascunho do respetivo Bill of Landing emitido pela G..., no qual se identificava como “Shipper”, AA, como “consignee”, AA e como “notify party and address”, CC Despacho Aduaneiro.
24. Nem o autor, nem o despachante do autor fizeram qualquer comentário ao rascunho remetido pela A....
25. Por e-mail datado de 16/04/2019, sob o assunto “...”, o autor refere:
“(…) Acho melhor mudar o nome dos perfis de madeira (vai dar problema na aduna de certeza), até porque não são perfis de madeira, quanto muito perfis de aglomerado e plástico.
Vejam se indicam o nome que vai no paking list (forro/piso de imitação de madeira) ou alguma coisa que não nos vai criar problemas… com a descrição que está da a entender que é mercadoria…”.
26. Por e-mail de 22/04/2019, a A... informou o autor de que o navio ..., onde deveriam seguir os bens pessoais do autor, omitiu a sua escala em ..., pelo que se viu a mesma obrigada a “rolar”/transferir a carga para a próxima saída de navio, no caso, o ..., com saída prevista para o dia 26/04/2019.
27. O autor a tal não se opôs.
28. Foi então emitido o Bill of Landing n.º ..., pela C... Company, S.A., com data de saída a 27/04/2019.
29. Por e-mail de 29/04/2019, a A... confirmou ao autor o embarque dos seus bens pessoais e a saída do porto de ... a 27/04/2019 assim como a data de chegada prevista para 22/05/2019.
30. A 30/04/2019, pelas 11h03m, a A... remeteu e-mail a BB com o seguinte teor:
“(…) Por favor verifique informação da companhia:
QUOTE
Consignee
AA
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ...
Tel: ...
Como bem sabem para o Brasil é obrigatório manifestar o CNPJ das entidades.
Informem com máxima urgência nova entidade coletiva (com CNPJ válido) e não uma pessoa individual.
A C... não se responsabilizará por multas no destino derivadas deste caso.
Pois, como sabem, é proibido manifestar pessoas individuais para o Brasil (…)”.
31. No mesmo dia 30/04/2019, pelas 12h22m, a A... remeteu novo e-mail a BB, informando que:
“(…) De modo a prevenir esta situação de custos alteramos o BL.
Trocamos o consignee pelo Notify sendo que assim já será permitido.
Peço-lhe que confirme o CNPJ por favor. (…)”.
32. No Bill of Landing passou a constar, além do mais:
“(…) Shipper:
AA
Rua ... – ... ... – ... – ...
Consignee:
CC DESPACHO ADUANEIRO – CNPJ: ... - TELM: ...
Rua ..., ... – ... – PE
Fone: ...
Notifiy:
AA – CPF: ...
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ... (…)”.
33. Em resposta, BB informou a A... que “A CC é escritório de despachante não tem pode constar como CONSIGNATARIO” e, ainda, que “O BL Master (C...) não era pra ser emitido em nome da A...? E a vocês emitirem um HBL para o AA e também para F...? Como nos foi enviado os drafts inicialmente? Pois somos uma comissária de despachos não podemos ser consignatário de cargas.”.
34. No mesmo dia 30/04/2019, às 12h45m, respondeu a A... a BB nos seguintes termos:
“(…) A A... no Brasil não aceita cargas pessoais pelo que não podemos enviar o BL Master para a A....
Logo na(ão) existirá BL Master. Contudo como já informei a companhia não permite que o consignatário seja um particular.
Pelo que questiono quem deveremos colocar como consignatário e qual o CNPJ. (…)”.
35. Pelas 14h55m, do mesmo dia, a A... remete novo e-mail ao autor com o seguinte teor:
“(…) Estive a verificar com os meus colegas e o serviço contratado à A... fora o serviço de transporte marítimo.
Teremos toda a disponibilidade para junto do despachante no destino emitir BL conforme o necessário e exigido pela alfândega Brasileira desde que nos instruam os elementos a mencionar.
Note que a C... nunca se recusou ao transporte de bens pessoais.
Caso pretenda temos agente/despachante de bens pessoais no Brasil que talvez nos possa ajudar no desalfandegamento.
Se entretanto conseguir a informação de quais os dados que possamos mencionar no BL de modo a que o desalfandegamento seja feito de forma benéfica por favor informe. (…)”.
36. No dia 03/05/2019, a A... remeteu ao autor e-mail com o seguinte teor:
“(…) Relativamente ao pedido que nos efetuara já haveremos encontrado uma solução.
Por favor verifique em baixo os valores para o serviço:
 Desembaraço da Mercadoria - 3.013,33€
Inclui: documentação, devolução do contentor vazio, retirada do porto/aeroporto, entrega do contentor na residência, traduções, consultoria sobre a documentação necessária para o desembaraço aduaneiro, presença de executivo multilingue durante a entrega
Excluí: taxa de corretagem/taxa sindical/processo de despacho aduaneiro US$750,00, taxas (se houver), demurrage, taxas portuárias, tais como armazenamento no cais, THC, Taxa Federal Marítima.
Armazenagem em nosso armazém, manuseio de armazém, entregas extras, serviços especiais (como içamento, escada), manuseio duplo devido a restrições de acesso, manipulação de piano, trabalho aos sábados, domingos e feriados, segundo pick-up, montagem de novos móveis ou qualquer mobiliário que requer ferramentas especiais e/ou instruções especiais, descarregando, desembalando, desembrulhando e removendo os detritos.
 Notas:
1. O processo de despacho aduaneiro (costums clearance) no Brasil leva entre 3-4 semanas e ssline apenas oferece 7 dias grátis para demurrage;
2. Custo estimados de porto, 2.235,55€, estão excluídos e acima mencionados.
Necessitamos da confirmação de aceitação das despesas via e-mail.
Caso exista adjudicação necessitamos que o serviço seja pago a pronto, assim como fora o frete.
Para um possível seguimento caso exista adjudicação por favor informe:
- Qual o tipo de visto do consignatário?
- Quem será responsável pelo pagamento de taxas portuárias e impostos? (…)”.
37. No mesmo dia 03/05/2019, pelas 15h41, o autor respondeu, rejeitando a solução apresentada pela A....
38. Pelas 16h26m, a A... informa o autor que a cotação que havia sido por este pedida incluía apenas a recolha do contentor em Portugal e o frete marítimo até ao porto de destino e que os serviços no destino não estavam incluídos aquando da adjudicação do autor à A....
39. A 06/05/2019, a A... remeteu novo e-mail ao autor com o seguinte teor:
“(…) Em seguimento ao seu e-mail e no sentido de esclarecer toda esta situação, informamos:
● O serviço oferecido pela A... não inclui serviços de destino pois o AA informou que seria tratado pelo vosso agente;
● Nesta conformidade, deve ser o AA ou o vosso agente na qualidade de vosso representante no destino a indicar-nos as instruções para preenchimento do BL;
● O vosso agente facultou informações que não podem ser aceites pela companhia marítima, pelo que a A... está a aguardar informação do vosso agente com instruções válidas para emissão de BL desde 01/04/2019, até ao momento não nos facultaram dados válidos;
● Neste sentido, a A..., a pedido do AA, facultou opções com um dos seus agentes no Brasil (especializado em bens pessoais), bem como o preço para efetuar os serviços de destino (Desalfandegamento de importação + Entrega)
Perante os valores facultados o AA poderá optar por:
1. Adjudicar o serviços e os valores inerentes por escrito à A... e efetuar o pagamento antecipado dos mesmos. Direitos e Taxas aduaneiras poderão ser cobrados diretamente pelo Agente Brasileiro no destino ao AA;
2. Não aceitar os valores e indicar-nos instruções válidas para emissão do BL, para podermos dar seguimento ao serviço inicialmente contratualizado que exclui serviços de destino; (…)”.
40. Respondeu o autor por e-mail do mesmo dia, nos seguintes termos:
“(…) Conforme também já foi mencionado diversas vezes, nunca solicitei serviço no destino, e continuo a não solicitar...
Volto a relembrar, solicitei cotação para um contentor com bens pessoais CIF ..., entendo eu(não “expert” na matéria) que a condição CIF é o inclui o serviço de transporte até ao porto de destino, ficando por conta do destinatário (neste caso eu mesmo) todo o custo dai por diante. (…)”.
41. Ainda a 06/05/2019, o autor solicitou à A... que esta cedesse o embarque a outra transitária, a H..., Lda., o que foi recusado pela C....
42. No dia 08/05/2019, a C... informa a A... que:
«(…) “Personal effects” para o Brasil necessitam de consignee NVOCC que tenha SCAC Code (The Standard Carrier Alpha Code is a unique code used to identify transportation companies) (…)».
43. Por e-mail’s de 07/05/2019 e de 08/05/2019, a A... informou o autor de que a C... havia recusado a cedência do booking a outro transitário, exigindo a consignação a um agente NVOCC.
44. A 09/05/2019, o autor indicou à A... um novo despachante no Brasil, a empresa I..., Lda., na pessoa de EE, o qual, a 10/05/2019, também comunica não conseguir “nenhum agente NVOCC que tenha SCAC code válido e que aceite desconsolidar objetos de uso pessoal/mudança (…)”.
45. No dia 17/05/2019, a ré A... informou o autor ter um agente no Brasil, a empresa J..., que aceitavam o agenciamento do BL, na condição de efetuar, também, o desalfandegamento da mercadoria, atentas as responsabilidades que adivinham do facto de passar a figurar como consignatário da mercadoria.
46. Tal solução implicava que o autor pagasse 995$00 USD de agenciamento de despacho e mais 390,00 Euros de extensão de free time para o despacho.
47. Por e-mail de 17/05/2019, o autor comunicou à A... a aceitação da proposta.
48. No dia 20/05/2019, após análise da J..., a mesma informou a A... que não era possível àquela empresa efetuar o desalfandegamento do contentor, porque parte da carga, referente ao “forro/piso de imitação de madeira” é considerada comercial e não bens pessoais, o que foi transmitido ao autor, no dia 21/05/2019.
49. A 23/05/2019, a J... informa, novamente, a A... que:
“(…) Conversamos com o nosso despachante e eles nos deu as seguintes opções:
1 - Que o embarque retorne a Portugal imediatamente após a chegada a .... Apesar dos custos adicionais, seria a maneira mais segura de conseguirmos a entrada dos itens no Brasil. Após o retorno, os itens poderiam ser separados e embarcados individualmente ao Brasil. A parte de mudança poderia ser desembaraçada sem problemas. A parte dos pisos seria embarcada sob outra categoria.
2 - A tentativa de desembaraço da maneira que está. É altamente improvável que os itens sejam liberados dessa maneira. A partir do bloqueio, o cliente teria de contratar um advogado aduaneira para resolução. Há riscos de que a mercadoria seja confiscada.
O nosso despachante está buscando uma última alternativa em ..., mas, com o que recebemos, é bastante improvável a liberação do container no Brasil. (…)”.
50. De forma a esclarecer o autor de todas as dúvidas, os contactos da J... foram fornecidas ao mesmo para que aquele os pudesse contactar diretamente.
51. A 27/05/2019, a J... informa a A... que:
“(…) Mesmo com a empresa no Brasil, não conseguimos realizar a importação dos perfis de madeira. Como eles não se enquadram em bagagem, seria uma importação comum. Veja comentário de nosso despachante:
Para Importação Comum, há uma série de procedimentos e exigências diferentemente de um processo de bagagem, além do RADAR. À princípio, note que não é permitida a importação de itens usados no Brasil, exceto para mercadorias e casos pontuais. Segue parte da legislação, apenas para conhecimento.
APURAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PRODUÇÃO NACIONAL PARA FINS DE IMPORTAÇÃO DE BENS USADOS OU SUJEITOS AO EXAME DE SIMILARIDADE Conforme disposto no art. 15, alíneas d e, da Portaria SECEX nº 23/2011, as importações sujeitas ao prévio exame de similaridade e as importações de máquinas e equipamentos na condição de usados estão sujeitas a licenciamento não-automático, previamente ao embarque dos bens no exterior.
As importações sujeitas ao prévio exame de similaridade (Decreto-Lei 37/66) e as importações de máquinas e equipamentos na condição de usados (art. 22.a.1 da Portaria Decex nº 8, de 13.05.91) estão sujeitas ainda à apuração de produção nacional, nos termos dos artigos 37 e 46 da Portaria SECEX nº 23/2011, respectivamente. (…)”.
52. Tendo a referida informação sido remetida ao autor, o mesmo, por e-mail enviado à A..., no mesmo dia 27/05/2019, respondeu:
“(…) Sim, disso eu tenho conhecimento, para bens usados necessitaria uma LI que nunca seria aprovada para os itens em questão, vamos esperar até segunda para ver o que a reunião com o fiscal. veja se me respondem aquelas questões entretanto p.f (…)”.
53. Ainda no mesmo dia 27/05/2019, o autor remeteu novo e-mail à A... com o seguinte teor:
“(…) Falei com o EE na Sexta, ele agendou reunião com o diretor dos fiscais da alfandega de ... para a proxima segunda feira, irei estar presente e tentar que ele aceite o forro (pré autorização), caso isso se verifique seguimos com o que estava inicialmente previsto (agencia e fazer o despacho com a empresa J...). Na segunda a noite já lhe dou uma posição
(…)
Caso o contentor venha de volta para Portugal, necessito saber os custos, para avaliar como proceder (irei questionar também a possibilidade de abandonar/doar a carga) (…)”.
54. A 29/05/2019, a J... comunica à A... que não pretende constar como consignatária deste transporte, nos seguintes termos:
“(…) Acabei de ter um call com nosso despachante acerca de seus questionamentos, veja comentários abaixo:
Conseguiu verificar a possibilidade de o container descarregar em armazém alfandegado, desembaraçar os bens pessoais e destruir de imediato os perfis, não os considerando para introdução junto da Alfandega?
Essa alternativa não foi recomendada devido ao processo que levaria a destruição dos perfis.
Segundo nosso despachante, o processo provável seria de liberação dos itens de mudança e retenção dos perfis de madeira em armazém alfandegado. A Receita iria, então, esperar um prazo para que a situação fosse regularizada (cerca de 90 dias), após isso, os item seriam enviados a leilão. Caso não sejam comprados, aí, finalmente, seriam destruídos.
Durante todo esse processo, ocorrerá despesas de armazenagem que podem ser cobradas do cliente, da J... ou do nosso despachante.
Por isso, solicitamos que NÃO consigne essa mudança à J..., nós não poderemos realizar a liberação. Não podemos ter envolvimentos com este processo que deve grandes taxas de despesas de armazenagem.
Uma alternativa será checar com o despachante já utilizado pelo cliente no Brasil, para verificar alguma outra alternativa. (…)”.
55. A 31/05/2019, o despachante do autor EE contactou FF, auditor fiscal da Receita Federal Brasileira, que informou, por e-mail, que era possível enquadrar os perfis de madeira como bagagem.
56. Do que o autor deu conhecimento à A..., no próprio dia.
57. Mais foi, então, informado telefonicamente que a sociedade que teria aceitado agenciar o Bill of Landing já não estava disponível para tal.
58. Entretanto, o tracking do navio informava que o contentor chegaria ao seu destino, no dia 06/06/2019.
59. O autor viajou para o Brasil a 02/06/2019, além do mais, a fim de estar presente aquando da chegada do contentor.
60. A 03/06/2019, às 09h18m, a C... informa a A... que a data limite para o retorno do contentor do autor para Portugal era nesse próprio dia, até às 11h30m.
61. Em resposta, a A... solicitou à C... que atrasasse o retorno, pelo menos, até às 17 horas desse dia, uma vez que o autor iria ter ainda uma reunião com o inspetor da Alfandega.
62. A 03/06/2019, a A..., mais uma vez, informa o autor que:
“(…) Em seguimento às várias comunicações trocadas sobre o envio de bens pessoais para o Brasil e dado que até ao momento não nos indicou um agente NVOCC válido para consignação da mercadoria, solicitamos com efeito imediato o retorno do contentor a Portugal à companhia marítima em questão.
Apesar da A... ter tentado ajudar, esgotamos a lista de contactos de agentes que poderiam ser aceites pela companhia marítima para consignação do MBL.
Pelo que, dado que o Sr. AA até ao momento não indicou qualquer agente válido e tendo todos os agentes que contactamos (numa tentativa de dar suporte), recusado ser consignatários da mercadoria, somos forçados a solicitar o retorno desta mercadoria a Portugal, sob pena de existirem custos avultados no Brasil, incluindo multas e paralisações que podem ascender aos 50.000,00€ ou 100.000,00€.
De salientar, que os nossos agentes no Brasil aconselharam firmemente o retorno do contentor, para evitar estes custos astronómicos.
A informação que o Sr. AA nos facultou do Dr. FF, lamentavelmente é insuficiente, pois o que deveríamos ter recebido seria detalhes válidos para consignação do BL.
De salientar que a consignação do BL a um agente NVOCC é uma exigência da Alfândega Brasileira desde 2013.
Mais informamos que o expedidor é responsável pela mercadoria que carrega e, neste caso, tendo o Sr. AA indicado que teria agente no destino deveria ter-nos indicado um agente válido para consignar a mercadoria de acordo com as leis do Brasil. De salientar, que a 01/04 fora solicitado instruções para BL indicando que no Consignee e Notify não poderia ser uma entidade individual, pelo que da parte da A... foi devidamente informado.
Mais informamos que os custos inerentes do retorno do contentor serão devidamente repercutidos ao Sr. AA. Assim que tenhamos os custos finais, informaremos.
(…)”.
63. No próprio dia, respondeu o autor nos seguintes termos:
“(…) Mais uma vez lembro os srs do seguinte:
Contratei o envio de um contentor com bens pessoais a A..., CIF ..., informando isso mesmo na consulta de preço.
Nunca, em qualquer momento informei que tinha agente no Brasil, nem nunca antes do embarque essa questão me foi colocada.
Sou sim responsável pelos bens que enviei assim como por custear todos os custos no destino inerentes ao despacho. O que como podem ver pelo parecer escrito do dr FF (chefe dos inspetores da RF de ...) os produtos que enviei todos se enquadram em mudança de bens pessoais). Quanto ao despacho, para o fazer necessito que v.exas se dignem a emitir o BL conforme as instruções do mesmo (Dr FF).
Caso os srs não me facultem o BL, estão em falta contratual comigo, não estão a prestar o serviço que já paguei há mais de 2 meses, pelo que todo o meu prejuízo financeiro, bens pessoais, tempo perdido, viagem para o brasil para desalfandegar os meus pertences será da responsabilidade de v/exas. Irei portanto, recorrer a todas as entidades ao meu alcance para ser ressarcido dos meus prejuízos e expor a atuação da A.... (…)”.
64. Ainda por e-mail de 03/06/2019, informou a A... o autor de que:
“(…) Em seguimento ao primeiro email enviado hoje de manhã, voltamos a salientar o facto de que a informação que o Sr, AA nos facultou do Dr. FF, lamentavelmente ser insuficiente, pois até ao momento não recebemos da parte do Sr. AA uma entidade NVOCC válida para consignação do MBL.
Neste sentido somos a informar que se dentro de 1 hora não nos facultar um agente NVOCC válido para emissão do BL o contentor será devolvido a Portugal, para que o mesmo não incorra em coimas e/ou penalizações por não conformidades de foro legal.”.
65. Às 16h21m, do mesmo dia 03/06/2019, a A... informou o autor que:
“(…) Visto que não nos facultou até ao momento um agente NVOCC válido para a consignação desta mercadoria, iremos solicitar o retorno da mesma e devolvê-la ao proprietário.
Os custos inerentes a este retorno serão devidamente informados e imputados ao Sr. AA. (…)”.
66. Na sequência das referidas comunicações, a A... promoveu o retorno dos bens pessoais do autor a Portugal.
67. A 07/06/2019, o autor outorgou, com GG, documento denominado “contrato de locação de imóvel residencial”, com o seguinte teor:
“(…) CLÁUSULA PRIMEIRA: O objeto deste contrato de locação é o imóvel residencial, n.º ..., situado à RUA ..., ..., BAIRRO ..., ..., ...
CLÁUSULA SEGUNDA: O prazo da locação e de 6 meses, iniciando-se em 07 DE JUNHO DE 2019 com término em 07 NOVEMBRO DE 2019, independentemente e aviso, notificação ou interpelação judicial ou mesmo extrajudicial.
CLÁUSULA TERCEIRA: O aluguel mensal, deverá ser pago até o dia 10 (dez) do mês subsequente ao vencido, no local indicado pelo LOCADOR, e de R$ 2200,00 mensais, reajustados anualmente, de conformidade com a variação do IGP-M apurada no ano anterior, e na sua falta, por outro índice criado pelo Governo Federal e, ainda, em sua substituição, pela Fundação ..., reajustamento este sempre incidente e calculado sobre o último aluguel pago no último mês do ano anterior. (…)”.
68. Com a viagem do autor para o Brasil, a 02/06/2019 e com o arrendamento da casa em ..., pretendia, além do mais, o autor entregar procuração e documentos ao despachante para a receção dos seus haveres pessoais.
69. Os quais chegaram a Portugal, a 26/07/2019.
70. A C... faturou à A... os custos com o retorno e o desembarque da carga, nos valores de 3.087,73 Euros e de 270,00 Euros.
71. A A... exigiu ao autor o pagamento da quantia de 4.633,16 Euros para que este procedesse ao levantamento dos seus bens, para o que emitiu, em nome daquele, a fatura n.º ..., de 31/07/2019.
72. A irmão do autor, HH, em nome daquele autor, a 08/08/2019, transferiu para a A... a referida quantia de 4.633,16 Euros.
73. A 11/09/2019, o autor entregou ao despachante EE a quantia de 1.850,00 Reais, por conta dos honorários do mesmo referente à “acessória e representação junto dos órgão da Receita Federal para desbloqueio de seu container com mudança de moveis para o Brasil, que foi embarcado com irregularidades pela A... Portugal”.
74. Para proceder ao levantamento dos seus bens, o autor recorreu à sociedade H..., Lda., a qual procedeu à recolha da carga nos armazéns da A..., em data não concretamente apurada, pelo valor de 135,00 Euros, e diligenciou pelo transporte dos bens pessoais do autor para o Brasil, tendo faturado os referidos serviços no valor total de 1.055,00 Euros.
75. As comunicações rececionadas pelo autor após o embarque da carga deixaram o autor nervoso e angustiado, ante a incerteza quanto ao destino dos seus bens.
76. O autor regressou a Portugal a 22/09/2019, tendo sido o seu pai a rececionar os bens, no Brasil.
77. O autor deu entrada da petição inicial da presente ação a 12/11/2020.
78. A A... foi citada para os presentes autos a 03/12/2020.
2. Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa. Não se provou, nomeadamente, que:
1. O autor, com o auxílio do seu despachante no Brasil, CC e EE, efetuou mais de 50 chamadas para o Brasil, encetando contactos com a C... Brasil, a G... e outras sociedades de agenciamento de BL.
2. A 10/06/2019, por consulta ao K..., apurou o autor que o contentor contendo os seus bens pessoais fora descarregado e voltara a ser carregado, rumo a Portugal.
3. O autor apenas teve acesso aos seus bens pessoais, no dia 30/09/2019.
4. Para proceder ao pagamento da quantia exigida pela A..., o autor viu-se compelido a contrair um empréstimo junto de HH, no valor de 4.000,00 Euros.
5. O que muito o vexou, já que não mais solicitara mútuos desde a aquisição da sua casa de morada de família, em Portugal.
6. O autor passou noites a fio sem dormir.
7. Atormentado, já nem esperava recuperar os seus haveres.
8. O que originou longas discussões com a sua esposa e com os seus colegas de trabalho, atenta a falta de paciência que toda a situação engendrou.
9. A situação causou tristeza ao autor.
10. O autor é sócio da sociedade comercial D..., Lda., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., 2.º Dto., Letra ..., ... ..., a qual tem por objeto o comércio, importação, exportação, montagem, assistência e reparações de equipamentos e materiais para revestimento de superfícies e máquinas; recolha e comércio de resíduos de zinco.
11. A consignação do Bill of Landing a um agente NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier – empresa inscrita enquanto tal junto das autoridades alfandegárias brasileiras) é uma exigência da Alfândega brasileira, desde 2013.
12. Os “perfis de forro/piso imitação madeira” não são pessoais do autor, antes são comercializados pela empresa D..., Lda..
13. Como o autor é titular de uma empresa no Brasil que importa bens de Portugal, a A... estava convencida que o autor era conhecedor dos trâmites do transporte internacional de mercadorias via marítima, por outro lado, o autor nunca demonstrou qualquer desconhecimento relativamente a estes trâmites
*
Como acima se referiu, a sentença agora em crise é subsequente a uma outra que foi alvo de anulação, a fim de ser complementada pelo conhecimento de um dos fundamentos da pretensão do autor.
Com efeito, o autor alicerçou a sua pretensão indemnizatória em duas ordens de razões:
- Uma, respeitante à culpa da ré na formação do contrato que veio a ser celebrado entre ambos, alegando que a ré tinha conhecimento de circunstâncias que prejudicariam o cumprimento do contrato, tal como foi celebrado, tudo redundando nesse incumprimento e nos danos que sofreu.
- Outra, respeitante grosso modo, ao incumprimento do contrato, que atribui a culpa exclusiva da ré.
Porém, em tal sentença, nada havia sido apreciado quanto àquele primeiro fundamento.
Foi, consequentemente, proferida nova sentença – a agora recorrida – em que o tribunal concluiu pela não verificação de culpa in contrahendo, em atenção aos factos que, para esse efeito, complementarmente teve por úteis. E, tal como na sentença anterior, cujo conteúdo a esse propósito manteve, concluiu pela prescrição do direito do autor, depois de ter reconhecido a existência de culpas concorrentes, da ré e do próprio autor, quanto ao incumprimento do contrato.
Como se referiu no acórdão anterior deste TRP, a esse propósito, a estrutura da sentença assenta no reconhecimento do direito do autor, emergente de um “contrato de trânsito ou de expedição, por via do qual a A... se obrigou, contra o pagamento de um preço por parte do autor, a promover o planeamento, a coordenação e a direção das operações com vista à expedição para o Brasil, de dois contentores, um de carga comercial e, outro, com bens pessoais daquele autor”. Concluiu o tribunal que esse contrato foi incumprido pela ré e, apesar de mitigada a sua culpa com a culpa do próprio autor, não deixou de afirmar que aquela deveria indemnizar em parte os prejuízos sofridos pelo autor. Porém, concluiu pela prescrição desse mesmo direito, por aplicação do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, que dispõe: “o direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.”.
Inexistem razões para discutir a qualificação do contrato em questão, conforme foi densamente justificado pelo tribunal recorrido, em termos que a própria apelante não discute. Tal como não discute a subsunção do contrato ao regime constante do citado D.L. 255/99, de 7 de Julho, votado à regulação da actividade de transitário a que a ré se dedica. Sem prejuízo, alega que a intervenção da ré, em momento ulterior, transcendeu tal actividade, o que é de ordem a prejudicar a aplicação do prazo de prescrição de dez meses, previsto em tal regime. Mas a essa questão nos referiremos em tempo oportuno.
Ora, como se define no nº 2 do art. 1º desse diploma, “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.”
Por outro lado, independentemente do que foi, no caso concreto, a angariação e a execução do próprio transporte das mercadorias, é incontroverso que não foi no âmbito da prestação do transporte, que esteve a cargo da empresa C... COMPANY, S.A., que ocorreram os factos que determinaram a não realização do objectivo pretendido pelo autor, isto é, a colocação dos seus pertences à sua disposição, no Brasil, para onde pretendia enviá-los a partir de Portugal. De resto, a C... foi mesmo absolvida da instância, nesta acção.
Centra-se, assim, o objecto da causa na relação contratual estabelecida entre autor e ré, que, como se referiu, se qualifica como um contrato de trânsito ou expedição, tendo por objecto a realização de uma prestação típica de transitário, por parte da ré.
Todavia, perante a aplicação do prazo de prescrição constante do art. 16º do regime específico da actividade transitária, que dispõe “O direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada”, veio o autor apontar que tinha invocado também que a responsabilidade da ré se sedia na fase pré-contratual, designadamente por não o ter informado e não ter assegurado a realização dos pressupostos que seriam essenciais para a ulterior realização do fim do contrato, antes tratando de assegurar a vinculação do autor, providenciado pela execução desse contrato e do de transporte, apesar de dever saber que as mercadorias deste não haveriam de ser desalfandegadas no Brasil, provocando mais custos com o seu transporte de volta para Portugal.
Como se refere no Ac. do STJ de 9/2/2021 (proc. nº 720/19.6T8VFR.P1.S1, Relator Fernando Samões, em dgsi.pt), entendemos que a responsabilidade in contrahendo assume uma natureza complexa, que não se identifica puramente com uma dimensão contratual ou extra-contratual. Trata-se de uma responsabilidade que não deriva do contrato, mas que surge a propósito do contrato, tal como não deriva de uma relação absolutamente episódica entre as partes, num quadro de circunstâncias ocasional em que as suas esferas jurídicas colidem, antes surge num outro quadro em que as partes pretendem que as suas esferas jurídicas se conexionem, disso tendendo a resultar direitos e deveres recíprocos para cada uma delas.
É num tal quadro de circunstâncias, em que as partes já se relacionam em ordem a celebrarem entre si um contrato, que a lei lhes impõe o dever de observância de ditâmes de boa fé cuja violação, venha ou não a concretizar-se esse contrato, poderá determinar a obrigação de indemnização de prejuízos que alguma delas venha a suportar, como consequência dessa violação.
Transcreve-se, a este propósito, o expendido no citado Ac. do STJ: “Como é referido pela Conselheira Maria da Graça Trigo, na anotação ao citado art.º 227.º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512 e no acórdão, por si relatado, deste STJ, de 7/11/2019, processo n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1[3], “A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)”.
E acrescenta: … “Mais importante é o facto de a responsabilidade pré-contratual consistir indubitavelmente numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exigindo-se que se verifiquem os pressupostos tradicionais desta forma de responsabilidade civil, i.e., facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Justifica particular atenção o pressuposto da ilicitude que corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, expressão aqui utilizada em sentido objetivo, como norma de conduta.”
No caso, a responsabilidade que o autor imputa à ré traduz-se na responsabilidade “…pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes.” Tal responsabilidade nasce a montante quer da celebração, quer da execução do próprio contrato, embora a propósito do mesmo.
Para sustentar tal tese, alegava já o autor, no precedente recurso, a necessidade de complementação do elenco de factos provados com diversa outra factualidade.
Na sentença sob recurso, todavia, o tribunal limitou-se a aditar um único facto, sob o ponto 13A, afirmando que os demais que o autor enunciara, situando-se já a jusante da celebração do contrato, são impertinentes para a indagação da alegada responsabilidade pré-contratual.
Em abstracto, tal afirmação é de rejeitar liminarmente. Com efeito, não é de excluir que factos ulteriores à celebração de um contrato permitam caracterizar, por a evidenciarem, a boa ou má fé de uma das partes nos momentos da respectiva preparação e celebração. No caso, não é de excluir que actos ulteriores à celebração do contrato de trânsito, entre as partes, venham a revelar que, antes disso, já a ré sabia que iria haver um problema ulterior com a escolha de um consignatário para as mercadorias do autor, não o tendo advertido disso para não prejudicar o contrato, no convencimento de que a situação haveria de se resolver.
Por isso, não é pelo simples facto de alguns factos serem ulteriores ao momento da celebração do contrato que, simplesmente, se devem ter por irrelevantes para a decisão a proferir. Diferentemente, tal apreciação deve ser casuística, pois também é certo que não deverá este tribunal de recurso considerar factos estéreis, inconsequentes para a decisão da questão sub judice, sob pena de incorrer na prática de actos inúteis, expressamente tidos por ilícitos pelo legislador – art. 130º do CPC.
Em qualquer caso, cumpre afirmar desde já que, por não ter acolhido a tese do ora apelante sobre a utilidade da factualidade que quer agora ver adicionada ao rol de factos provados, mesmo que se venha a concluir pela pertinência desses factos e se defira essa sua pretensão, não padece a sentença em crise da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC. Com efeito, o tribunal pronunciou-se expressamente no sentido da rejeição da factualidade em questão, justificando-o. Inexiste a apontada omissão de pronúncia. A decisão correspondente poderá, assim, consubstanciar um erro de julgamento, por descartar factos necessários à decisão e passíveis de aproveitamento. Mas nunca consubstanciará uma omissão de pronúncia.
Recusa-se, pois, que a sentença recorrida padeça da nulidade invocada.
Para além disso, importa ainda rejeitar uma outra concepção constante da sentença recorrida, que traduz uma compreensão de rigor, a nosso ver excessivo, do princípio do dispositivo e que não parece ser a reflectida no novo código de processo civil, concepção essa relativa ao aproveitamento de factos para a sentença. Diz-se na sentença que é “…na petição inicial (pois é esse, e não os articulados subsequentes, o local próprio para se apresentarem os factos essenciais constitutivos e as razões de Direito que integram a causa de pedir e que sustentam os pedidos formulados nos autos),...”.
Se, por um lado, esta afirmação corresponde ao texto do nº 1 do art. 5º do CPC, pelo que só pode reconhecer-se o seu acerto, por outro caberá atentar no que sejam factos essenciais, em ordem a facultar que factos que sejam instrumentais, concretizadores ou complementares e resultem da instrução da causa, possam ser aproveitados na sentença, segundo o disposto nas als. a) e b) do nº 2 do mesmo art. 5º.
No caso, como se referiu no anterior acórdão, foi o próprio tribunal a admitir que o autor havia invocado circunstâncias subsumíveis ao instituto da culpa in contrahendo, como causa de pedir. Por isso, nesse mesmo acórdão foi apontada factualidade passível de aquisição, para a sentença, à luz da sua conexão com essa causa de pedir, ainda que tal factualidade tivesse advindo aos autos, por exemplo, no âmbito da contestação da ré entretanto absolvida da instância. E, bem assim, de intervenções processuais ulteriores do próprio autor.
É por isso que, agora, não é de excluir a indagação sobre eventual comprovação de tal factualidade, se for útil para a decisão da causa, tal como o autor o alega.
Para além disso, importa reconhecer que, no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o apelante cumpriu o regime do art. 640º do CPC, quer no tocante à identificação da matéria a alterar, quer ao sentido da alteração, quer à especificação dos elementos probatórios que o justificam.
Cumpre, pois, passar a conhecer do recurso, nessa parte.
*
Começa o apelante por pretender que se adicione aos factos provados, sob o ponto 13B, que ainda antes da concretização do seu contrato, a ré A... havia sido recordada pelo transportador C... de que a aceitação de transporte de bens pessoais para o Brasil exigia a utilização de um consignatário que tivesse a categoria de pessoa colectiva (NPCJ).
Considerando a tese do autor, nos termos da qual a A... conhecia estas condições e as omitiu, para garantir o contrato, o facto pode ser útil e mostra-se comprovado, por constar de documento junto pela C... com a respectiva contestação, sob o nº 4.
Por conseguinte, aditar-se-á ao rol dos factos provados, sob o ponto 13B. (local lógico da respectiva inserção) a seguinte matéria:
“13B. A propósito de um outro pedido de transporte de bens pessoais para o Brasil, efectuado a pedido da ré A..., em 04-02-2019, a C... remeteu-lhe uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:
Considera em anexo respectiva cotação válida para bens pessoais:
Quote
Personal Effects to Brazilian Ports:
As from June 27th,2013,C... does not accept Bls consigned to Private Individual/Citizen as per ....
House Hold Goods/Personal Effects will only be accepted if consigned to NVO/Agent(Freight Forwarder).It also includes Diplomatic Cargoes.
The CNPJ Number (registration number for companies in Brazil)of teh Consignee must be inserted on teh specific field for this information as per mentioned on ...,and CPF Number(registration number for Private Individual in Brazil) is not accepted anymore.
Unquote
Frete prepaid, shipper a constar no BL somente a A... no consignee um NVOCC.”
*
De seguida, o apelante pretende que se adicione ao rol de factos provados o teor de diversas comunicações trocadas entre a C... e a ré/recorrida, em 12/4/2019, 16/4/2019, a propósito do preenchimento do Bill of Lading (conhecimento de embarque) e Shipping Instructions, pela C..., factos que propõe serem aditados sob pontos 22A, 22B e 22C. Tal matéria, que inclui a compreensão, pela C..., de que o consignatário seria a A... Brasil, não se revela útil para a apreciação da responsabilidade pré-contratual da ré, tanto mais que decorre já em momento ulterior ao da celebração do contrato entre apelante e a recorrida A....
*
Da mesma forma, a matéria que o autor pretende que se adite sob os pontos 33, 35A, 35B, 35C, 37 e 44, que respeita às diligências e comunicações que tiveram lugar em plena execução do transporte, ocorridas a partir de 30/4, são irrelevantes para a apreciação da questão. De resto, a alteração pretendida em relação aos pontos 33, 37 e 44, traduzir-se-ia numa mera complementação do que o tribunal já deu por provado a esse propósito, em termos inúteis para a decisão, no que respeita à averiguação de eventual culpa in contrahendo, da ré A....
Não cumpre, pois, acolher a pretensão do apelante, nesta parte, a esse propósito.
Note-se, aliás, que, na conclusão C, o apelante aponta a razão pela qual pretende a adição de tal factualidade: sustentar a conclusão de que a exigência de um consignatário dotado de CNPJ válido (número de pessoa coletiva), com a qualidade de NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier) resulta da imposição por parte da C..., no âmbito da relação comercial estabelecida com a Recorrida, já desde 2013, aceite por esta, e não uma obrigação legal ou alfandegária brasileira, mas que esta, ciente e dolosamente, omitiu ao Recorrente, bem sabendo que a contratação de um agente NVOCC implicaria um custo suplementar.
Não sendo este o momento próprio para aceitar ou rejeitar esta conclusão, certo é que a factualidade a que antes se aludiu não é útil para funcionar, quanto a ela, como premissa.
Daí a respectiva desnecessidade, pelo menos para a discussão a estabelecer no âmbito da responsabilidade pré-contratual invocada.
*
Pretende ainda o apelante a alteração da decisão sobre a matéria de facto, alterando-se a classificação dos factos provados 17º, 26º, 33º, 35º, 37º, 44º, 59º e 68º; e a dos factos não provados 1º, 3º, 6º, 7º e 9º. Além disso, pretende também a adição de diversa outra factualidade, como descrito na al. K), alguma da qual, de resto, foi acima tida por inútil para a discussão da eventual culpa in contrahendo da ré A..., mas cuja relevância em sede de averiguação de eventual responsabilidade contratual deverá ser ainda discutida.
Segundo uma ordem de tratamento lógico das questões, parece-nos útil fixar integralmente a matéria de facto a considerar, antes de proceder ao seu tratamento jurídico, à luz dos institutos da responsabilidade pré-contratual e da responsabilidade contratual, de que se socorre o autor para justificar o seu pedido.
Por isso, passaremos de seguida a uma segunda fase na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, na qual já não se impõe o condicionamento resultante da respectiva subsunção ao primeiro daqueles institutos, que condicionou o que antes se decidiu.
Atentemos, então, na pretensão do apelante, agora à luz de uma diferente plausível solução jurídica.
Começa por pretender que se dê por não provada a matéria do ponto 17º: “Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados.”
O apelante não explica o motivo para que se dê por não provada esta matéria, sendo que ela foi alegada por si próprio (art. 13º da petição), e os documentos em causa foram juntos por cópia à p.i. (doc. 6.).
No entanto, diferentemente, e de forma pouco clara, o apelante parece pretender é que se complemente tal matéria com o esclarecimento de que atribuiu à mercadoria o valor de 2.875,00€, em tal declaração. Não expressa, porém, o fundamento desta pretensão.
Improcede, pois, esta sua pretensão.

De seguida, impugna o teor do ponto 26 dos factos provados, isto é, que “Por e-mail de 22/04/2019, a A... informou o autor de que o navio ..., onde deveriam seguir os bens pessoais do autor, omitiu a sua escala em ..., pelo que se viu a mesma obrigada a “rolar”/transferir a carga para a próxima saída de navio, no caso, o ..., com saída prevista para o dia 26/04/2019.” .
Contesta o apelante que a alteração em causa não ocorreu por o ... ter falhado a escala em ..., mas por a ré ter pretendido que a carga seguisse noutro navio, como veio a acontecer.
Para além disso, pretende que se adite um facto com o nº 26ª com o seguinte teor: “A A... mandou rolar o booking para o navio seguinte, por mensagens de correio electrónico de 03-04-201914h47, 08-04-2019, 17h03, sem o prévio conhecimento e instruções do Autor.”
Acontece, porém, que tal matéria é absolutamente indiferente para a decisão a proferir, pois de forma alguma foi alegado que tal alteração tenha sido determinante ou condicionado em qualquer circunstância o que veio a acontecer, designadamente o retorno à origem, do contentor com as mercadorias do apelante. Ora, como já antes se afirmou, não deve este tribunal intervir sobre a decisão recorrida, designadamente em sede do juízo sobre a matéria de facto, quando a factualidade em causa for indiferente para a decisão, sob pena de incorrer na prática de uma actividade inútil. Não se acolherá, pois, nesta parte a pretensão do apelante.

Em relação ao ponto 33, que refere a resposta de BB, despachante aduaneiro no Brasil, actuando em nome de CC DESPACHO ADUANEIRO e que recusou figurar como consignatário quando a ré A... alterou o Bill of Lading inserindo a CC como consignatário, pretende o apelante que se complemente o seu teor com o horário de envio das respostas. Todavia, esses horários são perfeitamente indiferentes para a compreensão da dinâmica das comunicações trocadas, tanto mais que as mensagens referidas nos itens 32 e 34 estão identificadas com as horas de envio, o que bem faz compreender os tempos das resposta referidas no ponto 33. Assim por total desnecessidade, indefere-se a pretensão do apelante.

Quanto ao ponto 35, pretende o apelante que se complemente o seu teor com o conteúdo de sucessivas comunicações de BB para a A..., nas quais o mesmo opinou sobre a responsabilidade da situação de indefinição em curso, sugeriu uma solução consistente em figurara a A... Brasil como consignatária e repetiu que a CC não poderia assumir essa função.
Todavia, também essa factualidade é indiferente para a averiguação da responsabilidade contratual da A..., pois que simplesmente se refere a considerações e hipóteses de solução que não foram implementadas e que em nada contribuem para a aferição das responsabilidades da ré e/ou do próprio autor pela não realização do objectivo contratual. Por isso, não cumpre deferir a pretensão recursiva nesta parte, não cumprindo aditar a factualidade indicada pelo autor, e que seria inserida enquanto pontos 35A, 35B e 35C.

No item 44, o tribunal transcreveu parcialmente a resposta de EE, em representação de I..., Lda., referindo que não pode indicar nenhuma entidade disposta a “desconsolidar” a carga do autor.
Pretende o apelante que se lhe acrescente, por constar da respectiva comunicação, “Continuo à procura. Peço que também tentem um acordo com a A... Brasil, para que aceitem, excepcionalmente, este embarque consignado ao Sr AA ou a uma empresa c/o ao Sr AA.”.
O acréscimo proposto, traduzindo-se numa mera sugestão de uma entidade que nada resolveu, nada vem adicionar aos factos integrantes da relação contratual em curso. É, pois, irrelevante para a decisão a proferir, sendo inútil a alteração requerida para o teor do ponto 44.

Seguidamente, reafirma o apelante a utilidade de se dar por provada a matéria referente diversas comunicações trocadas entre a C... e a ré/recorrida, em 12/4/2019, 16/4/2019, a propósito do preenchimento do Bill of Lading (conhecimento de embarque) e Shipping Instructions, pela C..., factos que propõe serem aditados sob pontos 22A, 22B e 22C. Tal matéria, inclui a compreensão, pela C..., de que o consignatário seria a A... Brasil, por tal lhe ter sido comunicado pela ré A....
Acima referiu-se que tal matéria não se revela útil para a apreciação da responsabilidade pré-contratual da ré, tanto mais que decorre já em momento ulterior ao da celebração do contrato entre apelante e a recorrida A....
Todavia, poder ser útil para a caracterização das circunstâncias de incumprimento do contrato.
Acresce que tais elementos constam dos documentos juntos com a contestação da ré C..., mas não foram transpostos para os factos provados, na sentença recorrida. Mas a sua realidade resulta de tais documentos.
Por isso, acrescentar-se-ão os seguintes elementos, ao rol de factos provados:
22A. Por e-mail datado de 12-04-2019, pelas 16h39, a Recorrida enviou instruções à C... para preenchimento do BL, com o seguinte teor: “Boa tarde, Vimos pelo presente enviar anexo instruções para BL, já enviadas por EDI, e cópia de DAE’s, referentes ao booking: .... Ficamos a aguardar o envio de draft do BL, logo que possível. Por favor efectuar o VGM por v/meios.”.
Mais pretende o apelante que se dê por provado que:
- 22B. Em 12/04/2019, 15h42, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato ..., com o navio ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A...; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A...; Notify: A... Brasil;
- 22C. Em 16/04/2019, 15h04, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato ..., com o navio ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A...; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A...; Notify: A... Brasil; e a identificação do Recorrente no quadro relativo a Marks and Numbers.
Como se referiu, os documentos de onde constam tais instruções de embarque, para preenchimento do conhecimento de embarque (Bill of Lading) foram juntos com a contestação da ré C.... Porém segundo o que deles próprios consta é que o seu autor (Shipping Instruction Creator) é a própria ré, i. é, a A..., através do seu funcionário II. Terá sido a ré, pois, a indicar, para preenchimento do Bill of Lading, a A... Brasil como consignatário, tal como consta de tais documentos, com os nºs 5 e 6. Embora essa solução até parecesse favorecer os interesses do autor, certo é que não é isso que é pedido no recurso, pois o que, conforme consta acima, o que vem pedido é que se dê por provado que terá sido a C... a preencher as Shipping Instructio(s). Ao que acresce que, nos termos do art. 12º da p.i., o autor afirmou que foi ele próprio a indicar á A... que haveria de ser ele próprio a figurar como consignatário, e como “Notifee” a CC, na qualidade de despacho aduaneiro em ..., Brasil.

Por isso, não poderemos dar por provado algo diferente do que é pretendido pelo próprio apelante, por tal transcender os poderes conferidos a este tribunal, pelo art. 662º, nº 1 do CPC, tanto mais que isso viria contrariar a sua alegação, pelo menos quanto à origem das informações que motivaram o preenchimento do conhecimento de embarque inicial.
Em qualquer caso, o interesse da questão é superado pela circunstância de, como descrito nos pontos 23 e 28, sucessivamente os Bill of Lading terem sido preenchidos com a indicação de que o consignatário já não seria a A... Brasil, mas o próprio autor, identificado com um domicílio no Brasil. De resto, foi isso que gerou o problema ulteriormente descrito nos restantes factos dados por provados.

Quanto às demais alterações, elencadas para alteração com pontos 26A, 33, 35A, 35B, 35C e 44, já acima nos pronunciamos.

Sucessivamente, sempre num modelo de alegação confuso, interpõe o apelante, já não em sede de sustentação da culpa in contrahendo da ré, mas da sua culpa exclusiva pelo incumprimento do contrato, que o ponto 37 dos factos provados (37 - No mesmo dia 03/05/2019, pelas 15h41, o autor respondeu, rejeitando a solução apresentada pela A...) deve ser complementado com o teor da resposta, isto é: «Uma solução por 6000 € ???? JJ, um transporte e devolução de contentor de ... a minha residência custa no máximo dos máximos 1500 reais (350€), um despacho aduaneiro 1270 reais (e o que pago actualmente ao meu despachante) 300€. Tradutor e etc.... sei falar Brasileiro.... então, o valor apresentado (visto que exclui todo o resto) está 10 vezes acima do que seria normal (e não considerando que um despacho de pessoa física tem metade da burocracia na Rf comparando com pessoa jurídica). Por favor, responda ao e-mail anterior e diga-me qual o problema em fazer o que indicou a C... ??????.»
Tal como o considerou o tribunal recorrido, entendemos igualmente ser inútil para a decisão o teor da informação transmitida pelo autor à A..., quanto à sua motivação para rejeitar a proposta da solução em causa. O ponto 36 informa do teor dessa proposta e o ponto 37 informa da rejeição do autor. Se for útil discutir a razoabilidade dessa recusa, estão presentes os elementos a ter em conta. O que o próprio autor declarou serem os seus motivos será já indiferente.
Pelo exposto, não se justifica o deferimento da pretensão recursiva, nesta parte.

Depois, em relação ao teor dos itens 59 e 68 dos factos provados (59. O autor viajou para o Brasil a 02/06/2019, além do mais, a fim de estar presente aquando da chegada do contentor; 68. Com a viagem do autor para o Brasil, a 02/06/2019 e com o arrendamento da casa em ..., pretendia, além do mais, o autor entregar procuração e documentos ao despachante para a receção dos seus haveres pessoais.) pretende o apelante que se subtraia a expressão “além do mais”.
Justificou, o tribunal recorrido, amplamente as razões dessa expressão: o autor tinha negócios que justificavam as suas deslocações e o arrendamento de uma casa, no Brasil, pelo que não foram os problemas com a carga que, sem outro motivo, motivaram as suas deslocações.
Em sentido contrário, o apelante limita-se a invocar o email remetido por si á A..., dias antes de 2/6/2019, onde refere que chegará ao ... no dia 3, onde fará entrega de documentos e procuração.
Sendo certo que é seu o ónus da prova de tal factualidade (art. 342º, nº 1 do C. Civil) e sendo razoáveis os pressupostos da decisão enunciados pelo tribunal para a sua decisão (“Em ambos os casos, a alegação contida na petição inicial foi objeto de resposta restritiva do Tribunal. No caso da viagem de ida, porquanto a prova produzida, nomeadamente a testemunhal, não sustentou a afirmação que a deslocação fosse exclusivamente para tratar do desembarque e do desalfandegamento dos bens, face aos negócios que o autor tinha no Brasil e o tempo que ali permaneceu (mais de 3 meses). (…) O propósito da viagem do autor para o Brasil e do arrendamento de um apartamento em ... (facto provado n.º 68) resultou da ponderação das declarações de parte do autor e dos testemunhos da esposa e da irmã do mesmo, mas, sobretudo, do teor dos e-mails do autor trocados com a A..., onde se manifesta tal intenção, sendo certo que a mesma sempre resultaria da lógica dos demais factos provados e face à incerteza gerada quanto ao desembarque e desalfandegamento dos bens do autor.
Note-se, de qualquer forma, a este respeito que, em conformidade com a demais factualidade dada como provada, na resposta do Tribunal se cuidou de salvaguardar que os propósitos expressos no referido facto provado n.º 68 (a entrega de documentos ao despachante e a receção dos bens pessoais) não seriam os únicos motivos da deslocação e da permanência, donde se aditou a expressão “… além do mais…”.”.) temos por insusceptível de crítica a apreciação constante da sentença recorrida. Com efeito, no contexto da situação jurídica em discussão e em atenção à própria motivação da expedição de mercadoria, pelo autor, para o Brasil, é inevitável admitir que este não logrou fazer prova de que a sua viagem para o Brasil, a 2/6/2019, tivesse por fim único e exclusivo, receber o contentor e entregar os documentos e procuração a tal destinados. Aliás, nas suas declarações, o autor referiu que tinha uma empresa no Brasil desde 2012 e que, por ali se deslocar com frequência, pelo menos até 2019 (a pandemia mudou essa prática) entendeu que lhe ficaria mais barato ter uma casa lá, do que ficar sempre hospedado em hotéis. Daí ter comprado a casa e daí querer levar móveis para li se instalar. O que, afirmou, ficou prejudicado enquanto o contentor não chegou. É, pois, de concluir que a deslocação ao Brasil se enquadra nessa actuação empresarial relacionada com o funcionamento da empresa, no Brasil, e não exclusivamente com a recepção do contentor e burocracia associada.

Improcederá, pois, a apelação, também neste segmento.

Insurge-se, ainda, o apelante contra a decisão negativa que mereceram os factos descritos sob os pontos 1º, 3º, 6º, 7º e 9º, da correspondente parte da sentença.
Pretende que, pelo contrário, se dê por provada a correspondente factualidade, isto é, que:
1º - O autor, com o auxílio do seu despachante no Brasil, CC e EE, efetuou inúmeras chamadas para o Brasil, encetando contactos com a C... Brasil e outras sociedades de agenciamento de BL.
3º - O autor apenas teve acesso aos seus bens pessoais, no dia 30/09/2019.
6º - O autor passou noites a fio sem dormir.
7º - Atormentado, já nem esperava recuperar os seus haveres.
9º - A situação causou tristeza ao autor.
Para sustentar a sua pretensão, invoca unicamente as suas declarações de parte, pois não pode ter-se por minimamente eficaz a sua alusão à “profusa troca de correspondência electrónica junta aos autos e que se torna materialmente impossível de transcrever”.
Com efeito, uma tal invocação de prova documental, absolutamente incapaz de cumprir o regime previsto no art. 640, nº 1, al. b) do CPC, só pode ter-se por inapta para qualquer efeito processual.
A este propósito, foram as seguintes as razões do tribunal recorrido, para a sua decisão negativa: “Assim, ficou totalmente carecida de prova a alegação contida nos factos não provados n.ºs 1 e 2.
Por outro lado, a data em que o autor recuperou os seus bens pessoais (facto não provado n.º 3) não decorre, com rigor, de qualquer elemento de prova, sendo que o exame da faturação da H... apenas permite extrair, com relevância para este efeito, que o embarque da carga sob sua orientação ocorreu a 01/09/2019, não se indicando a data da descarga e da entrega dos bens ao autor.
Por se ter ficado com dúvidas quanto a tal matéria, levou-se a mesma à factualidade dada como não provada.
(…)
Também em conformidade com o anteriormente exposto, os termos conclusivos com que a esposa e a irmã do autor reportaram o estado emocional do autor, não ficou o Tribunal totalmente convencido que, pelos eventos em causa e para lá da angústia tida como normal, aquele autor tivesse passado noites sem dormir, que o problema o tivesse atormentado ou que tal tenha tido reflexo nas relações com a esposa e com os seus colegas de trabalho (factos não provados n.ºs 6 a 9). Tanto mais que, nesta parte, se entendeu que tais reações não se enquadram, necessariamente, na normalidade do acontecer, à luz do homem médio.”
Cumpre, pois, atentar no teor das declarações do autor, devidamente especificadas no recurso sob apreciação.
É certo que, ao longo de tais declarações, o autor referiu a factualidade em causa. Porém, naturalmente, tais declarações são parciais e interessadas, devendo exigir-se o seu complemento com outros meios de prova credíveis, designadamente quando eles sejam viáveis.
Ora, em relação à factualidade em causa, seria fácil produzir prova documental sobre a matéria dos factos 1º e 3º. E isso não foi feito.
Assim, é óbvio que houve contactos e chamadas telefónicas, como descrito no facto não provado 1º, tal como resulta da matéria provada. Mas não se justifica atribuir a tal uma dimensão invulgar, como pretende o autor com a comprovação da factualidade ali descrita.
E é igualmente de atentar em que, dado o teor do facto 76, os bens do autor só chegaram ao seu poder depois de 22/9/2019. Mas nada revela que isso tenha acontecido ainda para além de 30/9/2019.
Para além disso, deu o tribunal por provado, no ponto 75, que o autor se sentiu nervoso e angustiado, ante a incerteza quanto ao destino dos seus bens. Consequências psicossomáticas e emocionais como as descritas nos pontos 6, 7 e 9, face à ausência de outros meios de prova credíveis que demonstrem com alguma segurança um grau tão elevado de efeitos, não se devem dar por provadas apenas com recurso às declarações do próprio.
Temos, pois, por igualmente insusceptível de crítica a decisão do tribunal recorrido, nesta parte.
*
Apreciado o recurso referente à decisão da matéria de facto, temos então que ter em conta que, em adição ao elenco dos factos dados por provados pelo tribunal a quo, se têm por provados os seguintes, a considerar inseridos no lugar próprio da ordem por que se apresentam numerados:
13B. A propósito de um outro pedido de transporte de bens pessoais para o Brasil, efectuado a pedido da ré A..., em 04-02-2019, a C... remeteu-lhe uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:
Considera em anexo respectiva cotação válida para bens pessoais:
Quote
Personal Effects to Brazilian Ports:
As from June 27th,2013,C... does not accept Bls consigned to Private Individual/Citizen as per ....
House Hold Goods/Personal Effects will only be accepted if consigned to NVO/Agent(Freight Forwarder).It also includes Diplomatic Cargoes.
The CNPJ Number (registration number for companies in Brazil)of teh Consignee must be inserted on teh specific field for this information as per mentioned on ...,and CPF Number(registration number for Private Individual in Brazil) is not accepted anymore.
Unquote
Frete prepaid, shipper a constar no BL somente a A... no consignee um NVOCC.”
22A. Por e-mail datado de 12-04-2019, pelas 16h39, a Recorrida enviou instruções à C... para preenchimento do BL, com o seguinte teor: “Boa tarde, Vimos pelo presente enviar anexo instruções para BL, já enviadas por EDI, e cópia de DAE’s, referentes ao booking: .... Ficamos a aguardar o envio de draft do BL, logo que possível. Por favor efectuar o VGM por v/meios.”.
Desta alteração se faz menção, supra, no lugar próprio.
Em tudo o mais, se mantém a decisão recorrida, no tocante à matéria de facto.
*
Em face dos termos da impugnação da sentença recorrida, e por referência às questões que acima se identificaram como integrando o objecto do recurso, cumpre agora analisar se os factos provados permitem afirmar a responsabilidade da ré por culpa in contrahendo e, nesse caso, que danos se verificaram e quais são os indemnizáveis.
Cumpre também sindicar a decisão recorrida quanto à conclusão pela prescrição do direito do autor fundado na responsabilidade contratual da ré, por incumprimento do contrato. No caso de não se concluir por tal prescrição – e só nesse caso, sob pena de inutilidade – caberá averiguar sobre a comparticipação do próprio autor na responsabilidade pelo não cumprimento do contrato, bem como decidir dos danos verificados e da sua indemnização.
*
Afigura-se-nos mais adequado tratar primeiramente da questão respeitante à invocada responsabilidade contratual da ré A....
É útil recordar que, na petição inicial, o autor alegou ter celebrado com a ré um contrato de trânsito (arts. 7º e 16º), tendo sido esta que “celebrou, no âmbito das suas funções e obrigações na qualidade de transitária, com a 2ª Ré o contrato de transporte marítimo, titulado por Bill of lading.” (art. 18º).
Depois, invocou o regime constante do art. 15º do DL 255/99 (exercício da actividade transitária) com fundamento da responsabilidade da ré.
Tendo o tribunal concluído por culpa da ré – embora não exclusiva – no incumprimento do contrato de trânsito celebrado com o autor, no qual se repercutiu o incumprimento do contrato de transporte, reconhecido à transportadora C..., acabou, todavia, por considerar prescrita a sua responsabilidade, por aplicação da norma especial do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, que prevê que “o direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.”.
Ora, entendeu o tribunal que. “No caso em apreço, entende-se que a data da conclusão da prestação de serviço contratada terá que se reportar à data em que os bens chegaram a Portugal, momento em que foram colocados à disposição do autor para levantamento. O que terá sucedido a 26/07/2019.
O termo inicial da contagem do prazo prescricional de 10 meses verificou-se, por conseguinte, a 26/07/2019.
(…)

Por outro lado, será de considerar que tal prazo prescricional se encontrou suspenso, com relevância para o caso, entre os dias 09/03/2020 e 03/06/2020, devido à situação provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e face ao disposto nos artigos 7.º n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e no artigo 6.º n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril. O que significa que o termo final do prazo prescricional de 10 meses ocorreu a 22/08/2020. Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. No caso, a citação da ré para a causa apenas ocorreu a 03/12/2020.
(…)
Em consequência, a exceção perentória da prescrição procede.”.
Perante tal solução, para se eximir à aplicação da regra que estabelece o prazo prescricional de 10 meses, vem o apelante sustentar que o contrato de expedição “…é um mandato nos termos do qual o transitário se obriga a celebrar um contrato de transporte, em nome próprio ou do expedidor-mandante, por conta deste. Este mandato pode abranger, para além deste núcleo, a prática dos actos acessórios indispensáveis à sua consecução (art.ºs. 1159.º, n.º 2, do CC e 233.º, in fine, do C.Com.” Destes pressuposto, parte, então, para sustentar que o regime legal a aplicar à situação em apreço é o do contrato de mandato comercial – arts. 231º, 233º e 266º do C. Comercial – o que determinaria a aplicação do prazo de prescrição geral, quanto ao exercício de direitos fundados na responsabilidade do mandatário/transitário.
Tal argumentação, todavia, não colhe. Se é certo que, na sua génese, o contrato de trânsito ou expedição compreende elementos próprios de um contrato de mandato - v.g. a contratação de um transportador por conta e em nome do expedidor -, nem por isso ele deixa de constituir um contrato típico, perfeitamente definido no nº 2 do art. 1º do DL 255/99, de 7/7.
Assim, o recurso a regras externas ao diploma que expressamente regula a actividade só se justifica quando o próprio diploma não contenha solução aplicável à situação jurídica surgida no âmbito de um tal relacionamento contratual. É o que acontece na hipótese resolvida na jurisprudência citada pelo apelante.
Diferentemente, no caso sub judice, o D.L. 255/99 contém uma norma especifica, que estabelece um prazo prescricional de 10 meses, para o exercício de direitos fundados na responsabilidade do transitário. Tal regra, constante do respectivo art. 16º, não pode ser afastada para se aplicar, na sua vez, um outra regra geral de prescrição.
Pelo exposto, é esse o prazo prescricional aplicável ao caso em apreço, sendo certo que o próprio apelante não discute que a ré foi citada para a causa já depois de completado esse prazo. Com efeito, o apelante não põe em causa esse segmento da sentença, pelo que, em total concordância com o tribunal recorrido, temos de concluir pela prescrição do direito do autor, fundado na responsabilidade contratual da ré, no âmbito do contrato de trânsito celebrado entre ambos.
Tal conclusão prejudica a utilidade da discussão sobre uma eventual repartição de culpas, entre as partes, pelo incumprimento do contrato, pois que, fosse exclusiva ou repartida com a do próprio autor, a responsabilidade da ré A... no incumprimento do contrato, sempre essa conclusão seria inócua, por redundar sempre na absolvição da ré, em face da prescrição do direito do autor, qualquer que fosse o seu conteúdo, a sua dimensão.
Pelo exposto, também nesta parte cumpre concluir pela improcedência da apelação, na confirmação da sentença recorrida, quanto à afirmação da prescrição do direito do autor, fundado na responsabilidade contratual da ré.

Sem prejuízo de tal decisão, alegou o autor, ora apelante, que outro fundamento existia para sustentar a responsabilidade da ré pela indemnização dos danos que lhe advieram da situação jurídica em apreço. Isso resultará, na sua tese, de a ré ter incorrido em responsabilidade pré-contratual, levando a que o autor celebrasse consigo um contrato que deveria ter prevenido, pois que de antemão sabia que o mesmo não poderia vir a ser cumprido nos termos em que foi celebrado.
É útil recuperar para este acórdão o que já se afirmou no acórdão anteriormente proferido nestes autos e que resultou na anulação da 1ª sentença. Disse-se ali:
“…vem o autor invocar que a responsabilidade da ré se sedia na fase pré-contratual, designadamente por não o ter informado e não ter assegurado a realização dos pressupostos que seriam essenciais para a ulterior realização do fim do contrato, antes tratando de assegurar a vinculação do autor, providenciado pela execução desse contrato e do de transporte, apesar de dever saber que as mercadorias deste não haveriam de ser desalfandegadas no Brasil, provocando mais custos com o seu transporte de volta para Portugal.”
Também se decidiu então que, em relação a tal causa de pedir, não se verifica a excepção de prescrição acima descrita, pois que se lhe aplicaria o prazo previsto no art. 498º do C.Civil, por remissão do nº 2 do art. 227º do C. Civil: “Sem prejuízo de se constatar que o art. 227º do C. Civil, onde o legislador veio consagrar o instituto da responsabilidade pré-contratual, estabelece, no respectivo nº 2, que uma tal responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º do C.Civil, cremos que a solução deste problema exige que se apure se a mesma tem natureza contratual ou extra-contratual.
Com efeito, a entender-se que a culpa in contrahendo é ainda de natureza contratual, haveria de submeter-se a questão ao regime regulatório do contrato de trânsito ou de expedição, do que decorreria a aplicação, à responsabilidade da ré, do mesmo prazo de 10 meses, por tal regra se impor como regra especial sobre a regra geral do art. art. 498º, aplicável por remissão do art. 227º, nº 2 do C.C.
Pelo contrário, a entender-se que a culpa in contrahendo tem natureza delitual, i. é, extra-contratual, já é natural a sujeição da situação a uma solução exterior à regulação do contrato de trânsito, a incluir a solução de prescrição da responsabilidade no prazo de três anos, estabelecido no art. 498º, nº 1 do C. Civil.
A natureza da culpa na formação do contrato é questão que tem vindo a ser discutida, trabalhada e solucionada em termos divergentes, quer no seio da doutrina, quer da jurisprudência. Dessas divergências é dada nota, com relevante capacidade de síntese, no texto de ANTÓNIO GRAÇA MOURA, Sobre A Natureza Da Responsabilidade Pré-Contratual, Revista Electrónica de Direito, Setembro de 2022, que aqui seria excessivo reproduzir, ainda que parcialmente.
Todavia, em concordância com a linha de pensamento que ali se adopta, bem como em concordância da solução acolhida no Ac. do STJ de 9/2/2021 (proc. nº 720/19.6T8VFR.P1.S1, Relator Fernando Samões, em dgsi.pt), que ali também se menciona, somos a concluir pela necessidade de identificação de um “terceira via” a que se possa reconduzir a responsabilidade in contrahendo, por esta ser uma responsabilidade que não deriva do contrato, mas que surge a propósito do contrato, tal como não deriva de uma relação absolutamente episódica entre as partes, num quadro de circunstâncias ocasional em que as suas esferas jurídicas colidem, antes surge num outro quadro em que as partes pretendem que as suas esferas jurídicas se conexionem, disso tendendo a resultar direitos e deveres recíprocos para cada uma delas.
É num tal quadro de circunstâncias, em que as partes já se relacionam em ordem a celebrarem entre si um contrato, que a lei lhes impõe o dever de observância de ditâmes de boa fé cuja violação, venha a não a concretizar-se esse contrato, poderá determinar a obrigação de indemnização de prejuízos que alguma delas venha a suportar, como consequência dessa violação.
Transcreve-se, a este propósito, o expendido no citado Ac. do STJ: “Como é referido pela Conselheira Maria da Graça Trigo, na anotação ao citado art.º 227.º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512 e no acórdão, por si relatado, deste STJ, de 7/11/2019, processo n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1[3], “A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)”.
E acrescenta: … “Mais importante é o facto de a responsabilidade pré-contratual consistir indubitavelmente numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exigindo-se que se verifiquem os pressupostos tradicionais desta forma de responsabilidade civil, i.e., facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Justifica particular atenção o pressuposto da ilicitude que corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, expressão aqui utilizada em sentido objetivo, como norma de conduta.”
No caso, a responsabilidade que, pelo menos em sede de recurso, o autor imputa à ré traduz-se na responsabilidade “… pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes.”
Todavia, tal responsabilidade nasce a montante quer da celebração, quer da execução do próprio contrato, embora a propósito do mesmo.
Nestas condições, afigura-se-nos útil o acolhimento da referida 3ª via, quanto à natureza da responsabilidade in contrahendo, por força da qual alguns caracteres deverão ser sujeitos a soluções próprias da responsabilidade contratual, e outros a caracteres da responsabilidade extra-contratual. Como se escreve no citado Ac. do STJ, apud Carneiro da Frada, Tutela da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 513, esta é uma “orientação que permite aplicar o regime de uma ou outra daquelas categorias de responsabilidade civil, em função do problema em causa. Convocar-se-ia o regime da presunção de culpa do art. 799º, nº 1, assim como, quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, o disposto no art. 800º, nº 1. Diversamente, para além da sujeição ao regime de prescrição do art. 498º, por expressa remissão do nº 2 do preceito, tornam-se ainda aplicáveis a possibilidade de redução da indemnização em caso de mera culpa, prevista no art. 494º, e o regime de solidariedade do art. 497º.”
No caso em apreço, a serem identificados os pressupostos da culpa in contrahendo, devemos concluir que a responsabilidade da ré apenas haveria de prescrever no prazo de três anos, nos termos do art. 498º do C.Civil, sendo inaplicável o prazo de dez meses previsto no art. 16º do D.L. 255/99.
Com efeito, como resulta desta regra, o curso do prazo de 10 meses decorre da “conclusão da prestação de serviço contratada”. Respeita, pois, à responsabilidade resultante da execução, da omissão da execução ou da execução deficiente da prestação fixada no contrato. O mesmo se diga, de resto, em relação ao teor dessa mesma regra reproduzido nas Condições Gerais do contrato celebrado entre as partes.
Porém, a responsabilidade pré-contratual, a verificar-se, resultará da violação de ditâmes da boa fé a montante da celebração do contrato que veio a ser outorgado em termos dos quais advieram prejuízos para uma das partes, que poderiam e deveriam ter sido prevenidos.
Assim, não existe fundamento para se afastar a aplicação da regra do nº 2 do art. 227º, relevando o prazo prescricional de três anos, previsto no art. 498º do C.Civil, para o exercício do direito à responsabilização da ré, por culpa in contrahendo, caso se verifique.”
Mais se referiu então: “(…) o autor responsabiliza a 1ª ré por não ter providenciado pela solução do problema que era apresentado pela circunstância de o consignatário ser o próprio autor, o que veio a estar na origem do problema. Apesar de não ter chegado a concretizar a sua alegação de que a ré violou obrigações de boa fé ao admitir que o contrato se celebrasse nesses termos, não o informando de que isso inviabializaria o desembarque das mercadorias, é isso que está subjacente àquela sua alegação nesses arts. 102º e 103º da p.i.
É certo que, massivamente, toda a dinâmica factual em que assentou a conclusão pela culpa da ré foi a inerente à não realização do objecto do contrato, por ter dado azo a que não fossem ultrapassados os obstáculos apontados, referentes a não ter sido conseguida a obtenção de um consignatário para a carga que fosse portador da qualidade NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier), com um CNPJ válido (número de pessoa colectiva, no Brasil).
Mas, da alegação do autor resulta que, ab initio, ele se havia indicado a si próprio como consignatário, por indicação de um despachante, por si contratado, no Brasil, para o desalfandegamento das mercadorias, e que é seu entendimento que a ré, nessas condições, o deveria ter informado de que isso não seria viável, como se veio a verificar, com a necessidade da sua substituição, mas que não foi concretizado nos termos necessários e em tempo útil, provocando o retorno dos bens do autor para Portugal. E que, em tais condições, não deveria a ré ter aceitado o contrato e iniciado a sua execução”
Vejamos, então, o que se provou a este propósito.
a)- O autor pretendeu expedir, para o Brasil, alguns bens pessoais, consistentes em mobílias de quarto e sala e foros decorativos de aglomerado para forrar paredes e chão.
b)- A 22/3/2019 solicitou à ré, entre outras empresas transitárias, orçamento para esse efeito.
c)- A 25/3/2019 a A... remeteu ao autor o e-mail de resposta com a proposta de cotação com o seguinte teor: “(…) No seguimento do solicitado, envio abaixo n/ cotação para 1x20’ de bens pessoais da ... até ao porto de .... .../... port: Eur 1580,00. Inclui: Transporte Terrestre (.../...); Transporte Marítimo (.../...); Despesas portuárias na origem; VGM Não inclui: Seguro; Despesas portuárias no destino; Despacho de Exportação e de Importação; IVA; Embalamento; Manuseamento; Verificações Físicas e Armazenagens (caso ocorram); Outros trâmites aduaneiros (caso sejam necessários). (…)”.
d)- A proposta da A... foi aceite pelo autor, que adjudicou àquela a organização do transporte dos dois contentores, um contendo carga comercial e, o outro, com bens pessoais.
e)- A fim de agilizar os contactos, a 29/03/2019, o autor solicitou a BB, despachante no Brasil e funcionário da sociedade CC Despacho Aduaneiro, que verificasse junto dos serviços administrativos da A... se a documentação necessária ao transporte dos seus pertences havia sido entregue, no intuito de permitir o “desembaraço”/desembarque da carga no destino.
f)- No mesmo dia 29/03/2019, o referido BB remeteu à A..., por e-mail, os seguintes elementos: Documentos de identificação civil portugueses e brasileiros, porquanto o autor é portador do “registo geral” n.º 10.688.509; - Packing list/lista de embarque dos bens a transportar; Comprovativo de morada em Portugal e no Brasil.
g) - A 01/04/2019, às 11h52m e às 11h58m, a A... solicitou ao autor e a BB, respetivamente, instruções para a emissão do Bill of Landing, expressamente informando o autor que “no Consignee e Notify não poderá ser uma entidade individual”.
h) A 27/06/2013, a C..., por mensagem de correio eletrónico com o assunto “... – House Hold Goods to Brazil consigned to a Physical person/NOT allowed anymore”, havia comunicado a todos os seus agentes que:
“(…) Considerem que com efeitos imediatos, foi decidido parar de imediato a aceitação de reservas de Bens Domésticos/Pessoais para o Brasil se não forem consignados a um NVO/Agente (Freight Forwarder), devido aos riscos financeiros/legais que enfrentamos no Brasil.
Se o acima não for respeitado, os contentores não serão descarregados no Brasil e serão cobradas taxas extras sobre o agente manifestante! (…)”.
i)- A propósito de um outro pedido de transporte de bens pessoais para o Brasil, efectuado a pedido da ré A..., em 04-02-2019, a C... remeteu-lhe uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor: Considera em anexo respectiva cotação válida para bens pessoais:
Personal Effects to Brazilian Ports:
As from June 27th,2013,C... does not accept Bls consigned to Private Individual/Citizen as per ....
House Hold Goods/Personal Effects will only be accepted if consigned to NVO/Agent(Freight Forwarder).It also includes Diplomatic Cargoes.
The CNPJ Number (registration number for companies in Brazil) of teh Consignee must be inserted on teh specific field for this information as per mentioned on ...,and CPF Number(registration number for Private Individual in Brazil) is not accepted anymore.
Unquote
Frete prepaid, shipper a constar no BL somente a A... no consignee um NVOCC.
j)- A 01/04/2019, pelas 16h45m, o autor remeteu um e-mail dirigido à A..., corrigindo as instruções para a emissão do Bill of Landing respeitante aos bens pessoais que haviam sido comunicadas por BB, com o seguinte teor:
“(…) Para o envio de bens pessoais será em nome de AA, conforme abaixo e paking list em anexo:
Shipper:
AA
Rua ... – ... ... – ... – ...
Consignee:
AA
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – ...: ...
Notifiy:
CC DESPACHO ADUANEIRO
Rua ..., ... – ... – PE
Fone: ... (…)”.
k)- A 05/04/2019, a A... remeteu ao autor a seguinte informação que havia recebido do seu despachante:
“(…) Quote” Sendo assim teremos de fazer na mesma dois despachos. Porque ainda assim o soalho não pode ser considerado como bens de uso pessoal.
O que devemos fazer é um despacho para os bens pessoais, com a declaração de valor e classificando a mercadoria como tal. E fazemos outro despacho, também com declaração de valor (com os pesos e volumes e valor) para o pavimento, onde é classificado como tal.
“Unquote
Peço-lhe que nos envie duas packing lists separadas bem como duas declarações de valor.
(…)”.
l)- Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados.
m)- A 08/04/2019, os bens pessoais do autor foram carregados, na sua residência.
n)- A A..., no âmbito das suas funções, acordou com a C... Company, S.A. o transporte via marítima da carga.
o)- Por e-mail datado de 12-04-2019, pelas 16h39, a Recorrida enviou instruções à C... para preenchimento do BL, com o seguinte teor: “Boa tarde, Vimos pelo presente enviar anexo instruções para BL, já enviadas por EDI, e cópia de DAE’s, referentes ao booking: .... Ficamos a aguardar o envio de draft do BL, logo que possível. Por favor efectuar o VGM por v/meios.”.
p)- A 16/04/2019, a A... remeteu ao autor um rascunho do respetivo Bill of Landing emitido pela G..., no qual se identificava como “Shipper”, AA, como “consignee”, AA e como “notify party and address”, CC Despacho Aduaneiro.
q)- A 30/04/2019, pelas 11h03m, a A... remeteu e-mail a BB com o seguinte teor:
“(…) Por favor verifique informação da companhia:
QUOTE
Consignee
AA
Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – ...: ... Tel: ...
Como bem sabem para o Brasil é obrigatório manifestar o CNPJ das entidades.
Informem com máxima urgência nova entidade coletiva (com CNPJ válido) e não uma pessoa individual.
A C... não se responsabilizará por multas no destino derivadas deste caso.
Pois, como sabem, é proibido manifestar pessoas individuais para o Brasil (…)”.
- No mesmo dia 30/04/2019, pelas 12h22m, a A... remeteu novo e-mail a BB, informando que:
“(…) De modo a prevenir esta situação de custos alteramos o BL.
Trocamos o consignee pelo Notify sendo que assim já será permitido.
Peço-lhe que confirme o CNPJ por favor. (…)”.
r) - No Bill of Landing passou a constar, além do mais:
“(…) Shipper: AA, Rua ... – ... ... – ... – ...
Consignee: CC DESPACHO ADUANEIRO – CNPJ: ... - TELM: ..., Rua ..., ... – ... – PE Fone: ...
Notifiy: AA – CPF: ..., Rua ..., ... ... – ... – ... – PE – ...: ... (…)”.
s)- BB recusou que a CC figurasse como consignatário, sugerindo que essa função fosse assegurada pela A... Brasil;
t)- A ré A... informou que a A... Brasil não aceitava cargas pessoais.
u)- Não foi assegurado, nem por indicação do autor, nem por indicação da A..., qualquer pessoa colectiva que a C... aceitasse que figurasse como consignatário, que fosse portador de número de pessoa colectiva e fosse agente NVOCC.
v)- Depois dos vários contactos e troca de comunicações descritos no rol de factos provados, a A... promoveu o retorno dos bens do autor a Portugal.
Da factualidade que antecede resulta que a circunstância que comprometeu a conclusão do transporte das mercadorias do autor e seu desembaraço no Brasil foi não ter sido encontrado um consignatário que satisfizesse as exigências da transportadora C... para o desembarque dessa carga: um consignatário que fosse uma pessoa colectiva e agente NVOCC (non-vessel operating common carrier). Note-se, também, que de nada resultou que essa exigência correspondesse a mais do que uma pretensão da própria C..., por a entender adequada à prevenção de obstáculos recorrentes no desembarque das mercadorias transportadas, como resulta da correspondência descrita supra.
Em qualquer caso, e uma vez que é certo que a A... tinha conhecimento dessa exigência da C..., em prática desde 2013 e que poucos dias antes lhe fora recordada, importa discutir se ela infringiu qualquer dever contraído para com o autor, ao não o informar disso mesmo, como pressuposto da proposta contratual que lhe apresentou e que culminou no contrato entre ambos celebrado. Nisso residiria a ilicitude da sua conduta, que consubstanciaria um tal pressuposto, na hipótese de responsabilização da ré por culpa in contrahendo.
Porém, tal como concluiu o tribunal a quo, a matéria de facto respeitante à fase pré-contratual da relação entre as partes é parca no esclarecimento do que possa ter sido decisivo para a vontade de contratar, do autor.
Apurou-se que a ré tinha conhecimento de que, contratando a C..., o desembarque da mercadoria no Brasil haveria de exigir um operador com as referidas qualidades: uma pessoa colectiva que fosse ainda um agente NOVCC. Todavia o autor, contratou a ré para que providenciasse pelo transporte das mercadorias desde as suas instalações, na ..., para o porto de ..., mas excluindo da prestação desta Despesas portuárias no destino; Despacho de Exportação e de Importação; IVA; Embalamento; Manuseamento; Verificações Físicas e Armazenagens (caso ocorram); Outros trâmites aduaneiros (caso sejam necessários). Aliás, o autor tinha um despachante, no Brasil - CC Despacho Aduaneiro, de que era funcionário BB – que contactou e que, interagindo com a A..., enunciou o que seria necessário para o levantamento das mercadorias, no porto brasileiro. Ou seja, como refere a sentença recorrida “… em face das obrigações assumidas com a A... no plano do contrato de trânsito ou expedição, tendo ficado expressamente excluídas das obrigações da transitária a promoção e organização do desembarque e do desalfandegamento da carga, era ao autor/expedidor que competia indicar um consignatário válido, a quem os bens transportados pudessem ser confiados.”
Já sabemos o que aconteceu e as causas do incumprimento do contrato. E, quanto a isso, afirmou a sentença recorrida a responsabilidade contratual quer da C..., quer da A..., nesta se repercutindo a culpa daquela por exigências cuja inobservância deu origem ao regresso das mercadorias à origem.
Todavia, nesta fase, não é disso que se trata. Tal responsabilidade foi tida por inconsequente, dada a prescrição do direito do autor.
Diferentemente, o que agora se discute é se, ainda na fase pré-contratual, a ré A... omitiu ao autor, designadamente de forma voluntária e para assegurar que este se vinculasse contratualmente, como se defende no recurso, que quando o contrato já estivesse celebrado, em suma, quando as mercadorias já estivessem em trânsito, haveria um novo problema a resolver, que importaria mais custos, pois que o autor não teria previsto qualquer solução para esse mesmo problema: o da necessidade de indicar um consignatário com as referidas qualidades.
Ora, de entre os factos que se mostram provados (e sem que relevassem outros que o apelante apontou como devendo ser considerados, mas que acima se decidiu não serem pertinentes, por nada acrescentarem ao substrato necessário para a decisão), mesmo sem desprezar a análise daqueles que, apesar de serem ulteriores à celebração do contrato, poderiam esclarecer a consciência e vontade das partes em momento anterior a isso, só podemos concluir nada ter o autor logrado demonstrar quanto à circunstância de a ré lhe ter omitido a informação de que seria preciso utilizar uma entidade consignatária das mercadorias com as referidas qualidades, sabendo que ele desconhecia essa necessidade, que não a conseguiria suprir por si mesmo no âmbito das tarefas que reservou para si ao contratar (isto é, excluindo a tramitação no destino).
Nestas circunstâncias, só pode concordar-se com o seguinte excerto da sentença recorrida, que concentra os termos da conclusão que o problema merece: “Isto posto, pretendendo-se radicar, in casu, a responsabilidade civil pré-contratual imputada à ré A... numa alegada violação dos deveres de proteção (por a ré não ter prevenido, ab initio, o dano em que o autor incorreria ao se indicar a si próprio como consignatário para o desalfandegamento das mercadorias, no Brasil) e de informação (por a ré não ter, oportunamente, em fase anterior à negociação advertido o autor da inadmissibilidade da sua indicação como consignatário), emergentes da boa-fé pré-contratual é para nós manifesto que todo o substrato factual [apurado] com pertinência para apreciação das invocadas violações, não se enquadra[m] nas aludidas fases pré-contratuais negociatória e decisória.”
O mesmo é dizer-se que não se identificam factos que permitam inferir que a ré violou deveres de informação e de boa fé, omitindo ao autor algo se sabia que ele desconhecia e que comprometeria a sua vontade de contratar.
Impõe-se, portanto, concluir pela não identificação do acto ilícito que, no caso seria um pressuposto necessário da conclusão pela culpa in contrahendo da ré, designadamente uma omissão de informação violadora das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de proteção e de informação sobre circunstâncias relevantes para a decisão de contratar.
Improcederá, portanto, a pretensão do apelante, também à luz do fundamento sob análise.
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Por todo o exposto, resta concluir pela improcedência da apelação, na confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, com o que confirma a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.

Porto, 29/4/2025
Rui Moreira
Alberto Taveira
Anabela Miranda