DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
ÓBITO DA PARTE
SUSPENSÃO
IMPULSO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Sumário

(da responsabilidade do relator - cfr. artigo 663.º, nº 7, do Código de Processo Civil):
- Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da ação, o impulso processual depende exclusivamente das partes sobrevivas ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respetiva habilitação;
- Nesses casos, a não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância até à decisão que a julga extinta por deserção não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar;
- Na suspensão da instância por óbito de alguma das partes, estando-se perante uma vicissitude prevista na lei, sujeita a determinados pressupostos, o tribunal não tem o dever de - no despacho que declara suspensa a instância com o apontado fundamento - alertar as partes, representadas por advogado, para as consequências decorrentes da falta de impulso processual.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
1.1. Marinhos, Lda, intentou ação declarativa de condenação contra A … e Perfect Garnish, Lda, pedindo que seja declarado o direito da autora preferir aos réus na compra da fração do imóvel identificado nos autos, sendo reconhecido o direito da autora haver para si essa fração, substituindo-se ao réu comprador na escritura de compra e venda, que sejam os réus condenados a entregarem o referido imóvel à autora, livre e desocupado, e que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o réu comprador haja feito a seu favor em consequência da compra do referido imóvel, bem como de quaisquer inscrições feitas posteriormente a ela e com ela correspondente.
A ré Perfect Garnish, Lda, contestou.
A 14.05.2024, foi junto aos autos assento de óbito da ré A ….
A 16.05.2024, foi proferido o seguinte despacho:
Considerando o óbito da ré, suspendo a presente instância.
Em 21.05.2024, foram elaboradas notificações à autora e à ré Perfect Garnish, Lda, do despacho de 16.05.2024.
A 20.01.2025, foi proferido o seguinte despacho:
Declaro deserta e, por isso, extinta a presente instância.
1.2. A autora, inconformada com o decidido, apelou, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
A) Em 11.03.2022 a requerida morreu;
· Foram os próprios herdeiros que informaram desse facto.;
· Posteriormente foi judicialmente determinada a suspensão da instância.
B) A inércia processual não pode ser assacada à autora, não existindo negligência desta na promoção dos autos.
C) Com tal pode dizer-se que, por via deste despacho, o juiz transferiu, de forma adequada, o dever processual de impulsionar os autos para as partes?
D) Concluindo-se que a imposição de tal dever às partes foi válida e eficazmente feita, transferir-se-ia para estas o dever de impulsionar o processo e, por consequência, também o ónus processual de deserção, em caso de incumprimento.
E) Pelo contrário, caso se conclua que o juiz não o podia ter feito, pelo menos da forma que o fez, a conclusão terá que ser a oposta, fazendo relevar as normas processuais típicas para concluir que o dever de impulsionar os autos era do tribunal.
F) Para esta análise há que sair das estritas normas ordinárias e colocar a questão ao nível dos princípios enformadores do processo civil.
G) Poderia argumentar-se, saindo dessa avaliação mais imediata, que a confiança das partes foi abalada a um nível mediato, que seria precisamente decorrente da fase processual em que o processo se encontrava e da constatação que o ato devido seria a prolação de despacho para habilitação ou tentativa de conciliação.
H) A decisão da questão só pode ser feita ao nível do seu nó górdio, que está na utilização do princípio de gestão processual que o juiz tenha feito e na sua devida avaliação.
I) Ora, colocando a questão ao nível da gestão processual (art.º 6.º do CPC), a respetiva análise carece de uma indagação mais cuidada.
J) Assim, a um primeiro nível mais imediato, se poderia dizer que até se torna mais visível a responsabilidade do tribunal pelo não andamento da instância.
K) Diz-nos o n.º 1 que cumpre ao juiz (...) dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.
L) Pelo que numa exegese muito direta o juiz este deveria ter promovido o andamento da instância e/ou removido o obstáculo que se verificava.
M) Essa leitura superficial carece de uma análise mais profunda, que se deve fazer a dois níveis.
N) A um primeiro nível, estabelecendo que este princípio de gestão processual estabelecido pelo art.º 6.º deve ser ligado à adequação formal estabelecida pelo art.º 547.º - o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
O) O legislador de 2013, sublinhando um caminho que se afirmava muito claramente desde a reforma de 95/96, conferiu ao juiz um poder vinculado, ou poder-dever, de conduzir ativamente os processos, seguindo os preceitos legais, mas dando-lhe também alguma margem de plasticidade, como forma de ultrapassar pontuais dificuldades decorrentes de rigidez formal e sempre com o intuito final de conseguir uma decisão de mérito, em prazo razoável e seguindo um processo equitativo.
P) Posto que a lei não só permite, como impõe, ao juiz, ao conduzir o processo ativamente, que avalie, em cada momento, os atos adequados ao seguimento da instância.
Q) Passa-se ao tal segundo nível de avaliação que pode ser resumido na questão – atuou, ou não, corretamente o tribunal ao impor às partes esse dever de impulso processual?
R) Numa correta interpretação do art.º 6.º e do princípio de gestão processual nele contido, também referido como case management, deve ser feita considerando as especificidades do caso e as exigências gerais de gestão do acervo processual distribuído ao juiz segundo critérios aleatórios.
S) Ora uma adequada avaliação das obrigações de case management do juiz implica que considere todas as exigências funcionais que lhe são impostas para dar justiça nos processos distribuídos.
T) Os meios não são elásticos e a atividade do juiz é limitada e, consequentemente, a utilização desadequada, desproporcional ou abusiva da justiça por uns. implica, necessariamente, a compressão do direito de outros a haverem justiça em prazo razoável – se o juiz, num caso concreto, retira do comportamento das partes uma falta de cooperação no desenvolvimento da instância, pode (e deve), exercer as suas competências de gestão processual.
U) Colocando assim a questão, ganha devido enquadramento a decisão do juiz de impor às partes o ónus de serem estas a impulsionar os autos.
V) Deve entender-se que o juiz tem essa faculdade de transferir para as partes o dever de impulsionarem os autos, ainda que esse impulso seja uma mera declaração genérica de intenção de prosseguimento da instância.
W) Como tal, o juiz, no âmbito dos seus poderes de gestão processual, perante um contexto de dificuldades e, consequente compressão geral de direito de acesso à justiça dos diversos destinatários, pode decidir adequar a tramitação processual, retirando da sua esfera decisória imediata a necessidade de marcar audiência ou notificar para abrir habilitação remetendo-a para decisão das partes.
X) É essencial é que o faça de forma absolutamente clara e expressa.
Y) Concretizando, à luz dos referidos princípios ordenadores contidos no art.º 6.º e 547.º do CPC, entende-se que o juiz deve dizer às partes, de forma clara e objetiva, o que se pode assim resumir: -  Os autos ficarão a aguardar que as partes venham manifestar vontade de seguimento de instância, sob advertência de, não o fazendo em seis meses, ser esta declarada extinta por deserção.
Z) Deve entender-se, no contexto dos autos, que lhe era lícito conferir às partes esse dever de impulsionar os autos.
AA) Contudo, tal dever não foi conferido, todavia, de forma clara e invocando o disposto no referido princípio de gestão processual (adjuvado pela adequação formal).
BB) E não sendo clara tal invocação, subsiste uma margem de dúvida, que ultrapassa o limiar do aceitável à luz do processo equitativo e da confiança, sobre se as partes, especialmente a parte ativa, entenderam efetivamente essa transmissão do dever de impulsionar os autos e as consequências daí advenientes ou se mantiveram inertes a aguardar despacho.
CC) Ante essa dúvida, não se pode dizer que as partes incumpriram alguma obrigação de dar impulso aos autos que lhes tenha sido legitimamente atribuída pelo juiz do processo, com isso afastando a situação de uma deserção da instância legalmente sustentada (cf. art.º 281.º CPC).
DD) Quer isto dizer, em conclusão, que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que ordene o seguimento dos autos.
A ré Perfect Garnish, Lda, contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e pedindo a condenação da autora/recorrente como litigante de má-fé em multa e indemnização. Terminou com as seguintes conclusões:
A. A Autora MARINHOS, LDA. veio apresentar recurso da sentença proferida nos autos em epígrafe, que declara extinta a instância por deserção, em consequência da falta de habilitação da Ré A ….
B. Isto porque, no entender da Recorrente, atento o dever de gestão processual previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil (doravante CPC) e o princípio da adequação formal, espelhado no artigo 547º do mesmo diploma, in casu competia ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que, em face da notícia do óbito da Ré A …, promovesse a respetiva habilitação ou notificasse as partes que o fizessem, com a advertência de que, não o fazendo, seria a instância extinta por deserção.
C. A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.
D. Não será despicienda, na análise do caso concreto, a circunstância de a parte se encontrar devidamente assistida por advogado, o qual, enquanto profissional especialista em matéria jurídica, se encontra naturalmente habilitado a entender o verdadeiro sentido e alcance da notificação realizada nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, competindo-lhe agir em conformidade. 
E. Nos termos do artigo 269º n.º 1 al. a) do CPC, a instância suspende-se quando falecer uma das partes.
F. Atento o artigo 270º n.º 1 do CPC, uma vez “junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância”, suspensão essa que só cessará com a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, conforme o artigo 276º n.º 1 al. a) do CPC.
G. O artigo 281º n.º 1 do CPC estipula que se considera deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
H. Sendo que o artigo 277º al. c) do CPC deixa bem claro que a instância se extingue com a deserção.
I. No caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte em conformidade com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o despacho do juiz declarando a suspensão da instância é notificado à parte, aguardando os autos pela promoção do incidente de habilitação que permitirá fazer cessar a suspensão nos termos gerais do artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
J. A parte tem, ou deverá ter, neste contexto, a perfeita consciência de que, força do regime jurídico aplicável, deverá impulsionar nos autos o incidente de habilitação nos termos gerais do artigo 351.º do Código de Processo Civil.
K. Se nada faz no processo, passados seis meses e um dia, o juiz deverá desde logo julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
L. Em 14.05.2024, a Senhora Agente de Execução Catarina Paula, comunicou aos autos que a Ré A … tinha falecido, juntando a respetiva certidão de óbito.
M. No dia 15.05.2024 foi expedida notificação ao Ilustre Mandatário da Autora, ora Recorrente, da informação prestada pela Senhora Agente de Execução.
N. No dia 16.05.2024, a Senhora Juíza a quo proferiu o seguinte despacho: “Considerando o óbito da ré, suspendo a presente instância.”
O. No dia 21.05.2024, foram expedidas notificações para os Mandatários da Recorrente e da Recorrida do despacho referido no número anterior, tendo sido anexada a informação prestada pela Senhora Agente de Execução.
P. Em face do regime legal aplicável, não tendo a Recorrente promovido o incidente de habilitação da Ré falecida, no período de seis meses após o conhecimento do despacho que decretou a suspensão da instância, impunha-se ao Tribunal a quo que declarasse a extinção da instância por deserção, como fez.
Q. Deste modo, não assiste qualquer razão à Recorrente para impugnar a decisão recorrida, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao presente recurso.
R. Tendo os presentes autos por objeto o exercício de um putativo direito de preferência na aquisição de prédio/parte de prédio de que era inquilina, nos termos do disposto no artigo 1410º n.º 1 do Código Civil, é condição sine qua non da constituição do direito de preferir que o autor preferente proceda ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação, sob pena de caducidade do referido direito.
S. A Recorrente nunca efetuou o depósito do respetivo preço.
T. Estando representada por Advogado, a Recorrente não pode ignorar que (i) o depósito do preço é condição essencial para a procedência da ação de preferência; e que (ii) falecendo uma das Rés contra a qual propôs a ação, era a ela que incumbia promover o respetivo incidente de habilitação, solicitando ao Tribunal a quo as diligências necessárias para o efeito.
U. Nos termos do artigo 542º n.º 2 al. d) do CPC, litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
V. Na litigância de má-fé condena-se o litigante pelo seu comportamento processual malicioso e desleal, em virtude daquele, com dolo ou negligência grosseira, ter abusado do direito de ação ou ter feito uma utilização maliciosa e desleal dos meios processuais colocados ao seu dispor, desviando-os das finalidades e interesses para os quais foram concebidos e concedidos pelo legislador, que é a justa resolução de um litígio em tempo útil.
W. Tanto a presente ação como o presente recurso mais não são do que um exercício de litigância de má-fé, limitando o direito da Recorrida à livre disposição do imóvel que adquiriu à Ré falecida, numa clara violação do seu direito fundamental à propriedade, consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
X. Por consequência, deve a Recorrente ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização a arbitrar por Vossas Excelências.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal cuja apreciação ainda não se mostre precludida, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
No caso, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1. Saber se a não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspendeu a instância por óbito da co-ré até à decisão que julga extinta a instância por deserção, viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º do mesmo diploma legal;
2. Saber se, no despacho que declarou suspensa a instância por óbito da co-ré, o Tribunal tinha o dever de alertar as partes – sobrevivas - para as consequências da falta de impulso processual. 
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III. FUNDAMENTAÇÃO.
A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos que relevam para a decisão do recurso são os que constam do relatório que antecede em I, 1.1.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Quanto à primeira questão.
Nos casos, como o presente, de inércia das partes na promoção do incidente de habilitação de herdeiros subsequente à notificação da suspensão da instância por falecimento de parte da ação, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a que aderimos, vem considerando que a não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do mesmo diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes - cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 20.09.2016 (relator José Rainho), de 12.01.2021 (relator Acácio das Neves), de 20.04.2021 (relator Pedro Lima Gonçalves) e de 31.03.2023 (relator Jorge Dias), disponíveis em www.dgsi.pt.
Com efeito, nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes - cfr. artigo 269º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil -, resulta evidente que a partir de então passa a recair sobre as partes (no caso, a autora - interessada no prosseguimento da instância - e a co-ré citada) o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam os artigos 276º, nº 1, alínea a), e 351º, ambos do Código de Processo Civil.
Ou seja, suspensa a instância por óbito de alguma das partes, o impulso na dedução do incidente de habilitação de herdeiros incumbe, nos termos do artigo 351º, nº 1, do Código de Processo Civil, às partes sobrevivas (no que para o caso interessa, à autora e à co-ré já citada) ou aos sucessores da parte falecida, não sendo da iniciativa oficiosa do tribunal ao abrigo do artigo 6º do Código de Processo Civil.
Como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 328-329 e 406, o incidente de habilitação dos sucessores nunca pode ser suscitado de forma oficiosa, mas, apenas, pelas partes sobrevivas (compartes ou parte contrária) ou pelos sucessores da parte falecida.
Por sua vez, Paulo Ramos de Faria, in “O julgamento da deserção da instância declarativa/Breve roteiro jurisprudencial”, revista Julgar, abril 2015, refere que a “promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe.”
Do que fica dito resulta que as partes - a começar naturalmente pela autora - incumpriram o seu dever de promoção processual, sendo-lhe, por isso imputáveis, e não ao tribunal, as respetivas consequências.
Sublinhamos que a posição que perfilhamos é aquela para que aponta o acórdão  do STJ Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2025, de 26 de fevereiro, que fixou jurisprudência no sentido, além do mais, de que: “A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal”.
Nesse acórdão, no segmento respeitante à análise do caso concreto, lê-se que “a negligência processual relevante para que possa vir a ser declarada, pelo juiz da causa, a deserção da instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pressupõe sempre que, no caso concreto, compita exclusivamente à parte o ónus do impulso processual e que o não cumpra pelo período de mais de seis meses consecutivos, com a inerente e consequente paragem dos autos nessas circunstâncias temporais. Ou seja, é mister que o acto que importa praticar (e que terá sido omitido) não se situe na esfera de competência dos poderes/deveres oficiosos do juiz, designadamente por via do exercício do dever de gestão processual (…)”.
Improcede, pois, a questão suscitada pela recorrente.
2. Quanto à segunda questão
A autora/recorrida defende que, à luz dos referidos princípios ordenadores contidos nos artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil, impunha-se que juiz informasse as partes, de forma clara e objetiva, de que os autos ficavam a aguardar que viessem manifestar vontade de seguimento de instância, sob advertência de, não o fazendo em seis meses, ser esta declarada extinta por deserção.
Que dizer?
Sobre o dever de prevenção do tribunal, ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 66, que tal dever tem uma finalidade assistencial e “vale genericamente para todas as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa atuação”.
Trata-se, pois, de um dever que emerge quer do dever de gestão processual consagrado no artigo 6º, n.º 1, quer do dever de cooperação previsto no mencionado artigo 7º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
A verdade, porém, é que, no caso dos autos, não se descortina a necessidade de a notificação da suspensão da instância por falecimento de uma das partes ser acompanhada da advertência de que a inércia das partes sobrevivas no impulso processual - na dedução do incidente de habilitação - por mais de 6 meses determinar a deserção da instância. Explicando.
Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância - cfr. artigo 270.º, nº 1, 1ª parte do Código de Processo Civil.
Essa suspensão cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida - cfr. artigo 276.º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores - cfr. artigo 351.º, nº 1, do Código de Processo Civil -,   não sendo, como vimos, da iniciativa oficiosa do tribunal.
Por fim, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses - cfr. artigo 281.º, nº 1, do Código de Processo Civil -, sendo que, nos casos em que tenha surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses - cfr. número 3 do citado artigo 281.º.
Temos, assim, que a partir do momento em que é dado conhecimento de que a instância se encontra suspensa por falecimento de alguma das partes, as partes sobrevivas ficam cientes de que o andamento do processo fica dependente da prática por si de ato processual (a dedução do incidente de habilitação) e que, sem o praticarem no prazo de seis meses, a instância ficará deserta (assim o diz o legislador), cabendo às partes, caso encontrem alguma dificuldade na prática daquele ato, solicitar a colaboração do tribunal na remoção de algum obstáculo - cfr. artigo 7º, nº 4, do Código de Processo Civil -, o que, diga-se, no caso em apreço, não se verificou.
Ou seja, estamos, quanto à suspensão por óbito de alguma das partes, diante de uma vicissitude prevista na lei, sujeita a determinados pressupostos, não estando em lado algum previsto um dever assistencial do juiz em ordem a avisar as partes sobrevivas, representadas por advogado, das consequências jurídicas da sua inação, pois estas são do conhecimento de qualquer advogado.
Não impõe, portanto, a lei, nestes casos, ao juiz o dever de sinalizar no despacho que declara a suspensão da instância que a omissão da prática do ato devido para efeitos de impulso processual será, oportunamente, sancionada nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [cfr., neste sentido, entre outos, acórdãos do STJ de 08.03.2018 - numa situação em que estava em causa a inércia na realização do registo da ação - (relatora Rosa Tching), de 22.02.2018 (relator Abrantes Geraldes), de 20.04.2021 (relator Pedro Lima Gonçalves), de 05.05.2022 - onde se lê, além do mais, que as “partes, através dos seus mandatários devem conhecer as disposições legais e os efeitos decorrentes da sua aplicação, motivo pelo qual estão assessoradas em juízo” - (relatora Fátima Gomes) e de 19.03.2024 - onde se lê, além do mais, que suspensa a instância por falecimento de uma parte, o tribunal não tem de alertar as partes para as consequências da suspensão - (relator Luís Correia Mendonça), bem como os acórdãos da Relação de Lisboa de 13.07.2023 (relator Rui Manuel Pinheiro de Oliveira) e de 04.04.2024 (relatora Laurinda Gemas), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Transpondo estas considerações para o caso presente, tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário da autora/recorrente, o despacho de suspensão da instância por falecimento de uma co-ré, não só ficou claro ser ónus das partes sobrevivas providenciarem pela habitação dos sucessores da parte falecida como as mesmas não podiam deixar de saber, até porque estão representadas por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento:
 - A suspensão cessaria quando (e se) viesse a ser “notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida” - cfr. artigo 276.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil;
- Se os autos continuassem sem impulso durante seis meses, a suspensão da instância conduziria à deserção.
Repetindo-se, aqui, que a lei não impõe ao juiz o dever de, no despacho que declara a suspensão da instância por falecimento de uma das partes, sinalizar, advertir ou alertar as partes sobrevivas (comparte ou parte contrária) para a consequência da falta de impulso processual, “por ser evidente que só a habilitação dos sucessores da parte falecida faz cessar a suspensão da instância (…) e que essa habilitação depende da iniciativa de quem tem interesse no prosseguimento da acção (…)” - cfr. acórdão de 13.07.2023 da Relação de Lisboa, anteriormente citado.
Prosseguindo, a extinção da instância por deserção pressupõe, como resulta do artigo 281.º, nº 1, do Código de Processo Civil, a verificação de dois pressupostos:
- um de caráter objetivo: decurso do prazo de seis meses sem andamento do processo, quando ele dependa do impulso processual das partes; e
- outro de natureza subjetiva: tal inércia deve-se ou é imputável a negligência da parte.
Para que se verifique o primeiro requisito é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal, como é o caso, já se viu, da suspensão da instância por falecimento de alguma das partes.
Quanto ao segundo pressuposto, a negligência a que se refere o artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é a negligência retratada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.
Como refere Paulo Ramos de Faria, no artigo citado, páginas 5 e 6, “a deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. (…) Resulta do exposto que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro - como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão - ou ao tribunal. Em suma, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência”.
Também a jurisprudência vem afirmando que a “negligência” prevista no artigo 281.º do Código de Processo Civil não é sinónimo de um juízo de culpa, antes equivalendo a uma imputabilidade à parte (e não a terceiro) da paragem do processo em face dos elementos que deste constam, ou seja, não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário, trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente) - cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 20.09.2016 (relator José Rainho), de 14.12.2016 (relator Salazar Casanova), de 08.03.2018 (relatora Rosa Tching), de 22.02.2018 (relator Abrantes Geraldes), bem como o acórdão da Relação de Lisboa de 04.04.2024 (relatora Laurinda Gemas) e da Relação do Porto de 13.07.2022 (relatora Lina Baptista).
Regressando ao caso concreto, aderindo à posição defendida na jurisprudência anteriormente citada, impõe-se concluir que deixando as partes (a autora - interessada no prosseguimento da ação - e a co-ré citada) de impulsionar o processo, por mais de 6 meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores da co-ré falecida, e não tendo apresentado dentro desse período qualquer razão impeditiva da não promoção desse incidente, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente e que implica a deserção da instância.
Esta nossa posição tem acolhimento no já referido acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2025, de 26 de fevereiro.
Com efeito, nesse acórdão lê-se, no segmento respeitante à análise do caso concreto, que a “negligência processual relevante para a deserção da instância pode e deve estar necessariamente espelhada, em termos claros e inequívocos, na própria tramitação processual e na sua singular conformidade com quadro legal aplicável, cuja análise permitirá, com a necessária segurança, concluir que a parte tinha (ou devia ter) naquele caso concreto a consciência de que os autos se encontravam parados à espera da prática do acto processual que lhe competia, tendo ainda a mesma a noção segura e efectiva dos efeitos processuais associados à sua eventual e futura inércia”.
Resumindo, improcedendo todas as questões suscitadas na apelação da recorrente, impõe-se confirmar a decisão recorrida.
Não se vislumbra que exista fundamento legal para a pretendida (pela recorrida) condenação da recorrente como litigante de má-fé.
Com efeito, analisando os autos, não se constata que a autora, ao propor a ação e/ou ao impugnar a decisão que declarou deserta a instância, tenha assumido qualquer um dos comportamentos indiciadores de tal litigância e enunciados no artigo 542.º, nº 2, do Código de Processo Civil.
A recorrente, porque vencida na relação jurídico-processual recursiva, suportará o encargo do pagamento das custas do recurso - cfr. artigos 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV - DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de abril de 2025.
Vítor Manuel Leitão  Ribeiro
Maria do Céu Silva
Amélia Puna Loupo