EMENDA ANTECIPADA DA PARTILHA
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
ERRO SUSCEPTÍVEL DE VICIAR A VONTADE
ALEGAÇÃO E PROVA
COMPETÊNCIA DO NOTÁRIO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I – Na emenda da partilha prevista no art.º 1126.º do CPC, ao contrário do que acontece no erro de facto na descrição ou qualificação de um bem, que dispensa a alegação e prova de quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, os demais erros de facto impõem a alegação e prova dos requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247.º e segs. do CC, por se estar em face de factos constitutivos da emenda;
II - Compete ao notário onde corre termos o processo de inventário proferir decisão sobre o requerimento de emenda da partilha e, nomeadamente, das questões suscitadas relativas ao vício da vontade de um interessado;
III – Se o notário proferiu decisão sobre tal requerimento sem se pronunciar sobre a factualidade nele alegada causal da pretendida emenda, deve tal decisão ser anulada nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, para que seja proferida nova decisão, na qual o notário se pronuncie, concretamente, sobre a factualidade alegada, enunciando os factos considerados provados e não provados, e após decida da requerida emenda à partilha com base nesses factos.

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. Nos autos de inventário para partilha dos bens deixados por AA e BB, que correu termos no Cartório Notarial de CC, em que exerce o cargo de cabeça-de-casal DD e que em que é interessada EE, veio esta, após a realização da conferência de interessados, apresentar requerimento, dirigido à senhora notária, onde concluiu da seguinte forma:
«Assim, e tendo em consideração que a aceitação da proposta ocorreu em erro, deve ser ordenada o cancelamento da adjudicação, e em consequência:
a) Ser ordenada a realização de uma avaliação do imóvel, e após esse facto, serem determinadas as tornas caso exista efetivamente obrigação das mesmas serem prestadas;
b) Caso o pedido de avaliação seja indeferido, desde já a Requerente indica que o imóvel tem o valor de pelo menos € 70.000,00, disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a título de tornas».
1.2. A interessada DD, pronunciou-se, requerendo o desentranhamento do referido requerimento, por ser intempestivo e carecer de fundamento legal.
1.3. Por despacho da senhora notária de 22.12.2022, foi negado provimento à pretensão da interessada EE e determinado o prosseguimento dos autos.
1.4. Inconformada, recorreu, em 18.01.2023, a interessada EE, dizendo que o faz «para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art.º 4.º n.º 2 al. b) e c) do Regime do Inventario Notarial», pedindo que tal decisão seja revogada e que seja ordenada a realização de nova conferência de Interessados, formulando as seguintes conclusões:
«a) Foi proferido Despacho em 22 de dezembro de 2022, pela Sr.ª Notária que indeferiu o pedido da Interessada, ora Recorrente, EE, de anulação da adjudicação dos bens realizada na conferência de interessados.
b) A ora Recorrente requereu o pedido de anulação da Adjudicação indicando que tinha apresentado a sua declaração negocial em erro, requerendo a realização de uma avaliação do imóvel objeto da partilha; ou caso o pedido de avaliação fosse indeferido, indicava que o imóvel tem o valor de pelo menos € 70.000,00, disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a título de tornas.
c) Ora a Sr.ª Notária, indeferiu o Requerimento, pois entendeu que não tinha ocorrido erro na declaração negocial, e manteve a decisão de considerar que o imóvel teria o valor de € 30.612,40, e deste modo atribuiria metade deste valor a título de tornas à Interessada, aqui Recorrente.
d) O Despacho, proferido, não aprecia a questão essencial no presente caso, ou seja, o erro negocial, com efeito o referido despacho limita-se a indicar que foi celebrado um acordo e as respetivas mandatárias devidamente notificadas, sem analisar se a declaração da interessada foi proferida em erro.
e) Em consequência é assim o referido despacho Nulo, devendo o mesmo ser substituído por outro que aprecie a existência de erro na declaração.
f) Acresce que a conferência de interessados destina-se a determinar o valor porque devem ser adjudicados os bens que os integram a herança.
g) Ora, na ata da conferência de interessados, não foi fixado o valor dos bens integrantes na herança, incluindo o valor atribuído ao imóvel.
h) Efetivamente a referida ata omite, totalmente o valor atribuído ao imóvel, só identificando o valor de um sofá e uma televisão, não tendo sido dado cumprimento ao despacho de 22 de setembro de 2022, proferido pela Sra. Notária, pois não foi fixado o valor dos bens designadamente o valor do imóvel.
i) O valor global, identificado na ata, não pode ser entendido como fixação do valor do imóvel, pois inclui, ao que se julga diversos bens.
j) Assim, deve também por este facto a conferência de interessados ser anulada.
k) A Interessada, aqui Recorrente, esteve efetivamente na conferência de interessados, e foi surpreendida pela proposta apresentada pelo Cabeça de Casal, que indicou atribuir ao imóvel o valor de cerca de € 30.000,00.
l) A Recorrente, surpreendida com a proposta, e desconhecendo o valor dos imóveis na zona onde se localiza o mesmo, acabou por aceitar o valor indicado.
m) A Recorrente vive há vários anos no imóvel, que integra a herança, e que era dos seus pais, e ficou com a convicção que poderia continuar a viver na mesma.
n) Acresce que o facto da sua mandatária não estar presente “fisicamente”, levou a que a comunicação fosse difícil, e inibiu a interessada de realizar diversas questões.
o) A Recorrente tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade, e não tem nem nunca teve qualquer função na área imobiliária.
p) O valor proposto para o imóvel, foi o valor patrimonial, mas fixado em 2018, que se encontra claramente desajustado, para a situação atual, pois imóveis semelhantes encontram-se a ser comercializados nos valores que variam entre € 159.000,00 € e € 172.000,00.
q) A declaração negocial apresentada pela Recorrente, foi efetuada, no entanto, em erro, pois desconhecia qual o valor dos imóveis naquela zona, e julgava que poderia continuar a habitar no mesmo.
r) Sendo que o facto de poder habitar no mesmo, era essencial na declaração negocial da interessada.
s) Ora a Recorrente, realizou uma errada representação da realidade, o que leva a que a declaração que emitiu não esteja de acordo com a sua vontade, o que configura a existência de um “erro obstáculo”, conforme bem descreve o Dr. Pedro Nunes de Carvalho em “Considerações acerca do erro em sede de patologia da Declaração Negocial”.
t) Um homem médio, nunca aceitaria que fosse fixado o valor de cerca de € 30.000,00 a um imóvel, localizado numa área nobre da cidade, junto ao metropolitano, com duas divisões, e ainda tivesse que deixar o mesmo e procurar outro para arrendar.
u) A Recorrente não teve consciência do facto de ao aceitar a atribuição do valor e a fixação das tornas, teria que deixar a habitação, e não tinha consciência do valor das habitações naquela localização.
v) Existiu claramente uma discrepância entre a vontade real e a declaração, porquanto a vontade real era a de permanecer a habitar a fração autónoma, e a de lhe ser fixado um valor justo.
w) Ocorreu a divergência entre a vontade real e a declarada, ou seja, a vontade real é continuar a habitar a fração autónoma, e a vontade declarada tem como implicação ter de deixar de habitar a referida fração.
x) No caso de erro na declaração, apesar de outras posições, entende-se que a mesma é anulável, e deste modo afeta a ata de conferência de interessados, devendo a mesma ser anulada e marcada nova conferência de interessados».
1.5. A interessada DD contra-alegou, defendendo a improcedência do referido recurso, concluindo da seguinte forma:
«I. No recurso apresentado, a recorrente não indicou a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
II. Mais, não deu cumprimento ao ónus previsto no n.º 2 do artigo 639.º, quanto à matéria de direito, e ao n.º 1 do artigo 640.º, quanto à matéria de facto.
III. Por outro lado, a recorrente extravasa o anterior pedido, pois requer agora que seja ordenada a realização de uma nova conferência de Interessados.
IV. Consequentemente, deverá ser rejeitado o douto recurso.
V. Caso assim não se entenda, o que não se concede, importa realçar que teor do despacho objeto de sindicância, apreciou corretamente a questão do erro negocial, concluindo-se que não poderia a interessada vir aos autos, sob o manto do erro da declaração negocial, requerer a avaliação do imóvel e a sua adjudicação.
VI. Com efeito, durante a conferência de interessados, a aqui recorrida manifestou o seu interesse na adjudicação do imóvel, obrigando-se a entregar as tornas devidas.
VII. Questionada, a recorrente não demonstrou interesse na aquisição do imóvel pelo valor atribuído, tendo aceitado a proposta apresentada.
VIII. A sua declaração negocial formou-se de maneira esclarecida, assente em bases corretas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores.
IX. Não poderá a recorrente invocar agora que ficou surpreendida com o valor atribuído ao imóvel uma vez que, na relação de bens por si subscrita em 15/06/2021, atribuiu ao imóvel precisamente a quantia de 30.612,40 €.
X. Como tal, a recorrente apercebeu-se do alegado erro pelo menos desde 15/06/2021 e, será a partir desta data que deverá contar-se o prazo de um ano para arguição da anulabilidade.
XI. Por conseguinte, caducou o direito para arguir a anulabilidade, o que desde já se invoca.
XII. Sem prescindir, importa notar que a recorrente não apresentou oposição, reclamação ou impugnação no que respeita à relação de bens ou valores relacionados pela cabeça de casal, aqui recorrida.
XIII. E ainda que se reconheça que a declarante se encontrava em erro - o que não se concede -, sempre se dirá que a declarante, aqui recorrente, se encontrava culposamente em erro pois, não cumpriu todos os cuidados que lhe eram exigíveis para que pudesse, por si própria, ter juntado todos os conhecimentos necessários à boa formação da sua vontade negocial, p.e. ter solicitado atempadamente a avaliação ao imóvel.
XIV. Sem olvidar que a recorrente está desde o início deste processo patrocinada por Mandatário, que certamente a terá orientado nos meandros do processo de inventário.
XV. Assim sendo, se a real vontade da recorrente era permanecer na fração autónoma, então deveria propor que lhe fosse adjudicado o apartamento, o que não se verificou.
XVI. Aliás a recorrente foi clara ao informar que dos bens que compunham a herança, apenas pretendia o sofá em tecido e a televisão LCD.
XVII. Como tal, causa enorme perplexidade à aqui recorrida que a recorrente venha agora afirmar que não tinha consciência que com a atribuição do valor e a fixação de tornas, implicaria a desocupação do apartamento.
XVIII. Colocando-se a seguinte questão: pretendia a recorrente receber tornas, e ainda se manter no imóvel sem qualquer contrapartida financeira para a recorrida?!
XIX. Quando foi advertida na conferência de interessados que, em caso de venda ou adjudicação, teria de desocupar o imóvel, tendo respondido que precisaria de tempo para desocupar o imóvel.
XX. Pelo circunstancialismo supra, não poderá proceder a argumentação da aqui recorrente quanto refere que a sua declaração negocial, foi efetuada em erro, por desconhecer o valor dos imóveis naquela zona, e por pretender continuar a habitar no mesmo.
XXI. Com efeito, ocorre erro na declaração, ou erro obstáculo, quando, não intencionalmente, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
XXII. In casu, não ocorre erro da declaração porque não existe qualquer divergência entre a declaração efetuada (adjudicação dos bens) e o realmente querido pela declarante, aqui recorrente (receber tornas).
XXIII. Mais, quando tais declarações foram constatadas presencialmente por oficial público (neste caso perante um Notário)!
XXIV. Portanto, o que a recorrente acordou na conferência de interessados não foi motivado por qualquer erro ou engano, mas sim porque ela assim o quis.
XXV. Mais, em momento algum a recorrente fez valer a sua posição (adjudicar o imóvel para si, e manter-se no imóvel), ou seja, que estaria em erro sobre as circunstâncias do acordo.
XXVI. Inclusive, com a adjudicação de todos os bens, foram as partes pessoalmente notificadas para, em vinte dias, proporem o mapa da partilha, não tendo a recorrente apresentado mapa de partilhas, ou informado sobre a sua vontade de se manter a residir no apartamento.
XXVII. Por outro lado, nada nos autos foi alegado que determine que a aqui recorrida tinha conhecimento ou não devesse ignorar da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro.
XXVIII. Assim, e face ao circunstancialismo acima descrito, inexiste erro na declaração determinante para a anulabilidade afirmada em sede de recurso.
XXIX. Face ao exposto, o douto despacho recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido na íntegra».
1.6. Por despacho da senhora notária de 23.02.2023, foi decidido que o referido recurso ficaria a aguardar o que viesse a ser interposto da sentença homologatória da partilha, nos termos do art.º 4.º do Regime do Inventário Notarial (anexo à Lei n.º 117/2019 de 13.09) e do art.º 1123.º, n.ºs 2 al. c), e 5 do CPC.
1.7. Remetidos os autos a tribunal judicial da Comarca competente, foi proferida sentença que homologou «(…) a partilha constante do acordo exarado na conferência de interessados, ocorrida em 03/11/2022 (acta com a referência 156400617) – artigo 5.º do regime anexo à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro».
1.8. Mais uma vez inconformada, apelou a interessada EE, em 23.05.2023, pedindo que a referida sentença seja revogada e ordenada a realização de nova conferência de interessados, para o que formulou as seguintes conclusões:
«a) A sentença, homologou o acordo exarado na conferência de interessados, mas ignorou totalmente, que a Recorrente, veio antes daquela homologação, ou seja, em 18 de dezembro de 2022, indicar que a aceitação da proposta realizada na conferência foi-o em erro, e tendo requerido, em consequência:
a) Ser ordenada a realização de uma avaliação do imóvel, e após esse facto, serem determinadas as tornas caso exista efetivamente obrigação das mesmas serem prestadas;
b) Caso o pedido de avaliação seja indeferido, desde já a Requerente indica que o imóvel tem o valor de pelo menos € 70.000,00, disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a título de tornas.
b) Ignorou ainda a douta sentença, que a Recorrente apresentou um recurso, do despacho a Fls ..., que indeferiu o indicado Requerimento.
c) Da leitura da conferência de interessados resulta à saciedade que a Recorrente se encontrava na mesma em erro, sendo este notório.
d) A Interessada, ora Recorrente, esteve efetivamente na conferência de interessados, e foi surpreendida pela proposta apresentada pelo Cabeça de Casal, que indicou atribuir ao imóvel o valor de cerca de € 30.000,00.
e) A Recorrente, surpreendida com a proposta, e desconhecendo o valor dos imóveis na zona onde se localiza o mesmo, acabou por aceitar o valor indicado.
f) A Recorrente vive há vários anos no imóvel, que integra a herança, e que era dos seus pais, e ficou com a convicção que poderia continuar a viver no referido imóvel.
g) Acresce que o facto da sua mandatária não estar presente “fisicamente”, levou a que a comunicação fosse difícil, e inibiu a interessada de realizar diversas questões.
h) A Recorrente tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade, e não tem nem nunca teve qualquer função na área imobiliária.
i) O valor proposto para o imóvel, foi o valor patrimonial, mas fixado em 2018, que se encontra claramente desajustado, para a situação atual, pois imóveis semelhantes encontram-se a ser comercializados nos valores que variam entre € 159.000,00 € e € 172.000,00.
j) A declaração negocial apresentada pela Recorrente, foi efetuada, no entanto, em erro, pois desconhecia qual o valor dos imóveis naquela zona, e julgava que poderia continuar a habitar no mesmo.
k) Sendo que o facto de poder habitar no mesmo, era essencial na declaração negocial da interessada.
l) Ora a Recorrente, realizou uma errada representação da realidade, o que leva a que a declaração que emitiu não esteja de acordo com a sua vontade, o que configura a existência de um “erro obstáculo”, conforme bem descreve o Dr. Pedro Nunes de Carvalho em “Considerações acerca do erro em sede de patologia da Declaração Negocial”.
m) Um homem médio, nunca aceitaria que fosse fixado o valor de cerca de € 30.000,00 a um imóvel, localizado numa área nobre da cidade, junto ao metropolitano, com duas divisões, e ainda tivesse que deixar o mesmo e procurar outro para habitar.
n) A Recorrente não teve consciência do facto de ao aceitar a atribuição do valor e a fixação das tornas, teria que deixar a habitação, e não tinha consciência do valor das habitações naquela localização.
o) Existiu claramente uma discrepância entre a vontade real e a declaração, porquanto a vontade real era a de permanecer a habitar a fração autónoma, e a de lhe ser fixado um valor justo.
p) Ocorreu a divergência entre a vontade real e a declarada, ou seja, a vontade real é continuar a habitar a fração autónoma, e a vontade declarada tem como implicação ter de deixar de habitar a referida fração.
q) No caso de erro na declaração, apesar de outras posições, entende-se que a mesma é anulável, e deste modo afeta a ata de conferência de interessados, devendo a mesma ser anulada e marcada nova conferência de interessados.
r) Acresce que a conferência de interessados destina-se a determinar o valor porque devem ser adjudicados os bens que os integram a herança.
s) Ora, na ata da conferência de interessados, não foi fixado o valor dos bens integrantes na herança, incluindo o valor atribuído ao imóvel.
t) Efetivamente a referida ata omite, totalmente o valor atribuído ao imóvel, só identificando o valor de um sofá e uma televisão, não tendo sido dado cumprimento ao despacho de 22 de setembro de 2022, proferido pela Sra. Notária, pois não foi fixado o valor dos bens designadamente o valor do imóvel.
u) O valor global, identificado na ata, não pode ser entendido como fixação do valor do imóvel, pois inclui, ao que se julga diversos bens.
v) Assim, deve também por este facto a conferência de interessados ser anulada.
w) Por outro lado, a referida conferência não identifica as verbas atribuídas a cada uma das interessadas, pois indica que “... Adjudicar á interessada DD os restantes bens móveis e ainda o imóvel relacionado como verba 6...”.
x) Quais as verbas atribuídas a cada interessada? Não se sabe, pois a conferencia de interessados não indica.
y) Facto que leva a que a referida conferência seja nula e tenha que ser repetida.
z) Foi proferido Despacho em 22 de dezembro de 2022, pela Sr.ª Notária que indeferiu o pedido da Interessada, ora Recorrente, EE, de anulação da adjudicação dos bens realizada na conferência de interessados, tendo sido apresentado recurso relativamente a esse indeferimento, pelo que deve o mesmo subir com o presente recurso.
aa) Sendo o referido despacho Nulo, devendo o mesmo ser substituído por outro que aprecie a existência de erro na declaração.
bb) A Recorrente requereu o pedido de apoio judiciário no processo de inventário».
1.9. A interessada DD contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso e alinhando as seguintes conclusões:
«I. No recurso apresentado, a recorrente não indicou a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
II. Mais, não deu cumprimento ao ónus previsto no n.º 2 do artigo 639.º, quanto à matéria de direito, e ao n.º 1 do artigo 640.º, quanto à matéria de facto.
III. Consequentemente, deverá ser rejeitado o douto recurso.
Caso assim não se entenda, o que não se concede,
IV. pretende a aqui recorrente, sob o manto do erro da declaração negocial, requerer a realização de uma nova conferência de interessados.
V. Sucede que, atento o circunstancialismo acima descrito, a sua declaração negocial formou-se de maneira esclarecida, assente em bases corretas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores.
VI. Não podendo a aqui recorrente invocar que ficou surpreendida com o valor atribuído ao imóvel uma vez que, na relação de bens por si subscrita em 15/06/2021, atribuiu ao imóvel precisamente a quantia de 30.612,40 €.
VII. Assim sendo, a recorrente está alegadamente em erro pelo menos desde 15/06/2021 sendo que, será a partir desta data que deverá contar-se o prazo de um ano para arguição da anulabilidade.
VIII. Por conseguinte, caducou o direito para arguir a anulabilidade, o que desde já se invoca.
IX. Sem prescindir, importa notar que a recorrente não apresentou oposição, reclamação ou impugnação no que respeita à relação de bens ou valores relacionados pela cabeça de casal, aqui recorrida.
X. E ainda que se reconheça que a declarante se encontrava em erro - o que não se concede -, sempre se dirá que a declarante, aqui recorrente, se encontrava culposamente em erro pois, não cumpriu todos os cuidados que lhe eram exigíveis para que pudesse, por si própria, ter juntado todos os conhecimentos necessários à boa formação da sua vontade negocial.
XI. Sem olvidar que a recorrente está desde o início deste processo patrocinada por Mandatário.
XII. Assim sendo, se a real vontade da recorrente era permanecer na fração autónoma, então deveria propor que lhe fosse adjudicado o apartamento, o que não se verificou.
XIII. Como tal, não pode a recorrente afirmar que não tinha consciência que com a atribuição do valor e a fixação de tornas, implicaria a desocupação do apartamento.
XIV. Quando foi advertida na conferência de interessados que, em caso de venda ou adjudicação, teria de desocupar o imóvel, tendo respondido que precisaria de tempo para desocupar o imóvel.
XV. Pelo circunstancialismo supra, não poderá proceder a argumentação da aqui recorrente quanto refere que a sua declaração negocial, foi efetuada em erro, por desconhecer o valor dos imóveis naquela zona, e por pretender continuar a habitar no mesmo.
XVI. Com efeito, ocorre erro na declaração, ou erro obstáculo, quando, não intencionalmente, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
XVII. In casu, não ocorre erro da declaração porque não existe qualquer divergência entre a declaração efetuada (adjudicação dos bens) e o realmente querido pela declarante, aqui recorrente (receber tornas).
XVIII. Mais, com a adjudicação de todos os bens, foram as partes pessoalmente notificadas para, em vinte dias, proporem o mapa da partilha, não tendo a recorrente apresentado mapa de partilhas, ou informado sobre a sua vontade de se manter a residir no apartamento.
XIX. Por outro lado, nada nos autos foi alegado que determine que a aqui recorrida tinha conhecimento ou não devesse ignorar da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro.
XX. Assim, e face ao circunstancialismo acima descrito, inexiste erro na declaração determinante para a anulabilidade afirmada em sede de recurso.
XXI. De igual modo, inexiste qualquer nulidade da ata da conferência de interessados, a qual cumpre com todos os requisitos legais.
XXII. Face ao exposto, tanto o despacho da Sra. Notária, como a douta sentença que homologou o mapa de partilhas, não merecem qualquer censura, pelo que devem ser mantidos na íntegra».
1.10. Em 11.01.2024, foi proferido acórdão por esta Relação, que decidiu:
«a) rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso autónomo interposto em 18.01.2023 da decisão da notária de 22.12.2022, que negou provimento à pretensão da interessada EE (de “cancelamento da adjudicação” na conferência de interessados, com as consequências que referiu) e que determinou o prosseguimento dos autos;
b) julgar totalmente improcedente a apelação interposta da sentença homologatória da partilha, confirmando-se a mesma».
1.11. Novamente inconformada, a interessada EE interpôs recurso de revista para o STJ, que, por acórdão de 25.06.2024, decidiu:
«julgar a revista procedente, pelo que se revoga em conformidade o acórdão recorrido determinado a baixa dos autos ao tribunal a quo para tomar conhecimento do recurso da decisão notarial, nos termos indicados».
1.12. Em 12.09.2024, foi proferido acórdão por esta Relação, que decidiu:
«em julgar totalmente improcedentes as apelações interpostas pela interessada EE em 18.01.2023 e em 23.05.2023, confirmando-se as decisões recorridas».
1.13. Mais uma vez inconformada, a interessada EE interpôs recurso de revista para o STJ, que, por acórdão de 11.03.2025, decidiu:
«julgar a revista procedente, pelo que se revoga em conformidade o acórdão recorrido, determinado a baixa dos autos ao tribunal a quo para proceder ao conhecimento do requerimento da Interessada EE, apresentado em 18-12-2022, enquanto incidente de emenda antecipada à partilha com fundamento em erro sobre o objecto; se necessário, com ampliação da matéria de facto que se revele pertinente relativamente à verificação dos requisitos do erro invocado».
1.14. Colhidos os vistos, cumpre decidir em conformidade com o determinado pelo STJ, sendo certo que se encontra já, definitivamente, adquirido que:
- a decisão da senhora notária de 22.12.2022 é recorrível e compete a este tribunal da Relação conhecer do recurso interposto pela interessada EE em 18.01.2023 (acórdão do STJ de 25.06.2024);
- o requerimento da interessada EE de 18.12.2022 deve ser entendido e apreciado como incidente de emenda antecipada à partilha, nos termos do art.º 1126.º, n.º 2 do CPC (acórdão do STJ de 11.03.2025).
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106), sendo que o tribunal ad quem não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5.º, n.º 3 do CPC).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas e ao determinado pelo acórdão do STJ de 11.03.2025, a questão essencial a decidir consiste em saber se a partilha deve ser, antecipadamente, emendada por ter havido erro da interessada EE susceptível de viciar a sua vontade.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da tramitação dos autos, resultam provados os seguintes factos com relevância para a apreciação do objecto do presente recurso:
1. Em 09.04.2021, DD requereu junto do Cartório Notarial de CC, que se procedesse a inventário para partilha dos bens das heranças de AA e BB, que foram casados entre si, indicando como interessada EE, tendo o processo sido aí registado com o n.º 130/21;
2. Por despacho da senhora notária de 19.04.2021, foi nomeada cabeça-de-casal a interessada EE, que foi citada na sua própria pessoa e constituiu mandatário nos autos;
3. Por despacho da senhora notária de 20.01.2022, foi a referida EE removida do cargo de cabeça-de-casal e nomeada, em sua substituição, a interessada e requerente do inventário DD;
4. Em 25.01.2022, a cabeça-de-casal juntou a relação de bens, que não foi objecto de qualquer reclamação;
5. Por despacho da senhora notária de 22.09.2022, notificado às partes, foi designada data para a realização da conferência de interessados, nos seguintes termos:
«(…) designa-se o dia 03 de novembro de 2022 pelas 14:30 horas para a realização da conferência de interessados
Notifiquem-se os interessados para comparência pessoal no dia referido, podendo fazer-se representar por mandatário com poderes especiais ou confiar o mandato a qualquer outro interessado, sob pena de lhes ser aplicável a multa prevista no artigo 28º da Portaria 278/2013 na redação dada pela Portaria 46/2015 de 23 de fevereiro.
Notifiquem-se igualmente para comparência pessoal, e com a mesma cominação, os respetivos cônjuges dos interessados, salvo se o regime de casamento que entre eles vigore for o da separação de bens, caso em que apenas será necessária a presença se, de entre os bens a partilhar, constar a casa de morada de família respetiva.
A conferência destina-se a deliberar sobre:
a) A composição total ou parcial dos quinhões dos interessados e o valor porque devem ser adjudicados os bens que os integram; a indicação dos bens que devem ser objeto de sorteio; e o eventual acordo na venda de bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos interessados ou, não havendo deliberação sobre estas matérias, deliberar sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.
b) A aprovação do passivo da herança e forma de cumprimento dos legados.
c) Os pedidos de adjudicação de bens indivisíveis; e, eventualmente
d) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.
Notifiquem-se os interessados com a advertência de que:
a) A conferência pode ser adiada, por determinação do notário ou a pedido de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.
b) A deliberação dos interessados presentes, relativa a questões cuja resolução possa influir na partilha, vincula os demais que, devidamente notificados, não tenham comparecido na conferência.
Atualize-se o valor do processo de inventário de acordo com o valor resultante da relação de bens apresentada € 32.332,40»;
6. No dia 03.11.2022 realizou a conferência de interessados, com a presença das interessadas DD e EE, o marido desta última e as mandatárias das interessadas (sendo a mandatária da interessada EE, por teleconferência), constando da respectiva acta o seguinte:
«(…)
Explicados os motivos da presente diligência teve, a mesma, início com o seguinte resultado:
Não houve oposição, reclamação ou impugnação quanto ao inventário, relação de bens ou valores porque as mesmas foram relacionadas.
As interessadas, por acordo, compuseram o quinhão respetivo da seguinte forma:
Acordaram em adjudicar à interessada EE o sofá em tecido, com três lugares, com marcas de uso no valor de € 40,00 e a televisão LCD no valor de € 120,00 vendo o restante do seu quinhão hereditário preenchido com o dinheiro das tomas.
Acordaram em adjudicar à interessada DD os restantes bens móveis e ainda o imóvel relacionado como verba 6, tudo no valor global de € 32.172,40, devendo a mesma prestar de tornas o que levar a mais do que competir.
Ficando, assim, adjudicados todos os bens, foram as presentes pessoalmente notificadas para, em vinte dias, proporem o mapa da partilha nos termos do artigo 1120º do CPC aditado pela Lei 117/2019 de 13 de setembro, fiando ainda a requerente pessoalmente notificada para juntar aos autos o DUC e respetivo comprovativo de pagamento devido pela remessa dos autos ao Tribunal para que seja proferida sentença homologatória da partilha.
Não havendo outro assunto a tratar foi encerrada a diligência e lavrada a presente ata»;
7. Apenas a interessada DD apresentou proposta de mapa da partilha;
8. No dia 18.12.2022, a interessada EE apresentou requerimento, dirigido à senhora notária, com o seguinte teor:
«…tendo tomado conhecimento do teor da Ata da Conferência de Interessados, vem expor e Requer conforme se segue:
I-Valor do Imóvel e Tornas a fixar
1. A Requerente aquando da Conferência de Interessados, ocorrida em 03 de novembro de 2022, foi surpreendida pela proposta apresentada pelo Cabeça de casal.
2. Colocada perante a questão do valor a atribuir ao imóvel, a Requerente aceitou fixar o valor do imóvel em €32.172,40.
3. Em face do valor fixado ao imóvel, aceitou que lhe fossem prestadas tornas.
4. A declaração negocial apresentada pela Requerente, foi efetuada, no entanto, em erro.
5. Com efeito a Requerente desconhecia o valor dos imóveis naquela zona.
6. Sendo que para imóvel daquela tipologia, os valores variam entre € 159.000,00 € e € 172.000,00, conforme documentos n.ºs 1, 2, 3 e 4, que se juntam.
7. O valor indicado do imóvel foi referido em erro e encontra-se claramente desajustado, pois trata-se de um imóvel com área privativa de 50,65 m2, com 2 divisões, localizado em ..., a escassos minutos a pé de uma estação do metropolitano, e junto a Expo.
8. A valor atribuído ao imóvel, pela Requerente, ocorreu em profundo erro, cuja consciência só ocorreu quando verificou o valor dos imóveis à venda em ....
9. Para esse erro previsivelmente contribuiu a ausência presencial da sua mandatária, o que dificultou o contacto com a mesma.
10. Ora a Requerente, realizou uma errada representação da realidade, o que leva a que a declaração que emitiu não esteja de acordo com a sua vontade, o que configura a existência de um "erro obstáculo", conforme bem descreve o Dr. Pedro Nunes de Carvalho em "Considerações acerca do erra em sede de patologia da Declaração Negociar”.
11. No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 67/14.4T8OHP-A.C1, que salienta que "I – O erro na declaração, ou erro obstáculo, existe quando, não intencionalmente v.g., por inadvertência, engano ou equívoco, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
II- Existe erro obstáculo sobre a identidade da coisa que constitui objeto da declaração - error in corpore, quando a indicação ou a descrição que dela se faz, leve a identificar uma coisa diferente da que o declarante pretende".
III- Contudo, a relevância do erro obstáculo, para que o negócio seja anulável, carece:
-Que para o declarante seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que, se deste se tivesse apercebido, não teria celebrado o negócio;
- Que o declaratário conheça ou não deva ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante."
12. Ora, no caso concreto se a Requerente tivesse consciência do valor atual do imóvel nunca tinha aceite o acordo, e desconhecia que naquela audiência iria ser discutido aquele facto.
13. Por outro lado, a Requerente não trabalha, nem nunca trabalhou na área imobiliária, pelo que desconhecia o valor do mesmo, e não lhe pode ser imputado qualquer obrigação de o saber.
14. Como refere Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2010, 6 edição, págs. 658/659) "a vontade negocial pode estar viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão, por deficiência de esclarecimento......e a parte cuja vontade tenha sido perturbada pode, se assim o desejar, libertar-se do negócio viciado, procedendo à sua anulação".
15. Também Manuel A. Domingues de Andrade, in (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 9ª reimpressão, Coimbra, 2003, pág. 233), caracteriza o erro nos moldes seguintes: "[o] erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu".
16. Pelo que se compreende que a Requerente se encontre em erro.
17. Sucede que o imóvel não foi adquirido pela Requerente mas sim pelos seus pais.
18. A Requerente por outro lado vive no imóvel, que integra a herança, sendo aquele a sua casa de família, pelo que terá direito de preferência na adjudicação do mesmo, direito esse que pretende exercer.
19. Assim, e tendo em consideração que a aceitação da proposta ocorreu em erro, deve ser ordenada o cancelamento da adjudicação, e em consequência:
a) Ser ordenada a realização de uma avaliação do imóvel, e após esse facto, serem determinadas as tornas caso exista efetivamente obrigação das mesmas serem prestadas;
b) Caso o pedido de avaliação seja indeferido, desde já a Requerente indica que o imóvel tem o valor de pelo menos € 70.000,00, disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a título de tornas»;
9. Por requerimento de 19.12.2022, a interessada DD requereu o desentranhamento do referido requerimento, por ser intempestivo e carecer de fundamento legal;
10. Por despacho da senhora notária de 22.12.2022, foi organizado o mapa da partilha, de acordo com as adjudicações feitas na conferência de interessados;
11. Ainda por despacho da senhora notária de 22.12.2022, foi decidido que:
«Por requerimento registado em www.inventarios.pt com o número 2579569 de documento veio a interessada EE alegar, em suma, erro na sua declaração negocial de aceitação do valor atribuído por acordo ao imóvel; desconhecimento de que na audiência iria ser discutido aquele facto; pretensão de exercer o direito de preferência na adjudicação do imóvel por nele residir vindo, ainda, requerer seja ordenada avaliação do imóvel e, em caso de indeferimento desta ultima pretensão seja fixado ao imóvel o valor de € 70.000,00 disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a titulo de tornas.
Por requerimento registado na referida plataforma com o número 2579582 de documento veio a cabeça de casal, DD requerer o desentranhamento do requerimento suprarreferido por ser intempestivo e carecer de fundamento legal.
Cumpre tomar posição;
Em 03 de novembro de 2022 pelas 14:30 minutos realizou-se neste Cartório Notarial a Conferência de Interessados previstas no artigo 1111º do CPC aditado pela lei 117/2019 de 13 de setembro.
Nessa conferência, para a qual foram expedidas às interessadas as notas postais que se encontram registadas nos autos, encontravam-se presentes não só as interessadas como ainda o cônjuge da requerente FF e as ilustres mandatárias das mesmas.
Do despacho de agendamento da conferência de interessados que acompanhava a notificação para comparência pessoal constava:
(…)
Na conferência as interessadas chegaram a acordo nos termos que constam da Ata da Conferência e que se transcrevem:
(…)
Assim,
As interessadas, acompanhadas das suas ilustres mandatárias, puseram fim ao processo, por acordo, na referida conferência de interessados.
A fracção em apreço tem um VPT de € 30.612,40.
Notificada a interessada EE da relação de bens para, em trinta dias, querendo, reclamar da relação de bens ou impugnar o valor dado aos mesmos, nada velo dizer ou peticionar.
Em sede de conferência de interessados, e na impossibilidade de obter acordo, a Lei ainda permite que os interessados requeiram a avaliação dos bens e/ou, nos casos em que a mesma é admissível, o pedido de adjudicação de bens nos termos dos artigos 1114º e 1115º do CPC.
Não foi o caso dos presentes autos, uma vez que as interessadas coadjuvadas pelas respetivas mandatárias, alcançaram o acordo que consta do Ata pelo que, tendo precludido o seu direito não pode agora a interessada vir aos autos, sob o manto do erro da declaração negocial, requerer a avaliação do imóvel e a sua adjudicação.
Como se retira da Ata da diligência, no final da mesma foram as ilustres mandatárias notificadas:
“…..
Ficando, assim, adjudicados todos os bens, foram as presentes pessoalmente notificadas para, em vinte dias, proporem o mapa da partilha nos termos do artigo 1120º do CPC aditado pela Lei 117/2019 de 13 de setembro, fiando ainda a requerente pessoalmente notificada para juntar aos autos o DUC e respetivo comprovativo de pagamento devido pela remessa dos autos ao Tribunal para que seja proferida sentença homologatória da partilha……”
Termos em que se nega provimento à pretensão da requerente e se determina o prosseguimento dos autos»;
12. Em 18.01.2023, a interessada EE apresentou requerimento pelo qual interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho referido no n.º 11;
13. Por despacho da senhora notária de 23.02.2023, foi decidido:
«Por requerimento registado em www.inventarios.pt com o número 2588474 de documento veio a Interessada EE interpor recurso da decisão proferida por este Cartório Notarial em despacho datado de 22 de dezembro de 2022 registado na referida plataforma com o número 2580950 de documento.
Notificada, velo a interessada DD apresentar as suas contra-alegações com os fundamentos que constam do seu requerimento registado com o número 2594811 de documento.
Cumpre tomar posição;
O regime dos recursos em processos de inventário que tenham sido instaurados após 01 de janeiro de 2020 e estejam a correr em Cartórios Notariais encontra-se previsto no artigo 4º do Regime de Inventário Notarial, Regime este aprovado em anexo à Lei 117/2019 de 13 de setembro, nos termos do seu artigo 2º.
De acordo com o artigo 4º do RIN é igualmente aplicável o regime previsto no artigo 1123º do CPC, aditado pela já referida Lei.
Ora, por força da aplicação deste regime, e conforme o disposto no artigo 1123º nº 2 al. c) e nº 5 as decisões proferidas pelo notário na fase da partilha apenas sobem a final com o que vier a ser interposto da sentença homologatória da partilha.
No caso dos autos a interessada EE não deduziu impugnação ou reclamação, nem do despacho determinativo da partilha, nem do mapa da partilha.
Assim, o recurso interposto fica a aguardar o que vier a ser interposto da sentença homologatória da partilha».
14. Por despacho da senhora notária de 30.03.2023, foi decidido:
«Nos presentes autos de inventário abertos para partilha dos bens deixados por óbito de AA e BB, tendo as interessadas chegado a acordo nos termos enunciados na Ata da Conferência de Interessados e tendo sido proferido despacho que retém o recurso entreposto até àquele que vier a subir com a sentença homologatória da partilha;
Remete-se, nos termos do artigo 5º do Regime do Inventário Notarial aprovado em anexo à Lei 117/2019 de 13 de setembro, e cumprido o disposto no artigo 7º o presente processo ao tribunal para que seja proferida sentença homologatória da partilha».
15. Remetidos os autos ao Juízo Local Cível de ..., foi, em 25.04.2023, proferida a sentença recorrida, com o seguinte teor:
«Nos presentes autos de inventário para partilha de bens a que se procede por óbito de AA e BB, homologo por sentença a partilha constante do acordo exarado na conferência de interessados, ocorrida em 03/11/2022 (acta com a referência 156400617) – artigo 5.º do regime anexo à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
Custas em conformidade com o disposto no artigo 1130.º do Cód. Processo Civil (artigo 2.º, n.º 1, do regime anexo à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro).
Registe e notifique».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Comecemos, então, por apreciar o recurso da decisão da senhora notária de 22.12.2022, interposto pela interessada EE em 18.01.2023.
Recordemos que, através de requerimento datado de 18.12.2022, a interessa EE, ora recorrente, havia requerido à senhora notária que fosse «ordenada o cancelamento da adjudicação, e em consequência: a) Ser ordenada a realização de uma avaliação do imóvel, e após esse facto, serem determinadas as tornas caso exista efetivamente obrigação das mesmas serem prestadas; b) Caso o pedido de avaliação seja indeferido, desde já a Requerente indica que o imóvel tem o valor de pelo menos € 70.000,00, disponibilizando-se para efetuar o pagamento de metade a título de tornas».
Alegou, para tanto, que a sua declaração negocial foi efectuada em erro, no que respeita ao valor atribuído ao imóvel adjudicado à interessada DD e consequente aceitação do montante das tornas que lhe caberiam, e que vive no referido imóvel, o que lhe confere direito de preferência na adjudicação do mesmo, o qual pretende exercer.
As pretensões formuladas pela referida interessada foram indeferidas pela senhora notária, por, basicamente, ter entendido que se encontrava precludido o direito da mesma de requerer a avaliação e adjudicação de bens, uma vez que não reclamou da relação de bens, nem impugnou os valores atribuídos aos bens relacionados e, na conferência de interessados, não requereu a avaliação dos bens, nem formulou pedido de adjudicação de bens, antes tendo chegado a acordo com a outra interessada.
O acórdão do STJ de 11.03.2025, determinou que o requerimento da interessada EE de 18.12.2022 fosse entendido e apreciado como incidente de emenda antecipada à partilha, nos termos do art.º 1126.º, n.º 2 do CPC.
Ora, como é consabido, a emenda à partilha (na falta de acordo dos interessados) destina-se a averiguar se a partilha, em si mesma, padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas no art.º 1126.º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
O erro de facto na descrição ou qualificação de um bem opera por si mesmo, não carecendo de revestir as características da essencialidade e propriedade que o tornariam relevante como erro-vício da vontade. Por isso, bastará que exista o erro, sem necessidade de outros requisitos, gerais e especiais, exigindo-se, apenas, que o erro seja objectivo ou material (cfr. acórdão do STJ de 19.02.2004, in www.dgsi.pt, citando doutrina e jurisprudência).
No caso dos autos, em face do teor do requerimento de 18.12.2022, não estamos em face de um erro de facto na descrição ou qualificação de um bem.
Desta forma, a situação invocada como causal da emenda, apenas, poderá enquadrar-se na expressão legal genérica, indeterminada, ampla e vaga de “erro susceptível de viciar a vontade das partes”.
Tal como ensina Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, II, Almedina, 4.ª ed., 1990, p. 550, «(…) erro susceptível de viciar a vontade das partes é uma fórmula muito ampla, abrange uma generalidade de erros, designadamente os casos de se atribuírem valores superiores ou inferiores aos bens da herança (…) ou nos casos de desconhecimento completo da extensão, natureza, características e valor de bens da herança partilhada na convicção errada de equilíbrio de valores, na composição de cada um dos quinhões adjudicados».
Ora, ao contrário do que acontece no erro de facto na descrição ou qualificação de um bem, que dispensa a alegação e prova de quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, os demais erros de facto impõem a alegação e prova dos requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247,º e segs. do CC, por se estar em face de factos constitutivos da requerida emenda (cfr., Lopes Cardoso, Ob. Cit., p. 549 e 550 e acórdão da RG de 09.04.2013, in www.dgsi.pt, bem como a jurisprudência nele citada).
Na falta de acordo dos interessados quanto à emenda, aplica-se à requerida emenda a tramitação dos incidentes da instância (arts. 292.º a 295.º, ex vi do art.º 1126.º, n.º 2 do CPC), sendo, nomeadamente, as provas apresentadas no requerimento em que se suscita o incidente e na oposição e determinando a falta de oposição a produção do efeito cominatório que vigora no inventário.
Ora, no caso vertente, competia à senhora notária a decisão sobre o requerimento da interessada EE de 18.12.2022 e, nomeadamente, das questões por ela suscitadas relativas ao vício da sua vontade (cfr. acórdão do STJ de 11.03.2025).
Sucede que a senhora notária proferiu decisão sobre o referido requerimento de 18.12.2022, sem se pronunciar sobre a factualidade aí alegada (nomeadamente, nos arts. 5.º a 8.º, 12.º, 13.º, 17.º e 18.º) e que é causal da pretendida emenda.
Como é consabido, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
E, se assim é, por maioria de razão, o tribunal superior pode e deve lançar mão de idêntica solução, quando a indicação da matéria de facto é totalmente omissa.
Tal como se escreveu no acórdão da RC de 14.11.2017, in www.dgsi.pt, «é manifesto que em tais situações (e não foi claramente para elas que foi pensado o atual art.º 665º, nº 1, do CPC), não foi intuito do legislador de colocar o Tribunal Superior da Relação a reapreciar oficiosamente toda a prova produzida na 1ª. instância, e nomeadamente quando tal resulte de casos em que, na 1ª. instância, se omitiu por completo a decisão da matéria de facto (v.g. com a indicação dos factos provados), até porque uma intervenção a esse nível privaria as partes da garantia de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto. (Neste sentido vide, entre outros, Ac. da RC de 23/02/2016, proc. nº.512/09. OTBLMG-D.C1 – desta mesma 3ª. Secção Cível e relatado pelo ora 2º. adjunto, juiz desembargador Falcão de Magalhães – e Acs. da RL de 21/03/2012, proc. nº. 1359/2011.0TVLSB.L1-8, e de 27/10/2009, proc. 3084/08.0YXLSB-A.L1.1 – proferidos à luz do CPC61, mas com plena aplicação ao caso, devidamente adaptados -, estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt)».
Impõe-se, portanto, à luz do art.º 662.º, n.º 2, al c), do CPC, anular o despacho recorrido de 22.12.2022 e determinar que, com observância do disposto nos arts. 293.º a 295.º, ex vi do art.º 1126.º, n.º 2 do CPC, seja proferida nova decisão, na qual a senhora notária se pronuncie, concretamente, sobre a factualidade alegada pela interessada EE (nomeadamente, nos arts. 5.º a 8.º, 12.º, 13.º, 17.º, 18.º do requerimento de 18.12.2022), enunciando os factos considerados provados e não provados, e após decida da requerida emenda à partilha com base nesses factos.
Em consequência, importa anular todos os actos processuais subsequentes ao requerimento da interessada EE de 18.12.2022, incluindo, portanto, a sentença homologatória da partilha, com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso dela interposto em 23.05.2023.
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
a) julgar procedente a apelação interposta pela interessada EE em 18.01.2023 e, em consequência, anular o despacho recorrido de 22.12.2022 e determinar que, com observância do disposto nos arts. 293.º a 295.º, ex vi do art.º 1126.º, n.º 2 do CPC, seja proferida nova decisão, na qual a senhora notária se pronuncie, concretamente, sobre a factualidade alegada pela interessada EE (nomeadamente, nos arts. 5.º a 8.º, 12.º, 13.º, 17.º e 18.º do requerimento de 18.12.2022), enunciando os factos considerados provados e não provados, e após decida da requerida emenda à partilha com base nesses factos;
b) anular todos os actos processuais subsequentes ao requerimento da interessada EE de 18.12.2022, incluindo a sentença homologatória da partilha de 25.04.2023, com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso dela interposto em 23.05.2023.
Custas pela apelada.
Notifique.
*
Lisboa, 30.04.2025
Rui Oliveira
Marília Fontes
Ana Paula Olivença