CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA PELO SENHORIO
OBRAS DE REMODELAÇÃO E RESTAURO PROFUNDO
TIPOLOGIA DIVERSA
Sumário

I – Se existe uma concordância lógica entre os fundamentos e a decisão proferida e, o que verdadeiramente motiva o recurso é a falta de concordância - legítima – com o teor da decisão proferida quer, sobre a matéria de facto, quer de direito, que foi desfavorável aos recorrentes, o palco privilegiado para expor argumentos sobre esta matéria, é a impugnação da matéria de facto e de direito, não se verificando a nulidade de falta de fundamentação, a que alude o art.º 615, nº 1, al. b) do CPC.
II – Constitui fundamento para denúncia do contrato de arrendamento, por parte do senhorio, nos termos do disposto no artigo 1101, alínea b) do Código Civil, a realização de obras de remodelação e restauro profundo que, por implicarem a criação de uma diferente tipologia no imóvel, dão origem a um fogo com características que não são equivalentes às do original locado.

Por mim elaborado, enquanto relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
SOLAYME ESTATE, SL – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede na Rua …, em Lisboa, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum, contra AA, residente na Calçada ... em Lisboa; pedindo que seja declarada válida e eficaz a denúncia justificada do contrato de arrendamento em vigor entre a A. e a Ré, operada nos termos do artigo 1101.º, alínea b) do C. C., seja reconhecida a cessação do referido contrato com esse fundamento com efeitos desde o dia 30.06.2021; seja a Ré condenada na entrega do locado, livre de pessoas e bens, no estado de conservação em que se encontrava aquando da celebração do contrato de arrendamento; seja a Ré condenada no pagamento, a título de indemnização, da renda vigente à data da denúncia, no valor de € 44,92, elevada ao dobro, a contabilizar desde o dia 30.06.2021 até ao momento da efectiva restituição do locado, a liquidar em sede de execução de sentença e; seja a Ré condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal, desde a data de citação da Ré até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, que é dona da fracção autónoma designada pela letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de … e, inscrito na matriz predial urbana com o artigo …. da freguesia de …., sendo que em 03.04.1964, foi celebrado entre os então proprietários e BB, avô da Ré, contrato de arrendamento para fins habitacionais de duração indeterminada, que teve por objecto o referido andar, arrendamento que se transmitiu para a Ré, sendo o valor mensal da renda de € 44,92, tendo a A. adquirido a totalidade das fracções que compõem o referido prédio em 29.11.207, com o intuito de proceder à realização de obras de conservação e de reabilitação do prédio, sendo que no dia 09.082018 a A. comunicou à Ré, a denúncia do referido contrato de arrendamento com fundamento na necessidade de realização de obras qualificadas de remodelação e restauro profundos que obrigava à desocupação do locado, não sendo possível a manutenção do referido contrato de arrendamento, denúncia essa que foi confirmada por nova carta da A. datada de 20.11.2020.
Mais alegou que a Ré devia desocupar o locado até ao dia 3.06.2021, contudo, até hoje a Ré não desocupou o locado.
A Ré contestou, alegando que as obras em causa eram apenas de reabilitação, com opções de modernização e estética da fracção, não importando qualquer alteração estrutural do locado, pelo que não se encontram reunidos os requisitos legais que permitam ao senhorio denunciar o contrato de arrendamento de duração indeterminada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1101.º do C. Civil, a que acresce que a A. bem sabe que as obras que se propõe levar a cabo não têm a natureza de obras de remodelação e restauro profundos e, mesmo sabendo, em abuso de direito pretendeu exercer o direito de denúncia e, no mais impugna os factos vertidos na petição inicial que identifica.
A A. pugnou pela improcedência das excepções alegadas pela Ré.
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Em 02/07/2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento em vigor entre a A. e a Ré que tem por objecto a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Calçada …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da Freguesia de … e, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….. da Freguesia de ……, operada nos termos do artigo 1101.º alínea b) do C. Civil, na redacção anterior à Lei n.º 13/2019 de 12/02, reconhecendo a cessação do referido contrato com esse fundamento com efeitos desde o dia 30.06.2021. Mais, condenou a Ré a proceder à entrega à A. da fracção referida em A), livre de pessoas e bens, no estado de conservação em que se encontrava quando da celebração do contrato de arrendamento; E, condenou a Ré no pagamento a título de indemnização da renda no valor de € 44,92 (quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos), elevada ao dobro, a contabilizar desde o dia 30.06.2021 até ao momento da efectiva restituição do locado, a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% nos termos conjugados do disposto no artigo 559.º do C. C. e do disposto na Portaria n.º 291/2003 de 08/04, desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.
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Recorreu a R desta decisão, pugnando pelo reconhecimento dos vícios invocados (nulidade por falta fundamentação e erro na aplicação do direito).
Apresentou os argumentos sintetizados nas respectivas conclusões, que seguem:
 “O presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal a quo que declarou válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento entre a A. e a Ré, com efeitos desde 30.06.2021, ao abrigo do artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, na redação anterior à Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.
A decisão recorrida interpretou e aplicou incorretamente o direito, estando em frontal contradição com a jurisprudência dos Tribunais superiores.
O tribunal a quo aplicou erradamente a redacção do artigo 1101, alínea b) com a redacção dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho, em vez da redacção dada pela Lei n.º 13/2019, em vigor à data da confirmação da denúncia.
A denúncia do contrato de arrendamento é um ato unilateral que só produz efeitos após a sua confirmação, nos termos do artigo 1103.º, n.º 3, do Código Civil.
A confirmação da denúncia ocorreu em 12.01.2021, momento em que já vigorava a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que alterou a alínea b) do artigo 1101.º, conferindo maiores garantias ao arrendatário.
O tribunal a quo errou ao aplicar a redação da Lei n.º 43/2017, considerando apenas a data da primeira comunicação de denúncia (09.08.2018) e não a da sua confirmação.
A confirmação da denúncia exigia, nos termos da nova redação, a prova de que, após as obras, não existiria local com características equivalentes que permitisse a continuidade do arrendamento, o que não foi demonstrado pela recorrida.
A decisão omitiu a apreciação das provas testemunhais e documentais que indicavam a possibilidade de manutenção do arrendamento após as obras, contrariando os requisitos legais para a denúncia do contrato.

Ao não fundamentar adequadamente a qualificação das obras como de "remodelação ou restauro profundo", a sentença padece de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do código de processo civil, por falta de fundamentação suficiente.”
Concluiu, pugnado para que se dê provimento ao seu recurso e, em consequência:
Se revogue a sentença recorrida, declarando-se em consequência, que a denúncia do contrato de arrendamento é ineficaz.
Caso assim não se entenda deve a sentença ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do artigo 615º do n.1 da alínea do código processo civil.”
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A recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“1. A redacção vigente do artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, no momento da comunicação da denúncia pela Recorrida, previa que o senhorio podia denunciar o contrato de arrendamento para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado.
2. Aquando da confirmação da denúncia, a redacção do artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, previa requisitos adicionais em razão das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
3. Na Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não existe nesta matéria uma norma transitória para aplicação da lei no tempo.
4. Devendo o problema de sucessão de leis no tempo resolver-se com recurso às normas gerais de direito.
5. O artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil determina que a Lei só dispõe para o futuro, ficando ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
6. Nos termos do artigo 12.º, n.º 2, primeira parte, do Código Civil, a nova lei não se aplica a factos passados quando dispõe sobre as condições de validade substancial dos actos.
7. O artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil regula precisamente as condições de validade substancial do acto de denúncia do contrato de arrendamento e não sobre o conteúdo do mesmo.
8. Tendo a comunicação de denúncia sido efectuada antes da publicação e início da vigência da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, torna-se assim evidente, à luz do disposto no art.º 12.º do Código Civil, que a alteração da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro não se aplica à mesma.
9. Sendo inquestionável que a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento em apreço nos autos, operada no ano de 2018, deve ser aferida à luz da Lei vigente à data da sua comunicação.
10. A confirmação da denúncia prevista no artigo 1103.º, n.º 3, do Código Civil, constitui um mero requisito da sua eficácia, que pressupõe a existência de uma denúncia prévia válida e eficaz.
11. O direito de denúncia já havia sido exercido de forma válida e eficaz pela Recorrida, nos termos legais aplicáveis à data da comunicação.
12. A interpretação sugerida pela Recorrente no sentido de ser aplicável a Lei em vigor à data da confirmação da denúncia comprometeria o princípio da segurança jurídica.
13. Porquanto colocaria o senhorio numa posição de incerteza quanto aos requisitos legais e quanto aos pressupostos do exercício do seu direito de denúncia.
14. O que seria incompatível com a boa aplicação do direito e com a exequibilidade prática desse direito.
15. Improcedendo, assim, as alegações da Recorrente nesta matéria.
16. Ainda que, por mera cautela de patrocínio, se admita a aplicação do artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, os requisitos aí exigidos também se encontram preenchidos no caso em apreço.
17. As obras projectadas implicam uma alteração substancial das características do locado, evidenciada pela alteração de tipologia de T2 para T1 e pela reconfiguração profunda dos respectivos compartimentos e infraestruturas.
18. Da factualidade provada, suportada pelos depoimentos das testemunhas, resulta evidente que se torna absolutamente insustentável que as características do locado permaneçam equivalentes àquelas que actualmente detém.
19. Entender-se que a menção a “características equivalentes” prevista no artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, se reporta apenas à manutenção da afectação do locado como habitacional, seria restringir de tal forma o direito de denúncia, que este passaria a ser uma mera aparência de direito.
20. Configurando ainda uma interpretação que não encontra correspondência na lei.
21. No caso em apreço, sendo alteradas todas as características, com excepção da afectação, torna-se evidente que, da realização das obras e à luz do citado preceito, não resulta local com características equivalentes às do locado.
22. Assim, mesmo que a se aplicasse a redacção do artigo 1101.º, alínea b), do Código Civil, sempre se diria que a denúncia efectuada pela Recorrida cumpria com os requisitos previstos em tal norma.
23. Devendo improceder todas as considerações feitas pela Recorrente a respeito desta matéria.
24. A Recorrente alega ainda, a título subsidiário, a nulidade da sentença por falta de fundamentação no que respeita à qualificação das obras, com base no artigo 615.º, alínea b), do Código de Processo Civil.
25. Porém, é falso que a decisão judicial não se encontre fundamentada.
26. A questão controvertida restringe-se à classificação das obras como remodelação ou restauro profundo, não se discutindo outros requisitos formais ou materiais da denúncia.
26. O Tribunal a quo, com base nos factos provados, suportados pelos depoimentos das testemunhas, conclui que as obras alteram substancialmente a configuração do locado.
27. Exigindo tais obras a desocupação do mesmo para a sua execução.
28. O Tribunal a quo remete para juízos do mais elementar senso comum exclusivamente na parte onde infere que tais obras obrigam, pela sua natureza e para a sua realização, à desocupação do locado.
29. Estando ainda a decisão fundamentada pela referência do Tribunal a quo para os depoimentos das testemunhas e para a matéria de facto provada.
30. Não se insurgindo a Recorrente quanto à matéria de facto provada, aceitando a mesma.
31. O Tribunal a quo efectua, no demais, uma apreciação detalhada do conteúdo das obras e uma valoração das mesmas à luz das normas aplicáveis.
32. Devendo a arguição de nulidade da Recorrente ser indeferida, por não se verificar qualquer insuficiência na fundamentação da sentença recorrida.”
Termina, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pela Recorrente e indeferimento da nulidade arguida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Na sequência de despacho proferido nos termos do disposto no art.º 617º, nº 5 do CPC, a Mmª Juiz a quo proferiu despacho, manifestando o entendimento de que a sentença não padece da nulidade apontada.
 

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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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São as conclusões formuladas pela recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC)[1].
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
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2. Do objecto do recurso
São questões a decidir:
A - Da nulidade por falta de fundamentação prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;
B - Da validade e eficácia da denúncia pela A. do contrato de arrendamento da qual a Ré é arrendatária e, suas consequências.
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II – FUNDAMENTOS
2.1. Fundamentos de facto
Nesta sede, é este o texto da decisão recorrida:
“1. A A. é dona da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º Direito do prédio sito na Calçada …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número … da freguesia de … e, inscrito na matriz predial com o artigo … a freguesia de ….
2. A A. é dona das frações autónomas designadas pelas letras “A” a “I” do prédio referido em 1).
3. Em 03.04.1964, foi celebrado entre os então donos, na qualidade de senhorios e, BB, avô da Ré, na qualidade de arrendatário, acordo denominado “contrato de arrendamento para fins habitacionais de duração indeterminada”, que tem por objeto a fração referida em 1).
4. Por sentença transitada em julgado em 19/6/2006, foi determinado que o acordo referido em 3), se transmitiu, por morte de BB a 10.11.2002, para a Ré.
5. A fração referida em 1) é habitação própria e permanente da Ré.
6. O valor mensal atual da renda é de € 44,92.
7. No dia 27.03.2018, a A. apresentou, junto da Câmara Municipal de Lisboa, pedido de licenciamento respeitante à operação urbanística a realizar no prédio referido em 1), que deu origem ao procedimento que decorreu sob o número 583/EDI/2018.
8. No dia 09.08.2018, a A. comunicou à Ré, por carta registada com aviso de receção, o seguinte:
“Exma. Senhora,
Em nome e representação da nossa cliente, SOLAYME REAL ESTATE, SL – SUCURSAL EM PORTUGAL, na qualidade de Senhoria, serve a presente para proceder à denúncia do contrato de arrendamento em vigor com V. Exa. relativo à fração E correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Calçada ..., em Lisboa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1101.º, alínea b) do Código Civil, uma vez que iremos realizar, no locado de V. Exa., em particular, e no prédio, em geral, obras qualificadas de remodelação ou restauro profundo (porque se trata de obras de alteração, ampliação ou reconstrução, sujeitas a controlo prévio, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, conforme disposto no artigo 4.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto), obrigando, para a sua realização, à desocupação do locado. Em anexo à presente comunicação, juntamos, conforme previsto no n.º 2 do artigo 1103.º do Código Civil e n.º 2 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, os seguintes documentos: a) Comprovativo de que foi iniciado, junto da Câmara Municipal de Lisboa, procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado; b) Termo de responsabilidade do técnico autor do projeto legalmente habilitado que atesta que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de remodelação ou restauro profundos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4.º do RJOPA, e as razões que obrigam à desocupação do locado; c) Orçamento total da operação a realizar no locado, incluindo estimativa do custo total da operação urbanística; d) Caderneta predial, que inclui o valor patrimonial do locado; e) Documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa atestando a entrega pelos senhorios do orçamento total da operação a realizar, incluindo estimativa do custo total da operação urbanística e da caderneta predial, no pedido de controlo prévio da operação urbanística. A data pretendida para a desocupação será no termo do prazo de seis meses a contar da receção por V. Exa. da presente comunicação, ou no prazo de 60 dias contados da receção por V. Exa. da confirmação da denúncia, consoante o que ocorrer em último lugar – cf. n.º 4 do artigo 1103.º do Código Civil. Para efeitos do previsto nos artigos 1103.º, n.º 6, alínea a) do Código Civil e 6.º, n.º 1, alínea a) do RJOPA, propomos a V. Exa. o pagamento de indemnização correspondente a dois anos de renda, de valor não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, manifestando, desde já, que não temos intenção ou disponibilidade para proceder ao realojamento de V. Exa. Como se poderá verificar na caderneta predial do imóvel que enviamos em anexo, o VPT da fração ascende a € 58.800,00 (cinquenta e oito mil e oitocentos euros), pelo que o 1/15 do valor patrimonial tributário do locado corresponde a € 3.920,00 (três mil e novecentos e vinte euros).
Assim, a indemnização não poderá ser de valor inferior a € 7.840,00 (sete mil oitocentos e quarenta euros). A renda atualmente cifra-se em € 44,92 (quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos). Pelo que a indemnização será no valor de € 7.840,00 (sete mil oitocentos e quarenta euros). A referida indemnização será colocada à disposição de V. Exa., nos termos legais, sendo metade da indemnização paga após a confirmação da denúncia e o restante no ato da entrega do locado. Aquando da confirmação da presente denúncia, nos termos do n.º 3 do artigo 1103.º do Código Civil, indicaremos a data e o local de entrega das chaves e do locado, bem como do pagamento da indemnização devida. As eventuais comunicações de V. Exa. no âmbito do presente assunto deverão ser dirigidas nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do NRAU, para as seguintes pessoas e morada: CC e/ou DD Advogados Rua ..., Lisboa. Com os melhores cumprimentos,”.
9. A Ré recebeu a comunicação referida em 8) no dia 20.08.2018.
10. No dia 20.11.2020, a A. dirigiu à Ré carta registada, com aviso de receção, nos seguintes termos:
“Exma. Senhora, Em nome e representação da nossa Constituinte, SOLAYME REAL ESTATE, SL – SUCURSAL EM PORTUGAL, na qualidade de Senhoria, serve a presente para proceder à confirmação da denúncia do contrato de arrendamento em vigor com V. Exa. relativo à fração e correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Calçada ..., em Lisboa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1101.º, alínea b) do Código Civil. A presente confirmação é feita nos termos do n.º 3 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, na sequência da comunicação de denúncia recebida por V. Exa. no dia 20.08.2020. Em anexo à presente comunicação, juntamos, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, cópia da Informação n.º 42889/INF/DMURB_DepAGU_DivSLAL/GESTURBE/2020 proferida no âmbito do Processo n.º 583/EDI/2018, comprovando o deferimento do correspondente pedido de licença administrativa para a realização de obras no locado. O locado deverá ser desocupado no prazo máximo de sessenta dias a contar da receção por V. Exa. da presente comunicação – cf. n.º 4 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados. Para efeitos do previsto no artigo 8.º, n.º 5 do RJOPA, remetemos, em anexo, o cheque bancário n.º 5365862208, do Banco BPI, S.A., no valor de € 3.920,00 (três mil novecentos e vinte euros), correspondentes a metade da indemnização aplicável ao caso, conforme melhor explicitado na comunicação de denúncia remetida a V. Exa. O restante montante da indemnização será pago no ato da entrega do locado. As chaves do locado deverão ser entregues, até ao último dia do prazo, na morada do nosso escritório: Rua ..., Lisboa. Com os meus melhores cumprimentos,”.
11. A comunicação referida em 10) não foi recebida pela Ré, tendo sido devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”.
12. No dia 11.01.2021, a A. dirigiu à Ré carta registada com aviso de receção, nos seguintes termos:
“Exma. Senhora, Em nome e representação da nossa Constituinte, SOLAYME REAL ESTATE, SL – SUCURSAL EM PORTUGAL, na qualidade de Senhoria, serve a presente para proceder ao envio da segunda notificação da confirmação da denúncia do contrato de arrendamento em vigor com V. Exa. relativo à fração E correspondente ao 2.º andar direito (doravante o “Locado”), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1101.º, alínea b) do Código Civil, a qual foi remetida por carta registada com aviso de receção no passado dia 20 de Novembro de 2020. A referida confirmação foi feita nos termos do n.º 3 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, na sequência da comunicação de denúncia recebida por V. Exa. no dia 20.08.2018. Sucede que a carta remetida veio devolvida ao remetente com a indicação “objeto não reclamado” uma vez que não foi possível proceder à sua entrega no Locado, nem a mesma foi posteriormente levantada junto da loja CTT Belém. Assim, enviamos a presente comunicação a V. Exa, efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do artigo 10.º do NRAU, estipulando o n.º 4 do mesmo artigo que “se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio”. Em anexo à presente comunicação, juntamos, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, cópia da Informação n.º 42889/INF/DMURB_DepAGU_DivSLAL/GESTURBE/2020, proferida no âmbito do Processo n.º 583/EDI/2018, comprovando o deferimento do correspondente pedido de licença administrativa para a realização de obras no locado. Juntamos igualmente cópia da primeira carta, enviada e não recebida. O locado deverá ser desocupado no prazo máximo de sessenta dias a contar da receção por V. Exa. da presente comunicação – cf. n.º 4 do artigo 8.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados. Para efeitos do previsto no artigo 8.º, n.º 5 do RJOPA, remetemos, em anexo, o cheque bancário n.º 5365862208, do Banco BPI, S.A., no valor de € 3.920,00 (três mil novecentos e vinte euros), correspondentes a metade da indemnização aplicável ao caso, conforme melhor explicitado na comunicação de denúncia remetida a V. Exa. O restante montante da indemnização será pago no ato da entrega do locado. As chaves do locado deverão ser entregues, até ao último dia do prazo, na morada do nosso escritório: Rua ..., Lisboa. Com os meus melhores cumprimentos,”.
13. A Ré recebeu a carta referida em 12) no dia 12.01.2021.
14. No dia 29.06.2021, a A. remeteu à Ré comunicação relembrando a data de desocupação da fração referida em 1).
15. A Ré recebeu a comunicação referida em 14) em 30.06.2021.
16. A Ré, até hoje, não desocupou a fração referida em 1).
17. A A. adquiriu a totalidade das fracções do prédio referido em 1) em 29.11.2017 com o intuito de proceder “tendo em conta a necessidade”, à realização de “avultadas obras de conservação e reabilitação do Prédio”.
18. As obras referidas em 8) implicam na fracção referida em 1) que:
- Os dois quartos existentes serão convertidos em apenas um quarto, alterando a tipologia do fracção de T2 para T1;
- Será efectuado um reposicionamento das divisões da fracção, passando o único quarto a estar orientado para a fachada posterior do prédio,
- A cozinha e a sala comum ficarão orientadas para a fachada frontal, convertendo-se a cozinha em kitchenet; e
- A varanda da fracção será encerrada.
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Não existem factos não provados.”
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2.2. Fundamentos de direito


A) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
A questão suscitada pela apelante de que cumpre conhecer, antes de mais, é a de saber a decisão recorrida se afigura nula por falta de fundamentação.
Refere a recorrente que “a decisão omitiu a apreciação das provas testemunhais e documentais que indicavam a possibilidade de manutenção do arrendamento após as obras, contrariando os requisitos legais para a denúncia do contrato.
Ao não fundamentar adequadamente a qualificação das obras como de "remodelação ou restauro profundo", a sentença padece de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do código de processo civil, por falta de fundamentação suficiente.”
Dita o artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”
O artigo 615º nº 1 al. b) do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, surge como decorrência daquele imperativo constitucional.
Isto implica que as sentenças, para além de exibirem clareza e coerência, deverão conter elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário conhecer o percurso seguido pelo decisor até à declaração do direito.
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Segundo os ensinamentos de Teixeira de Sousa[3]: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…)”.
E, conforme referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 29.11.2005, relativo ao processo 05S2137[4]:
“Refere o art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC, que a sentença é nula quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta nulidade, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença. Assim, atendamos nas palavras de Alberto dos Reis[5], “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
No caso em apreço verifica-se que a sentença é expressa ao indicar os fundamentos da qualificação das obras em causa nos autos como remodelação, ao referir que:
No entanto, as obras em causa não poderão deixar de ser consideradas e, como tal qualificadas, como obras de remodelação e restauro profundo, na medida e, que conforme resultou provado as referidas obras implicam na fracção objecto de arrendamento à Ré, que os dois quartos existentes sejam convertidos em apenas um quarto, alterando a tipologia do fracção de T2 para T1; seja efectuado um reposicionamento das divisões da fracção, passando o único quarto a estar orientado para a fachada posterior do prédio, a cozinha e a sala comum fiquem orientadas para a fachada frontal, convertendo-se a cozinha em kitchenet; e a varanda da fracção seja encerrada. Ou seja, por força das obras em apreço, a fracção em causa ficará com uma configuração totalmente distinta da que possui, incluindo a sua tipologia que sofre alteração de T2 para T1 e, para esse efeito, é do mais elementar senso comum, concluir que a realização dessas obras obrigam à desocupação do locado, dado irão importar demolições ao nível de paredes e, reconfiguração de várias divisões, que não possibilitam as condições mínimas de habitabilidade, alterando estruturalmente todo o locado. Efectivamente, as obras em causa estão muito longe de poderem ser configuradas como simples obras de reabilitação ou de mera estética arquitectónica, conforme defende a Ré.”.
A qualificação de determinada obra como de remodelação ou restauro profundo, foi extraída, do ponto de vista da julgadora, da factualidade provada e, desta resulta que a reconfiguração da fracção ao nível da sua tipologia irá sofrer alteração de um T2 para um T1, o que importa demolições ao nível de paredes e reconfiguração de várias divisões, que não possibilitam as condições mínimas de habitabilidade, alterando estruturalmente todo o locado.
No que toca à fundamentação jurídica, a mesma também vem expressa em sede sentença através da interpretação dada ao regime especial previsto no Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, na redacção conferida pela Lei n.º 43/2017 de 14/06.
Assim sendo, conclui-se que, no caso em apreciação, existe uma concordância lógica entre os fundamentos e a decisão proferida.
O que verdadeiramente motiva o recurso é a falta de concordância - legítima – com o teor da decisão proferida quer sobre a matéria de facto, quer de direito, que lhe foi desfavorável.
E, a circunstância de não concordar com os fundamentos, de facto e de direito, em que se estribou a sentença proferida nos autos, não faz com que a mesma seja nula à luz do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea b) do C. P. C..
O palco privilegiado para expor argumentos sobre esta matéria, é a impugnação da matéria de facto e de direito, não se vislumbrando, pelos motivos expostos, a invocada nulidade.
Assim sendo, improcede o recurso nesta sede.
*

B - Da validade e eficácia da denúncia pela A. do contrato de arrendamento da qual a Ré é arrendatária e, suas consequências:
Importa aferir da validade e eficácia ou não da denúncia pela Apelada do contrato de arrendamento que tem por objeto a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Calçada …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de ……. sob o n.º …. da Freguesia de … e, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de …, da qual a Ré é arrendatária e, suas consequências.
Conforme decorre da sentença recorrida, “dos factos provados resulta que a A. é dona da fração autónoma designada pela letra “E” , correspondente ao 2.º Direito do prédio sito na Calçada …, em Lisboa,, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número … da freguesia de … e, inscrito na matriz predial com o artigo … da freguesia de …, sendo a A. igualmente dona das frações autónomas designadas pelas letras “A” a “I” do mesmo prédio.
Em 03.04.1964, foi celebrado entre os então donos, na qualidade de senhorios e, BB, avô da Ré, na qualidade de arrendatário, acordo denominado “contrato de arrendamento para fins habitacionais de duração indeterminada”, que tem por objeto a mencionada fracção autónoma designada pela letra “E”.
Por sentença transitada em julgado em 19/6/2006, foi determinado que o acordo em apreço, se transmitiu, por morte de BB a 10.11.2002, para a Ré, sendo que a fracção autónoma designada pela letra “E” é habitação própria e permanente da Ré e, o valor mensal atual da renda é de € 44,92.
Dispõe o artigo 1022.º do C. Civil que “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição.”, estatuindo o artigo 1023.º do mesmo diploma legal que “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”.
Tendo em consideração o acordo celebrado entre os então donos e o avô da Ré, verifica-se que por efeito do mesmo, os então proprietários proporcionaram ao avô da Ré, o uso e fruição do supra identificada fracção autónoma designada pela letra “E”, para habitação do avô da Ré, mediante o pagamento de renda mensal, que actualmente é de € 44,92.
Do exposto, cumpre concluir que o referido acordo integra um contrato arrendamento urbano, atento o disposto nos artigos 1022.º e 1023.º do C. Civil, contrato de arrendamento esse que, conforme resulta da factualidade provada, se transmitiu para a Ré, por óbito do seu avô.”
Em 09.08.2018 a Apelada comunicou à Apelante, mediante carta registada com A.R., a denúncia do contrato de arrendamento referido, com o fundamento na realização, no locado e no prédio, em geral, obras qualificadas de remodelação ou restauro profundo (porque se trata de obras de alteração, ampliação ou reconstrução).
A Apelante recebeu a comunicação referida no dia 20.08.2018.
No dia 20.11.2020, a Apelada dirigiu à Apelante carta registada com A.R., confirmando a referida denúncia, com o envio, em anexo de cópia da Informação proferida no âmbito do processo administrativo, comprovando o deferimento do correspondente pedido de licença camarária para a realização de obras no locado.
Alega a Recorrente que “o tribunal a quo aplicou erradamente a redacção do artigo 1101, alínea b) do Código Civil, com a redacção dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho, em vez da redacção dada pela Lei n.º 13/2019, em vigor à data da confirmação da denúncia.

De acordo com o citado preceito na redacção dada pela Lei n.º 43/2017 era permitido ao “senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada para proceder à realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado”.

A Lei n.º 13/2019, veio alterar a redação do mencionado preceito, complementando-o, com a seguinte expressão: “desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento.”

Importa, pois, apurar se a denúncia do contrato de arrendamento em apreço se rege pelo regime legal vigente à data da primeira comunicação efectuada pela Apelada à Apelante ou pelo regime em vigor, à data da confirmação da referida denúncia.

A jurisprudência dos tribunais superiores, de que é um bom exemplo o Acórdão do STJ de 20.09.2023[6], tem entendido que a:
“I – A denúncia de um contrato de arrendamento como forma típica de cessação do contrato consiste na comunicação de uma parte à outra da sua intenção de lhe pôr termos a partir de determinada data.
II – Tal comunicação tem natureza unilateral e receptícia e produz efeitos logo que chega ao conhecimento da outra parte, sendo-lhe aplicáveis os requisitos formais e substanciais vigentes nessa data (…).” 

Porém, pensamos que a resposta, neste concreto caso tem que ser dada à luz do preceituado no art.º 1103, nº 3 do CC, que se manteve inalterado após a revisão operada pela Lei 13/2019.
Consta deste preceito que, no caso em que a denúncia do contrato de arrendamento é feita para a realização de obras pelo senhorio, esta apenas é eficaz, quando for confirmada pela apresentação ao arrendatário:
“- Do alvará de licença de obras ou título da comunicação prévia;
- Do documento emitido pela câmara municipal, que ateste que a operação urbanística constitui, nos termos da lei, uma obra de (…) remodelação ou restauro profundo para efeitos de aplicação do disposto na al. b) do art.º 1101, quando tal não resulte do documento referido na alínea anterior.”

No caso sub judice, a Apelada efectuou a denúncia do contrato de arrendamento em dois momentos, no primeiro comunicou a sua intenção de realização de obras profundas no locado e prédio onde o mesmo se insere, apresentado o pedido de licenciamento das mesmas, no segundo, confirmou essa intenção com a apresentação da licença administrativa que deferiu a realização das referidas obras reconhecendo o carácter das mesmas de remodelação ou restauro profundo.
Ora, se o nº 3 do art.º 1103 do CC, faz depender a eficácia da denúncia da apresentação ao arrendatário da documentação junta apenas com a missiva remetida em 20.11.2020, só nessa data é que a referida denúncia se torna eficaz na esfera jurídica da Apelante. Só com esta segunda comunicação, os efeitos jurídicos que vão afectar as partes se consumam.
Estamos perante um caso de eficácia diferida ou condicionada, uma vez que o acto de denúncia inicial só produz efeitos num momento posterior à sua prática, ficando sujeito à verificação de um factor integrador dessa sua aptidão.
A ser assim, reconhece-se como válido o entendimento da Apelante de que à denúncia em apreço se deve aplicar o regime do arrendamento em vigor à data da confirmação da denúncia (20.11.2020) - o da redacção dada pela Lei n.º 13/2019.

Importa agora apurar se estamos perante a realização de uma obra que legitime a denúncia do contrato de arrendamento.
Para que assim seja, a obra em causa terá de ser de “remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locadoe da mesma não poderá resultar local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento”, cfr. artigo 1101, alínea b) com a redacção dada pela Lei n.º 13/2019, em vigor à data da confirmação da denúncia.
Na sentença recorrida foi expresso o entendimento, segundo o qual:
“ As obras em causa não poderão deixar de ser consideradas e, com tal qualificadas, como obras de remodelação e restauro profundo, na medida e, que conforme resultou provado as referidas obras implicam na fracção objecto de arrendamento à Ré, que os dois quartos existentes sejam convertidos em apenas um quarto, alterando a tipologia do fracção de T2 para T1; seja efectuado um reposicionamento das divisões da fracção, passando o único quarto a estar orientado para a fachada posterior do prédio, a cozinha e a sala comum fiquem orientadas para a fachada frontal, convertendo-se a cozinha em kitchenet; e a varanda da fracção seja encerrada.
Ou seja, por força das obras em apreço, a fracção em causa ficará com uma configuração totalmente distinta da que possui, incluindo a sua tipologia que sofre alteração de T2 para T1 e, para esse efeito, é do mais elementar senso comum, concluir que a realização dessas obras obrigam à desocupação do locado, dado irão importar demolições ao nível de paredes e, reconfiguração de várias divisões, que não possibilitam as condições mínimas de habitabilidade, alterando estruturalmente todo o locado.”
No entendimento da Apelante a obra em causa não é de remodelação profunda, uma vez que, concluída, resultará num piso destinado à habitação, sendo possível a manutenção do locado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta da matéria de facto provada que:
“As obras referidas em 8) implicam na fracção referida em 1) que: - Os dois quartos existentes serão convertidos em apenas um quarto, alterando a tipologia do fracção de T2 para T1;
- Será efectuado um reposicionamento das divisões da fracção, passando o único quarto a estar orientado para a fachada posterior do prédio.
- A cozinha e a sala comum ficarão orientadas para a fachada frontal, convertendo-se a cozinha em kitchenet; e
- A varanda da fracção será encerrada.

Não há qualquer dúvida que a realização deste tipo de obras, face às suas características e volume, implica a desocupação, do locado.
Mas, para aferir se estamos perante obras de restauro e remodelação profunda, há que atentar no regime jurídico das obras em prédios arrendados (D.L. 157/06, de 08.08), que no respectivo preâmbulo chama a atenção para o facto de “a degradação urbana ser um problema que não afecta apenas os habitantes dos prédios degradados, mas toda a comunidade, sendo um obstáculo à sã vivência das cidades e ao próprio desenvolvimento económico, nomeadamente com reflexos no turismo.
Possibilitar a recuperação dos centros históricos, rebilitando em lugar de construir de novo, é objectivo a prosseguir com empenho (…)”.
O art.º 4, nº 1, al. b) deste diploma define obras de remodelação ou restauro profundos, “as obras de alteração ou ampliação, definidas respectivamente nas als. d) e e) do art.º 2º do regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo D.L. nº 555/99, de 16.12, em que:
i) Destas resulte um nível bom ou superior no estado de conservação do locado, de acordo com a tabela referida no nº 3 do art.º 6º da Portaria nº 1192-B/06, de 3.11;
ii) O custo da obra a realizar no locado, incluindo IVA, corresponda, pelo menos, a 25% do valor aplicável ao locado em função da sua localização e área bruta de construção, de acordo com o valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares (euro), por concelho, divulgado pelo INE, PI, para o trimestre anterior.” 

O D.L. nº 555/99, de 16.12, por sua vez, define obras de alteração, como “as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente, ou a sua fracção, designadamente a respectiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores (…) sem aumento da área total de construção, da área de implantação ou da altura da fachada (art.º 2º, al. d)) e obras de ampliação, “as obras de que resulte o aumento da área de implantação, da área total de construção, da altura da fachada ou do volume de uma edificação”.
Conforme resulta da matéria de facto assente, as obras a levar a efeito no locado, implicam a remodelação total do mesmo, que não só, passará a ter um quarto no local onde antes estava a sala e cozinha e passará a ter sala e Kitchenet no local onde antes estavam dois quartos, mas transformarão um T2 em um T1.
Resulta ainda da matéria de facto assente que a Apelada obteve um “termo de responsabilidade do técnico autor do projeto legalmente habilitado que atesta que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de remodelação ou restauro profundos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4.º do RJOPA.”
Ora, como afirma Assunção Cristas, “de acordo com este diploma (D.L. 157/06, de 08.08), as obras de remodelação e restauro profundos, caracterizarem por obrigarem, para a sua realização, a uma desocupação do locado, permitem que o senhorio suspenda o contrato pelo período do decurso das obras e mesmo, em certos casos, que o denuncie. A denúncia é excepcional: será apenas possível se as obras, cumulativamente, forem caracterizadas como estruturais, ou seja, se originarem uma distribuição de fogos sem correspondência com a distribuição anterior e não se preveja, após a obra, a existência de local com características equivalentes às do locado. Por características equivalentes às do locado deve entender-se sensivelmente a mesma dimensão e a mesma tipologia[7].
O caso em apreço, reúne precisamente as características de excepionalidade a que alude Assunção Cristas.

Atentando no Preâmbulo do referido D.L. 157/06, de 08.08, percebe-se que a intenção do legislador foi a reabilitar os prédios antigos, permitindo, inclusive que os próprios arrendatários promovessem as necessárias obras de conservação e melhoramentos das respectivas habitações, no caso em que os senhorios, não tinham disponibilidade para o efeito.
Diz-se nessa sede o seguinte:
“A Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), dando resposta à necessidade, por todos sentida, de reformar profundamente esta área do ordenamento jurídico.
O NRAU, para sua completa aplicação, carece de um conjunto de legislação complementar, alguma da qual objecto de autorização legislativa da Assembleia da República. Entre esses diplomas complementares encontra-se o diploma relativo ao regime das obras em prédios arrendados, que ora se publica, matéria fulcral tanto na regulação dos novos contratos como na resolução dos problemas de degradação urbanística já existentes.
(..)
O presente decreto-lei regula as obras efectuadas por iniciativa do senhorio, prevendo a possibilidade de suspensão do contrato ou a sua denúncia.
(..)
Finalmente, em relação aos contratos antigos, o decreto-lei regula os direitos de intervenção dos arrendatários. Se, em relação aos contratos novos, não é de prever que o problema da degradação urbana se venha a colocar significativamente, fruto da adequação dos valores das rendas e da maior mobilidade, o problema da degradação dos prédios objecto de arrendamentos antigos é sobejamente conhecido. Aqui, não basta enunciar o dever de conservação, é necessário criar os instrumentos legais que possibilitem a efectiva reabilitação. Tal passa por apoiar a reabilitação por parte dos proprietários, o que é tratado em legislação própria, mas exige ainda que seja possível intervir quando o proprietário não possa ou não queira reabilitar o seu património.
Assim, possibilita-se ao arrendatário a realização de obras de reabilitação, com posterior compensação no valor da renda. Possibilita-se ainda ao arrendatário, mediante acção judicial, a aquisição da propriedade do prédio ou fracção, quando esta seja a última solução viável. Este será o caso quando o proprietário não efectue as obras necessárias e o município, a tal instado, também o não faça. Este direito de aquisição pelo arrendatário acarreta a obrigação para o adquirente - e para quem o substitua nos 20 anos seguintes - de reabilitação e de manutenção do prédio. A degradação urbana é um problema que não afecta apenas os habitantes dos prédios degradados, ela afecta toda a comunidade, sendo um obstáculo à sã vivência das cidades e ao próprio desenvolvimento económico, nomeadamente com reflexos negativos no turismo.
Possibilitar a recuperação dos centros históricos, reabilitando em lugar de construir de novo, é objectivo a prosseguir com empenho, devendo o direito de aquisição do locado que este decreto-lei regula ser visto a esta luz, e não somente como um modo de composição do conflito entre as partes”
Tudo indica que o espírito do legislador não foi o de impedir a denúncia apenas quando, após as obras, o novo local permitisse a manutenção do arrendamento. A ser assim, sempre que o novo local mantivesse a mesma finalidade (habitação) seria possível manter o arrendamento (bastando que o arrendatário não se importasse de ficar com um locado maior ou menor, consoante as alterações), interpretação que restringiria muito o direito de denúncia, esvaziando-o praticamente (como bem defende a recorrida nas contra-alegações).
O legislador terá prendido dizer que, para se manter o arrendamento, o novo local terá que ter características equivalentes ao anterior em termos de permitir um uso e fruição equivalentes.
Ora uma T1 não permite uma fruição semelhante a um T2 (para já não falar da kitchenete em vez da cozinha, da sala comum e da supressão da varanda), tanto que os valores locativos correspondentes são também diferentes.
No caso em apreço, semelhante a tantos outros, compreende-se que o montante pago pela arrendatária a título de renda - € 44,92 – mês, se mostra completamente desfasado dos valores cobrados actualmente pelo arrendamento de espaços habitacionais em Lisboa e não, permite ao senhorio, a possibilidade de custear as necessárias obras de melhoramento. Daí que, à semelhança de muitos outros casos, este tipo de fogos se tenha degradado de tal modo que apenas obras de melhoramento profundo, se mostram adequadas a promover a utilização para o fim a que se destinam – a habitação condigna.
Conclui-se assim que, no caso em apreço, estamos perante obras de remodelação e restauro profundo que, por implicarem a criação de uma diferente tipologia no imóvel objecto do contrato de arrendamento, dão origem a um fogo com características que não são equivalentes às do original locado e, por isso, a realização das mesmas constitui fundamento para denúncia do contrato de arrendamento nos termos do disposto no artigo 1101, alínea b) do Código Civil.
Assim sendo, confirma-se a sentença recorrida, que declarou válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento em vigor entre a A. e a Ré que tem por objecto a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Calçada …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da Freguesia de … e, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1396 da Freguesia de …, operada nos termos do artigo 1101.º alínea b) do C. Civil, na redacção anterior à Lei n.º 13/2019 de 12/02, reconhecendo a cessação do referido contrato com esse fundamento com efeitos desde o dia 30.06.2021.

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III – DECISÃO
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, os juízes da oitava secção deste tribunal de recurso, julgam improcedente o mesmo e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Lisboa
Marília dos Reis Leal Fontes
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Teresa Sandiães
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[1] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116.

[2] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116.
[3] in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág.221
[4] disponível em www.dgsi.pt.
[5] in Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, pág. 140
[6] In www.dgsi.pt
[7] Regime de obras e a sua repercussão na renda e na manutenção do contrato de arrendamento” Themis, ano IX, nº 15, 2008, págs. 27-43