INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
SUPERVENIÊNCIA OBJECTIVA E SUBJECTIVA
Sumário

A reclamação contra a relação de bens deve ser apresentada no prazo previsto no art.º 1104º do C.P.C., só podendo ser apresentada posteriormente no caso de superveniência objetiva ou subjetiva.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

No processo de inventário em que é requerente AA e cabeça de casal BB, aquela interpôs recurso do despacho proferido a 8 de janeiro de 2025 sob o ponto II, alínea e), do seguinte teor:
«sobre os 67.000 euros referenciados a propósito da verba nº 1 do activo na relação de bens: em sede de reclamação a interessada - já conhecedora do afirmado naquela relação - aceitou a verba nº 1 do activo, mas impugnou o valor ali indicado, insistindo para que a mesma fosse relacionada com o valor do saldo existente à data de entrada da petição da acção de divórcio, o que o cabeça de casal cumpriu. Na decisão proferida atendi ao valor comprovado nos elementos bancários juntos pelo cabeça de casal: 266,04 euros. Na sequência, vem agora a interessada pretender que seja aditada à relação de bens a conta bancária (em rigor, o saldo) titulada pelo cabeça de casal e que, segundo aquela, foi a conta destino da transferência de 67.000 euros. Ora, constitui jurisprudência pacífica, segundo creio, que os princípios da concentração e da preclusão vigoram no actual regime do inventário. Daqui resulta a impossibilidade de reclamação posterior de outros bens, exceptuadas, naturalmente, as situações, por exemplo, de conhecimento superveniente. Não é esse manifestamente o caso. Por um lado a interessada já tinha conhecimento do referido levantamento por o mesmo ter sido desde logo referenciado na relação de bens. Por outro, a referida operação foi efectuada em conta titulada por ambos os elementos do casal (cfr. desde logo, a afirmação da própria no art.º 20º deste requerimento) pelo que previamente à reclamação a interessada estava em condições de obter as informações necessárias para instruir o requerimento a apresentar e, nessa sede, pugnar, como faz agora (tardiamente), pela inclusão do mencionado saldo, o que não fez. Em consequência, não admito a nova reclamação referente à verba nº 1 do activo, bem como o pedido de aditamento de nova verba.»
Na alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da decisão judicial, com data de 08/01/2025 e refª CITIUS 58520094, relativamente, e somente a esta, à alínea e) do ponto I., “…”
II. Andou mal o tribunal a quo ao tomar tal decisão, de um lado atendendo à tramitação processual prevista para o processo de inventário; e de outro, o tribunal a quo, ao considerar o requerimento da recorrente de 11/12/2024 como um articulado superveniente, nos termos e para os efeitos do art.º 588º, nº 1 do CPC, como o considerou, devia ter decidido pela verificação da superveniência (art.º 588º, nºs 1 e 2 do CPC), dos factos alegados.
III. São os fundamentos, constantes daquela decisão (Conclusão I), e que levaram ao afastamento da verificação de tal superveniência, indeferindo-se o peticionado pela recorrente, que a recorrente se opõe, e impugna pelo presente recurso.
IV. O princípio da concentração e da preclusão é referido pela Mmª Juiz a quo como fundamento, para num primeiro momento, da sua decisão, considerar, que atentos aqueles princípios, “resulta a impossibilidade de reclamação posterior de outros bens, exceptuadas, naturalmente, as situações, por exemplo, de conhecimento superveniente.”; E num segundo momento, conhecer da verificação ou não da superveniência dos factos alegados (requerimento da recorrente de 11/12/2024), vindo a concluir pela sua não verificação, erradamente, como se conclui.
V. Só com a resposta à reclamação à relação de bens (06/11/2024), teve a recorrente conhecimento: a) Que a conta bancária indicada sob a verba nº 1 do Activo da relação de bens, era efectivamente a conta que tinha na Caixa Geral de Depósitos (CGD) com o cabeça--de-casal; b) Que existiu uma transferência (e não um levantamento) de 67.000,00€ desta conta para uma outra titulada, unicamente, pelo cabeça-de-casal, mas sem que pudesse saber em que instituição bancária, porque daquele documento (extracto bancário) tal, não resulta.
VI. O articulado apresentado pelo cabeça-de-casal (06/11/2024) é o último previsto, no CPC, quanto à primeira parte da tramitação do processo de inventário, sendo que atentos os princípios da concentração e preclusão, a partir da apresentação daquele articulado, as partes deverão cumprir e/ou praticar actos mediante despacho judicial.
VII. Apenas com a notificação do despacho judicial de 19/11/2024, e notificado às partes em 29/11/2024 (refª CITIUS 58348696), a recorrente se recordou da existência de uma conta bancária na CGD, titulada unicamente pelo cabeça-de-casal, da qual nunca foi titular, teve acesso e/ou movimentou por qualquer forma, para onde foi transferida a quantia de 67.000,00€.
VIII. Tendo de praticar acto no prazo de dez dias (junção de documento que lhe foi ordenado pelo despacho judicial de 19/11/2024), a recorrente cumulou com aquele um pedido de esclarecimento e o pedido quanto a aditamento de verba ao Activo da relação de bens, ou, o reconhecimento do seu crédito na parte que lhe cabe, relativamente à quantia de 67.000,00€, o que fez por requerimento de 11/12/2024, e por isso atempadamente em termos de superveniência.
IX. Dos factos e prova produzida até ao presente momento (junção espontânea de documento idóneo e indicação do valor, voluntariamente, pelo cabeça-de-casal), facilmente se afere que a recorrente era, também, titular daquela conta na CGD (verba nº 1 do Activo) mas a mesma não geria, não movimentava, sendo que todas as informações relativamente à mesma foram sempre prestadas pelo cabeça-de-casal.
X. Tendo apenas consolidado o seu conhecimento relativamente à referida conta como titular, e ao referido extracto bancário, bem como à transferência (e não levantamento) da quantia de 67.000,00€ para conta titulada, somente, pelo cabeça-de-casal, com a notificação do despacho judicial de 19/11/2024, nos termos já alegados.
XI. Resulta, também, dos factos alegados e com prova, que a recorrente não tinha conhecimento de nenhum “levantamento”, efectuado pelo cabeça-de-casal na referida conta (verba nº 1 do Activo) à data da reclamação à relação de bens.
XII. Ao decidir como decidiu - considerando que a recorrente, tinha conhecimento do “levantamento” da quantia de 67.000,00€ pelo cabeça-de-casal (verba nº 1 do Activo) à data da reclamação à relação de bens; e considerando que a recorrente por ser, também, titular da conta indicada sob a verba nº 1 do Activo da relação de bens, estava munida das respectivas informações à data da reclamação de bens, - não se verificando, por isso, a superveniência nos termos do requerimento de 11/12/2024, apresentado pela recorrente, o tribunal a quo violou o princípio da adequação formal, da igualdade das partes, direito a um processo equitativo e o princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos dos artºs 6º, 4º e 3º, todos do CPC, bem como o art.º 20º, nº 4 da CRP, e ainda o disposto no art.º 588º, nºs 1 e 2 do CPC.
XIII. Nestes termos, porque os autos reúnem os elementos suficientes para tanto, deve o presente recurso ser recebido, revogando-se a decisão proferida, substituindo-se por outra que admita o pedido formulado pela recorrente por requerimento de 11/12/2024 para aditamento de verba à relação de bens, ou, em alternativa o reconhecimento do crédito da recorrente sobre o património comum, na parte que lhe cabe relativamente à quantia de 67.000,00€.»
O cabeça-de-casal não respondeu à alegação da recorrente.
É a seguinte a questão a decidir:
- da admissibilidade da nova reclamação à relação de bens.
*
Para a decisão da referida questão, importa ter presente o seguinte:
1 - Na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, pode ler-se:
- “Ativo
Verba 1
Saldo bancário no valor de € 6.927,60, referente à conta n.º …00, da Caixa Geral de Depósitos, na qual são titulares o cabeça de casal e a interessada, sendo que dessa conta e do extrato bancário final que o documento apresenta o cabeça de casal levantou nessa data a quantia de 67.000,00 €. Daí que o saldo seja 6.927,60 € (73,927,60 € – 67.000,00 €) (doc. n.º 1) --- 6.927,60 €”.
2 - A requerente apresentou reclamação contra a relação de bens, na qual se pode ler:
«7. No que respeita às verbas nºs 1 a 3 do Activo cumpre dizer, previamente o seguinte,
8. Estabelece o art.º 1789º, nº 1 do CC que “1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.”(…).
9. Estabelecendo o nº 2 do mesmo normativo que “2 - Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado.”(…)
10. Resulta dos autos principais (os de divórcio), que nenhum requerimento foi apresentado relativamente ao nº 2 do art.º 1789º do CC, e consequentemente nenhuma decisão há nesse sentido na sentença homologatória.
11. Pelo que se aplica, in casu, o estabelecido no nº 1 do art.º 1789º do CC, sendo a data da entrada da acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge o dia 07/10/2021.
12. Data que releva para efeitos do presente inventário, bem como releva para a relação de bens apresentada e os documentos que a acompanham.
13. Assim, a requerente aceita a verba nº 1 do Activo, mas impugna o valor ali indicado, impugnando também o documento que a acompanha (que o cabeça-de-casal indica como doc. 1 mas surge no Citius como doc. 3).
14. O valor indicado é contraditório com a alegação do cabeça-de-casal e com o documento que o acompanha, de um lado;
15. De outro, o documento apresentado não é idóneo para provar tal valor, uma vez que se reporta ao ano de 2020 e não a 07/10/2021, e muito menos é idóneo para provar que estamos perante extracto da conta bancária indicada na verba nº 1 do Activo, pois que ali não consta qualquer elemento de identificação da requerente e/ou cabeça-de-casal, nem sequer nome de instituição bancária, e nº de conta bancária.
16. Nestes termos, deve o cabeça-de-casal ser notificado para apresentar o valor correcto que se encontrava na referida conta a 07/10/2021, juntando documento comprovativo.»
3 - O cabeça de casal respondeu à reclamação, constando da resposta o seguinte:
“Relativamente à verba 1 deverá a mesma ser corrigida para o valor de 266,04 € por ser esse o valor do saldo bancário refletido à data de 07/10/2021, conforme documento n.º 1 que se junta e se dá por reproduzido (cumprindo assim o solicitado pela reclamante no ponto 16 da sua reclamação)”.
4 - No despacho proferido a 19 de novembro de 2024, pode ler-se:
- «Relativamente a parte das questões suscitadas já é possível proferir decisão, o que passo a fazer de imediato, nos termos do disposto no art.º 1105º, nº 3 do C.P.Civil.
a) da verba nº 1 do activo (saldo bancário da conta nº …00 da Caixa Geral de Depósitos, titulada por ambas as partes):
O cabeça de casal relacionou inicialmente um saldo de 6.927,60 euros.
A interessada aceitou a verba, mas impugnou o valor sustentando que, nos termos do art.º 1789, nº 1 do C.Civil , a data juridicamente relevante é a da propositura da acção, ou seja, de Outubro de 2021. Requereu que o cabeça de casal relacione a verba com o valor existente àquela data.
Em resposta (…) veio o cabeça de casal corrigir o valor para 266,04 euros, por ser o saldo existente à data de instauração da acção de divórcio, o que comprovou documentalmente.»
- «Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, apreciando parcialmente a reclamação e impugnações apresentadas, decido:
a) julgar procedente a reclamação da interessada AA no que concerne ao valor da verba nº 1 do activo e, em consequência, determinar que a mesma assuma o valor de 266,04 euros»…
5 - A 11 de dezembro de 2024, a requerente apresentou requerimento do qual consta o seguinte:
«14. Do despacho notificado, resulta a decisão de julgar procedente a reclamação da interessada no que concerne ao valor da verba nº 1 do activo, atribuindo-lhe o valor de 266,04€;
15. Na apresentação da relação de bens, o cabeça de casal, quanto à verba nº 1 do activo, confessou o levantamento da quantia de 67.000,00€ com documento que nem sequer sustentava tal confissão.
16. Na resposta à reclamação de bens, o cabeça-de-casal juntou extracto bancário da referida conta, de onde resulta uma transferência de 67.000,00€, no dia 14/12/2020 para uma conta em nome do próprio.
17. A conta constante da verba nº 1 do activo tem como titulares a interessada e o cabeça-de-casal.
18. A interessada sabe que não deu ordem para a execução da referida transferência, pelo que só pode ter sido dada pelo cabeça-de-casal.
19. Com a dinâmica processual do presente inventário, foram surgindo os bens que devem constar do acervo comunitário dos ex-cônjuges, e como se pode constatar, o cabeça--de-casal teve alguns lapsos, que corrigiu oportunamente.
20. Com a junção do extracto bancário (verba nº 1 do activo), resulta a transferência de 67.000,00€ de conta titulada por ambos os ex-cônjuges para uma conta titulada pelo cabeça-de-casal, no dia 14/12/2020.
21. Porque ao tribunal não cabe poderes de investigação sobre os bens que devem compor o acervo comunitário – atenta a estrutura processual do processo de inventário – a interessada teve de aferir, se existia mais alguma conta bancária, uma vez que, nas quais é titular, encontram-se indicadas.
22. Constata, agora, a interessada que o cabeça-de-casal era único titular de uma conta bancária, também, na Caixa Geral de Depósitos, que naturalmente a interessada não geria e não tinha acesso.
23. Do extracto bancário junto pelo cabeça-de-casal (verba nº 1 do activo), resulta uma transferência de 67.000,00€, no dia 14/12/2020 para uma conta bancária, em seu nome, conta que não indicou e/ou aditou na relação de bens.
24. Conta bancária que só agora a interessada se recordou existir, apenas em nome do cabeça-de-casal.
25. Pelo que, deve o cabeça-de-casal vir aos autos aditar à relação de bens, a conta por si titulada na Caixa Geral de Depósitos, com o respectivo saldo à data de 07/10/2021. O que se requer.
26. Sem prejuízo do que agora se requereu, e por mera cautela, o cabeça-de-casal não alega qualquer facto que justifique tal transferência, nem sequer como crédito sobre o património comum, pois que assim fosse, assim teria requerido, como fez relativamente a bem próprio.
27. O valor de 67.000,00€ faz parte do acervo comum do ex-cônjuges e a interessada desconhece o destino de tal quantia, pelo que, desde já, reclama como crédito sobre o património comum, na parte que lhe cabe.»
*
O art.º 1104º do C.P.C. dispõe o seguinte:
“1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação:
a) Deduzir oposição ao inventário;
b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros;
c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações;
d) Apresentar reclamação à relação de bens;
e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança.
2 - As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.
3 - …”
«Assim, do regime estabelecido no art.º 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art.º 574.º CPC).
Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art.º 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art.º 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.
Por outro lado, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão» (Carlos Lopes do Rego, A recapitulação do inventário, Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 12 e 13).
É esta a posição que a jurisprudência tem vindo a seguir (www.dgsi.pt Acórdão da Relação de Coimbra proferido a 11 de março de 2025, no processo 325/21.1T8OHP-A.C1; Acórdão da Relação do Porto proferido a 23 de novembro de 2023, no processo 10278/22.3T8PRT-A.P1; Acórdão da Relação de Évora proferido a 11 de maio de 2023, no processo 115/21.1T8STR-A.E1; Acórdão da Relação de Guimarães proferido a 22 de setembro de 2022, no processo 5044/20.3T8BRG-B.G1).
Nos termos do art.º 588º nº 2 do C.P.C., “dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.
O tribunal recorrido considerou não se tratar de caso de conhecimento superveniente, porque “por um lado a interessada já tinha conhecimento do referido levantamento por o mesmo ter sido desde logo referenciado na relação de bens”; e, “por outro, a referida operação foi efectuada em conta titulada por ambos os elementos do casal (cfr. desde logo, a afirmação da própria no art.º 20º deste requerimento) pelo que previamente à reclamação a interessada estava em condições de obter as informações necessárias para instruir o requerimento a apresentar e, nessa sede, pugnar, como faz agora (tardiamente), pela inclusão do mencionado saldo, o que não fez”.
Na verdade, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal consta, como verba 1, “saldo bancário no valor de € 6.927,60, referente à conta n.º …00, da Caixa Geral de Depósitos, na qual são titulares o cabeça de casal e a interessada, sendo que dessa conta e do extrato bancário final que o documento apresenta o cabeça de casal levantou nessa data a quantia de 67.000,00 €”.
No ponto 13 da reclamação contra a relação de bens, a requerente aceitou a verba nº 1 do Ativo, com ressalva do valor indicado, que impugnou, ou seja, aceitou que se tratava do saldo bancário da “conta n.º …00, da Caixa Geral de Depósitos, na qual são titulares o cabeça de casal e a interessada”.
É contraditório com tal aceitação, afirmar, em sede de recurso, que, “só com a resposta à reclamação à relação de bens (06/11/2024), teve a recorrente conhecimento… que a conta bancária indicada sob a verba nº 1 do Activo da relação de bens, era efectivamente a conta que tinha na Caixa Geral de Depósitos (CGD) com o cabeça-de-casal”.
Nas conclusões recursivas, a recorrente salientou que “existiu uma transferência (e não um levantamento) de 67.000,00€”.
É certo que, na relação de bens, o cabeça de casal empregou o termo “levantou” em vez de “transferiu”, mas não se vislumbra que essa imprecisão seja relevante. Relevante é que a saída da conta da quantia de € 67.000,00 foi referida pelo cabeça de casal na relação de bens por ele apresentada, pelo que, com a reclamação contra a relação de bens, podia a requerente ter acusado a falta de relacionamento “do seu crédito na parte que lhe cabe, relativamente à quantia de 67.000,00€”.
 Nas conclusões recursivas, a recorrente afirmou que “apenas com a notificação do despacho judicial de 19/11/2024, e notificado às partes em 29/11/2024 (refª CITIUS 58348696), a recorrente se recordou da existência de uma conta bancária na CGD, titulada unicamente pelo cabeça-de-casal”.
Se então recordou da existência da conta, é porque já antes sabia da existência da mesma.
A requerente não demonstrou, pois, o conhecimento superveniente.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de abril de 2025
Maria do Céu Silva
Rui Oliveira
Amélia Puna Loupo