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MARIA TERESA LOPES CATROLA
RECLAMAÇÃO
DEPÓSITO DO VALOR DA NOTA
Sumário
(elaborado pela relatora - art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): «1. O depósito do valor da nota de custas de parte configura uma condição a que a reclamação se encontra sujeita e não estando tal depósito comprovado nos autos, não pode ser conhecida, por inadmissível, a reclamação apresentada. 2. Não tendo sido efectuado tal pagamento, não pode a reclamação ser apreciada em qualquer um dos seus aspectos, sendo que, consubstanciando o pagamento em causa uma condição de apreciação do requerido, não pode o Tribunal proceder a conhecimento oficioso de qualquer questão com essa reclamação relacionada. 3. O artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que determina o depósito do valor da nota de custas de parte que seja objeto de reclamação, não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, nem restringe o campo de atuação judicial, que é sempre chamado a apreciar se se encontram, ou não, reunidos os requisitos legais para aquela apreciação, não sendo, pois, inconstitucional».
Texto Integral
Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório Associação de Coleções, autora nestes autos em que é ré o Banco Comercial Português, SA, interpôs o presente recurso de apelação do despacho proferido em 3 de julho de 2024 (referência 436562228) pelo Tribunal a quo, admitido com subida imediata em separado, que indeferiu a reclamação apresentada pela autora à conta de custas apresentada pela ré, por a autora não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais.
A recorrente apresenta as seguintes Conclusões: “A. O presente recurso tem por objecto a decisão, datada de 03/07/2024, que determinou o não conhecimento da reclamação, apresentada pela Autora, aqui Recorrente, da nota justificativa de custas de parte apresentada pelo Réu, Banco Comercial Português, S.A. – aqui Recorrido. B. A aludida decisão justificou o não conhecimento da Reclamação com a falta de depósito prévio pela Autora/Reclamante. C. Sucede que, na aludida reclamação, a Autora pugnava, desde logo, pela extemporaneidade, além do desacerto da mesma, e dedicou um capítulo da mesma à questão do depósito prévio da totalidade do valor da nota como condição de admissão, culminando com um pedido a esse respeito. D. Ou seja, não só a Autora não se recusou a prestar o dito depósito, como requereu ao tribunal que este fosse fixado num montante diverso e que fosse considerado razoável. E. Isto porque a nota foi apresentada no montante de € 31.428,75, atendendo a que continha valores relativos à taxa de justiça remanescente – valores que se impugnavam na aludida reclamação. F. E porque exigir um depósito nesse valor se entendia como uma restrição desproporcional do direito do reclamante, de acordo com a jurisprudência por este citada. G. O que desatendeu a decisão recorrida que refere, inclusivamente, e em erro, que essa questão “não foi suscitada pela Autora”. H. Concluindo com uma citação de um Acórdão, e sem qualquer fundamentação relativa ao caso concreto, que referte que o juiz não incumpre o dever de gestão processual quando não faz esse convite. I. Sucede que a Autora não tinha deixado de fazer o depósito simplesmente, pedido a dispensa, etc. tinha apenas pedido a sua fixação em montante distinto do peticionado. J. O que é distinto do convite que surge, quando não é feito o depósito. K. E, portanto, ao invés de decidir o que tinha sido requerido na Reclamação, referiu apenas que não incorria em qualquer incumprimento caso não fizesse um convite – que não era o caso. L. O que deixou a Autora sem decisão quanto ao peticionado, sem fundamentação dessa decisão e, sobretudo, numa situação que visou acautelar quando fez o pedido. M. Ora, cumpre recordar que a decisão recorrida não se pode aceitar porque, como vertido na reclamação, a nota de custas de parte tempestivamente remetida à Autora foi integralmente paga – o que torna que esta nota apresentada posteriormente (contemplando os valores da primeira) seja manifestamente inadmissível, porquanto: N. estando pagas as custas de parte devidas, e constando da conta o remanescente apenas para a Autora pagar, mais nenhuma nota de custas de parte poderia ser admitida no processo por parte da Ré, ainda menos numa rúbrica de “compensação” incluir um valor que, apenas, a Autora pagou. O. E nem se admite que a nota enviada configurasse a rectificação da anterior, prevista na parte final do n.º 1 do art.º 25. P. A rectificação pressupõe que se esteja a corrigir algo já anteriormente enviado, o que não é o que consta da nota. Q. Nem sequer, no momento da primeira nota, fez o Réu qualquer alusão à existência de um montante ainda apurar relativamente a custas de parte – tão só porque não era devido. R. Como refere a este propósito o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo 02541/15.6BEPRT-S1, fazendo precludir o seu direito. S. Pelo que a nota em causa era extemporânea e o direito do Réu à sua apresentação deveria ter sido considerado precludido. T. Assim, a flagrante extemporaneidade da sua apresentação, para além de evidente, constituía motivo e fundamento atendível para a dispensa de depósito prévio requerida. U. Já que constitui um ónus severo e injustificado obrigar ao aludido depósito como mera condição de reconhecimento da extinção do direito ao reembolso do seu quantitativo porque, entretanto, caducado tal direito. V. Mas, ainda que assim não fosse, a Recorrente requereu, cautelarmente, decisão diversa sobre o depósito previsto no n.º 2 do art.º 26-A – decisão que não obteve. W. Apontando, para tanto, a jurisprudência que aborda também o chamado princípio do controlo judicial mínimo, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.10.2020, proferido no processo 225/13.9TVLSB-B. X. Tudo o que a Recorrente requereu ao tribunal, face à manifesta extemporaneidade da nota e, ainda, à desproporcionalidade gritante que seria a exigência de ser depositada a totalidade do seu valor considerando-se de tal modo excessivo ou oneroso, especialmente quando a nota é extemporânea, e acabaria por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e ao tribunal e falhando, neste ponto, o teste da proporcionalidade. Y. Sobre este ponto, veio a decisão recorrida, redutoramente, dizer “se a Reclamante…suscita, para além da questão da tempestividade da apresentação de tal nota, outras questões com vista a por em causa os valores constantes de tal nota, a condição de depósito integral do valor da nota…deve verificar-se e condiciona a apreciação do julgador”. – o que é inaceitável. Z. É incindível para a reclamante o pedido de apreciação da tempestividade da apreciação de outros vícios da nota. É que a reclamante, aqui Recorrente, não volta a ter oportunidade de os invocar caso a questão da intempestividade não tenha colhimento pelo tribunal. AA. É de manifesta injustiça que a possibilidade de apreciação de reclamação de uma nota de custas de parte sem depósito prévio esteja exclusivamente cingida às reclamações relativas à sua tempestividade. BB. Assim impunha-se que todas as notas em relação às quais pairasse a desconfiança relativamente à sua tempestividade, estivessem correctamente elaboradas, sob pena de os Reclamantes, não procedendo o argumento da tempestividade, não verem precludida a sua defesa. CC. A interpretação do art.º 26.º A, n.º 2 feita pela decisão recorrida, no sentido de não admitir a reclamação mediante dispensa do depósito prévio por esta, a par da tempestividade, reclamar da incorrecção da nota, viola o acesso à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrada no n.º 1 e 5 do art.º 20 da CRP. DD. Essa interpretação, coloca em situações distintas perante a justiça quem se veja confrontado com notas que padecem de vícios distintos. EE. Assim, e na medida em que impõe a prestação de um depósito a um reclamante que questione a tempestividade da nota e outros vícios, e dispense outro que apenas sindique a tempestividade, esta interpretação cria restrições no acesso à justiça para o reclamante que se depare com uma nota que padeça de demais vícios, a par da intempestividade. FF. E atente-se que o valor em causa nestes autos justifica a convocação destes argumentos, como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/08/2022, proferido no âmbito do processo 12414/14.4T8PRT-D.P1. GG. O que torna evidente que a posição do tribunal relativamente à não admissão sempre haveria de ter sido diversa: por um lado, porque a nota padecia de uma gritante intempestividade, por outro, porque o peticionado e aquilo a que se dispôs a Recorrente não foi à não prestação do depósito, mas sim, pediu a sua fixação em montante inferior. HH. É que, mesmo não aceitando apreciar a tempestividade sem depósito prévio, ou oficiosamente, o Recorrente nunca se recusou a prestar depósito. II. Apenas requereu que fosse proferida decisão diversa sobre o valor a depositar. Nestes termos e nos demais em Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser a decisão do Tribunal a quo revogada e substituída por uma decisão que profira decisão a respeito do montante do depósito a prestar pelo Recorrente, sendo, posteriormente, admitida para apreciação, com o que se fará JUSTIÇA.
A recorrida apresentou contra-alegações, alinhando as seguintes alegações: “A. Vem o presente recurso do Despacho proferido pelo Tribunal a quo em 01.07.2024, que, fundadamente, decidiu não conhecer da reclamação apresentada pelo Recorrente à Nota de Custas de Parte apresentada pelo BCP, por não ter sido promovido o depósito que é imposto pelo n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais. B. A jurisprudência é unânime quanto à admissibilidade da sujeição da reclamação da nota de custas ao depósito da totalidade da nota. C. A jurisprudência constitucional é também unânime quanto ao entendimento de que a norma contida no artigo 20º da Constituição não contém nenhum imperativo de gratuitidade da justiça, tendo concluído consistentemente pela constitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. D. A Recorrente não alegou minimamente na sua Reclamação à Nota de Custas de Parte quaisquer factos capazes de demonstrar insuficiência económica que comprometesse a sua capacidade de aceder aos tribunais e que, assim, permitissem concluir pela violação do princípio da proporcionalidade e do direito e acesso aos tribunais e à justiça. E. As situações de dispensa ou redução do valor do depósito admitidas por alguma jurisprudência apenas ocorrem em situações limite, quando se verifique um manifesto erro nas contas e/ou um ato doloso da parte vencedora, o que não é o caso, nem a Recorrente o demonstrou. F. Se a questão da tempestividade é uma entre outras questões que a reclamante suscita na apreciação complexa da reclamação apresentada, a condição de depósito integral do valor da nota, a que se reporta o n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, deve verificar-se e condiciona a apreciação do julgador. G. Na Reclamação que apresentou, a AC não se limitou a arguir a intempestividade da Nota de Custas de Parte. Na sua Reclamação, a AC invocou, adicionalmente, diversos outros vícios da referida nota, como sejam a inadmissibilidade e incorreção dos valores reclamados, por incluírem montantes já pagos e o remanescente de taxa de justiça, sustentando, para o efeito, que essa inclusão “não se pode admitir por falta de previsão legal nesse sentido”, que “viola os princípios constitucionalmente consagrados do acesso à tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade” e que constitui “enriquecimento sem causa” (cf. artigos 1.º a 13.º e 27.º a 49.º da Reclamação apesentada pela AC). H. E mesmo essa alegada extemporaneidade convoca a interpretação da parte final do n.º 1 do artigo 25.º do RCP, nos termos da qual a nota discriminativa e justificativa de custas de parte “pod[e] vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas, não se cingindo à mera análise do cumprimento do prazo de apresentação da nota. I. Enfim, com a sua Reclamação, a AC visou promover a intervenção judicial para apreciação de uma série de argumentos que se estendem muito além da mera verificação da tempestividade da nota de custas de parte. J. Dado que, para tal, não logrou a AC verificar a condição de depósito acima referenciada, o conhecimento da questão da tempestividade (inserido na reclamação) pelo julgador ficou prejudicado, sem que mereça censura a decisão recorrida. K. A ser seguido o entendimento sustentado pelo Recorrente, haveria um afastamento em absoluto da aplicação da norma do n.º 2 do artigo 26.º-A.do RCP. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o Recurso interposto pela Recorrente integralmente improcedente, mantendo-se na íntegra o Despacho Recorrido”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Âmbito do recurso
Nos termos do artigo 635 do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações da recorrente, sem prejuízo do disposto no artigo 608 do mesmo Código.
As questões suscitadas consistem em decidir:
a) se deve ser admitida a reclamação apresentada pela recorrente/autora à nota de custas de parte e, em caso positivo, se a mesma deve ser atendida.
- a reclamante não procedeu ao depósito da quantia reclamada na nota de custas de parte, cabendo decidir se esse depósito é devido.
b) se a interpretação do artigo 26-A/2 do Regulamento das Custas Judiciais no sentido de não admitir a reclamação mediante dispensa do depósito prévio pela reclamante do valor total da nota quando a par da intempestividade, reclama também da incorreção da nota, viola o acesso à tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20/1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
III. Fundamentação de Facto
São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do seu elemento narrativo dos autos, destacando-se:
1. A 20 de novembro de 2023 é proferida decisão pelo Exmº Sr. Juiz Conselheiro da 7.ª Seção Cível do Supremo Tribunal de Justiça que não admite o recurso de revista interposto pela autora, ora recorrente.
2. A 14 de dezembro de 2023 o réu Banco Comercial Português, SA, ora recorrido, apresentou nos autos um requerimento, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, a título cautelar – uma vez que não se conhecem rigorosamente os montantes de custas que o Tribunal, aquando da elaboração da conta, fixará – juntar aos autos nota discriminativa e justificativa de custas de parte a suportar pela Autora”, no valor de €6.579,00.
3. Esta quantia é paga pela autora, ora recorrente em 11 de janeiro de 2024 (documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2024).
4. A 24 de abril de 2024 é elaborada conta de custas, sendo a autora, ora recorrente responsável pela liquidação da quantia de €50.515,50 (já descontada a quantia de €2 473,50 €, a título de taxas de justiça pagas).
5. A conta de custas é notificada à autora, ora recorrente e ao réu, ora recorrido, em 24 de abril de 2024 (este último nos termos do artigo 31/3 do CPC).
6. A 9 de maio de 2024, o réu Banco Comercial Português, SA, ora recorrido, apresentou nos autos um requerimento “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, juntar aos autos nota discriminativa e justificativa de custas de parte a suportar pela Autora, devidamente retificada, nos termos e para os efeitos do disposto na parte final do n.º 1 do referido preceito legal, com base na conta final de custas elaborada pela Secretaria do Tribunal”, no valor de € 31.428,75.
7. A 31 de maio de 2024, a autora, ora recorrente apresenta requerimento nos autos em que reclama da nota discriminativa e justificativa de custas de parte a suportar pela autora.
8. A 19 de junho de 2024, o réu Banco Comercial Português, SA, ora recorrido, responde à reclamação à nota apresentada pela autora, ora recorrente, reconhecendo o pagamento por esta efectuado da quantia de €6.579,00. No mais, requer que a reclamação seja indeferida (havendo somente que deduzir ao valor reclamado na Segunda Nota de Custas de Parte a quantia de € 6.579,00 (seis mil quinhentos e setenta e nove euros), uma vez que já foi paga pela Autora, sustentando que é a própria lei – artigo 25/1 do Regulamento das Custas Judiciais- que admite a retificação da nota de custas de parte após a elaboração da conta final de custas (ressalva que foi pro si efetuada na primeira nota de custas de parte enviada por si à autora).
9. O despacho recorrido, datado de 1 de julho de 2024, cujo conteúdo se transcreve: “I - Reclamação da nota de custas de parte - requerimento de ref.ª 39528005 [49078855] e resposta de ref.ª 39697260 [49249990]: O Réu BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., a ref.ª 39316612 [48857458], veio apresentar contra a Autora ASSOCIAÇÃO DE COLECÇÕES, a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte rectificada. A Autora, a ref.ª 39528005 [49078855], veio reclamar da mencionada nota, nos seguintes termos: ▪ o Réu apresentou a sua custas de parte, no dia 14 de Dezembro de 2023, no valor de € 6.579,00, custas que foram integralmente pagas pela Autora; ▪ a haver uma nova nota a ser elaborada com base na conta do processo, tal nota teria sempre de contemplar os valores já pagos; ▪ a nota é extemporânea porquanto não é uma nota rectificativa; ▪ o Réu pretende que seja considerado para efeitos do cálculo da compensação de honorários de mandatários o valor do remanescente a pagar pela Autora, sendo este entendimento inconstitucional e consubstanciar um enriquecimento sem causa; ▪ não é devido qualquer depósito pela reclamação porquanto a sua alegação funda-se na extemporaneidade da nota; ▪ Caso assim não se entenda, deverá o Tribunal fixar o depósito que entenda razoável. Em resposta, veio o Réu, a ref.ª 39697260 [49249990], dizer que: o aquando do envio da segunda nota de custas de parte, o Réu considerava que a Autora ainda não havia efectuado o pagamento da quantia de € 6.579,00 e confirmando-se, assim, o pagamento da aludida quantia, o Réu reconhece que a mesma deverá ser deduzida ao valor reclamado de € 31.428,75; o nos termos do artigo 25.º, n.º 1, parte final do Regulamento das Custas Processuais, a nota de custas pode ser rectificada até 10 dias após notificação da conta de custas, pelo que a mesma é tempestiva; o remanescente da taxa de justiça inclui-se no conceito de taxa de justiça e assim deve ser considerada na nota de custas de parte. Cumpre apreciar e decidir. A primeira questão que se coloca e tendo em conta que a Autora / Reclamante não procedeu ao depósito da quantia reclamada na nota de custas de parte, é saber se esse depósito é devido. A Autora / Reclamante argumenta que o depósito não é devido porquanto na sua reclamação invoca a extemporaneidade da nota de custas de parte apresentada. Ora, o Tribunal acompanha o argumento da Reclamante, entendendo que não é devido depósito caso se invoque a extemporaneidade da nota de custas. No entanto, no caso concreto, a Autora discorda também do valor da nota de custas de parte no sentido em que a mesma não deveria ter em conta o remanescente a pagar pela Autora para efeitos do cálculo da compensação de honorários de mandatários. Assim, se a Reclamante deduz reclamação da apresentação pela contraparte da nota justificativa e discriminativa de custas de parte e nela suscita, para além da questão da tempestividade da apresentação de tal nota, outras questões com vista a por em causa os valores constantes de tal nota, a condição de depósito integral do valor da nota, a que se reporta o n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais deve verificar-se e condiciona a apreciação do julgador. Dito isto, não resta senão concluir que se impunha à Autora / Reclamante proceder ao depósito do valor constante da nota de custas de parte. A segunda questão, sendo devido o depósito, é de saber se o Tribunal pode e deve fixar outra valor que não o valor constante da nota. Nessa parte, a Autora, Reclamante, requer que, caso seja entendido que seja devido o depósito, deve o Tribunal fixar o depósito que entenda razoável. Com o devido respeito, não entendemos que o valor do depósito possa ser reduzido pelo tribunal. Não se mostra previsto nem no artigo 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, nem noutro preceito legal a possibilidade do juiz adequar ou diminuir o valor do depósito como condição para apreciação da reclamação. A última questão é a de se saber se se impõe que o Tribunal notifique a parte para proceder ao depósito, verificando-se que o mesmo não foi efectuado aquando da reclamação. Esta questão não foi suscitada pela Autora, Reclamante, mas cumpre mencionar que se entende que “constituindo o depósito do valor da nota de custas de parte uma condição a que a reclamação que dela seja deduzida se encontra sujeita, nos termos do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, que deve ocorrer em momento prévio à apreciação da reclamação, sem que a lei preveja que possa ocorrer em momento ulterior ou na sequência dessa apreciação, não se mostra incumprido o dever de gestão processual – artigo 6.º do CPC – se o juiz não convida a parte a proceder ao depósito do valor da nota de custas em falta para apreciar a reclamação” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Outubro de 2020, processo n.º 93/13.0TCFUN.1.L2-2, disponível em www.dgsi.pt. Em suma: Veio a Autora reclamar da nota discriminativa de custas de parte apresentada pelo Réu, sem que tenha depositado o valor constante daquela nota. Nos termos do artigo 26.º-A, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a reclamação da nota discriminativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. Assim, não tendo a Autora dado cumprimento ao disposto naquele artigo 26.º-A n.º 2, indefiro a reclamação apresentada. Custas pela Autora, com taxa de justiça mínima – artigo 7.º, n.º 4, com referência à Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais”.
IV. Fundamentação de Direito
A) Se deve ser admitida a reclamação apresentada pela recorrente/autora à nota de custas de parte e, em caso positivo, se a mesma deve ser atendida.
- a reclamante não procedeu ao depósito da quantia reclamada na nota de custas de parte, cabendo decidir se esse depósito é devido.
O despacho recorrido indeferiu a reclamação apresentada pela autora por esta não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 26-A/2 do Regulamento das Custas Judiciais.
O artigo 26-A foi aditado pela Lei nº 27/2019, de 28 de março.
Dispõe este artigo, com a epígrafe “Reclamação da nota justificativa” que: “1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes. 2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. 3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC. 4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º.
No caso, a recorrente reclamou suscitando a questão da extemporaneidade da apresentação da nota justificativa de custas de parte e também dos valores na mesma constantes, sustentado já ter procedido ao pagamento da quantia de €6.579,00.
Apreciemos.
Tem sido controvertida a questão de saber se a falta de depósito da totalidade do valor da nota é motivo para rejeição liminar da reclamação, como sucedeu no caso.
A exigência do prévio depósito do valor da nota, como condição para a apreciação da reclamação, já constava no artigo 33/2 da Portaria 419-A, de 17 de abril.
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 280/2017, de 06.06.2017, “(…) aderindo aos fundamentos dos mencionados Acórdãos nºs 189/2016 e 653/2016, veio a julgar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma constante do artigo 33º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17.04, que determinava que a “reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota (…), por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do artigo 165º, n.º 1, al. b), em conjugação com o n.º 1 do artigo 20º, ambos da Constituição da república Portuguesa.”
Posteriormente, suprindo-se esta apontada inconstitucionalidade orgânica, veio a ser aditado pela Lei 27/2019, de 28 de março, ao Regulamento das Custas Processuais, um novo artigo 26.º-A, que no seu nº 2 estabeleceu que “a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.”
Este preceito legal passou a regular o procedimento de reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, nos mesmos termos que já constavam do nº 2 do artigo 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, na redação dada pela Portaria n.º 82/12, cuja inconstitucionalidade orgânica foi declarada em relação ao seu n.º 2 e pelo citado Acórdão do Tribunal Constitucional.
Com a introdução efetuada pela Lei 27/2019 deixou de se colocar a questão da inconstitucionalidade orgânica, mas não terminou a problemática relativa à conformidade com a Constituição da exigência legal do prévio depósito do valor reclamado pela parte credora de custas de parte.
A exigência de prévio depósito das custas tem em vista a moderação e a racionalização das reclamações às notas de custas de parte.
A jurisprudência das Relações tem maioritariamente defendido que em princípio, a exigência do prévio depósito do valor reclamado não é inconstitucional, com os fundamentos que se mostram desenvolvidos nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15 de janeiro de 2013, proc. 511/09.2TVPRT.P2, de 26 de janeiro de 2016, proc. 8043/06.4TBVNG.P1, de 9 de novembro de 2020, proc. 413/14.0TBOAZ.P1, de 22 de fevereiro de 2021, proc. 937/16.5T8PNF-A.P1, de 21 de outubro de 2021, proc. 330/14.4TBVNG-F.P1 e Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, proc. 1455/17.0T8MTS-B.P1, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2020, proc. 93/13.0TCFUN.1.L2-2 e de 15 de setembro de 2020, proc. 249/19.2T8FNC.L1-7 e nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 8 de outubro de 2015, pro. 681/14.8T8PTM-D.E1, de 27 de fevereiro de 2020, proc. 502/14.1T(PTG.E1. de 14 de janeiro de 2021, proc. 738/03.TBSTR.E1 e de 14 de outubro de 2021, proc. 6050/19.6T8STB-A.L1 (todos acessíveis em em www.dgsi.pt).
Esta posição tem vindo a ser sucessivamente reiterada pelo Tribunal Constitucional, como sucede, além do mais, no Acórdão do TC n.º 678/2014, de 15 de outubro de 2014, proc. 129/13, no Acórdão do TC n.º 726/2020, de 10 de dezembro de 2020, proc. 279/2020, no Acórdão do TC n.º 370/2020, de 10 de julho de 2020, proc. 1120/19, no Acórdão do TC n.º 461/2020, proc. 82/2020, no Acórdão do TC n.º 462/2020, de 30 de setembro de 2020, proc. 222/2020 e no Acórdão do mesmo TC n.º 56/2021, de 22 de janeiro de 2021, proc. 435/2020, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt (também citados no Ac. do TRP de 07.02.2022, já mencionado).
Nestes acórdãos defendeu-se que, sendo certo que o artigo 20/1 da CRP estabelece que a justiça não pode ser negada por insuficiência de meios económicos, também é certo que a justiça não é um serviço gratuito, sendo natural que sejam também os que dele se socorrem que paguem os encargos com tal atividade.
O Tribunal Constitucional tem, no entanto, considerado que é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e à justiça, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, a norma contida no n.º 2 do artigo 26-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aditada pela Lei 27/2019, de 28 de março, na interpretação segundo a qual o tribunal não pode dispensar o depósito do valor integral do valor das notas justificativas quando o considere excessivamente oneroso ou arbitrário, tendo em conta as particulares circunstâncias de cada caso concreto (cfr. se defendeu, designadamente, no Ac. 153/2022 do TC, de 17.02.2022, proferido no processo n.º 259/2021, da terceira secção).
No caso em apreço, no despacho de 1 de julho de 2024, o Tribunal recorrido referiu que “se a Reclamante deduz reclamação da apresentação pela contraparte da nota justificativa e discriminativa de custas de parte e nela suscita, para além da questão da tempestividade da apresentação de tal nota, outras questões com vista a por em causa os valores constantes de tal nota, a condição de depósito integral do valor da nota, a que se reporta o n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais deve verificar-se e condiciona a apreciação do julgador. Dito isto, não resta senão concluir que se impunha à Autora / Reclamante proceder ao depósito do valor constante da nota de custas de parte”. (…) Assim, não tendo a Autora dado cumprimento ao disposto naquele artigo 26.º-A n.º 2, indefiro a reclamação apresentada”.
Assume-se, pois, o não conhecimento da reclamação na decorrência da ausência de depósito do valor correspondente à nota reclamada.
E, desde já nos adiantamos, afirmando que a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo.
O depósito do valor da nota de custas de parte configura uma condição a que a reclamação se encontra sujeita e não estando tal depósito comprovado nos autos, não pode ser conhecida, por inadmissível, a reclamação apresentada.
Não tendo sido efectuado tal pagamento, não pode a reclamação ser apreciada em qualquer um dos seus aspectos, sendo que, consubstanciando o pagamento em causa uma condição de apreciação do requerido, não pode o Tribunal proceder a conhecimento oficioso de qualquer questão com essa reclamação relacionada.
Apenas quando existe reclamação validamente deduzida é que a nota discriminativa passa a valer como pretensão da parte, susceptível de análise pelo Tribunal. Num caso em que a reclamação não pode sequer ser analisada por falta de cumprimento de uma condição, os valores que foram indicados pela parte mantêm-se numa esfera extrajudicial, não podendo o tribunal oficiosamente avaliar a situação. Não sendo admitida a reclamação, não se pode analisar qualquer dos seus fundamentos, sejam eles respeitantes aos valores que são peticionados, sejam reportados à tempestividade da apresentação da nota ou interpelação da contraparte para pagamento desses valores. Não compete ao tribunal analisar só parte da reclamação, arrumando num lado o que se reporta a valores e noutro o que se reporta a outras questões e analisar somente estas. Não se deve permitir que a reclamação tenha qualquer alcance sem o depósito do valor que se vem referindo; trata-se de uma pretensão global da reclamante que, querendo que seja apreciada, tem de cumprir aquele ónus de depósito; cumprido, o tribunal então tem de apreciar todas as questões que sejam suscitadas e sejam necessárias para uma correcta decisão” (cfr, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/01/2020, com o número de processo 9323/14.0T8PRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt).
De modo a que a questão fique completamente clara, e seguindo o entendimento perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2020, disponível em www.dgsi.pt, “no caso em que é apresentado requerimento para apreciação da questão da tempestividade da nota de custas de parte, haverá que distinguir duas situações: - Se a questão da tempestividade da apresentação da nota de custas de parte é a única questão a decidir, pode admitir-se que o prévio depósito integral do valor da nota pode constituir um ónus desadequado à apreciação dessa única questão, que seria de oficioso conhecimento, em conformidade com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC (foi este o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-02-2017, Pº 473/10.3TBVRL-B.G1, rel. MARIA CRISTINA CERDEIRA, onde se concluiu que “tendo a Autora, na sua reclamação, invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não estava obrigada a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória.); - contudo, já se a questão da tempestividade é uma entre outras questões que a reclamante suscita na apreciação complexa da reclamação apresentada, a condição de depósito integral do valor da nota, a que se reporta o n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP deve verificar-se e condiciona a apreciação do julgador (cfr. o mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-02-2017, concluindo que “o depósito da totalidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, tal nota é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do art.º 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria nº. 82/2012 de 29/03.”).
No caso, a reclamante arguiu a extemporaneidade da nota de custas de parte, mas invocou igualmente outro vício na referida nota visando promover a intervenção judicial para apreciação do mesmo.
Dado que, para tal, não logrou a reclamante verificar a condição de depósito acima referenciada, o conhecimento da questão da tempestividade (inserido na reclamação) pelo julgador ficou prejudicado, sem que mereça censura a decisão recorrida.
Ou seja: Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de setembro de 2020 (Pº 249/19.2T8FNC.L1-7, rel. CRISTINA COELHO), “tendo em conta que o tribunal só aprecia as questões suscitadas se a reclamação for admissível por satisfizer os requisitos legais, nomeadamente o pagamento exigido no nº 2 do art.º 26º-A do RCP, não se mostrando este cumprido, não incumbia ao tribunal apreciar os fundamentos invocados na reclamação”.
Por isso, bem andou a decisão recorrida em indeferir a reclamação apresentada pela autora à nota de custas de parte, por não ter procedido ao depósito da quantia reclamada nessa nota.
B- Se a interpretação do artigo 26-A do Regulamento das Custas Judiciais no sentido de não admitir a reclamação mediante dispensa do depósito prévio pela reclamante do valor total da nota quando a par da intempestividade, reclama também da incorreção da nota, viola o acesso à tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20/1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
A recorrente entende que a interpretação do artigo 26-A/2 do RCP no sentido de lhe ser imposto o depósito da nota apresentada constitui uma restrição desproporcional do seu direito e nessa medida inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ínsito no art.º 20º, nº 1 e 5 da CRP.
A recorrida vem pugnar pela manutenção do decidido, fundamentando-se em decisões jurisprudenciais que cita, por a apelante não ter cumprido o pressuposto processual exigível e inerente à pretendida reclamação, ou seja, o depósito da quantia reclamada a título de custas de parte.
No caso dos autos impõe-se a dispensa do depósito por força do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça?
Esta é questão profusamente tratada na jurisprudência, aderindo, sem reservas, à posição maioritária, expressa, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2020, já acima citado, que aqui reproduzimos, por economia e adesão argumentativa: “No que concerne à questão de apreciação da inconstitucionalidade material da referida disposição legal, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020 (Pº 502/14.1T8PTG-A.E1, rel. MÁRIO SILVA), cujas considerações são plenamente de acolher, teve já ocasião de se pronunciar. Foi considerado nesse aresto o seguinte: “O artigo 20º, nº 1, da CRP estabelece que a justiça não ser denegada por insuficiência de meios económicos. “A interpretação que deste art.º 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva. O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a titulo de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.” Ora, perante os elementos de facto, não cremos que tal juízo se possa formular. Na verdade, considerando o valor em concreto a liquidar constante da nota, (…), que não pode ser qualificado de arbitrário não cremos que se possa afirmar estar violado o direito constitucional de acesso aos tribunais para defesa do direito de reclamar da nota de custas de parte. O Acórdão 678/2014 do Tribunal Constitucional, pronunciou-se no sentido da constitucionalidade material do artigo 33º-A, nº 4, do CCJ da seguinte forma: “Face às finalidades prosseguidas pelo n.º 4 do artigo 33º-A do CCJ, se não torna desproporcionada a exigência, que nele se faz, de depósito prévio da quantia fixada na nota de custas, como condição da admissão da reclamação ou recurso. No caso sub iudicio, é igualmente aplicável esta doutrina sobre os limites do equilíbrio interno do regime de custas. Com efeito, na linha da jurisprudência contida no Acórdão n.º 347/2009(…), importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respetiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida. Consequentemente, atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações, a sujeição em causa prevista no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, não pode ser considerada excessiva, pelo que a mesma sujeição não viola o princípio da proporcionalidade.” O que acabou de se transcrever sobre a conformidade constitucional do nº 2 do art.º 33º, da Portaria 419-A/2009 aplica-se ao artigo 26º-A, nº 2, do RCP que tem redação idêntica. O fim da norma em causa, o citado 26º-A, nº 2, do RCP (e antes os artigos 33º, nº 2, da Portaria 419-A/2009 e 33º-A, nº 4, do CCJ) é perfeitamente legítimo. Esse fim, é o de fazer depender a admissibilidade da reclamação [da nota discriminativa e justificativa das custas de parte] do depósito prévio do montante nela fixado, o que se explica “pela necessidade, especialmente refletida pelo legislador ordinário, não só de garantir o pagamento das custas, mas ainda de moderar e razoabilizar, quanto a elas, o regime processual de reclamações e recursos, de forma a evitar o seu uso dilatório”.(…)] Assim sendo, é de acompanhar a conclusão extraída no citado aresto 347/2009, ou seja, “que, face às finalidades prosseguidas pelo nº 4 do artigo 33-A do CCJ, se não torna desproporcionada a exigência, que nele se faz, de depósito prévio da quantia fixada na nota de custas, como condição da admissão da reclamação ou recurso” é aplicável ao caso dos autos, “não havendo, pois, qualquer violação do princípio da proporcionalidade”.
Não há, assim, no caso concreto violação do alegado princípio constitucional aludido no art.º 20º da CRP. Improcede, pelos motivos expostos, a apelação”.
E, concluiu-se em tal aresto que: “Não há violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ao fazer-se depender a admissão da respetiva reclamação do depósito prévio do montante do valor das custas de parte, tal como exige o artigo 26º-A, nº 2, do RCP”. A problemática em apreço foi novamente objeto de apreciação no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2020 (Pº 249/19.2T8FNC.L1-7, rel. CRISTINA COELHO), onde foi expendido o seguinte: “No que respeita à invocada inconstitucionalidade material do nº 2 do art.º 26º-A do RCP, por violação do princípio fundamental ao acesso ao direito, do princípio da proporcionalidade e adequação, do princípio da equidade e lealdade processual, bem como do princípio do contraditório, sufragamos o entendimento expendido nos Acs. da RP de 15.1.2013, P. 511/09.2TVPRT.P2 (António Martins), da RE de 8.10.2015, P. 681/14.8T8PTM-D.E1 (Conceição Ferreira), da RP de 26.1.2016, P. 8043/06.4TBVNG.P1 (Rui Moreira), e da RE de 27.2.2020, P. 502/14.1T8PTG-A.E1 (Mário Silva), todos em www.dgsi.pt (…), remetendo-se para a argumentação aí amplamente expendida, a que aderimos. O tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria, nomeadamente no Ac. do TC nº 678/2014, de 15.10.2014 (Pedro Machete), em www.dgsi.pt, no sentido de a norma contida no artigo 33º, nº 2, da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, na redação dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.03, não sofrer da inconstitucionalidade invocada, em termos abstratos, afigurando-se-nos que os argumentos se transpõem para o atual art.º 26º-A do RCP. O artigo 20º, nº 1, da CRP estabelece que a justiça não pode ser negada por insuficiência de meios económicos. Como se escreveu no referido Ac. da RE de 8.10.2015, “A interpretação que deste art.º 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva. O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.”. Ora, dos elementos constantes dos autos não é possível formular tal juízo, considerando o valor atribuído à ação pelos AA./apelantes (€230.000,00), que não invocaram em concreto dificuldades económicas ou insuficiência de meios para depositar o valor da nota discriminativa de custas de parte e, ainda, o valor em concreto desta (€7.600,50), que não pode ser qualificado de arbitrário (…)”.
As considerações expostas e produzidas nos aludidos arestos são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, não se vislumbrando que da exigência de depósito das quantias constantes da nota discriminativa e justificativa de custas de parte – que se encontram, na realidade, devidamente discriminadas e elencadas, percebendo o destinatário da mesma, em que assenta a pretensão da sua exigibilidade – em concreto, taxas de Justiça pagas pelo autor (na ação e no incidente de liquidação) e honorários dos mandatários (com referência ao valor apurado) – e cujo valor – resultando da soma das parcelas elencadas – se acha devidamente apurado.
Assim, a exigência legal do depósito do respetivo valor - € 1.734,00 – não se mostra compressora do acesso ao Direito dos réus (cuja pretensão assumia um valor na ordem das centenas de milhares de euros), cuja configuração constitucional não é, como se viu, irrestrita, ou não sujeita a quaisquer limites, nem ocorre alguma indevida restrição sobre a intervenção do juiz, antes, o qual apenas terá de apreciar – de mérito - reclamações em que se mostrem reunidos os requisitos legais prescritos para o efeito, constituindo o depósito prévio do valor da nota, um pressuposto processual para a apreciação, de fundo, de tal reclamação. Na realidade, o direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental, com assento constitucional nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, respeitando a todos os cidadãos (carácter de universalidade), respondendo a uma exigência social constante (permanência) e referente às necessidades básicas da pessoa que o Estado se compromete solenemente a atender (fundamentalidade) (cfr. José de Melo Alexandrino; Direitos Fundamentais, Introdução Geral, Principia, 2007, p. 20 e ss.). A garantia do acesso ao direito e aos tribunais não admite a consagração, no plano legal, de exigências que consubstanciem condicionantes processuais desprovidas de fundamento racional e sem conteúdo útil ou excessivas, não sendo admissível o estabelecimento de ónus desinseridos da teleologia própria da tramitação processual e cuja consagração não prossiga quaisquer interesses dignos de tutela – cfr. acórdão do TC n.º 384/98 (rel. FERNANDA PALMA). Contudo, como evidenciam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 439)“o princípio pro actione, assim afirmado, não impede, naturalmente, a existência de requisitos ou de pressupostos processuais” a observar, onde se inserem as condições legais predispostas, e em termos gerais e abstratos, para o exercício de direitos, resultando, consequentemente, intocado o aludido princípio, decorrente da garantia constitucional de acesso ao direito e aos Tribunais. O artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que determina o depósito do valor da nota de custas de parte que seja objeto de reclamação, não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, nem restringe o campo de atuação judicial, que é sempre chamado a apreciar se se encontram, ou não, reunidos os requisitos legais para aquela apreciação, não sendo, pois, inconstitucional. Este juízo foi, aliás, reconhecido pelo Tribunal Constitucional, quer à luz do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março (cfr. Acórdão do TC n.º 678/2014), quer a respeito da redação vigente do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março (cfr. Acórdão do TC n.º 370/2020)”.
Improcede também o recurso, nesta parte.
Improcede o recurso interposto.
V. Custas.
A responsabilidade tributária inerente, nesta instância, incidirá sobre a recorrente, atento o seu integral decaimento, em conformidade com o regime resultante do artigo 527/1 e 2 do CPC.
VI. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Escrito e revisto pela Relatora.
Lisboa, 30 de abril de 2025
Carla Matos
Rui Oliveira
Maria Teresa Catrola