Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A CONSTRUIR
REGIME ESPECIAL DO DL N.º 67/2003 DE 08.04
ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL
CLÁUSULA PENAL
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
Sumário
Ao contrato promessa de compra e venda de bem imóvel a construir pelo promitente vendedor, no âmbito da sua atividade comercial, enquanto profissional, e uma pessoa singular que vai destinar o imóvel à sua habitação, enquanto consumidora, é aplicável o regime do DL nº 67/2003, de 08/04, regime especial em relação ao regime geral do Código Civil. O promitente comprador consumidor não tem que respeitar o iter procedimental, a hierarquia prevista nos artºs 1221º a 1223º do CC, em termos de subsidiariedade, constituindo a eliminação, a construção de nova obra, a redução do preço e a resolução do contrato, bem como a indemnização direitos independentes, estando apenas o seu exercício sujeito aos limites impostos pela proibição do abuso de direito. (sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
MM – Sociedade de Construções, Lda. intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra LL e JJ, formulando os seguintes pedidos:
A) Ser declarada a perda a favor da Autora de todas as quantias pagas, pelos RR., a título de sinal e reforço de sinal, no montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), em virtude do incumprimentos definitivo, por parte dos RR., do contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual a Autora prometeu vender e os Réus prometeram comprar-lhe, o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, freguesia de …, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 000 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 000;
B) Serem os Réus condenados a desocupar o imóvel e restituí-lo à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, bem como, proceder à devolução das respetivas chaves.
Os RR. apresentaram contestação, invocando a exceção dilatória da ilegitimidade do R. JJ, a exceção de não cumprimento do contrato, pugnando pela improcedência da ação. Mais deduziram reconvenção, terminando com os seguintes pedidos:
A) Ser proferida sentença que, nos termos do art.º 830º do Código Civil, substitua a declaração de vontade negocial da A. e decrete a transferência da titularidade do imóvel cor respondente à casa de r/c e 1º andar para habitação, piscina e logradouro, sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 000 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 000º da freguesia de …, para a R., livre de ónus e encargos; e,
B) A A. ser condenada a pagar à R., a título de cláusula penal, a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros);
C) A A. ser condenada a pagar à R., a quantia global de € 36.204,89 (trinta e seis mil, duzentos e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), sendo € 30.704,89 (trinta mil, setecentos e quatro euros e oitenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais e € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, bem como os juros à taxa legal em vigor desde a citação até efetivo e integral pagamento;
Caso assim não se entenda, por existir incumprimento definitivo do contrato exclusivamente imputável à A., deverá:
D) A A. ser condenada à devolução em dobro do valor pago pela A. a título de sinal, ou seja, € 700.000,00 (setecentos mil euros), acrescido de € 27.740,00 (vinte e sete mil, setecentos e quarenta euros), a título de trabalhos a mais já pagos;
Independentemente da mora ou do incumprimento definitivo imputável à A., deverá:
E) A A. ser condenada a pagar à R. as despesas suportadas com os honorários do mandatário, valor a ser apurado em liquidação de sentença;
F) Ser reconhecido à R. o direito de retenção sobre o imóvel objeto do contrato prometido, ao abrigo do disposto no art.º 754º e na al. f) do art.º 755º ambos do Código Civil.
A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência da exceção e da reconvenção.
Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgada procedente a exceção de ilegitimidade e absolvido o R. JJ da instância. Mais foi delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a presente ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, e em conformidade: 1. Determina a transmissão da propriedade do imóvel correspondente à casa de r/c e 1º andar para habitação, piscina e logradouro, sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 000 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000 da freguesia de …, para a R. LL, substituindo, deste modo, a declaração de vontade da A. MM – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., ficando a transmissão condicionada ao depósito, pela R., da quantia de € 53.833,34 (cinquenta e três mil, oitocentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgado desta Sentença. 2. Condena a A. a pagar à R.: a) € 30.704,89, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) Juros de mora sobre a indemnização fixada em a), à taxa de 4%, desde a data da citação até à presente data, e à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento; c) Os honorários do Ilustre Mandatário da R., a apurar em incidente de liquidação, devendo ser aí descontado o montante que a esse título lhe vier a ser pago em sede de custas de parte; 3. Absolve, no mais, a A. do pedido reconvencional. Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento.”
A A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“a) A decisão em crise dá como provados e não provados vários factos que afrontam a prova produzida impondo a reapreciação da matéria de facto dada como provada e a sua alteração, até porque foram determinantes na sentença proferida e lesam de sobremaneira a aqui Recorrente;
b) Quanto aos pontos dados erradamente como não provados, salientamos os seguintes:
“(…)
b) Alguns trabalhos só findaram após a entrega do imóvel porque haviam sido adjudicados e pagos diretamente pela R. aos Fornecedores.
(…)
c) A A. Entregou o imóvel à R. com todas as obras e trabalhos que àquela competia executar, designadamente instalações elétricas e pinturas, totalmente concluídos, e procedeu à limpeza completa de moradia (14.º da pi, 38.º e 44.º da réplica).”
c) Ora, smo, tais factos deveriam constar como provados porquanto a prova produzida foi exatamente nesse sentido.
d) Donde, necessariamente terá que se dar como provado que:
- Todos os trabalhos inicialmente acordados e constantes do CPCV foram terminados pela A. até 13 de Agosto de 2020, altura em que a R. fez a mudança para a moradia.
- Sem prejuízo disso, houve ainda trabalhos a mais que foram solicitados, bem como a R. solicitou alterações aos projetos, que levaram necessariamente à não entrega da moradia até ao prazo convencionado – 10 de Agosto de 2020.
- Alguns trabalhos só findaram após a entrega do imóvel porque haviam sido adjudicados e pagos diretamente pela R. aos Fornecedores e outras empresas, facto que e alheio à A.
- A A. Entregou o imóvel à R. com todas as obras e trabalhos que àquela competia executar, designadamente instalações elétricas e pinturas, totalmente concluídos até 13 de Agosto de 2020, e procedeu à limpeza completa de moradia (14.º da pi, 38.º e 44.º da réplica).”
e) De notar ainda que, resulta de todo o processo um ponto que poderá ser fulcral para a justa decisão e para que se possa dar como provado o cumprimento ou mora da A. No cumprimento que foi convencionado e que o tribunal não cuidou de apurar devidamente, tendo simplesmente dado por não provada determinada matéria de facto.
f) Com efeito, analisado todo o processo, em momento algum foi demonstrado quais eram os trabalhos convencionados e incluídos na moradia objeto do CPCV, por forma a aferir se efetivamente os mesmos foram atempadamente terminados ou não.
g) O processo tem por objetivo o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, devendo o Tribunal efectuar e ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências com vista a atingir esse fim - cfr. arts.5º, 6º e 411º, todos do C.P.C.
h) Acresce que, como decorre do citado art.º 411º “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, donde resulta que a lei concede ao juiz a possibilidade (ampla) de averiguar factos, com vista à busca da verdade material.
i) Quer isto dizer que o juiz, perante esta norma - que consagra o princípio do inquisitório - não deve limitar-se a exercer a figura de mero espectador ou árbitro do litígio, devendo antes intervir no sentido de remover os obstáculos à realização da justiça, que passa, evidentemente, pela procura da verdade material.
j) Por isso, todas as dúvidas, contradições ou divergências que necessitem de esclarecimentos e respostas cristalinas, com vista ao cabal apuramento da verdade e da justa composição do litígio - nos termos do disposto no referido art.º 411º do C.P.C. - poderão ser dadas no tribunal “a quo”, com a realização de diligencias nesse sentido, e não, como fez, simplesmente dar os factos como não provados – VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO INQUISITÓRIO.
k) O tribunal incorreu em erro de julgamento e omissão de pronuncia ao fixar a clausula penal e condenar a A. Na indeminização por um período de 2 meses e 7 dias, pois que, resultou do julgamento e é do conhecimento mundial as consequências da pandemia COVID 19, não só por banda da A. Mas também por banda da R., pelo que não deveria a indemnização ser arbitrada quando está devidamente provado que:
- As partes acordaram a entrega até 10 de Setembro de 2020 – facto provado
- A imperatividade da data de entrega passou a ser inócua à R. atento às restrições impostas pelo Governo derivadas da COVID19 e bem assim a idade e morbilidades da R. e marido;
- A alteração das circunstâncias em que a A. Contratou alteraram-se drasticamente dias apos a outorga do CPCV por motivos que lhe foram totalmente alheios e incontroláveis, bem como as alterações ao projecto pedidas pela R. e não contempladas na data da outorga do CPCV levaram necessariamente ao atraso na entrega da moradia;
- Entre Março de 2020 e Junho de 2020 em Portugal foi decretado o confinamento geral e absolto para a maior parte da população, o que naturalmente teve como consequência o atraso da obra em causa e o seu cronograma;
- Cronograma esse que também foi alterado devido às alterações e trabalhos a mais solicitados após a outorga do CPCV pela A.
l) Resulta devidamente provado que várias alterações e obras após 13 de Agosto de 2020 foram executadas por ordem da R. por empresas terceiras que, inclusivamente, danificaram trabalhos executados pela A. E que a A. Prontamente reparou.
m) Que houve trabalhos a mais que foram pedidos junto da A, em valor superior a €100.000,00 e, portanto, que não se podem inferir que não interferissem com o prazo inicialmente acordado pelas partes.
n) Tendo a própria R., que admitiu que, conforme ficou também devidamente provado em 11. tais trabalhos a mais e alterações ao projecto inicial da A. foram solicitados cerca de 3 meses antes da data prevista para a entrega do imóvel, ou seja, não estavam previstos aquando da outorga do CPCV.
o) Como resulta das transcrições feitas, em julho de 2020 já estava próximo da data de entrega do imóvel e a R. bem sabia e não podia deixar de saber que tais alterações iriam sempre levais mais tempo que o inicialmente acordado, principalmente quando consideramos que estávamos em plena Pandemia.
p) Cumpre referir que, s.m.o., ficou amplamente provado que os atrasos na execução dos trabalhos não eram os previstos aquando da outorga do CPCV.
q) Mais não se percebe como é que se infere que, para a realização de outros trabalhos pretendidos pela R., pelo único facto de a A. Ter a cordialidade de sugerir outras empresas, porque considera do tribunal que é responsável ao abrigo do 800.º n.º 1 do CC, sendo que a A. Só pode ser responsável pelos trabalhos que foram executados por terceiros mediante sub-empreitada desta – ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO – ERRO DE JULGAMENTO.
r) Quanto à aplicação da cláusula penal, diga-se ainda, que, apesar da moradia não ter sido entregue na data convencionada – 11 de Agosto de 2020 - não pode o douto tribunal a quo, não considerar para efeito de decidir sobre a aplicação ou não desta clausula penal um facto que é do conhecimento mundial e notório e afectou contratos mundialmente, tendo sido unanimemente considerado um facto de força maior que justificou atrasos múltiplos na execução de trabalhos, prestação de serviços entre outros.
s) Sendo apodítico que as condições com que a A. contratou sofreram uma alteração anormal e alheia à A. Que tem que ser considerada pelo douto Tribunal, bem como os motivos invocados pela R. para a data intransponível de entrega do imóvel são vazio e inócuos, pois que a mesma não podia naquela data, fazer reuniões familiares nem tampouco era fácil circular entre países, como todos sabemos.
t) Consta provado na sentença recorrida que:
u) “51. Àquela data, em virtude do atual estado pandémico, derivado da instalação e disseminação na comunidade da doença COVID-19, as fronteiras encontravam-se encerradas, impedindo a R. de viajar para Portugal (24º p.i.).”
v) Sendo que, tratando-se de factos de conhecimento mundial deveria constar o seguinte:
51. Àquela data, em virtude do atual estado pandémico, derivado da instalação e disseminação na comunidade da doença COVID-19, as fronteiras encontravam-se encerradas, impedindo a R. de viajar para Portugal, o que também causou atrasos na execução da empreitada, interferindo com o prazo de execução e data de entrega do imóvel, nos termos inicialmente acordados entre as partes.
w) Há ERRO DE JULGAMENTO, pois o tribunal decide a fixação do montante da clausula penal em desconformidade com os factos dados como provados, estando indicado como provado que as partes acordaram a entrega do imóvel no dia 11 de Agosto de 2020, mas para efeitos dessa contagem da clausula o tribunal considera o dia 31 de Julho de 2020, como data de inicio da pensalização.
x) Ademais, é a própria decisão que considera provado que a partir de 9 de setembro passou a haver água da companhia para encher a piscina e até ao dia 10 de setembro a cozinha foi dotada com fogão lava-louças, donde não se percebe porque se fixa a habitabilidade da casa do no dia 7 de Outubro, que foi a data que o R. trocou a fechadura do imóvel, deixando os trabalhadores de ter acesso à mesma, o que só não fez antes porque sequer estava em território nacional.
y) Constando ainda da decisão em crise que “No entanto, o marido da R. reconheceu, no seu depoimento, que a execução da cozinha foi completada entre os dias 8 e 10 de setembro, pelo que se consignou este facto na matéria de facto provada, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a) do CPC, e se julgou não provado que consta sob h).”
z) Donde, s.m.o., assumindo como fez o tribunal que a casa tinha condições de habitabilidade desde 10 de Setembro de 2020, data em que o imóvel ficou com a cozinha foi dotada com fogão lava-louças, sendo que entre este momento e 7 de outubro nada há nos autos porque o R. não estava em Portugal.
aa) Assim, considerado que a R. aceitou a entrega do imóvel fosse no dia 11/08/2020 e que todos os trabalhos da A. estavam terminados até 13 de Agosto, não deverá aplicar-se qualquer clausula penal, sem prejuízo de tudo o que foi supra exposto.
bb) E mesmo que assim não se entendesse, não seria devida qualquer valor pela A. À R. a Este titulo porquanto os eventuais trabalhos que se prolongaram para além desta data derivaram de alterações não previstas contratualmente e trabalhos a mais, todos solicitados pela R.
cc) O tribunal incorreu em erro de julgamento ao fixar a indemnização por danos patrimoniais peticionado pela R. em Reconvenção sem se pronunciar se estavam reunidos os requisitos legais para o pagamento em dinheiro, que é consabidamente subsidiário;
dd) Nem tampouco resultou provado a despesa alegada, sendo que há despesas peticionadas que até seriam futuras.
ee) Do mesmo modo mal andou o douto tribunal a quo ao não se pronunciar sobre os direitos da A. No âmbito do contrato em apreço, nomeadamente se lhe teria sido devidamente reportado todos os alegados defeitos invocados em sede judicial e bem assim se lhe foi concedido prazo razoável para a reparação dos mesmos;
ff) A responsabilidade perante o adquirente/comprador de imóvel, pelos defeitos/vícios resultantes da construção, prevista no art.º 1225.º, n.º 4, do CC, é aplicável ao empreiteiro que atua apenas como construtor ou também como construtor vendedor, bem como ao vendedor que tenha sido o seu construtor – no sentido de ter tido o domínio da construção.
gg) Violando, pois, expressamente o disposto no n.º 5 do art.º 4.º da Lei n.º 67/2003, de 08.04.
hh) Acresce ainda que muitos dos alegados danos constam apenas e um documento, os quais não foram reparados e que quanto a estes assiste o direito à A. De os reparar, até porque os danos resultantes do pagamento da indemnização peticionada oneram muito mais a A. Do que a reparação.
ii) O construtor/vendedor responde perante o comprador pela falta de conformidade que exista no bem que for entregue, pelo que, não o substituindo em prazo razoável, deve arcar com o custo que o comprador suportou ao promover ele próprio pela substituição.
jj) E nos presentes autos, resultou provado que sem prejuízo da R. ter feito a denuncia de defeitos, sem qualquer prova, a maior parte deles só foi invocado já em sede de litígio judicial, nunca tendo sido concedido à A. Prazo razoável para a sua reparação.
kk) Todos os factos de 91. A 92., deverão dar-se como não provados, estando incorretamente julgados.
ll) Até porque há contradição evidente quando o próprio tribunal diz:
“91. A R. suportou as seguintes despesas:
(…)
D) Correção/Eliminação dos defeitos a efetuar…”
mm) Tendo o douto tribunal erradamente dados tais factos como provados porque “atendeu ao doc. 51 junto com a cont., a fls. 90-v a 96-v, conjugadamente com os seguintes docs. juntos com a cont.” nn) No que aos documentos concerne, sempre se diga:
- O documento 51 é um relatório simples, não é perícia e apenas contem valores de referência, não sendo vinculativo.
- Documento 64 da contestação é uma simples pró-forma sem qualquer validade fiscal.
- Os documentos 35, 61 e 65 da contestação são apenas orçamentos.
oo) Pelo que não se alcança de onde resultam provados tais factos com base neste tipo de documentos, todos eles impugnados pela A. pp) Tendo ainda o douto Tribunal a quo condenado ainda em custos que estão umbilicalmente ligados com o facto de a moradia não estar pronta da convencionada, tendo feito operar a clausula penal que servia exatamente para este efeito, como por exemplo despesas de hotel.
qq) Como é que o tribunal poderia fixar indemnização por eventuais custos de reparação futura com base em documentos sem qualquer validade ou estimativas?
rr) Como é que, não tendo sido denunciados todos os defeitos, não concede oportunidade da A. Reparar os mesmos?
ss) Todas as comunicações remetidas pela R. à A. Davam prazos de 10 dias para reparar, isto é considerado prazo razoável quando a própria lei define 30 dias?
tt) Isto tudo sem considerar a dificuldade que a R. criou, violando o seu dever de colaboração para com a A. e ainda o facto de ter-se colocado a viver na casa e declinar a escritura sem mais, ao longo de mais de 4 anos, o que apesar de se poder compreender que quisesse os alegados defeitos reparados, não se compreende que o tenha feito até aos dias de hoje, obstando à entrada da A. no imóvel, ficando numa casa cujas responsabilidades e impostos são da A., sabendo que tinha que pagar o remanescente do preço e cumprir o contrato acordado.
uu) À luz do preceituado no art.º 566.º a indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, tendo lugar, nos termos deste artigo, apenas quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, quando ela não repare integralmente o dano, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor, como é o caso, já que a A. Exerce construção civil.
vv) Assim,
- Não tendo esta permitido a reparação em tempo razoável;
- Não tendo denunciado devidamente todos os defeitos invocados nestes autos perante a A.
- Sendo o pagamento em dinheiro apenas possível a título subsidiários;
- Não tendo a R. até ao momento feito a maior parte das alegadas reparações;
- E sendo claramente os valores apresentados mais onerosos para a A. que o pagamento,
- E não tendo formulado o pedido dessa mesma reparação;
- Não poderá o douto tribunal senão absolver a A. do pedido, pelo menos no que concerne aos seguintes valores:
B) Trabalhos a mais já pagos pela R. e mal-executados:
- Bancada da cozinha com montagem, valor € 2.214,00 (Docs. 51 e 61);
- Parede do quintal rachada, valor € 700,00 (Doc. 51);
C) Correção/Eliminação de defeitos já reparados e pagos pela R.:
- Revestimento em pedra de muro do quintal, valor € 400,00 (Doc. 51); (email de 16 de setembro)
- Substituição vidro rachado da casa de banho exterior, valor € 182,00 (Doc. 63);
- Colocação de móveis dos lavatórios das instalações sanitárias, valor € 120,00 (Doc. 51); (email de 16 setembro)
- Pintura do alçado lateral em virtude da reparação da casa de banho do 1º andar e muro, valor € 2.988,90 (Doc. 64);
- Remates de janelas em silicone descolado e pintura descascada, valor € 200,00 (Doc. 51);(email de 16 de setembro)
- Pedra de capeamento por baixo da guarda do patim de escadas, valor € 200,00 (Doc. 51);
- Pedras do patim intermédio das escadas “nicadas”, valor € 100,00 (Doc. 51);
- Vidro da guarda das escadas com medidas incorretas, valor € 200,00 (Doc. 51);
- Pavimento do quarto no R/c, valor € 917,76 (Doc. 65);
- Mosaico de pavimento partido na sala, valor € 250,00 (Doc. 51);
- Junta na porta da cozinha, valor € 50,00 (Doc. 51); (email de 16 de setembro)
- Canto da sala com sinais de humidade, valor € 200,00 (Doc. 51); (email de 16 de setembro)
- Remates de silicone imperfeitos junto ao teto da cozinha, valor € 50,00 (Doc. 51);
- Pavimento do quintal mal nivelado que empoça, valor € 2.500,00 (Doc. 51). (referido no email de 16 de setembro)
- Estadia Hotel (Doc. 6), no valor de € 314,00;
ww) Tudo num total de €11.586,66.
xx) Pelo que, a considerar-se a A. Responsável pelo pagamento de uma indemnização pelos defeitos alegados por esta, sempre terá de ser na medida dos que efetivamente já custeou e já não há possibilidade de reparação por parte da A.;
yy) Mais não se conforma a Autora com a condenação no pagamento dos honorários de advogado da R. a liquidar em sede de execução de sentença, por alegada convenção das partes, quando o que resulta da clausula contratual é que a A. Seria responsável por tal, apenas nos seguintes moldes: Por todas as despesas judiciais e/ou extrajudiciais a que houver lugar para cumprimento do presente contrato, é responsável a Contratante que culposamente lhes tenha dado causa.”
zz) Ora, no tocante ao presente processo, aplica-se, no tocante a custas, o Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL 324/03, de 27/12, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.
aaa) Com as alterações legislativas decorrentes do DL 34/2008, de 26/2, que introduziu, entre outros, o art.º 447.º-D ao CPC e criou uma nova disciplina, no regime das custas, com o “Regulamento das Custas Processuais”, a posição atrás defendida deixa de ter suporte legal.
bbb) Os honorários com mandatário passaram a integrar expressamente o conceito de “custas de parte” –art.º 447.º-D, n.º2 d)- e devem constar de nota justificativa a apresentar até 5 dias após o trânsito em julgado da decisão, conforme se prevê no art.º 25.ºns.º1 e 2 al. d) do Regulamento citado.
ccc)Do contrato promessa e compra e venda, consta apenas:
“1. Por todas as despesas judiciais e/ou extrajudiciais a que houver lugar para cumprimento do presente contrato, é responsável a Contratante que culposamente lhes tenha dado causa.”
ddd) Não resultou provado, nem tampouco isso é referido na sentença que Autora tenha em algum momento agido com culpa,
eee) Mais, foi a própria Autora a instaurar a presente ação para por fim à questão em causa, pois que, por banda do Réu poderia perfeitamente continuar a morar na casa e todos os impostos e custos inerentes mantinham-se na esfera da Autora, durante muitos mais anos, e ainda, por via dessa atuação conseguiu atrasar ainda mais a escritura e assim aumentar o prazo de garantia da obra feita.
fff) Foram marcadas 3 datas para a escritura, todas por banda da Autora, nenhuma por parte da R.
ggg) O primeiro agendamento da escritura foi feito para o dia 10 de fevereiro de 2021 e o segundo para 15 de abril do mesmo ano, datas nas quais, independentemente do estado do imóvel, a escritura não se pôde realizar por virtude da impossibilidade da R. viajar para Portugal, atentas as restrições decorrentes da Pandemia que ainda vigoravam.
hhh) A terceira data agendada para a escritura foi o dia 20 de julho de 2021, data na qual a R. reconheceu, pela primeira vez, que a casa já possuía condições de habitabilidade, mas recusou a celebração da escritura com fundamento no facto da A. não aceitar deduzir do preço final a pagar o valor da cláusula penal devida pelo atraso na entrega do imóvel e não aceitar suportar os custos em que incorreu a R. com a reparação de defeitos de construção.
iii) Esta terceira marcação da escritura foi acompanhada de interpelação admonitória, tendo a A. concluído pelo incumprimento definitivo do contrato promessa pela R.
jjj) É certo que a Autora não peticionou a execução específica do contrato – mas não o fez porque como também resulta provado, foi o R. que disse perentoriamente que já não tinha interesse no negócio.
kkk) E outra ideia não resulta, depois de a R. ter recusado 3 vezes fazer o contrato prometido e nunca ter agendado qualquer outra data para a realização da mesma, ou mesmo ter agido judicialmente nesse sentido, sendo que todos os alegados defeitos não são impeditivos do uso normal do imóvel nem tampouco a realização da escritura obviava à instauração de uma ação tendente a obter essas reparações ou indemnização.
lll) Não tendo sido alegado muito menos provado qualquer incumprimento culposo por parte da A., que foi a única a recorrer a advogados e tribunais para pôr cobro à situação.
mmm) Pelo que, não existindo convenção nenhum nesse sentido, ou mesmo que se considerar-se existir a verdade é que não está a mesma preenchida pois não houve incumprimento culposo por para da A., devendo proceder-se à retificação e alteração desse segmento decisório.
nnn) E por fim não se pode aceitar que seja a A. Condenada no pagamento de juros de mora desde a citação, quando a citação dos autos é a da R., e, de acordo com os factos em causa, a ser arbitrada a indemnização por danos patrimoniais, e porque tais valores nunca foram pedidos junto da A., (apenas a clausula penal), os juros de mora a serem fixados, só poderão ser após o transito da decisão, ou, mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, desde a notificação da reconvenção formulada pela R. à A, devendo aplicar-se o mesmo raciocínio ao valor remanescente do preço acordado que a A. Não pagou como deveria até à realização da escritura de compra e venda.
ooo) A A. Ficou privada do imóvel, privada do remanescente do preço durante mais de 4 anos valor este que precisa para continuar a sua atividade comercial.
ppp) Pelo que, a existirem juros, só poderão ser fixados ao valor do remanescente do preço a pagar pela R. à A. e desde a data da entrega do imóvel, agendamento da escritura ou da citação da A. até efetiva escritura de compra e venda, que ainda não se realizou. qqq) Caso se fixassem juros de mora à A. só poderiam ser fixados desde a notificação da reconvenção à A. ou do trânsito em julgado da decisão proferida.
rrr) Há erro de julgamento, tanto na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como quanto à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro.
sss) Pelo que, sendo até impossível o vertido no dispositivo, impõe-se a sua alteração.
DECIDINDO V. EXAS. CONFORME SE CONCLUI, JULGANDO INTEGRALMENTE PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA APELANTE E REVOGANDO A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, NOS TERMOS E FUNDAMENTOS EM QUE NESTE CONSTA, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
A RA. apresentou contra-alegações, e requereu a ampliação do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente não deu cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil.
B) O Tribunal a quo valorou bem a prova documental, testemunhal e a inspeção judicial realizada;
C) Pelo que, não houve violação do princípio do inquisitório consagrado no art.º 411º do C.P.C.
D) O atraso na entrega do imóvel em condições de habitabilidade não se ficou a dever à pandemia COVID 19, tanto assim que a Recorrente nunca invocou tal situação até ao presente recurso.
E) A Recorrente foi notificada dos diversos defeitos e interpelada para a sua reparação por diversas vezes entre 30/08/2020 e 16/09/21, ou seja, durante mais de um ano.
F) A Recorrente recusou- se a repará-los ou não concluiu a reparação.
G) Pelo que, nenhuma razão assiste à A. de que tem direito a realizar as reparações.
H) Nesta conformidade, bem andou o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento dos danos patrimoniais sofridos pela R.
I) O Tribunal a quo não andou bem ao considerar que a partir de 7 de Outubro de 2020 a R. adquiriu disponibilidade exclusiva da moradia e, como tal, o imóvel passou a reunir condições de habitabilidade.
J) Porém, deu como provado que, no início de Outubro de 2020, a R. regressou a Portugal e constatou que o imóvel ainda não estava concluído;
K) E que, como já tinha os seus pertences no imóvel, iria mandar proceder à substituição da fechadura e deixaria uma cópia com o seu sobrinho para que permitisse a entrada dos trabalhadores da ora Recorrente para quando fossem concluir a obra;
L) Daqui resulta que o facto de a R. ter procedido à substituição da fechadura, não foi por o imóvel já ter condições de habitabilidade, tanto assim que partiram para França no dia 11/10/20, mas, tão só, para protegerem os bens que tinham no imóvel.
M) Isto é, o imóvel continuou a não reunir condições de habitabilidade, servindo apenas como depósito dos bens móveis da R..
N) Ademais deu como provado que, não só a Recorrente não procedeu à conclusão das obras, como vieram a ser identificados outros defeitos no imóvel, designadamente que: “chão do quarto do R/c também se encontrava levantado, por má aplicação da A., à semelhança do sucedido no 1º andar, bem como porque a casa esteve fechada 7 meses após a colocação do chão, em virtude da R. se ter ido embora para França”.
O) Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que, não obstante a R. ter substituído a fechadura em 07/10/20 e passar a ter a disponibilidade do imóvel, as obras ainda não estavam concluídas, o imóvel não tinha condições de habitabilidade e só a partir de final de junho de 2021 é que passou a reunir condições mínimas de habitabilidade.
P) A Recorrente alterou a verdade dos factos e fez do presente recurso um uso manifestamente reprovável com o fim de obter um objetivo ilegal e protelar o trânsito em julgado da decisão;
Q) Pelo que, deverá a Recorrente ser condenada nesta instância como litigante de má fé, no pagamento de multa a ser doutamente fixada por V. Exa s. e no pagamento das despesas suportadas pela R. com os honorários do seu mandatário, valor a ser apurado em liquidação de sentença.
Termos em que deve:
A) ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, com exceção da parte que apenas condena a Recorrente ao pagamento da cláusula penal até ao dia 07/10/20;
E, em consequência,
B) Ser substituída por decisão que condene no pagamento da cláusula penal até 30/06/21, o que perfaz o montante de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).
C) A Recorrente ser condenada como litigante de má fé ao pagamento de multa e indemnização à Recorrida, onde deverão ser incluídas as despesas que teve de suportar, incluindo os honorários do seu mandatário.”
A A. respondeu à ampliação do recurso pugnando pela não admissão da resposta ao recurso apresentado pela recorrente e ampliação do objeto do recurso requerida, por totalmente inadmissível, requerendo o seu desentranhamento. Pronunciou-se sobre o pedido de litigância de má fé.
*
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. Está inscrita, pela Ap. 00, de 18.02.2020, a aquisição, por compra, a favor da A., do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, freguesia de …, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 000, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 000 (1º p.i.).
2. Por contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 27 de fevereiro de 2020 e assinado pelas partes, sem reconhecimento presencial das assinaturas, a A. prometeu vender à R., que prometeu comprar-lhe, o identificado prédio, pelo preço de € 415.000,00, a pagar da seguinte forma:
a) € 45.000,00 - no ato de assinatura do contrato promessa;
b) € 155.000,00 - até ao dia 15 de abril de 2020;
c) € 50.000,00 - até ao dia 31 de maio de 2020;
d) € 50.000,00 - até ao dia 30 de junho de 2020;
e) € 50.000,00 – “através de transferência bancária da conta da Segunda Contratante com o IBAN 000 para a conta da Primeira Contratante com o IBAN 000, até ao dia 31/07/2020 e com a tradição do imóvel prometido vender, da qual a Primeira Contratante dá a respetiva quitação após boa cobrança”;
f) € 65.000,00 – na data da assinatura da escritura pública de compra e venda ou documento particular autenticado (2º e 5º p.i.).
3. Aquando da celebração do contrato promessa, o referido prédio era ainda um terreno para construção, correspondente ao Lote 85, no qual seria edificada uma moradia unifamiliar, não constando do contrato promessa menção à licença de construção (3º p.i.).
4. Mais ficou estipulado que a escritura pública ou documento particular autenticado seria celebrada no prazo máximo de 30 dias após a emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal do Seixal, não podendo ultrapassar o dia 28 de fevereiro de 2021. Caso a referida escritura não fosse possível de realizar, por motivo não imputável a qualquer das partes, o prazo para o efeito seria prorrogado até 30 de abril de 2021 (6º p.i.).
5. Foi ainda consignado o seguinte no referido contrato promessa:
“Considerando que:
(…) B) No referido prédio urbano vai ser edificada uma moradia unifamiliar, conforme projeto em anexo.
(…) D) A Segunda Contratante vive em França e necessita do imóvel para residir em Portugal a partir do dia 1 de Agosto de 2020.
(…) Cláusula Primeira (Objeto)
(…) 3. A tradição e consequente transferência da posse do imóvel para a Segunda Contratante ocorrerá, impreterivelmente, até ao dia 31/07/2020.
4. É do conhecimento da Segunda Contratante que a pérgula e a parte exterior junto à entrada do imóvel não irão estar concluídas até ao dia 31/07/2020.
(…) Cláusula Quarta (Obras)
Após a tradição do prédio urbano prometido vender para a Segunda Contratante e até à conclusão das obras, a Primeira Contratante será responsável por todas as deteriorações e/ou depreciações que tiver causado no referido prédio urbano.
Cláusula Quinta (Incumprimento e Execução Específica)
(…) 3. Não obstante estipulação de sinal, as partes atribuem o direito à execução específica ao presente contrato, nos termos do art.º 830º do Código Civil.
Cláusula Sexta (Cláusula Penal)
1. A Primeira Contratante reconhece que a entrega do imóvel em condições de habitabilidade, ainda que sem licença de utilização, no prazo estabelecido na alínea E) da Cláusula Segunda, é condição essencial à celebração do presente contrato promessa e do contrato prometido.
2. Caso a Primeira Contratante não proceda à entrega do imóvel, nas condições referidas no número anterior, obriga-se a indemnizar a Segunda Contratante no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros) por mês ou respetiva proporção até efetiva entrega do imóvel, quantia que será deduzida no valor final a pagar na data da celebração da escritura pública de compra e venda ou documento particular autenticado.
3. A tradição do imóvel terá que constar de documento assinado por ambas as Contratantes, sob pena de se considerar não realizada.
(…) Cláusula Décima (Disposições Finais)
1. Por todas as despesas judiciais e/ou extrajudiciais a que houver lugar para cumprimento do presente contrato, é responsável a Contratante que culposamente lhes tenha dado causa.” (2º e 4º p.i.; 7º a 10º e 211º cont.).
*
6. A cozinha da casa foi instalada pela empresa FF, com quem a R. tratou diretamente (96º réplica).
7. A cozinha tipo não foi aceite pela R., que entendeu mandar instalar uma diferente, alterar a bancada de madeira, forrar a pedra, alterar a península, entre outras, e contactou diretamente com a fábrica (11º p.i.).
8. A R. apenas contactou e pagou diretamente a alguns fornecedores por indicação dos sócios gerentes da A. (114º cont.).
9. Porém, os trabalhos eram feitos com o conhecimento e em colaboração com a A. (117º cont.).
10. Em email de 15/04/2020, o marido da R. enviou à arquiteta SS o projeto de cozinha que pretendia que fosse instalado na casa, contendo o desenho dos móveis e respetivas medidas, bem como a indicação para que os tampos em pedra fossem feitos como no projeto, a fim de que a arquiteta remetesse o projeto à mulher do gerente da A., e mais informando que esse mesmo projeto havia sido já remetido à Sra. DD, da empresa FF (115º e 117º réplica; 96º réplica).
11. Em mensagem enviada à mulher do gerente da A., em 17/07/2020, foi comunicado pelo marido da R. o seguinte:
“Venho de falar com a dona DD
O painel de trás da ilha e para fazer em pedra igual ao tampo
Foi algo que já tinha falado e enviei para vocês um projeto a mais de três meses aonde tudo estava bem claro Veja com ela na segunda feira” (115º e 117º réplica; 96º réplica).
12. No dia 23/07/2020, o sócio gerente da A. telefonou ao marido da R., tendo enviado valores dos seguintes trabalhos a mais realizados, no valor total de € 113.000,00 [1]:
- forras do muro da piscina;
- bomba de calor para aquecimento;
- cascata da piscina;
- alteração do mosaico extra-piscina;
- alteração da pedra da cozinha (13º cont.).
13. No dia 30/07/2020, o sócio gerente da A. voltou a contactar telefonicamente o marido da R., informando-o que o imóvel afinal ainda não estava concluído (15º cont.).
14. A R. exigiu que o imóvel lhe fosse entregue impreterivelmente até às 9 horas do dia 11/08/2020 (16º cont.).
15. Mais informou que, apesar de a A. não ter cumprido com o prazo contratado, iria proceder ao pagamento de € 50.000,00, em cumprimento do disposto na al. E) da Cláusula Segunda do Contrato Promessa (17º cont.).
16. Uma vez que o imóvel não estava pronto, a R. adiou a entrega do recheio da anterior casa e da viatura que estavam em armazém, os quais só foram entregues no dia 13/08/2020 (19º cont.).
17. Face ao atraso na entrega do imóvel, a R. e o marido adiaram também a vinda para Portugal para o dia 10/08/2020 e ficaram alojados no Hotel … (20º cont.).
18. No dia 11/08/2020 a R. e o marido compareceram no imóvel e no interior encontravam-se vários operários a trabalhar (21º cont.). 19. Isto porque o imóvel não se encontrava concluído nem no exterior, nem no interior: não existia cozinha; a casa encontrava-se toda suja; os esgotos das casas de banho do R/c estavam entupidos, o que provocou inundações; a climatização central não funcionava, porque estava mal instalada; a aspiração central não funcionava, porque as tomadas estavam tapadas com cimento; a instalação elétrica e a pintura interior não estavam concluídas, entre outros (22º a 24º cont.).
20. Por tal facto, a R. e o marido ficaram hospedados no hotel até ao dia 13/08/2020 (25º cont.).
21. No dia 13/08/2020, o sócio gerente da A. propôs-lhe que fossem para o imóvel, porque ele iria mobilizar todos os trabalhadores para concluírem o interior em dois ou três dias e que lhe facultava uma chave para o efeito (26º cont.).
22. A R. e o marido, receosos por terem os seus pertences à mercê de várias pessoas que acediam ao imóvel, e acreditando que a sua presença pressionaria a A. a concluir as obras mais rapidamente e a cumprir com o contratado, anuíram a tal proposta (27º a 28º cont.).
23. A chave que foi facultada era uma chave de obra, pelo que os trabalhadores da A. continuavam a entrar e a sair do imóvel como e quando entendiam (30º cont.).
24. A cozinha foi instalada até ao dia 15 de agosto, exceto o fogão / placa, o lava-louças, o exaustor e os rodapés, que foram colocados entre os dias 8 e 10 de setembro (12º p.i.).
25. As obras no interior arrastaram-se pelo mês seguinte e continuaram, posteriormente, no exterior (31º cont.).
26. Face a esta situação, a R., já não suportando o barulho, a sujidade, a insegurança, a falta de privacidade e de condições de habitabilidade, pediu ao marido para regressarem a França (32º cont.).
27. O marido recusou, porque temia pela segurança dos seus pertences e queria continuar a acompanhar as obras (33º cont.).
28. A 30 de agosto, a R. entregou à A. uma lista de correções a fazer no imóvel (42º réplica).
29. A 09/09/2020, a R. e a sócia gerente da A. deslocaram-se à Câmara Municipal do Seixal para procederem à mudança do contrato de fornecimento da água para nome daquela, na sequência das intervenções efetuadas na piscina e da sugestão efetuada nesse âmbito de encher a piscina com água da rede (34º cont.).
30. A R., face ao desgaste e ao cansaço de que padecia, devido à falta de condições que o imóvel ainda apresentava pelo atraso nas obras e não podendo receber a sua família, nomeadamente, o filho e o neto, embarcou para França em meados de setembro, onde se encontram a residir os seus três filhos e cinco netos (35º cont.).
31. Após a partida da R., os representantes da A. começaram a pressioná-lo para que procedesse à aceitação da obra, dando-a assim como concluída (37º cont.).
32. O que o marido da R. sempre recusou, alegando que a obra não estava concluída e, inclusivamente, já tinham sido pagos € 50.000,00 indevidamente, uma vez que o imóvel não foi entregue dentro do prazo, nem nas condições contratualizadas (38º cont.).
33. No dia 22/09/2020, o sócio gerente da A., AA, entrou pelo imóvel dentro a gritar para o marido da R. que ele não tinha direito a estar na casa, a exigir que assinasse a declaração de aceitação da obra e lhe pagasse o remanescente do preço no valor de € 65.000,00, ameaçando-o de que iria cortar a eletricidade (39º cont.).
34. Nesse mesmo dia, houve uma reunião no imóvel com o sócio gerente da A. e a sua filha, SS, autora do projeto de arquitetura, em que estes, aos gritos, exigiram que o marido da R. pagasse € 1.770,00 por trabalhos de reparação da tubagem da piscina e eletricidade, que assinasse a declaração de receção de obra datada de 05/09/2020 e procedesse ao pagamento do remanescente do preço no valor de € 65.000,00 (40º cont.).
35. Por indicação do seu mandatário, o marido da R. recusou assinar o documento, com fundamento em que os trabalhos de reparação não eram da sua responsabilidade, a empreitada não estava concluída e o remanescente do preço no valor de € 65.000,00 só era devido na data da assinatura da escritura pública de compra e venda ou do documento particular autenticado, em conformidade com o disposto na al. F) da Cláusula Segunda do contrato promessa (41º cont.).
36. No dia 23/09/2020, o marido da R., com receio que cortassem a eletricidade e não concluíssem a obra, procedeu à transferência do valor de € 1.770,00 para a conta da A. (42º cont.).
37. Só no final desse mês é que a climatização do imóvel ficou a funcionar e apenas após a terceira intervenção dos técnicos (43º cont.).
38. No início de outubro de 2020, a R. regressou a Portugal (44º cont.).
39. E constatou que o imóvel não estava concluído (46º cont.).
40. Perante estas situações, informou a A. que iria regressar a França e só voltaria quando o imóvel estivesse concluído (47º cont.).
41. Mais informou que, como já tinha os seus pertences no imóvel, iria mandar proceder à substituição da fechadura e deixaria uma cópia com o seu sobrinho para que permitisse a entrada dos trabalhadores da A. quando fossem concluir a obra (48º cont.).
42. No dia 07/10/2020 foi feita a substituição da fechadura (49º cont.).
43. No dia 08/10/2020 foi contratado com a EDP Comercial o fornecimento de eletricidade (50º cont.).
44. No dia 11/10/2020, a R. e o marido regressaram a França (51º cont.).
45. A Licença de Utilização foi emitida no dia 11/11/2020 (16º p.i.).
46. Somente em 05/01/2021 a piscina ficou a funcionar, embora sem utilizar a água do furo, por não ser própria para consumo humano, para além de exalar um “cheiro a podre”, que inviabiliza a permanência no quintal, sendo certo que a captação se encontra próxima de uma antiga lixeira encerrada (52º cont.).
47. A instalação da piscina ficou a cargo da empresa Sociedade … , Lda., cujo gerente é HH (107º réplica).
48. Por email, enviado pela Il. Mandatária da A., no dia 02 de fevereiro de 2021, pelas 11:03 horas, ao Il. Mandatário da R., esta foi informada de que se encontrava marcada a escritura de compra e venda para o dia 10 de fevereiro de 2021, pelas 10:00 horas, no Cartório Notarial da Dra. ….s, sito na Rua … (21º p.i.).
49. Em resposta, o Il. Mandatário da R. comunicou que o imóvel não teria sido entregue em absolutas condições de habitabilidade, informando da intenção dos respetivos constituintes lançarem mão da cláusula penal prevista na Cláusula Sexta do contrato promessa celebrado (22º p.i.).
50. Mais foi solicitado à A. o pagamento do montante gasto pela R. com o parquet/chão flutuante, no valor de € 4.100,54, e a porta basculante para a garagem, no valor de € 1.000,00 (23º p.i.).
51. Àquela data, em virtude do atual estado pandémico, derivado da instalação e disseminação na comunidade da doença COVID-19, as fronteiras encontravam-se encerradas, impedindo a R. de viajar para Portugal (24º p.i.).
52. A escritura não teve lugar na sobredita data por impossibilidade de comparência da R. e porque a A. não satisfez as exigências da R. (25º p.i.; 134º e 135º cont.).
53. Por forma a viabilizar a celebração, com a maior brevidade, da escritura pública, a A. disponibilizou-se para assumir os custos de € 1.176,78 (orçamento obtido pela A. para o chão flutuante) e dos € 1.000,00 (portão basculante) (26º p.i.).
54. Entretanto, a R. enviou alguns móveis para Portugal (53º cont.) 55. Em 01/04/2021, quando o sobrinho da R. foi receber a transportadora com os móveis vindos de França, encontrou o chão do 1º andar todo levantado (54º cont.).
56. A R., tendo tomado conhecimento do sucedido, comunicou à A. tal situação, por email enviado a 05/04/2021, manifestando o seu desagrado e preocupação, acrescentando que não sabia quando poderia vir a Portugal, atento o encerramento das fronteiras, e concluindo que se a A. não resolvesse esta situação, iria comunicar ao seu Advogado o desejo de desistir do negócio, pois a casa devia ter ficado pronta no dia 31 de julho de 2020, pelo que já tinham decorrido 9 meses desde esta data (55º cont.).
57. Por carta registada com aviso de receção, datada de 05 de abril de 2021 e registada a 6 de abril de 2021, que foi recebida no dia 15 de abril de 2021, a A. comunicou à R. que se encontrava designado o dia 27 de abril de 2021, pelas 10:00 horas, no Cartório Notarial da Dra. …, sito na Rua …, para celebração da escritura de compra e venda (27º p.i.).
58. Foi acordado entre as partes que o chão e respetivos acessórios seriam encomendados pela R. e o seu valor deduzido no preço final a pagar (57º cont.).
59. O preço final de € 1.176,78 que a A. se propôs deduzir estimou um chão com apenas 45m2, quando a área do chão do 1º andar é de 78m2 (58º cont.).
60. O chão do quarto do R/c também se encontrava levantado, por má aplicação da A., à semelhança do sucedido no 1º andar, bem como porque a casa esteve fechada 7 meses após a colocação do chão, em virtude da R. se ter ido embora para França (59º cont.; 111º réplica).
61. A R. alegou que, devido às regras de confinamento em França, não conseguiria viajar para Portugal (29º p.i.).
62. A R. não compareceu no dia 15 de abril de 2021, não tendo, por isso, sido celebrada a escritura de compra e venda (30º p.i.).
63. Face à posição da A., a R. e o marido viram-se obrigados a regressar a Portugal em 14/05/2021, apesar de terem informado que só regressariam quando as obras estivessem concluídas (61º cont.).
64. Quando chegaram ao imóvel, o marido da R. teve que efetuar cortes no chão flutuante do quarto do R/c para, pelo menos, se poderem servir dele (62º cont.).
65. Em virtude das insistências da R. e do marido, no dia 24/05/2021, o sócio gerente da A. e outro indivíduo que não se identificou deslocaram-se ao imóvel para verificar a situação (63º cont.).
66. Após se terem limitado a olhar para o chão, afirmaram que o problema era da qualidade do material e que por isso não tinham qualquer responsabilidade quanto ao estado em que o chão se encontrava (64º cont.).
67. A companhia de seguros Ageas deslocou um perito ao imóvel, na sequência de reclamação da R. efetuada no âmbito de seguro multirriscos habitação, tendo concluído que “os danos reclamados são decorrentes de assentamentos diferenciais do pavimento dos quartos localizados no piso superior, por insuficiências construtivas (assentamento sem espaço em juntas de dilatação) não resultando de qualquer fenómeno geológico natural, mas sim de problemas de aplicação”, o que comunicou à R. por carta de 25/05/2021, declinando, com este fundamento, o pagamento de qualquer indemnização (65º cont.).
68. Em 27/05/2021, o imóvel apresentava as seguintes anomalias, comunicadas à A. por email enviado nessa data:
a) Chão flutuante de todo o 1º andar levantado e a partir-se;
b) Chão flutuante do quarto do r/c levantado e a partir-se;
c) Chão do parqueamento dos carros mal aplicado, o que provoca poças de água;
d) Muro de pedra da piscina mal assente e em risco de cair;
e) Furo para extração de água, só extrai lama, e, como tal, insuscetível de uso humano;
f) Eletricidade por acabar;
g) Ligações por cabo da internet sem funcionar;
h) Móveis das casas de banho aplicados em desconformidade com o contratado, concretamente, não fora colocados à altura solicitada;
i) Juntas acrílicas de várias janelas do 1º andar levantadas;
j) Infiltração na sala;
k) Falta de junta na porta de vidro entre a cozinha e a sala;
l) Separação entre os móveis da cozinha e o teto por má aplicação;
m) Vidro de proteção das escadas em falta;
n) Muro do quintal rachado, com a tinta a cair e com um buraco para a rua;
o) Vidro da porta da casa de banho do exterior rachado;
p) Muro exterior por pintar (66º cont.).
69. Ao ver que era impossível servirem-se do 1º andar porque o chão flutuante estava todo levantado e a partir-se, e como a A. se recusou a proceder à sua substituição, não restou à R. outra alternativa que não fosse a de proceder à substituição de todo o chão do 1º andar por sua conta (67º cont.).
70. Por carta registada com aviso de receção, datada de 28 de junho de 2021, a A. comunicou à R. que se encontrava designado o dia 20 de julho de 2021, pelas 11:00 horas, no Cartório Notarial do Dr. …, sito na …, para celebração da escritura de compra e venda (32º p.i.).
71. Mais comunicou a A. que, nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, caso a escritura de compra e venda não fosse celebrada até ao dia 20 de julho de 2021, considerava definitivamente incumprida a obrigação da R., com inerente perda de interesse na prestação dos mesmos e consequente perda, a favor da A., das quantias recebidas no valor de € 350.000,00 e entrega do imóvel, devoluto de pessoas e bens (33º p.i.).
72. Por carta registada com aviso de receção, datada de 8 de julho de 2021, a R. informou a A. que considerava já ter condições mínimas de habitabilidade, apesar de ainda existirem defeitos a corrigir no exterior e no interior da casa, a saber:
“1. Chão do rés-do-chão levantado;
2. Juntas acrílicas levantadas em várias janelas no 1.º andar;
3. Infiltração na parede da sala no rés-do-chão;
4. Falta de junta na porta de vidro – separação sala/cozinha;
5. Bancada da cozinha não foi feita de acordo com o projecto que o meu marido vos enviou;
6. Má aplicação de materiais entre teto e móveis da cozinha;
7. Vidro de escadas, trocado pela 3ª vez, continua sem ter as medidas corretas;
8. O muro do quintal está rachado com a tinta a cair aos bocados e com um buraco para a rua junto à tubagem;
9. Reparação da piscina – 5 meses de pesquisa de levantamento de cobertura da piscina e mudanças de várias peças danificadas (reparação terminada em 15-01-2021);
10. A parede da cascata para a piscina está oca e a cair;
11. A piscina foi cheia com a água tirada do furo, mandado fazer para encher a piscina, é só água com lama, é impossível de utilizar a água do furo, nem dá para regar que queima a relva – Preço de realização do furo € 7.500,00;
12. Muro exterior nas traseiras não está acabado e falta pintar;
13. Vidro porta do WC de apoio à piscina, mudado em fins de Setembro está completamente rachado;
14. Eletricidade não acabada, falta a colocação de 3 lâmpadas de teto e as ligações por cabo da internet não funcionam;
15. Pavimento exterior mal acabado – poças de água” (69º cont.).
73. Por tal facto, disponibilizou-se para outorgar a escritura pública de compra e venda, solicitando que a A.:
A) Informasse se da escritura pública de compra e venda constariam os € 415.000,00 e, em contrapartida, entregasse um cheque bancário ou visado correspondente ao valor da cláusula penal, no montante de € 55.000,00, ou se, em alternativa, preferia outorgar a escritura pelo valor de € 360.000,00, dando assim cumprimento ao previsto no n.º 2 da Cláusula Sexta;
B) Informasse se iria pagar os € 7.898,32 (correspondentes ao valor do chão inicial que danificou, acrescido do valor do chão substituído, ambos pagos pela R.) e os € 1.000,00 do portão da garagem, ou se iria abater tais montantes ao valor a constar da escritura;
C) Suportasse a reparação dos restantes defeitos identificados, relativamente aos quais a R. iria pedir orçamentos a outras empresas e enviar à A. para que fizesse o respetivo pagamento (34º p.i.; 70º cont.).
74. Por carta registada com aviso de receção, datada de 16 de julho de 2021, a A. rejeitou assumir outra responsabilidade para além da já assumida, mantendo a data aprazada para celebração da escritura pública (35º p.i.; 71º cont.).
75. A R. deu instruções ao seu mandatário para que diligenciasse, em conformidade com o contrato promessa de compra e venda, pela realização da escritura pública de compra e venda (72º e 73º cont.).
76. O que o seu mandatário fez ao enviar a identificação da R., uma vez que as guias para pagamento dos impostos devidos são emitidas na hora e não havia recurso a crédito bancário (74º cont.). 77. No dia 20/07/2021, no Cartório Notarial do Dr. …, sito na …, compareceram a A. e a R., não tendo sido celebrada a escritura, por recusa da R. em outorgá-la (37º e 38º p.i.; 75º cont.).
78. Nesse ato declarou a A. que considerava estarem reunidas todas as condições para a outorga da escritura, e declarou ainda não haver lugar à aplicação da cláusula penal do contrato promessa de compra e venda, por não se verificarem as condições nele previstas (41º e 42º p.i.).
79. Mais declarou que considerava definitivamente incumprida a obrigação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 808.º do Código Civil (43º p.i.).
80. Nesse ato, a R. declarou: “Que interpelaram a sociedade vendedora para que procedesse à reparação/eliminação de graves defeitos do imóvel. Que face à recusa na referida reparação/eliminação de graves defeitos do imóvel, bem como a recusa da dedução do valor da cláusula penal no valor final a pagar por o imóvel não ter sido entregue até 31/07/2020 em condições de habitabilidade, em conformidade com os números 1 e 2 da cláusula Sexta do Contrato Promessa de Compra e Venda (…) recusa-se a outorgar a escritura pública de compra e venda do referido imóvel.” (44º a 45º p.i.; 77º cont.).
81. Até à data, a R. pagou à A. os montantes referidos nas alíneas a) a e) aludidas, no total de € 350.000,00 (17º p.i.).
82. A R. continua a residir no imóvel (36º p.i.).
*
83. Face à posição assumida pela A., a R. pediu a realização de uma peritagem a um engenheiro civil, o qual visitou a moradia em agosto de 2021, tendo elaborado um relatório, datado de 07/09/2021, com a descrição das seguintes anomalias encontradas na casa:
- 2.1. Autoclismo da IS 1º andar
- 2.2. Resguardo da base de duche foi montado incorretamente
- 2.3. Móveis dos lavatórios das instalações sanitárias não foram montados à altura solicitada
- 2.4 Argamassas nos sifões de pavimento das instalações sanitárias
- 2.5. Remates de janelas em silicone descolados e pintura descascada
- 2.6. Pedra de capeamento por baixo da guarda do patim de escadas
- 2.7. Diferença de cotas da escada versus pavimento do 1º andar
- 2.8. Pedras do patim intermédio das escadas “nicadas”
- 2.9. Placa de vidro da guarda das escadas com medidas incorretas
- 2.10. Pavimento do quarto no r/c
- 2.11. Mosaico de pavimento partido na sala
- 2.12. Junta na porta da cozinha
- 2.13. Canto da sala com sinais de humidade
- 2.14. Remates de silicone imperfeitos junto ao teto da cozinha
- 2.15. Balcão da cozinha não respeita projeto
- 2.16. Porta com vidro partido
- 2.17. Revestimento em pedra de muro do quintal
- 2.18. Parede do quintal rachada e tubos da piscina no exterior
- 2.19. Pavimento do quintal mal nivelado que empoça (171º cont.).
84. Após a realização da peritagem, a R. comunicou à A., através de email enviado no dia 01/09/2021, que descobriu uma nova anomalia na casa, a saber, que nenhuma junta acrílica foi feita na base do chuveiro da IS do 1º andar e que o tubo de descarga do autoclismo estava furado, e comunicou ainda a alteração da sua morada, nos termos no n.º 4 da Cláusula Oitava (172º cont.).
85. Na sequência desta comunicação, o sócio gerente da A. deslocou-se ao imóvel, acompanhado por uns operários, no dia 07/09/2021 (173º cont.).
86. Porém, apenas procedeu à reparação do muro exterior e do tubo da casa de banho do 1º andar (175º cont.).
87. A reparação do muro exterior foi mal executada (176º cont.).
88. A A. abandonou a reparação da parede exterior da casa de banho sem a mesma estar concluída (177º cont.).
89. No dia 16/09/2021, a R. interpelou novamente a A., advertindo-a de que se até 30/09/2021 não procedesse à correção da totalidade dos defeitos, iria contratar uma outra empresa para proceder às reparações, imputando-lhe, posteriormente, os valores despendidos para o efeito (178º cont.).
90. No dia 01/10/2021, face à ausência de resposta da A., através de carta registada com A/R, a R. comunicou-lhe que, após ter novamente ultrapassado o prazo acordado e uma vez que não corrigiu todos os defeitos que o imóvel apresentava e os que corrigiu foram mal executados, iria proceder à reparação de todos os defeitos e imputar-lhe o custo com a mesma (179º cont.).
91. A R. suportou as seguintes despesas:
A) Trabalhos a mais já pagos pela R. e não executados:
- Portão da garagem, € 1.000,00;
B) Trabalhos a mais já pagos pela R. e mal executados:
- Furo de água para alimentação da piscina, € 7.500,00;
- Bancada da cozinha com montagem, € 2.214,00;
- Parede do quintal rachada, € 700,00;
C) Correção/Eliminação de defeitos já reparados e pagos pela R.:
- Chão Flutuante 1º andar, € 7.440,04;
- Desentupimento esgoto e sifão, isolamento duche e desmontagem e montagem sanita suspensa Wc 1º andar, € 375,15;
- Revestimento em pedra de muro do quintal, € 400,00;
- Substituição vidro rachado da casa de banho exterior, € 182,00;
D) Correção/Eliminação de defeitos a efetuar:
- Colocação de móveis dos lavatórios das instalações sanitárias, € 120,00;
- Pintura do alçado lateral em virtude da reparação da casa de banho do 1º andar e muro, € 2.988,90;
- Remates de janelas em silicone descolado e pintura descascada, € 200,00;
- Pedra de capeamento por baixo da guarda do patim de escadas, € 200,00;
- Pedras do patim intermédio das escadas “nicadas”, € 100,00;
- Vidro da guarda das escadas com medidas incorretas, € 200,00;
- Pavimento do quarto no R/c, € 917,76;
- Mosaico de pavimento partido na sala, € 250,00;
- Junta na porta da cozinha, € 50,00;
- Canto da sala com sinais de humidade, € 200,00;
- Remates de silicone imperfeitos junto ao teto da cozinha, € 50,00; - Pavimento do quintal mal nivelado que empoça, € 2.500,00;
E) Outros:
- Pagamento indevido pela reparação da tubagem da piscina, € 1.770,00 (210º cont.).
92. E suportou ainda as seguintes despesas:
- Peritagem.……………………………….. € 738,00
- Análise água do furo……….……………. € 184,50
- Estadia Hotel…..……………………...…. € 314,00
- Certificação Notário…………………..…. € 110,54 (212º cont.).
93. O marido da A. teve um grave problema cardíaco, tendo sido sujeito a uma operação de peito aberto (215º cont.).
94. A R. e o marido residiam em França, onde o marido da R. se encontrava a viver e a trabalhar há 55 anos, tendo uma empresa de remodelação de cozinhas, mas decidiram vir viver definitivamente para Portugal, por causa dos problemas de saúde do marido da R. (216º cont.).
95. Nesta conformidade, venderam a casa que tinham em França, bem como a casa que tinham em Almada, para adquirirem outra casa em Portugal com melhores condições (217º cont.).
96. O comportamento dos representantes da A., quer para consigo, quer para com o seu marido, deixou a R. extremamente desgostosa (219º cont.).
97. Os atrasos, a falta de respostas ou de contactos por parte da A., a impossibilidade de receber a família, tiveram um impacto muito negativo no estado anímico da R. e do marido, o que acabou por contribuir para um maior desgaste também da relação entre ambos (220º cont.).
*
98. Constituíram trabalhos suplementares a ampliação da pérgola até à entrada e a alteração em redor da piscina, entre outros (34º réplica).
99. Atendendo à urgência da R., motivada pela sua vontade de ter a família a passar férias consigo no Verão de 2020, foi prevista a execução da obra em 5 meses, quando o tempo médio de execução de uma obra desta envergadura é de 1 ano (47º réplica).
100. A R. procedeu à colocação de uma vedação / estrutura metálica com réguas de deck na lateral e na tardoz da moradia, bem como ao fecho de um alpendre com alumínio e estores (103º réplica).”
*
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“a) Previamente à entrega da casa, as partes haviam elaborado uma lista de pequenos trabalhos/correções, a executar no imóvel, a qual foi totalmente satisfeita pela A., tendo JJ confirmado todos os trabalhos realizados (9º p.i.).
b) Alguns trabalhos só findaram após a entrega do imóvel porque haviam sido adjudicados e pagos diretamente pela R. aos fornecedores (10º p.i.).
c) A A. entregou o imóvel à R. com todas as obras e trabalhos que àquela competia executar, designadamente, instalações elétricas e pinturas, totalmente concluídos, e procedeu à limpeza completa da moradia (14º p.i.; 38º e 44º réplica).
d) A R. insistiu no pagamento de valores ao abrigo da cláusula penal, o que a A. recusou (28º p.i.).
e) A R. continua a executar alterações ao imóvel, sem autorização da A. (31º p.i.).
f) A informar que o imóvel estava concluído e em condições de ser habitado (13º cont.).
g) Muitas vezes trabalhando também ele para acelerar a conclusão das mesmas (33º cont.).
h) Os trabalhos que se encontravam em falta na cozinha só foram executados alguns dias depois da partida da R. para França (36º cont.).
i) Ao chegar, verificou que o seu marido se encontrava debilitado física e psicologicamente, uma vez que andava a trabalhar na obra juntamente com os trabalhadores da A. e só pontualmente saía de casa, porque temia deixar as suas coisas (45º cont.).
j) A R., em resposta à referida carta, recusou outorgar a escritura naquelas condições, reiterou a não aceitação da obra e exigiu que a A. suportasse o preço do chão e acessórios que havia danificado (€ 4.100,54), bem como o do chão novo e acessórios a colocar, no montante de € 3.797,78 (60º cont.).
k) Tendo ficado acordado que iria proceder à reparação da casa de banho do 1º andar, do vidro da escada de acesso ao 1º andar, do muro exterior, do chão onde estacionam os carros, da infiltração da parede da sala, das juntas acrílicas do 1º andar, da junta na porta da cozinha com a sala, do azulejo do chão da sala que está partido e do vidro da porta da casa de banho exterior que está rachado (174º cont.).
l) A pérgola foi um pedido da R. posterior à celebração do contrato promessa (34º réplica).
m) Foram estas obras suplementares o único motivo pelo qual o imóvel não foi entregue até 31 de julho (35º réplica).
n) A lista foi totalmente satisfeita (42º réplica).
o) No dia 23 de julho de 2020 o sócio gerente da A. apresentou o orçamento para novos trabalhos suplementares (90º réplica).
p) O que fez sem a autorização e o conhecimento da A. (104º réplica).
q) O chão levantou por causa da sua fraca qualidade (110º réplica).”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da aplicação e montante da cláusula penal
3. Dos danos patrimoniais
4. Dos juros de mora
5. Da litigância de má fé
Questão prévia
A R. requereu a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no art.º 636.º do CPC., nos seguintes termos: “O Tribunal a quo não andou bem ao considerar que a partir de 7 de Outubro de 2020 a R. adquiriu disponibilidade exclusiva da moradia e, como tal, o imóvel passou a reunir condições de habitabilidade. Isto porque desconsiderou que a R., já não suportando o barulho, a sujidade, a insegurança, a falta de privacidade e de condições de habitabilidade, pediu ao marido para regressarem a França, o que o marido recusou, porque temia pela segurança dos seus pertences e queria continuar a acompanhar as obras (Factos provados 26 e 27); Bem como que, no início de Outubro de 2020 a R. regressou a Portugal e constatou que o imóvel ainda não estava concluído (Factos provados 38 e 39) e que, como já tinha os seus pertences no imóvel, iria mandar proceder à substituição da fechadura e deixaria uma cópia com o seu sobrinho para que permitisse a entrada dos trabalhadores da ora Recorrente para quando fossem concluir a obra (Facto provado 41). Daqui resulta que o facto de a R. ter procedido à substituição da fechadura, não foi por o imóvel já ter condições de habitabilidade, tanto assim que partiram para França no dia 11/10/20 (Doc. 17 junto com a Contestação), mas, tão só, para protegerem os bens que tinham no imóvel. Isto é, o imóvel continuou a não reunir condições de habitabilidade, servindo apenas como depósito dos bens móveis da R.. Sucede que, não só a Recorrente não procedeu à conclusão das obras, como vieram a ser identificados outros defeitos no imóvel, designadamente que: “ chão do quarto do R/c também se encontrava levantado, por má aplicação da A., à semelhança do sucedido no 1º andar, bem como porque a casa esteve fechada 7 meses após a colocação do chão, em virtude da R. se ter ido embora para França” (Facto provado 60). Pelo que, e salvo melhor opinião, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que, não obstante a R. ter substituído a fechadura em 07/10/20 e passar a ter a disponibilidade do imóvel, as obras ainda não estavam concluídas e o imóvel não tinha condições de habitabilidade. Motivo pelo qual a R. partiu para França sem que pudesse habitar na plenitude o imóvel. Posteriormente, o imóvel apresentou outros defeitos que impediram a sua utilização em pleno até final de Junho de 2021, data a partir da qual foram corrigidos pela R. e o imóvel passou a reunir condições mínimas de habitabilidade (Factos provados 69 e 72).”
E nas conclusões rematou do seguinte modo: “A) ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, com exceção da parte que apenas condena a Recorrente ao pagamento da cláusula penal até ao dia 07/10/20; E, em consequência, B) Ser substituída por decisão que condene no pagamento da cláusula penal até 30/06/21, o que perfaz o montante de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros). C) A Recorrente ser condenada como litigante de má fé ao pagamento de multa e indemnização à Recorrida, onde deverão ser incluídas as despesas que teve de suportar, incluindo os honorários do seu mandatário.”
Dispõe o art.º 636º do CPC:
“1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.”
A R. discorda do montante arbitrado a título de cláusula penal, pretendendo que o mesmo passe a ser de € 55.000, como peticionou em sede de reconvenção, entendendo que o Tribunal a quo devia ter dado como provado que, não obstante a R. ter substituído a fechadura em 07/10/20 e passar a ter a disponibilidade do imóvel, as obras ainda não estavam concluídas, o imóvel não tinha condições de habitabilidade e só a partir de final de junho de 2021 é que passou a reunir condições mínimas de habitabilidade, socorrendo-se para o efeito dos factos provados nºs 26, 27, 38, 39 e 41.
Decorre da sua alegação que não impugna a matéria de facto, antes pretende extrair da factualidade provada conclusão diversa da constante da sentença quanto à data em que o imóvel reuniu condições de habitabilidade.
A R. havia formulado pedido reconvencional pedindo a condenação da A. além do mais, na quantia de € 55.000,00 a título de cláusula penal.
A sentença veio a fixar a cláusula penal no montante de € 11.666,66.
A R. decaiu parcialmente no pedido reconvencional, pelo que pretendendo a revogação e substituição da sentença, no segmento do montante da cláusula penal, na parte em que ficou vencida, de molde a que fosse a mesma fixada em € 55.000,00, devia ter interposto recurso independente ou subordinado, nos termos do disposto no art.º 633º do CPC - o que não fez -, estando vedado a este Tribunal apreciar a sua pretensão.
1. Da impugnação da decisão de facto
Estabelece o art.º 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pág. 165-169, escreve:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)”
A apelada pugna pela rejeição do recurso da decisão de facto, com fundamento na inobservância do disposto no art.º 640º, nº 1 do CPC, por não constar das conclusões os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa sobre os pontos impugnados.
Nas conclusões, a apelante especificou os concretos pontos de facto que pretende impugnar: factos não provados b) e c), factos provados 51, 91 e 92, pretendendo que os primeiros sejam considerados provados, os factos 91 e 92 não provados e o facto 51 alterado. Mais pugna pelo aditamento de quatro factos ao elenco dos provados – cfr. conclusões b), c), d), v) e kk).
E da motivação do recurso a apelante procedeu à indicação dos meios probatórios (prova testemunhal e documental) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre os pontos impugnados, com a ressalva infra mencionada no respeitante aos factos provados 91 e 92.
Relativamente aos meios de prova gravados indicou as respetivas sessões, o início e termo e procedeu à transcrição dos excertos que considerou pertinentes.
Como acima se deixou explanado, o cumprimento dos ónus de especificação dos meios probatórios não tem que ser objeto das conclusões, sendo suficiente que conste da motivação, o que sucede. [2]
Entende-se, pois, que estão suficientemente cumpridos os ónus exigidos pelo art.º 640º do CPC, pelo que cumpre apreciar.
Os factos não provados impugnados são do seguinte teor:
“b) Alguns trabalhos só findaram após a entrega do imóvel porque haviam sido adjudicados e pagos diretamente pela R. aos fornecedores (10º p.i.)
c) A A. entregou o imóvel à R. com tdas as obras e trabalhos que àquela competia executar, designadamente, instalações elétricas e pinturas, totalmente concluídos, e procedeu à limpeza completa da moradia (14º p.i.; 38º e 44º réplica).”
A apelante pretende que tais factos sejam considerados provados, bem como sejam aditados outros factos provados. Sustenta a sua posição no depoimento das testemunhas DD e HH.
Em suma, elencou a alteração factual pretendida, passando a integrar a factualidade provada, os seguintes factos:
“a) Todos os trabalhos inicialmente acordados e constantes do CPCV foram terminados pela A. até 13 de Agosto de 2020, altura em que a R. fez a mudança para a moradia.
b) Sem prejuízo disso, houve ainda trabalhos, a mais, que foram solicitados, bem como a R. solicitou alterações aos projetos, que levaram necessariamente à não entrega da moradia até ao prazo convencionado – 10 de Agosto de 2020.
c) Alguns trabalhos só findaram após a entrega do imóvel porque haviam sido adjudicados e pagos diretamente pela R. aos Fornecedores e outras empresas, facto que é alheio à A.
d) A A. entregou o imóvel à R. com todas as obras e trabalhos que àquela competia executar, designadamente instalações elétricas e pinturas, totalmente concluídos, e procedeu à limpeza completa de moradia (14.º da pi, 38.º e 44.º da réplica).”
A testemunha DD, funcionária da empresa FF, começou por afirmar que esta empresa executou 40 moradias para a MM, na urbanização onde se situa a moradia dos autos, referindo-se à parte de carpintarias. Mais mencionou que o comprador pediu alterações no roupeiro do quarto e na cozinha. As alterações pedidas na cozinha consistiram na execução de uma persiana e colocação de colunas para garrafeira. Mais respondeu que a obra (referindo-se à carpintaria) ficou concluída na 1ª semana de agosto de 2020, pois a empresa para a qual trabalha encerrou para férias a 15 de agosto. Confrontada com o documento nº 4 junto com a petição inicial, confirmou o seu teor, nomeadamente a data de 14 de agosto quanto à finalização da obra de carpintaria.
Trata-se de e-mail, datado de 09/02/2021, dirigido pela empresa FF a “…” (deduz-se ser a mandatária da A.), do seguinte teor:
“Relativamente à obra do senhor JJ, esta levou vários extras da nossa parte (FF), a pedido do mesmo. Estes extras fizeram com que a entrega atrasasse mais uns dias.
Contudo, a obra foi concluída da nossa parte até ao dia 14 de Agosto 2020.
Todos estes extras foram pagos pelo Sr. JJ.
Os extras são nomeadamente:
- Lacar portas interiores com outra cor (cinza);
- Lacar roupeiro do Rchão a cinza;
- A cozinha levou uma persiana e um despenseiro metálico (…)”.
Em suma, do transcrito trecho do depoimento de DD apenas resulta que a parte da carpintaria, a cargo da empresa FF, ficou concluída em 14 de agosto de 2020. Nada foi mencionado quanto aos restantes trabalhos de construção da moradia, nem que a data da conclusão dos trabalhos de carpintaria tenha sofrido atraso em consequência dos pedidos de alteração.
Ao invés do pugnado pela apelante a testemunha esclareceu que a empresa FF executou os trabalhos de carpintaria para a A./apelante nas 40 moradias daquela urbanização – o que indicia a existência de um acordo de subempreitada com a A.
Por seu turno, a testemunha HH, sócio gerente da empresa AA, Lda., que procedeu à instalação da piscina, referiu ter concluído a mesma em agosto de 2020 e que só posteriormente lhe foi reportado o problema de fuga (descida no nível de água), o que lhes foi comunicado pelo Sr. EE(sócio gerente da A.) e Sr. JJ, que pediram para que se deslocasse à moradia, o que fez “lá para setembro/outubro”.Instado afirmou pensar que no interior da moradia os trabalhos estavam concluídos, salvo talvez as limpezas e que viu lá um pintor da A. a executar pinturas exteriores. Referiu ainda que foi colocado gradeamento na zona da piscina e efetuado o fecho de um alpendre com alumínio e estores, trabalhos executados por “externos à MM” e que aquele gradeamento provocou estragos no muro, o qual foi reparado pela A.
Também este depoimento é manifestamente insuficiente para sustentar a prova dos factos pretendidos aditar aos provados. Ter visto pessoas externas à empresa A. a executar trabalhos nada nos diz quanto à relação estabelecida ou não com a A., nomeadamente que não tenha sido esta a subcontratar tais trabalhos a terceiros. Acresce que HH referiu, em termos de incerteza, a conclusão dos trabalhos no interior da moradia.
Em reforço da sua posição a apelante pretende extrair dos factos provados 11 e 12 que os trabalhos a mais, no valor de € 113.000, foram solicitados apenas com 3 meses de antecedência em relação ao prazo de entrega acordado, alegando ainda, de forma algo contraditória, que “em julho de 2020 já estava próximo da data de entrega do imóvel e a R. bem sabia e não podia deixar de saber que tais alterações iriam sempre levar mais tempo que o inicialmente acordado, principalmente quando consideramos que estávamos em plena Pandemia”.
Os factos 11 e 12 são do seguinte teor:
“11. Em mensagem enviada à mulher do gerente da A., em 17/07/2020, foi comunicado pelo marido da R. o seguinte: “Venho de falar com a dona DD O painel de trás da ilha e para fazer em pedra igual ao tampo Foi algo que já tinha falado e enviei para vocês um projeto a mais de três meses aonde tudo estava bem claro Veja com ela na segunda feira” (115º e 117º réplica; 96º réplica).
12. No dia 23/07/2020, o sócio gerente da A. telefonou ao marido da R., tendo enviado valores dos seguintes trabalhos a mais realizados, no valor total de € 11.300,00:
- forras do muro da piscina;
- bomba de calor para aquecimento;
- cascata da piscina; - alteração do mosaico extra-piscina;
- alteração da pedra da cozinha (13º cont.)”.
Decorre à saciedade destes factos que:
- o marido da R. afirma ter enviado, mais de 3 meses antes do dia 17/07/2020, um projeto sobre alterações do painel da ilha (da cozinha) – ou seja em data anterior a 17/04/2020;
- no dia 23/07/2020 o sócio gerente da A. enviou ao marido da R. os valores dos trabalhos a mais realizados, que discriminou.
Ou seja, em 23/07/2020 tais trabalhos já estavam executados – em data anterior à acordada para a entrega da moradia, pelo que não sustenta que foram os trabalhos a mais que atrasaram a entrega. Como já realçado o valor de tais trabalhos é o constante do documento em que a sentença fundou a convicção quanto ao facto 12: o documento nº 3 junto com a contestação, que contém a discriminação dos trabalhos a mais, com os respetivos valores parcelares e o valor total, de € 11.300,00 – sendo mero lapso de escrita o valor inscrito, de € 113.000,00.
Salientam-se os seguintes factos provados, em oposição ao aditamento pretendido, factos estes não impugnados:
“8. A R. apenas contactou e pagou diretamente a alguns fornecedores por indicação dos sócios gerentes da A. (114º cont.).
9. Porém, os trabalhos eram feitos com o conhecimento e em colaboração com a A. (117º cont.).
18. No dia 11/08/2020 a R. e o marido compareceram no imóvel e no interior encontravam-se vários operários a trabalhar (21º cont.). 19. Isto porque o imóvel não se encontrava concluído nem no exterior, nem no interior: não existia cozinha; a casa encontrava-se toda suja; os esgotos das casas de banho do R/c estavam entupidos, o que provocou inundações; a climatização central não funcionava, porque estava mal instalada; a aspiração central não funcionava, porque as tomadas estavam tapadas com cimento; a instalação elétrica e a pintura interior não estavam concluídas, entre outros (22º a 24º cont.).
21. No dia 13/08/2020, o sócio gerente da A. propôs-lhe que fossem para o imóvel, porque ele iria mobilizar todos os trabalhadores para concluírem o interior em dois ou três dias e que lhe facultava uma chave para o efeito (26º cont.).
24. A cozinha foi instalada até ao dia 15 de agosto, exceto o fogão / placa, o lava-louças, o exaustor e os rodapés, que foram colocados entre os dias 8 e 10 de setembro (12º p.i.).
25. As obras no interior arrastaram-se pelo mês seguinte e continuaram, posteriormente, no exterior (31º cont.)
36. No dia 23/09/2020, o marido da R., com receio que cortassem a eletricidade e não concluíssem a obra, procedeu à transferência do valor de € 1.770,00 para a conta da A. (42º cont.).
37. Só no final desse mês é que a climatização do imóvel ficou a funcionar e apenas após a terceira intervenção dos técnicos (43º cont.).
38. No início de outubro de 2020, a R. regressou a Portugal (44º cont.).
39. E constatou que o imóvel não estava concluído (46º cont.).”
Na fundamentação de facto da sentença pode ler-se: “Da prova referida não decorreu que tenha sido a R. a escolher a empresa da Sra. DD para instalar a cozinha, antes se percebeu claramente que quer esta empresa, quer a empresa que instalou a piscina, trabalham com a sociedade A. nos projetos imobiliários que esta desenvolve, sendo essa a razão pela qual surgem aqui nesta obra. Quanto ao facto da A. acompanhar a instalação da cozinha, resulta o mesmo da troca de mensagens evidenciada e confere com a articulação global da obra efetuada pela A., enquanto responsável pela construção.”
Improcede a impugnação, nesta parte.
Pugna a apelante pela alteração do facto provado 51, pretendendo que o mesmo passe a ter o seguinte teor:
“51. Àquela data, em virtude do atual estado pandémico, derivado da instalação e disseminação na comunidade da doença COVID-19, as fronteiras encontravam-se encerradas, impedindo a R. de viajar para Portugal, o que também causou atrasos na execução da empreitada, interferindo com o prazo de execução e data de entrega do imóvel, nos termos inicialmente acordados entre as partes.”
Sustenta a sua posição unicamente em ter a pandemia covid 19 afetado os contratos, tendo sido unanimemente considerado um facto de força maior que justificou atrasos múltiplos na execução de trabalhos, prestação de serviços entre outros e que sendo facto público e notório não carece de ser nem alegado nem provado.
Nos termos do disposto no art.º 412º, nº 1 do CPC “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.”
O facto dado como provado sob o nº 51 - “Àquela data, em virtude do atual estado pandémico, derivado da instalação e disseminação na comunidade da doença COVID-19, as fronteiras encontravam-se encerradas, impedindo a R. de viajar para Portugal (24º p.i.)” – emerge da alegação efetuada pela A. no art.º 24º da petição inicial.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 24/10/2024 [3] ”é sabido que a pandemia de Covid-19 foi considerada como calamidade pública, sendo referido logo no preâmbulo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, que declarou “o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, precisamente que: “A Organização Mundial de Saúde qualificou, no passado dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública. A situação tem evoluído muito rapidamente em todo o mundo em geral, e, em particular, na União Europeia. Em face do que antecede, têm sido adotadas medidas de forte restrição de direitos e liberdades, em especial no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas, procurando assim prevenir a transmissão do vírus. Portugal não se encontra imune a esta realidade. Bem pelo contrário, são crescentes os novos casos de infetados no nosso País. O conhecimento hoje adquirido e a experiência de outros países aconselham a que idênticas medidas sejam adotadas em Portugal, como forma de conter a expansão da doença, sempre em estreita articulação com as autoridades europeias. Em Portugal, foram já adotadas diversas medidas importantes de contenção, as quais foram, de imediato, promulgadas pelo Presidente da República, e declarado o estado de alerta, ao abrigo do disposto na Lei de Bases da Proteção Civil. Contudo, à semelhança do que está a ocorrer noutros países europeus, torna-se necessário reforçar a cobertura constitucional a medidas mais abrangentes, que se revele necessário adotar para combater esta calamidade pública, razão pela qual o Presidente da República entende ser indispensável a declaração do estado de emergência. Nos termos constitucionais e legais, a declaração limita-se ao estritamente necessário para a adoção das referidas medidas e os seus efeitos terminarão logo que a normalidade seja retomada. Entretanto, confere às medidas que se traduzam em limitações de direitos, liberdades e garantias o respaldo Constitucional que só o estado de emergência pode dar, reforçando a segurança e certeza jurídicas e a solidariedade institucional”.
A jurisprudência tem vindo a reconhecer como factos notórios a existência da pandemia Covid-19, bem como a circunstância de ter causado períodos de confinamento e de encerramento de serviços e estabelecimentos abertos ao público, mas já não tem reconhecido como tais a medida, dimensão ou importância como a pandemia, bem como os confinamentos e encerramentos, as alterações do comportamento das pessoas na frequência dos espaços públicos, influenciaram negativamente a exploração dos diferentes sectores da atividade económica no nosso país (neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 09-11-2023, proferido no processo n.º 16989/22.6T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt). (…)
… o certo é que inexistem factos notórios e/ou factos alegados (na Contestação, naturalmente) dos quais pudesse resultar que, no caso concreto, a pandemia de Covid-19 impactou negativamente a exploração pela Ré do empreendimento turístico do qual fazem parte as duas frações de que a Autora é proprietária, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida quando concluiu que a Ré se encontrava obrigada a pagar as quantias peticionadas.”
O STJ [4], a propósito do facto notório relacionado com a pandemia covid 19, pronunciou-se nos seguintes termos:
“De outro passo, s.d.r., não se basta o argumento da natureza de factos públicos e notórios (a)b e c), e o disposto no artigo 412.º, nº 1 do CPC.
Admitindo a categoria de “facto notório” no que se refere à ocorrência da pandemia Covid-19, e dos períodos de confinamento e de encerramento de serviços e estabelecimentos abertos ao público, não podemos estender aos específicos efeitos no caso, alegadamente resultantes na preparação da documentação necessária à constituição de uma sociedade ou ao pedido de registo de alojamento local, efeitos que a recorrente alegou de modo genérico.”
No caso concreto, apenas em sede do presente recurso, a A. pretende, de forma conclusiva, que se consigne que a pandemia covid 19 causou atrasos na execução da empreitada, interferindo com o prazo de execução e data de entrega do imóvel, nos termos inicialmente acordados entre as partes – sem que tenha alegado oportunamente e em termos concretos em que consistiu a “interferência” no prazo de execução e de entrega do imóvel.
Com efeito, na petição inicial (e também na réplica) não foi alegada, nem de forma genérica nem concretizada, qualquer dificuldade e/ou impossibilidade de cumprir com a data acordada para conclusão dos trabalhos e/ou entrega do imóvel, em consequência da situação pandémica. Aliás, a posição da A. nos articulados foi sempre a de ter concluído todas as obras e trabalhos até ao dia 13 de agosto de 2020, posição que manteve no recurso (cfr. conclusões d) e aa))
Aquela alegação/conclusão não constitui facto notório, carecendo, pois, de alegação concretizada e de prova – o que não sucedeu, pelo que improcede, nesta parte, a impugnação.
Defende a apelante que os factos provados 91 e 92 passem a não provados, pugnando pela sua absolvição do pedido de pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais, esgrimindo argumentos de natureza jurídica, como a indevida aplicação da Lei n.º 67/2003, de 08.04, o caráter subsidiário da indemnização em dinheiro, a falta de denúncia de alguns dos defeitos, a apreciar em sede própria.
O tribunal a quo fundamentou a prova dos referidos factos nos seguintes termos: “Factos 91. a 92.: O Tribunal atendeu ao doc. 51 junto com a cont., a fls. 90-v a 96-v, conjugadamente com os seguintes docs. juntos com a cont.: · Doc. 27, a fls. 76, furo; · Doc. 61, a fls. 104-v, bancada da cozinha; · Docs. 28 e 37 a 39, a fls. 76-v e 81 a 82, respetivamente, pavimento do 1º andar; · Doc. 62, a fls. 105 a 106, desentupimento esgoto e sifão; · Doc. 63, a fls. 106-v, substituição vidro rachado; · Doc. 64, a fls. 107, pintura do alçado lateral; · Doc. 65, a fls. 107-v, pavimento do quarto do rés-do-chão; · Docs. 66 a 67, a fls. 108 e 108-v, respetivamente, relatório que constitui o doc. 51; · Doc. 19, a fls. 68-v a 70, análise da água do furo; · Doc. 68, a fls. 109, emolumentos notariais. O Tribunal ponderou ainda a prova produzida na inspeção ao local, que foi acompanhada pelo subscritor do relatório que constitui o doc. 51, bem como pelo gerente da A. e o marido da R..”
A apelante não indicou meios probatórios para sustentar a sua posição, limitando-se a indicar a sua apreciação/valoração em relação a alguns dos documentos em que o tribunal fundou a prova dos mencionados factos, alegando que: “- O documento 51 é um relatório simples, não é perícia e apenas contem valores de referência, não sendo vinculativo. - Documento 64 da contestação é uma simples pró-forma sem qualquer validade fiscal. - Os documentos 35, 61 e 65 da contestação são apenas orçamentos.”
Os referidos documentos foram juntos com a contestação-reconvenção.
Na réplica (artºs 48º e 49º) a A. apenas impugnou a sua força probatória, em termos genéricos: “48. Não podem agora os Réus querer imputar à Autora todas as despesas que tiveram com os trabalhos que não foram adjudicados à Autora, nem tão pouco lhe competia executar. 49. Impugna-se, assim, todas as despesas cujo pagamento é solicitado pelos Réus e respetivos comprovativos.”
Ou seja, a A. não procedeu à impugnação da genuinidade dos referidos documentos (art.º 444º do CPC).
Os documentos impugnados são documentos particulares cuja autoria é imputada a terceiros, valendo apenas como elemento de prova a ser apreciado livremente pelo tribunal.
Ora, o tribunal valorou o relatório de fls. 51, em conjugação com os documentos que identificou, com a inspeção ao local,que foi acompanhada pelo subscritor do referido relatório, bem como pelo gerente da A. e o marido da R..
Não se vislumbra que a valoração dos referidos documentos efetuada pelo tribunal a quo tenha incorrido em qualquer raciocínio manifestamente ilógico ou contrário às regras da experiência, mostrando-se explícito, verosímil e convincente.
No relatório de fls. 51, elaborado por engenheiro civil que acompanhou a inspeção judicial ao local, identificam-se “os defeitos não corrigidos ou que a sua correcção não foi satisfatória”, descritos no facto provado 83, não impugnado (cfr. respetiva fundamentação), bem como se indicam valores estimados para a sua correção.
Por seu turno, os documentos de fls. 35, 65 e 61 constituem: os dois primeiros orçamentos de empresa para fornecimento e colocação de pavimento e o último orçamento de empresa para fornecimento e colocação de bancadas em granito.
O documento de fls. 64 constitui fatura proforma relativo à pintura de fachada e muro.
A apelante limitou-se a discordar da valoração efetuada pelo Tribunal a quo relativamente aos documentos que identificou.
Ora, como se refere no Ac. RG de 19/0272023, proc. nº 1526/22.0T8VRL.G1: “para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.
Em sede de alteração da matéria de facto, e em caso de dúvida (face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida), deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.”
É de salientar que foram considerados provados os seguintes factos, não impugnados:
“83. Face à posição assumida pela A., a R. pediu a realização de uma peritagem a um engenheiro civil, o qual visitou a moradia em agosto de 2021, tendo elaborado um relatório, datado de 07/09/2021, com a descrição das seguintes anomalias encontradas na casa: (…)
84. Após a realização da peritagem, a R. comunicou à A., através de email enviado no dia 01/09/2021, que descobriu uma nova anomalia na casa, a saber, que nenhuma junta acrílica foi feita na base do chuveiro da IS do 1º andar e que o tubo de descarga do autoclismo estava furado, e comunicou ainda a alteração da sua morada, nos termos no n.º 4 da Cláusula Oitava (172º cont.).
85. Na sequência desta comunicação, o sócio gerente da A. deslocou-se ao imóvel, acompanhado por uns operários, no dia 07/09/2021 (173º cont.).
86. Porém, apenas procedeu à reparação do muro exterior e do tubo da casa de banho do 1º andar (175º cont.).
87. A reparação do muro exterior foi mal executada (176º cont.).
88. A A. abandonou a reparação da parede exterior da casa de banho sem a mesma estar concluída (177º cont.)”
Os factos 91 e 92 devem, pois, manter-se como provados.
A imputada contradição entre as expressões usadas no facto provado 91 mais não é do que uma imprecisão, pois o elenco nele contido reporta-se a despesas efetuadas e a efetuar, o que a apelante bem alcançou.
Insurge-se a apelante por não ter o Tribunal a quo observado o princípio do inquisitório, pois devia ter ordenado a realização de diligências com vista a apurar quais os trabalhos convencionados e incluídos na moradia objeto do contrato promessa, por forma a aferir se efetivamente os mesmos foram atempadamente terminados ou não, o que não fez, limitando-se a dar os factos como não provados.
Nos termos do disposto no art.º 411º do CPC, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
O princípio do inquisitório não dispensa as partes da observância dos princípios do dispositivo, da autorresponsabilização, nomeadamente do acatamento de ónus de alegação e prova e consequentes preclusões.
O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no art.º 6º do CPC - não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais.
Não indicou a apelante as diligências que o tribunal devia ordenar, nem porque motivo não as requereu.
Incumbe às partes a alegação dos factos e não pode o tribunal substituir-se-lhes na produção de prova.
Não se vislumbra a genericamente imputada violação do princípio do inquisitório.
Por todo o exposto, improcede a impugnação da decisão de facto. 2. Da aplicação e montante da cláusula penal
Estabelece o art.º 410º do C. Civil que:
“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
3. No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”
Não vem questionada a qualificação jurídica da relação negocial estabelecida entre A. e R., em 27/02/2020, acertadamente efetuada, como sendo um contrato-promessa de compra e venda, em que a primeira figura como promitente vendedora e a segunda como promitente compradora.
A apelante alega que deve ser absolvida do montante arbitrado a título de cláusula penal, pois resultou do julgamento e é do conhecimento mundial as consequências da pandemia covid 19, tendo em Portugal sido decretado o confinamento geral e absoluto para a maior parte da população entre março de 2020 e junho de 2020, o que naturalmente teve como consequência o atraso da obra em causa e o seu cronograma; as partes acordaram a entrega até 10 de setembro de 2020 (alega também que a R. aceitou que a entrega do imóvel fosse no dia 11/08/2020 e que todos os trabalhos da A. estavam terminados até 13 de agosto); a alteração das circunstâncias em que a A. contratou alteraram-se drasticamente dias após a outorga do CPCV por motivos que lhe foram totalmente alheios e incontroláveis, bem como as alterações ao projeto pedidas pela R. e não contempladas na data da outorga do CPCV levaram necessariamente ao atraso na entrega da moradia.
As partes estipularam na cláusula sexta do contrato promessa, sob a epígrafe “Cláusula Penal”, o seguinte: “1. A Primeira Contratante reconhece que a entrega do imóvel em condições de habitabilidade, ainda que sem licença de utilização, no prazo estabelecido na alínea E) da Cláusula Segunda, é condição essencial à celebração do presente contrato promessa e do contrato prometido. 2. Caso a Primeira Contratante não proceda à entrega do imóvel nas condições referidas no número anterior, obriga-se a indemnizar a Segunda Contratante no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros) por mês ou respetiva proporção até efetiva entrega do imóvel, quantia que será deduzida no valor final a pagar na data da celebração da escritura pública de compra e venda ou documento particular autenticado.”
A invocada (em sede de recurso) alteração anormal das circunstâncias, tem como pressuposto a alteração da decisão de facto, nomeadamente do facto provado 51. Tendo sido julgada improcedente a impugnação da decisão de facto, com os fundamentos supra expostos, falece o fundamento em causa.
Ao invés do defendido, não se mostra provado que as partes tenham acordado a entrega do imóvel até 10 de setembro de 2020 (nem sequer 11 de agosto), nem que as alterações ao projeto pedidas pela R. tenham conduzido ao atraso na entrega da moradia ou que os trabalhos acordados entre as partes tenham sido concluídos em 13 de agosto de 2020.
Invoca erro de julgamento quanto ao período considerado para cálculo da cláusula penal, com os seguintes fundamentos: as partes acordaram a entrega do imóvel no dia 11 de agosto de 2020, mas para efeitos dessa contagem o tribunal considera o dia 31 de julho de 2020, como data de inicio da penalização; o tribunal assumiu que a casa tinha condições de habitabilidade desde 10 de setembro de 2020, data em que o imóvel ficou com a cozinha dotada com fogão e lava-louças, sendo que entre este momento e 7 de outubro nada há nos autos porque a R. não estava em Portugal.
A sentença recorrida fundamentou a aplicação da cláusula penal nos seguintes termos: “c) Ora, está provado que o imóvel não foi entregue na data acordada, a saber, o dia 31 de julho de 2020, tendo apenas sido entregue a 13 de agosto desse ano. Por outro lado, apesar da A. ter alegado que o atraso na entrega do imóvel se ficou a dever à R., concretamente, aos trabalhos suplementares por esta solicitados, não logrou provar este facto. Em conclusão, é devida a cláusula penal pelo atraso na entrega da moradia. Mas a R. sustenta ainda que, aquando da entrega, o imóvel não possuía condições de habitabilidade, o que só veio a suceder em junho de 2021. Percorrida a matéria de facto provada verificamos que a cozinha apenas foi completamente instalada, ainda que com imperfeições, no princípio do mês de setembro, entendendo-se que a cozinha é imprescindível para que existam condições de habitabilidade, sobretudo, porque estavam em falta o fogão/placa e o lava-louças. No mais, porém, entendemos que estavam em causa essencialmente aspetos que não contendiam com a habitabilidade da casa, ainda que pudessem afetar a sua comodidade. Sublinhe-se, aliás, que no n.º 4 da cláusula primeira se consignou que a pérgula e a parte exterior do imóvel não iriam estar prontas naquele dia 31 de julho, menção esta que deve ser interpretada como uma exclusão destes trabalhos do perímetro das condições de habitabilidade (art.º 236.º do CC). Sem prejuízo, no caso da piscina consideramos que deve julgar-se ser inexistirem condições de habitabilidade até janeiro de 2021, não pela impossibilidade desta ser utilizada, o que representa apenas uma diminuição da comodidade da casa, mas por causa do cheiro das lamas extraídas do furo e com que foi enchida a piscina, que inviabiliza a permanência no quintal e, naturalmente, por essa via, a abertura das portas e janelas que dão para a piscina, o que condiciona fortemente a ocupação da casa. Alegou a R. que alguns dos trabalhos que levaram ao protelamento da entrega da moradia não lhe diziam respeito a si, pelo que não pode responder por esses atrasos, mas está provado que essas empresas, concretamente, a que forneceu a cozinha e a que forneceu a piscina, foram por si indicadas à R., tendo a A. acompanhado a execução desses trabalhos. A A. é, assim, responsável pela execução dos referidos trabalhos, ao abrigo do disposto no art.º 800.º, n.º 1 do CC. Por último, pese embora a R. e o marido tenham ocupado a casa a partir de 13 de agosto, continuaram a conviver com os trabalhadores da R., que entravam e saíam quando queriam, pois possuíam a chave da casa e existiam ainda trabalhos por acabar, o que não é consentâneo com a livre disponibilidade de uma casa de habitação. Esta situação só sofreu alteração a 7 de outubro, quando a R. mudou a fechadura da porta e não entregou qualquer cópia à A.. Consequentemente, uma vez que a partir de 9 de setembro passou a haver água da companhia para encher a piscina, até ao dia 10 de setembro a cozinha foi dotada com fogão lava-louças e a partir de 7 de outubro a R. adquiriu disponibilidade exclusiva da moradia, julgamos ser devida a cláusula penal com respeito a 2 meses e 7 dias, o que perfaz a quantia de € 11.166,66.”
Decorre deste trecho os critérios ponderados para cálculo do montante da cláusula penal, mais concretamente o período de atraso na entrega do imóvel.
Como se viu, na cláusula 6ª as partes estipularam uma cláusula penal com vista a indemnizar a R. pelo atraso na entrega do imóvel, a qual devia ocorrer até ao dia 31 de julho de 2020 (conforme estipulado na clausula 2ª, al. E). Essa entrega pressupunha que o imóvel estivesse em condições de habitabilidade, o que é distinto da conclusão dos trabalhos.
A clausula 2ª, al. E) do contrato é do seguinte teor: “O preço acordado para a venda é de € 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil euros), sendo pago da seguinte forma (…) E) € 50.000,00 (cinquenta mil euros), através de transferência bancária da conta da Segunda Contratante com o IBAN … para a conta da Primeira Contratante com o IBAN …, até ao dia 31/07/2020 e com a tradição do imóvel prometido vender, da qual a Primeira Contratante dá a respetiva quitação após boa cobrança;” (sublinhado nosso)
Por seu turno, estipularam na cláusula 1ª, nº 3 que “a tradição e consequente transferência da posse do imóvel para a Segunda Contratante ocorrerá, impreterivelmente, até ao dia 31/07/2020”.
Não decorre dos factos provados qualquer acordo quanto à prorrogação do prazo de entrega do imóvel, pelo que este é o constante do contrato promessa.
É certo que a entrega do imóvel ocorreu no dia 13/08/2020, mas nessa data não só se encontravam trabalhos por concluir, como inexistiam condições de habitabilidade, desde logo porque a cozinha não dispunha de fogão/placa, lava-louças e exaustor, o que apenas veio a ser instalado entre os dias 8 e 10 de setembro de 2020.
O Tribunal a quo considerou que a entrega da casa, em condições de habitabilidade, ocorreu no dia 7 de outubro, data em que a R. mudou a fechadura e não entregou chave à A., passando então a ter disponibilidade exclusiva da casa – não obstante ter mencionado que “no caso da piscina consideramos que deve julgar-se ser inexistirem condições de habitabilidade até janeiro de 2021, não pela impossibilidade desta ser utilizada, o que representa apenas uma diminuição da comodidade da casa, mas por causa do cheiro das lamas extraídas do furo e com que foi enchida a piscina, que inviabiliza a permanência no quintal e, naturalmente, por essa via, a abertura das portas e janelas que dão para a piscina, o que condiciona fortemente a ocupação da casa.”
Ora, a mudança de fechadura podia ter sido efetuada pela R. em data anterior, desde que o imóvel lhe foi entregue (13/08/2020). Embora se tenha estabelecido prazo fixo essencial para a entrega do imóvel, em condições de habitabilidade, não deixou de ficar estipulado que os trabalhos poderiam continuar após a entrega, o que tem como reverso a obrigação que impendia sobre a R. de facultar o acesso (não mudando a fechadura, abrindo a porta, facultando uma chave depois de mudar a fechadura, etc.)
É o que resulta, além do mais, da cláusula 4ª do contrato promessa, do seguinte teor: “Após a tradição do prédio urbano prometido vender para a Segunda Contratante e até à conclusão das obras, a Primeira Contratante será responsável por todas as deteriorações e/ou depreciações que tiver causado no referido prédio urbano.” (sublinhados nossos)
O sucedido com a piscina não afetou as condições de habitabilidade da moradia.
Salienta-se que o transtorno, incómodos que constam da factualidade provada, relacionados com a piscina, são apenas os constantes do facto 46, do seguinte teor:
“46. Somente em 05/01/2021 a piscina ficou a funcionar, embora sem utilizar a água do furo, por não ser própria para consumo humano, para além de exalar um “cheiro a podre”, que inviabiliza a permanência no quintal, sendo certo que a captação se encontra próxima de uma antiga lixeira encerrada (52º cont.).”
Daqui não decorre necessariamente que o cheiro das lamas extraídas do furo e com que foi enchida a piscina, tenham inviabilizado a abertura das portas e janelas que dão para a piscina até à data em que a mesma se considerou em funcionamento, em 05/01/2021. Não se afigura sequer verosímil que exalando a água do furo tal cheiro, inviabilizando o uso da piscina, tenha a mesma permanecido com tal água/lamas durante meses.
Assim, deve considerar-se para efeitos da cláusula 6º que, estando o imóvel dotado de condições de habitabilidade em 10 de setembro de 2020, é devida indemnização a título de cláusula penal por um mês e dez dias, no montante de € 6.666,66.
2. Dos danos patrimoniais
Argumenta a apelante que deve ser absolvida do pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais na totalidade, ou pelo menos no valor de € 11.586,66, referentes às despesas com a correção de defeitos a efetuar, com trabalhos a mais pagos e mal executados, com correção de defeitos já reparados e pagos;porquanto não lhe foi concedido prazo razoável para a sua reparação ou substituição, nos termos do disposto no art.º 1225.º, n.º 4, do CC, em violação do disposto no n.º 5 do art.º 4.º da Lei n.º 67/2003, de 08.04, bem como do art.º 566º do CC; por algumas das despesas constituírem danos futuros, pois os trabalhos de reparação não foram ainda executados; as despesas com hotel encontram-se umbilicalmente ligadas com o facto de a moradia não estar pronta da data convencionada, sendo que a clausula penal servia exatamente para este efeito.
Ao contrato promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (410º, nº 1 do CC).
Nos termos do disposto no art.º 1225º, nº 4 do CC ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado é aplicável o disposto nos nºs 1 a 3 (regime normativo aplicável aos defeitos construtivos do prédio).
“A extensão do regime da responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra também abrange as relações resultantes da simples celebração de contratos-promessa de compra e venda de imóveis pelo seu construtor. Na verdade, a adopção pela nossa lei (art.º 410º, nº 1, do CCC) do princípio da equiparação do regime do contrato prometido ao respectivo contrato-promessa conduz a essa solução. (…)
Verificando-se a existência de defeitos no imóvel prometido vender pelo seu construtor, pode o promitente-comprador, antes da outorga do contrato de compra e venda, denunciá-los e solicitar a sua eliminação, ou a realização de obra nova. Nos termos dos arts. 1221º e 1225º do C.C. o empreiteiro deve proceder à reparação dos defeitos até à data marcada para a outorga do contrato definitivo, a fim de proceder ao sue cumprimento pontual. (…)
Mas o exercício judicial deste direito de indemnização de características residuais, antes da outorga do contrato de compra e venda só poderá ser efectuado com o pedido de execução específica do contrato promessa, ficando subordinado à precedência deste, uma vez que o mesmo também, pressupõe a transmissão do direito de propriedade para o promitente comprador.
O não cumprimento pelo construtor promitente-vendedor das obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, permitem ao promitente comprador não outorgar o contrato prometido na data fixada, utilizando a faculdade prevista no art.º 428º, nº 1 do C.C.” [5]
No caso, a A. promitente vendedora e construtora do imóvel prometido vender é uma sociedade comercial e a R. promitente compradora é pessoa singular, destinando-se o imóvel à sua habitação (cfr. considerandos B), C) e D) e clausula 1ª, nº 1 do contrato), pelo que estando em causa um contrato promessa de compra e venda de bem imóvel a construir pelo promitente vendedor, no âmbito da sua atividade comercial, enquanto profissional, e uma consumidora, é aplicável o regime do DL nº 67/2003, de 08/04, cujo âmbito de aplicação se encontra definido no art.º 1º-A: contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores; e, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
O diploma citado estabelece um regime especial em relação ao regime geral previsto no Código Civil para a compra e venda ou empreitada.
Como refere o mencionado autor, “as normas contidas, quer na L.D.C., quer no D.L. nº 67/2003, aplicáveis aos contratos de empreitada numa relação de consumo, revelam-se normas especiais relativamente às regras gerais do C.C. previstas para o contrato de empreitada, derrogando aquelas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação – o da relação de consumo”. [6]
O referido diploma foi revogado pelo DL nº 84/2021, de 18/10. Todavia, este apenas se aplica aos contratos de compra e venda celebrados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/01/2022 (data posterior ao contrato promessa dos autos).
Estabelece o art.º 3º, nº 1 que “O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.”
Nos termos do art.º 4º, nº 1 do citado diploma, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.”
E estabelece o nº 5 que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.”
Ou seja, diversamente do regime estabelecido no art.º 1225º do CC, o promitente comprador consumidor não tem que respeitar o iter procedimental, a hierarquia ali prevista, em termos de subsidiariedade, constituindo aqueles direitos independentes, estando apenas o seu exercício sujeito aos limites impostos pela proibição do abuso de direito. [7]
Por seu turno, estabelece o art.º 12º, nº 1 da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor) que “o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”.
Como esclarece Cura Mariano[8] , “este direito de indemnização não deve ser encarado com a configuração meramente subsidiária ou residual do direito de indemnização previsto no art.º 1223º do CC, podendo ser livremente exercido pelo dono da obra consumidor, tendo apenas os limites impostos pela figura geral do absumo de direito (art.º 334º do CC). (…) … pode o dono da obra consumidor utilizá-lo sem que primeiro tenha esgotado os outros meios de satisfazer os seus interesses.”
No mesmo sentido, v. Ac. STJ de 07/03/2019 ([9]):
“Em caso de não cumprimento, pelo empreiteiro, de um contrato de empreitada de consumo, a lei dá ao consumidor direito à reparação da coisa, ou à sua substituição, ou à redução do preço, ou à resolução do contrato, ou à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
O consumidor dono da obra pode, em princípio, optar livremente pelo direito à indemnização, salvo se, em concreto, essa opção se mostrar abusiva.”
“No Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio, os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos), sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor - art.º 4º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei84/208 de 21 de Maio - importando reconhecer ao consumidor, no condicionalismo concreto apurado em cada caso, o direito de proceder à realização dos trabalhos que se impõem, por terceiro por ele contratado, assistindo-lhe o direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, a satisfazer pelo empreiteiro.” [10]
A R. denunciou defeitos e exigiu a sua reparação, em diversas ocasiões. A A. procedeu à reparação de alguns anomalias, constatando-se que parte delas não corrigiram os defeitos, sendo necessária nova reparação.
A apelante alega ter a R. denunciado alguns dos defeitos pela primeira vez no âmbito da ação.
Ora, a denúncia dos defeitos pode ser efetuada por via de ação judicial, designadamente em sede de pedido reconvencional.
Atenta a exposição supra sobre alguns aspetos do regime da venda/empreitada de consumo, soçobra a argumentação da A., assistindo à R. o direito de pedir indemnização pelos danos causados pela falta de conformidade, sem que tenha peticionado nos autos a eliminação, substituição, redução ou resolução, não se revelando qualquer conduta abusiva ou ofensiva da boa fé.
A R. tem, pois, direito à indemnização dos danos patrimoniais elencados nos factos provados 91 e 92, com a seguinte ressalva.
Na sentença consignou-se que a cláusula penal em causa é de natureza estrita, ou seja, constitui uma alternativa à indemnização calculada nos termos gerais, que deste modo substitui, pois aponta para o ressarcimento de danos, e está associada à imposição muito firme e intransigente da data estabelecida para a entrega da moradia em condições de habitabilidade.
Assim, a despesa com a estadia de hotel, em virtude do atraso na entrega do imóvel, é de considerar abrangida pela indemnização a título de cláusula penal, como defendido pela apelante, pelo que nesta parte procede o recurso.
Insurge-se a apelante contra a condenação no pagamento dos honorários do mandatário da R., por entender que os mesmos são reembolsáveis por via das custas de parte e porque a cláusula do contrato promessa exige a culpa, que, no seu entendimento, não ficou demonstrada.
As partes estipularam na cláusula 10ª, nº 1 do contrato: “Por todas as despesas judiciais e/ou extrajudiciais a que houver lugar para cumprimento do presente contrato, é responsável a Contratante que culposamente lhes tenha dado causa.”
Na sentença expendeu-se o seguinte: “Quanto ao pedido de condenação da A. no pagamento dos honorários do Ilustre Mandatário da R., como resulta do atual regime legal, os honorários de mandatário judicial integram o conceito de custas de parte, tendo direito ao seu reembolso a parte vencedora, nos termos previstos no art.º 26.º, n.º 3, al. c) do RCP. Só em casos excecionais, como nos de litigância de má fé e de inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da ação declarativa de condenação (arts. 543.º e 610.º, n.º 3 do CPC), se prevê o pagamento de indemnização autónoma, a título de honorários. Pode, contudo, suceder que as partes tenham convencionado a ressarcibilidade dos prejuízos resultantes da necessidade de recurso a meios judiciais para a efetivação do crédito, onde se incluiriam os honorários do advogado (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.04.1989, in CJ, 1989, II, 141), o que sucedeu no caso em apreço. Não obstante, não foram indicados os honorários do Ilustre Mandatário, o que sempre implicará que seja esta indemnização relegada para incidente de liquidação, onde deve ter-se presente que para não ocorrer duplicação de ressarcimento destes custos, haverá que deduzir o valor que vier a ser pago ao Ilustre Mandatário em sede de custas de parte.”
Acompanha-se o expendido quanto às custas de parte e à possibilidade de as partes convencionarem ressarcimento para além do estabelecido nos citados preceitos do Regulamento das Custas Processuais e CPC.
Como se refere no Ac. do STJ de 15/01/2019 [11]:
“O que o legislador teve em vista ao estabelecer uma determinada compensação, a título de custas de parte, não é, naturalmente, cercear a liberdade de estipulação da remuneração no âmbito do mandato forense, mas apenas garantir à parte vencedora um simples contributo, a suportar pela parte vencida, com aquela finalidade.
Como salienta Salvador da Costa, ob. cit., pág. 221, “o pagamento das custas de parte previsto nesta alínea (está a referir-se à alínea c), do nº3, do art.º 26º, do RCP) configura-se como indemnização baseada em responsabilidade processual civil, tendente a compensar a parte vencedora, na respetiva proporção, das despesas com os honorários de advogados e ou solicitadores que a patrocinaram.”.
De igual forma, refere Abrantes Geraldes, “ainda que uma parte obtenha vencimento total na ação, jamais logrará alcançar, por via da conta final do processo, a compensação global por todas as despesas judiciais e extra judiciais suportadas com forma de fazer valer a sua pretensão ou a sua defesa. Condiciona-se esta reintegração total, (...) à prova de um determinado circunstancialismo integrador da litigância de má fé, bem sabendo o legislador quão apertado tem sido o critério utilizado pelos nossos tribunais na aplicação do referido instituto.”.
Tem sido este, aliás, o entendimento seguido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Na verdade, ainda na vigência do Código das Custas Judiciais, considerou-se nos Acs. do STJ de 15-03-2007, proc. 07B220 e de 02-07-2009, proc. 5262/05.4TVLSB.S1, ambos relatados pelo Juiz Conselheiro João Bernardo e disponíveis em www.dgsi.pt, que:
(…) “o regime de pagamento das despesas com honorários a advogado que move e/ou acompanha uma ação judicial tem um regime específico bem afastado do geral da responsabilidade civil no que à parte contrária respeita.
Pensando na especificidade da situação, o legislador criou a figura da procuradoria. Como o seu nome inculca, a procuradoria destinava-se a reembolsar o vencedor do dispêndio com o mandato judicial. (…)
Já em 28.3.1930 este tribunal lavrou o seguinte Assento (transcrito na Coleção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. XXVIII, 74) :
“Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário.”
Resta apurar se não se verifica o requisito da culpa estipulado na cláusula transcrita.
Ao invés do afirmado pela apelante a sentença tem ínsito um juízo de culpa na sua atuação, por não ter entregue o imóvel na data estipulada, em condições de habitabilidade, assim, como por não ter reparado devidamente os defeitos denunciados, ter marcado a escritura, sem ter suprido a falta de conformidades e ter resolvido ilicitamente o contrato promessa, instaurado ação contra a R., obrigando a que esta se defendesse e formulasse pedido reconvencional.
Entendemos, assim, estarem reunidos os pressupostos da cláusula estipulada, pelo que, nesta parte, improcede a apelação.
4. Dos juros de mora
A apelante entende que “a existirem juros, só poderão ser fixados ao valor do remanescente do preço a pagar pela R. à A. e desde a data da entrega do imóvel, agendamento da escritura ou da citação da A. até efetiva escritura de compra e venda, que ainda não se realizou. Caso se fixassem juros de mora à A. só poderiam ser fixados desde a notificação da reconvenção à A”.
Cremos que a apelante labora em manifesto equívoco.
No dispositivo da sentença consignou-se: “1. Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a presente ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, e em conformidade: 1. Determina a transmissão da propriedade do imóvel correspondente à casa de r/c e 1º andar para habitação, piscina e logradouro, sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 000 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000 da freguesia de …, para a R. LL, substituindo, deste modo, a declaração de vontade da A. MM – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., ficando a transmissão condicionada ao depósito, pela R., da quantia de € 53.833,34 (cinquenta e três mil, oitocentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgado desta Sentença. 2. Condena a A. a pagar à R.: a) € 30.704,89, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) Juros de mora sobre a indemnização fixada em a), à taxa de 4%, desde a data da citação até à presente data, e à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento; c) Os honorários do Ilustre Mandatário da R., a apurar em incidente de liquidação, devendo ser aí descontado o montante que a esse título lhe vier a ser pago em sede de custas de parte; 3. Absolve, no mais, a A. do pedido reconvencional.”
Ou seja, a apelante foi condenada a pagar à R./apelada a quantia de € 30.704,89, a título de indemnização por danos patrimoniais, bem como os juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até à presente data, e à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento, sobre aquela quantia constante da al. a). Não existe condenação em juros de mora sobre o remanescente do preço (equívoco da apelante), constante do ponto 1.
Obviamente, que existe lapso de escrita quando se determina a contagem desde a citação, pois a quantia objeto da condenação da alínea a) reporta-se ao pedido reconvencional e, por conseguinte, o início da contagem dos juros de mora ocorre com a notificação à A. do referido pedido.
6. Da litigância de má fé
A./apelada veio requerer a condenação da apelante como litigante de má fé, no pagamento de multa e despesas suportadas pela R. com os honorários do seu mandatário, valor a ser apurado em liquidação de sentença, imputando a falsidade às afirmações que efetuou na alegação de recurso, nomeadamente nas conclusões m), n), o),p), r), v) w) a bb), kkk) e lll).
A A./apelante pronunciou-se pugnando pela sua improcedência.
De harmonia com o disposto no art.º 542º, nº 2 do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
“I – A má fé substancial verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo;
II – Em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
III - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.” [12]
“A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. Atuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art.º 456.º do CPC, na redação anterior, que corresponde ao atual art.º 542.º do NCPC (2013).” [13]
As falsidades apontadas traduzem-se em algumas imprecisões, incorreções, interpretação de factos provados e na defesa de tese que a A. defendeu ao longo do processo, nos articulados que apresentou, não denotando a alegação de recurso alteração intencional da verdade dos factos a fim de protelar o trânsito em julgado, interpondo recurso cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
Note-se que o recurso é parcialmente procedente, nos termos exarados.
Em suma, na falta de verificação dos requisitos exigidos pelo art.º 542º, nº 2 do C.P.C., impõe-se a improcedência do incidente.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida nos segmentos dos pontos 1 e 2, alíneas a) (quanto aos montantes neles consignados) e b), que se substituem pelos seguintes:
1. Determina a transmissão da propriedade do imóvel correspondente à casa de r/c e 1º andar para habitação, piscina e logradouro, sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 000 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000 da freguesia de …, para a R. LL, substituindo, deste modo, a declaração de vontade da A. MM – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., ficando a transmissão condicionada ao depósito, pela R., da quantia de € 58.333,34 (cinquenta e oito mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgado da sentença.
2. Condena a A. a pagar à R.:
a) € 30.390,89 (trinta mil, trezentos e noventa euros e oitenta e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais;
b) Juros de mora sobre a indemnização fixada em a), à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido reconvencional até à presente data, e à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
No mais, mantém-se a decisão.
Custas do recurso a cargo da A. e da R., na proporção de 90% e 10%, respetivamente.
Lisboa, 30 de abril de 2025
Teresa Sandiães
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Marília dos Reis Leal Fontes
_______________________________________________________ [1] O valor mencionado contém manifesto lapso de escrita, porquanto o montante dos trabalhos é o constante do documento em que a sentença fundou a convicção quanto ao facto 12: o documento nº 3 junto com a contestação, que contém a discriminação dos trabalhos a mais, com os respetivos valores parcelares e o valor total, de € 11.300,00. [2] Neste sentido v. Acs. do STJ de 29/10/2015, proc. nº 233/09, de 31/05/2016, proc. nº 1572/2012, in www.dgsi.pt [3] proc. nº 509/22.5T8SSB.L1-2, in www.dgsi.pt [4] Acórdão de 13/02/2025, proc. nº 25472/20.3T8LSB.L1.S1, in juris.stj.pt [5] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 5ª edição revista e aumentada, págs. 184 a 187 [6] Ob. citada, pág. 240 [7] neste sentido Cura Mariano, ob.cit., pág. 255 [8] Ob. citada, pág. 257 [9] , proc. nº 2293/10.6TBVIS.C1.S1, in juris.stj.pt. No mesmo sentido v., entre outros, Ac RP de [10] Ac. STJ de 17/1072019, proc. nº 1066/14.1T8PDL.L1.S1 [11] proc. nº 5792/15.0TBALM.L1.S2, in www.dgsi.pt [12] Ac. STJ de 12/11/2020, proc. nº 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, in www.dgsi.pt [13] Ac. STJ de 18/02/2015, proc. nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1, in www.dgsi.pt