Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Sumário
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil) I - Com a reintrodução do processo de inventário no CPC pela Lei nº 117/2019 de 13/09, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário mostrando-se inserido na marcha regular do processo, com regulamentação expressa e própria estabelecida no art.º 1105º CPC. II - Nos termos do art.º 1105º nºs 1 e 2 do CPC, tendo sido apresentada reclamação à relação de bens, quer o reclamante, quer o cabeça de casal, têm o ónus de indicar os elementos de prova no requerimento respectivo em que deduzem a reclamação ou lhe respondem. III - O novo modelo do processo de inventário assenta - como resulta das suas diferentes secções - em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização; em consequência, o novo regime comporta algumas cominações e preclusões, inexistentes no regime anterior, reforçando a auto-responsabilidade das partes. IV - A reclamação à relação de bens é o acto processual no qual o reclamante tem de concentrar a sua posição relativamente a ela, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens, e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado; posteriormente só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição. V - Não só a prova deve ser toda oferecida no requerimento destinado à reclamação à relação de bens (salvo casos de superveniência), como a iniciativa da prova cabe ao reclamante. VI - O inquisitório deve orientar-se por um padrão de objectividade e de necessidade para o apuramento da verdade e justa composição do litígio, não podendo o poder-dever conferido pelo princípio do inquisitório ser exercício como forma de suprimento oficioso de indesculpável negligência das partes em violação do princípio da auto-responsabilidade das partes. VII - A actuação inquisitória do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória aferida por um padrão de objectividade assente nos elementos existentes nos autos e no zelo probatório das partes, e com respeito pelos pilares estruturantes do processo civil, com destaque para a imparcialidade e tratamento igualitário das partes. VIII - De acordo com o disposto no art.º 1093º nº 1 CPC são dois os elementos que autorizam que o juiz remeta os interessados para os meios comuns: (a) que a matéria de facto seja complexa; (b) que essa complexidade torne inconveniente a decisão no inventário, por implicar redução das garantias das partes.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
No presente processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, requerido pelo herdeiro BB e em que é cabeça-de-casal o outro herdeiro CC, citado, este apresentou relação de bens que foi objecto de reclamação pelo interessado BB acusando a falta de relacionação de bens.
O cabeça-de-casal apresentou a sua resposta.
Posteriormente, foi proferido despacho de saneamento que conheceu parcialmente da reclamação à relação de bens.
É desse despacho que o interessado BB, reclamante da relação de bens, apresenta o presente recurso, o qual incide sobre as decisões relativas a algumas das suas acusações de falta de relacionação de bens, pretendendo que
«1. Deve ser considerada procedente a arguição de nulidade quanto ao segmento decisório constante do ponto IV do Despacho de Saneamento; e
2.Devem os segmentos decisórios constantes nos pontos I, V, VIII, IX, XI, XII, XIII, XV, XVII, XIX do Despacho de Saneamento ser revogados, e, em consequência, deve ser ordenado ao tribunal a quo que proceda às devidas diligências probatórias aí assinaladas;
3.Subsidiariamente, caso a arguição de nulidade venha a ser considerada improcedente, deve o segmento decisório constante no ponto IV do Despacho de Saneamento ser revogado, e, em consequência, deve ser ordenado ao tribunal a quo que proceda às devidas diligências probatórias aí assinaladas.»
Para tanto, das suas alegações extraiu o Recorrente as seguintes
Conclusões
«A. A Decisão do tribunal a quo é nula, por omissão de pronúncia (cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) no segmento decisório constante do ponto IV, pois muito embora se pronuncie sobre o destino das doações recíprocas realizadas pela inventariada às partes (decidindo que as mesmas devem ser relacionadas), já nada diz quanto à segunda doação realizada ao cabeça-de-casal pela inventariada, arguindo-se tal nulidade para todos os efeitos legais.
B. O tribunal deve, de modo a contribuir para a descoberta da verdade, o que significa que deve empreender as diligências probatórias necessárias para determinar os bens que devem integrar o acervo hereditário (cf. artigo 1109.º, n.º 3 do CPC), ou, caso entenda que a discussão e análise de determinadas matérias implica uma considerável complexidade factual, deve remeter os autos para os meios comuns (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC).
C. O tribunal a quo indeferiu, no seu Despacho de Saneamento, várias das questões resultantes da Reclamação apresentada pelo Recorrente, considerando, para tanto, que não foi feita a necessária prova e demonstração quanto às mesmas, sem que tenha, contudo, encetado as diligências probatórias necessárias para o apuramento das situações em questão,
D. Diligências essas não só requeridas pelo Recorrente, como também aquelas que, no seu prudente entender, poderiam ter utilidade para determinar a efetiva situação dos bens em questão.
Vejamos, [Ponto I.] Da omissão de relacionamento dos imóveis e das rendas dos imóveis
E. O tribunal a quo rejeitou relacionar os imóveis que foram transmitidos pela inventariada, entre 2015 e 2018, a uma sociedade cujo administrador único é cabeça-de-casal, e, tanto quanto se sabe, o mesmo é igualmente acionista maioritário dessa sociedade, por tal transmissão ter como fundamento contratos de compra e venda.
F. Ora, a decisão do tribunal a quo não pode ser aceite, pois não foram empreendidas as necessárias diligências para apurar se tais vendas efetivamente se concretizaram: não só o tribunal a quo não solicitou ao cabeça-de-casal que prestasse declarações quanto ao circunstancialismo em que decorreu a aquisição de tais imóveis (quem é que definiu o preço, quem é que teve a iniciativa de proceder com tais vendas, entre outras questões), para além não ter notificado o cabeça-de-casal para juntar os necessários comprovativos de pagamento ou extratos bancário das contas da inventariada que demonstrassem que esta recebeu efetivamente o preço dos imóveis.
G. Para além do mais, deveria o cabeça-de-casal igualmente esclarecer que montantes é que foram sendo gerados, a título de rendas, pelos imóveis aqui em discussão.
H. Assim, a decisão em questão deve ser revogada, devendo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ordenar que o tribunal a quo realize as diligências necessárias para que se possa apurar todo o circunstancialismo em torno destas aquisições dos imóveis, e, caso assim o entenda, devem os presentes autos, quanto a este segmento decisório, ser remetidos para os meios comuns (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC). Ponto IV - Da omissão de bens doados em vida
I. Sem prejuízo da nulidade já invocada quanto a este ponto, o tribunal a quo não determinou a realização de diligências probatórias tendentes ao cabal esclarecimento sobre se o cabeça-de-casal recebeu, ou não, uma segunda doação, no valor de 1.000.000,00 da sua mãe, nomeadamente não notificou as partes para virem esclarecer a presente situação, assim como não notificou o cabeça-de-casal para vir juntar os necessários extratos bancários das contas bancárias da inventariada que demonstrassem, sem margem para qualquer dúvida, se foi ou não recebido por parte deste, uma segunda doação da inventariada.
J. Assim, a decisão em questão deve ser revogada, devendo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ordenar que o tribunal a quo realize as diligências necessárias para que se possa apurar todo o circunstancialismo quanto a esta segunda doação realizada ao cabeça-de-casal, e, caso assim o entenda, devem os presentes autos, quanto a este segmento decisório, ser remetido para os meios comuns (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC). Ponto V – Da omissão da doação pela inventariada e marido de € 1.000.000 para compra da casa do cabeça-de-casal sita na Quinta …, Village …, Casa …, em …, imputando-se à inventariada metade desse valor (€500.000)
K. O cabeça-de-casal reconheceu que a aquisição do imóvel acima identificado foi feita com recurso a cheques seus, pelo que sempre caberia ao tribunal a quo, em vista a esclarecer se a aquisição do imóvel foi financiada, ou não, pela inventariada e o seu falecido marido, notificar o cabeça-de-casal para proceder à junção de tais cheques.
L. Uma vez mais, o tribunal a quo decidiu, simplesmente, indeferir a presente questão, alegando, para tanto, a falta de demonstração da existência de uma doação feita pela inventariada ao cabeça-de-casal, o que não pode deixar de se considerar caricato, pois, tal decisão sempre deveria ser precedida da realização das necessárias diligências para o esclarecimento de tal questão, o que manifestamente não aconteceu.
M. Pelo que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa deve reverter este segmento decisório e ordenar que o tribunal a quo notifique o cabeça-de-casal para juntar aos autos os referidos cheques, acompanhados da devida demonstração de que tais contas bancárias de onde saíram os referidos movimentos para aquisição da casa não eram igualmente tituladas pela inventariada. Ponto VIII - Da omissão de relacionamento de contas bancárias em nome de DD, relativamente a parte da herança e não distribuída pelos interessados
N. Se o próprio tribunal a quo reconhece que a inventariada recebeu bens da herança do seu falecido marido DD, então deveria notificar o cabeça-decasal para vir esclarecer que bens é que foram recebidos a esse título de modo a perceber se os mesmos foram relacionados e, em caso negativo, a razão pelo seu não relacionamento.
O. No entanto, e uma vez mais, o tribunal a quo aceita acriticamente as alegações do cabeça-de-casal, sem proceder às devidas diligências para apurar sobre a situação dos bens identificados pelo Recorrente, devendo, por isso, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que proceda às diligências necessárias e, caso assim entenda, remeter a discussão desta matéria para os meios comuns (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC). Ponto IX – Da transferência de 300.000€ de uma conta da sociedade S… & T…,, Lda para outra
P. O Recorrente pediu que fosse esclarecida a transferência do montante de €300.000, em 11.05.2003, da sociedade S… & T…,, Lda., para uma conta de titular não identificada, dado que, em face do avultado valor da transferência, poder-se-ia tratar de uma doação e que, por isso, deveria ser relacionada.
Q. Quanto ao argumento que a transferência foi realizada há cerca de 18 anos, o mesmo não colhe: se se tratar efetivamente de uma doação realizada pela inventariada, então a mesma tem de ser relacionada, independentemente do tempo que já decorreu desde a sua celebração.
R. Também não se ignora que a transferência foi formalmente realizada por uma sociedade e não pela inventariada, daí que seja necessário perceber quais as circunstâncias que levaram à realização da transferência de modo que se perceba se a mesma foi realizada no âmbito da sua atividade comercial, ou, se foi realizada pela inventariada, a título pessoal, através desta sua sociedade.
S. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar o tribunal a quo a praticar as diligências necessárias para o apuramento do circunstancialismo que envolveu a realização da transferência acima identificada, de modo que se possa concluir se tal transferência tem, ou não, alguma relevância para efeitos do presente inventário. Ponto XI – Do levantamento pelo Cabeça-de-Casal, no ano 2012, de cheques ao balcão do BES num valor de cerca de €2.000.000,00
T. O tribunal a quo indeferiu o relacionamento da doação realizada ao cabeça-de-casal, de €1.000.000, através do levantamento, em 2012, de dois cheques, junto de um balcão BES, por entender que, por um lado, não se vislumbrava que tais levantamentos tinham utilidade para o inventário e, por outro lado, por entender que o ato em questão já foi realizado há mais de 10 anos.
U. Se é o próprio cabeça-de-casal que confirma que estes levantamentos ocorreram, indicando, contudo, que os levantamentos foram feitos a partir de contas bancárias exclusivamente suas, então devia o tribunal a quo, com vista a esclarecer devidamente que património deve integrar o acervo hereditário, notificar o cabeça-de-casal para juntar aos autos a necessária demonstração de que, no momento do levantamento de tais cheques, este era o único titular de tais contas bancárias.
V. Para além disso, o argumento de que a transferência não tem qualquer utilidade para o processo de inventário apenas pode ser aceite uma vez esclarecida a finalidade da mesma, pelo que é necessário realizar as diligências probatórias necessárias que o próprio Recorrente indicou nos seus articulados.
W. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que efetue as diligências probatórias necessárias, com vista a esclarecer a finalidade e circunstância da realização destes levantamentos.
X. Devendo o tribunal a quo ordenar a remessa dos autos para os meios comuns, caso entenda que dada a complexidade fáctica da presente questão, os direitos e garantias das partes ficariam comprometidas, se a discussão e análise continuasse a ocorrer nos presentes autos (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC). Ponto XII - Do movimento das contas bancárias
Y. Ficou demonstrado pela documentação junta aos autos, que durante a vida da inventariada, o valor do seu património era muito superior ao valor que agora se encontra relacionado na Relação de bens,
Z. Daí que seja de extrema importância analisar as movimentações das contas bancárias tituladas pela inventariada, pois não se conhecendo negócios frustrados ou qualquer outro tipo de prejuízo à inventariada, não se compreende como é que o valor relacionado na Relação de bens é tão diminuto, em face do património que a mesma tinha em vida.
AA. Assim, ao invés do decidido pelo tribunal a quo, importa proceder às diligências probatórias necessárias para apurar quais as razões que levaram a uma perda abruta do património da inventariada, tal como se encontra descrito na Relação de bens, dado que pode dar-se o caso de existirem transferências que assumam relevância para este processo e que só mediante a análise dos movimentos bancários da inventariada é que se pode tomar conhecimento dos mesmos.
BB. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que efetue as diligências probatórias necessárias, com vista a que se possa analisar os movimentos das contas bancárias tituladas pela inventariada.
CC. Devendo o tribunal a quo ordenar a remessa dos autos para os meios comuns, caso entenda que dada a complexidade fáctica da presente questão, os direitos e garantias das partes ficariam comprometidas, se a discussão e análise continuasse a ocorrer nos presentes autos (cf. artigo 1093.º, n.º 1 do CPC). Pontos XIII - De seguros de vida em nome da inventariada
DD. A simples constatação da existência, ou não, de seguros de vida em nome da inventariada efetua-se com um pedido de esclarecimento à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão, pelo que não se compreende como é que o tribunal a quo decidiu indeferir a presente questão, quando apenas era necessário realizar uma simples diligência probatória.
EE. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que efetue as diligências probatórias necessárias, nomeadamente a notificação à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão, para que esta comunique se havia, ou não, algum seguro de vida em nome da inventariada, no momento do seu falecimento. Ponto XVII – Do cheque 227 emitido em 10.01.2006, no valor de €50.000
FF. O próprio cabeça-de-casal reconhece na sua resposta à Reclamação, que não tem a certeza qual o âmbito e finalidade da transferência acima descrita, tendo o tribunal a quo indeferindo esta questão, indicando que tal transferência ocorreu ainda em vida da inventariada, pelo que não assumia qualquer relevância.
GG. Quanto ao argumento avançado pelo tribunal a quo o mesmo não pode ser aceite, pois caso se demonstre que a transferência em questão foi uma doação a um terceiro ou a um herdeiro, então tal transferência tem de ser relacionada, assumindo relevância para os presentes autos.
HH. A análise desta transferência tem por base e fundamento o seu avultado montante, pois de uma transferência que tem impacto real e efetivo nas contas do presente inventário, deve ser descortinado qual a sua origem e finalidade,
II. Pelo que deveria ter sido ordenado, pelo tribunal a quo, ao cabeça-de-casal que este realizasse as devidas diligências junto do banco Santander, de modo que se pudesse compreender os contornos desta operação, nomeadamente, quem foi o seu beneficiário,
JJ. E, assim, em momento necessariamente posterior, possa averiguar-se junto deste, a razão de ser desta transferência.
KK. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que efetue as diligências probatórias necessárias, com vista a que se possa analisar a origem e finalidade do cheque acima indicado.
LL. Devendo o tribunal a quo ordenar a remessa dos autos para os meios comuns, caso entenda que dada a complexidade fáctica da presente questão, os direitos e garantias das partes ficariam comprometidos, se a discussão e análise continuasse a ocorrer nos presentes autos. Ponto XIX – Da transferência realizada para o Requerido de uma conta da falecida no valor de €150.000
MM. Por fim, o tribunal rejeitou relacionar uma doação feita ao cabeça-de-casal, em 16.03.2005, através de transferência bancária, no valor de € 150.000, por não existir qualquer indício probatório que tal transferência tenha relevância para os presentes autos de inventário.
NN. Ora, não se pode aceitar esta decisão: o próprio cabeça-de-casal reconheceu a existência desta transferência, tendo alegado que a mesma dizia respeito a uma transferência entre contas bancárias apenas por si tituladas,
OO. Em face disto, o tribunal a quo deveria ter realizado as necessárias diligências probatórias - nomeadamente, pedir que o cabeça-de-casal demonstrasse que as contas bancárias aqui em questão eram efetivamente da sua exclusiva titularidade - e não aceitar, acriticamente, uma vez mais, o alegado pelo cabeça-de-casal.
PP. Para além disso, também se volta a insistir que não assume qualquer relevância a questão da transferência em causa ter sido realizada há 15 anos, pois se se vier a concluir que a mesma foi, efetivamente, uma doação, então a mesma deve ser relacionada.
QQ. Assim, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar este segmento decisório e ordenar ao tribunal a quo que efetue as diligências probatórias necessárias, com vista a que se possa analisar a origem e finalidade da transferência indicada.
RR. Devendo o tribunal a quo ordenar a remessa dos autos para os meios comuns, caso entenda que dada a complexidade fáctica da presente questão, os direitos e garantias das partes ficariam comprometidos, se a discussão e análise continuasse a ocorrer nos presentes autos.»
*-*
Não foram apresentadas contra-alegações.
**
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
**
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 662º nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº 3 do mesmo Código).
No caso, as questões a decidir consistem em saber se (a) a decisão enferma de nulidade por omissão de pronúncia, e se (b) na mesma foi feita uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art.º 1109º nº 3 e no art.º 1093º nº 1 do CPC, porque, e respectivamente, o Tribunal deveria ter empreendido diligências probatórias necessárias a determinar os bens que devem integrar o acervo hereditário e, noutros casos, deveria ter remetido as partes para os meios comuns.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A factualidade relevante – toda ela resultante da tramitação processual – será referida aquando da apreciação das questões colocadas.
B) DE DIREITO - Da nulidade por omissão de pronúncia
O Recorrente entende que “A Decisão do tribunal a quo é nula, por omissão de pronúncia (cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) no segmento decisório constante do ponto IV, pois muito embora se pronuncie sobre o destino das doações recíprocas realizadas pela inventariada às partes (decidindo que as mesmas devem ser relacionadas), já nada diz quanto à segunda doação realizada ao cabeça-de-casal pela inventariada…” (cfr. conclusão A.).
Devolvidos os autos à 1ª instância para esse fim, o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de não se verificar a arguida nulidade. E a nosso ver bem, adiantamo-lo já.
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º nº 1 do CPC. Como do preceito se alcança, as nulidades da decisão – revista ela a forma de despacho, sentença ou acórdão – prendem-se com vícios estruturais ou intrínsecos da mesma, decorrem do conteúdo desses actos do Tribunal ocorrendo quando as decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam].
São erros de actividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito (veja-se, por todos e a título de exemplo, Acórdão do STJ de 11/10/2022, no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 - disponível in www.dgsi.pt); não se prendem com o mérito da decisão ou com erro no julgamento (de facto ou de Direito), mas antes com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual as decisões são decretadas, tratando-se, como dito, de defeitos de actividade ou de construção da própria sentença, ou seja, de vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido à apreciação do Tribunal.
Segundo Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro/2014, pág. 734, são vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
A nulidade arguida é reconduzida à previsão do art.º 615º nº 1 al. d) do CPC, o qual estabelece que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, tratando-se de causa de nulidade que tem correspondência directa com o art.º 608º nº 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, e no que ao caso interessa, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
A posição manifestada pelo Recorrente na sua reclamação à relação de bens a propósito do segmento ora causa, nessa peça subordinada ao nº 1 h), foi a seguinte ”1 milhão de euros que o Cabeça de Casal retirou da conta bancária PT50…. da Caixa Geral de Depósitos…”.
A este respeito diz-se do despacho recorrido:
“IV. Da omissão de bens doados em vida aos interessados.
O reclamante invoca que, a 9 de março de 2021, o cabeça-de-casal retirou da conta bancária PT50… da Caixa Geral de Depósitos o montante de 1.000.000,00 (um milhão de euros).
O cabeça-de-casal responde que tal montante lhe foi doado pela inventariada para igualar uma doação que havia feito ao reclamante, a 15 de setembro de 2020, em igual montante.
O reclamante diz que a transferência de 9 de março de 2021 aconteceu, o cabeça-de-casal foi avantajado duas vezes, uma vez que a mãe, no ano de 2000, já tinha feito essa igualação.
Cumpre apreciar e decidir.
Como referimos supra, devem ser inscritos na relação de bens os bens doados, por meio jurídico válido e eficaz, havendo herdeiros legitimários, de forma a preservar a integridade da legítimas, nomeadamente através do instituto da colação (artigo 2104.º do Código Civil) ou da redução de liberalidades (artigo 2171.º do Código Civil).
O cabeça-de-casal e o reclamante reconhecem, cada um, ter recebido, em vida, 1.000.000,00 da mãe.
O reclamante levanta a possibilidade de o cabeça-de-casal ter recebido outra doação do mesmo valor.
Não foi feita prova deste segundo pagamento.
Uma vez que é reconhecido pelos interessados, o tribunal manda relacionar como bem milhão de euros), o que deve ficar a constar no caso de violação da legítima.”
O Recorrente refere no ponto 31 das suas alegações “Já quanto à segunda doação que o Recorrente diz que o cabeça-de-casal recebeu, o tribunal a quo apenas indicou que “Não foi feita prova deste segundo pagamento””.
E assim é, como se vê de quanto antecede. Daí decorre que o Tribunal atentou na posição a esse respeito tomada na reclamação à relação de bens, ponderou-a, e concluiu não ser de relacionar porque não foi feita prova dessa segunda doação (a que impropriamente chamou pagamento).
Portanto o Tribunal pronunciou-se. O modo como se pronunciou pode ser parco, mas houve pronúncia; se com acerto, designadamente por exiguidade de diligências probatórias - como o Recorrente defende ao afirmar que “o tribunal a quo sempre poderia determinar a realização de diligências instrutórias (cf. Artigo 1109.º, n.º 3 do CPC) para apurar se a segunda doação efetivamente ocorreu, então não é possível afirmar que o tribunal a quo se pronunciou sobre esta questão.” (cfr. ponto 36 das alegações) – é aspecto que se reconduz ao erro de julgamento, na vertente factual, o que, a verificar-se, não comina a nulidade da decisão como acima explanado e o próprio Recorrente dá boa nota nas citações que apresenta nas suas alegações.
Improcede, pois, a aduzida nulidade.
- Da incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art.º 1109º nº 3 e no art.º 1093º nº 1 do CPC.
O Recorrente insurge-se contra a decisão por entender que “o tribunal a quo não determina a realização das diligências probatórias necessárias para a averiguação da efetiva materialidade de determinadas situações, bastando-se com a mera alegação do cabeça-de-casal, e indeferindo as questões levantadas pelo Recorrente na sua Reclamação” (cfr. ponto 12 das alegações), desse modo defendendo que o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 1109º nº 3 CPC porque deveria ter empreendido diligências probatórias necessárias a determinar os bens que devem integrar o acervo hereditário (cfr. conclusão B.)
Em diversos passos da sua alegação o Recorrente faz alusão a diligências probatórias que teria requerido e cuja realização não foi determinada, o que se encontra em estreita ligação com a resposta por si apresentada à resposta do cabeça-de-casal à reclamação, destacando-se os pontos 7 e 8 das suas alegações onde claramente diz “7. A esta resposta do cabeça-de-casal o Recorrente respondeu em 28.09.2022 (ref. citius 21845452), tendo, entre o mais, justificado porque é que deveriam os bens que já tinha mencionado na Reclamação integrar o acervo hereditário, 8. Tendo igualmente suscitado e requerido a realização de diversas diligências probatórias, de modo a apurar se determinados bens e doações deveriam, ou não, ser relacionados no âmbito do Relação de bens da inventariada.”
Pela importância de que se reveste na situação em presença, cabe desde já recordar que apresentada a relação de bens podem os restantes interessados, no prazo de 30 dias, reclamar contra ela nos termos do art.º 1104º nº 1 al. d) do CPC, seguindo-se a regulamentação prevista no art.º 1105º do CPC.
Com a reintrodução do processo de inventário no CPC pela Lei nº 117/2019 de 13/09, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário mostrando-se inserido na marcha regular do processo, com regulamentação expressa e própria estabelecida no citado art.º 1105º, sendo esta a posição já maioritariamente sustentada pela jurisprudência (cfr. a titulo de exemplo o Ac. da Relação de Guimarães, de 12.01.2023, processo n.º 487/21.8VCT-A.G1, disponível in dgsi.pt, onde estão alojados os demais Acórdãos que se citem).
Mas mesmo para quem entende que a reclamação contra a relação de bens tem natureza de incidente tramitado nos próprios autos, inevitavelmente o sujeita ao regulado no art.º 1105º do CPC, com aplicação subsidiária do regime estabelecido nos artºs 292º a 295º ex vi art.º 1091º nº 1 CPC.
Ora, nos termos do mencionado art.º 1105º nºs 1 e 2 do CPC, tendo sido apresentada reclamação à relação de bens, quer o reclamante, quer o cabeça de casal, têm o ónus de indicar os elementos de prova no requerimento respectivo em que deduzem a reclamação ou lhe respondem (cfr. art.º 1105º nº 2 do CPC, ao prever que sendo deduzida oposição, impugnação ou reclamação as provas são indicadas com os requerimentos e resposta).
«… no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art.º 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário» (…) «O novo modelo do processo de inventário assenta» - como desde logo resulta das suas diferentes secções - «em fases processuais relativamente estanques e consagra umprincípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização. Em consequência, o novo regime não pode deixar de comportar algumas cominações e preclusões», «inexistentes no regime anterior e responsáveis, sob o ponto de vista económico, pela ineficiência do anterior modelo». Dir-se-á, por isso, que o «novo modelo tem implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, págs. 43 e 8-9, respectivamente).
Por conseguinte, a reclamação à relação de bens é o acto processual no qual o reclamante tem de concentrar a sua posição relativamente a ela, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens, e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado.
Posteriormente, “só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição (como sucede com a impugnação do valor atribuído aos bens relacionados e o pedido da respectiva avaliação: art.º 1114.º, n.º 1) ou que se prendam com questões que sejam de conhecimento oficioso (art.º 573.º, n.º 2)” (cfr. mesmos autores e obra, pág. 10).
Significa quanto antecede que o requerimento de 28/09/2022 a que o Recorrente se refere, por si apresentado para responder à resposta do cabeça de casal à reclamação por aquele apresentada, constitui uma peça legalmente inadmissível não podendo ser atendido, e não o terá sido pelo Tribunal a quo como se alcança do relatório da decisão sob recurso ao enunciar aí as peças processuais das partes como relação de bens, reclamação a esta, e resposta do cabeça de casal à reclamação, tendo a dado passo feito menção a que toda a prova deve ser oferecida no requerimento destinado à reclamação à relação de bens, o que se nos afigura correcto pelas razões que vimos de expor.
Mas não só a prova deve ser toda oferecida no requerimento destinado à reclamação à relação de bens (salvo casos de superveniência), como a iniciativa da prova cabe ao reclamante; aspecto cuja dissecação se reveste de especial importância no caso vertente porquanto por toda a alegação de recurso perpassa o entendimento de que o Tribunal deveria ter oficiosamente realizado diligências probatórias para esclarecimento das dúvidas que se suscitaram ao reclamante e para apuramento dos bens a integrar no acervo hereditário.
Tenhamos presente que o processo de inventário é um processo especial de jurisdição contenciosa ou litigiosa (apesar de na sua reintrodução no CPC, pela Lei nº 117/2019 de 13/09, ter sido sistematicamente inserido após os processos especiais de jurisdição voluntária, tal deveu-se apenas à intenção de salvaguardar a prévia numeração dos artigos que a estes diziam respeito), que fruto da sua reintrodução no CPC se encontra sujeito aos princípios gerais do processo civil (conforme art.º 549º nº 1), nomeadamente o da gestão e adequação processual (artºs 6º nº 1 e 547º) e o da cooperação do juiz (art.º 7º), que se encontram especificamente concretizados no processo de inventário, por exemplo, no art.º 1105º nº 3 prevendo a possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento, mas que não afasta a regra geral estabelecida no art.º 342º do CCivil, segundo a qual àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1), sendo que a “prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, como regra, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao Tribunal - sob pena dessa parte não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga segundo o alegado e provado (cfr. artºs 342º e 346º do CCivil e art.º 414º do CPC); regras que aplicadas ao processo de inventário acarretam que quem alega falta de relacionação de bens tem o ónus da prova dessa falta (cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, 4ª edição, Almedina, p. 544).
“Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova” (cfr., entre outros, J. P. Remédio Marques, inAcção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207), o qual se pode genericamente definir como o “direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova”, o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova e “o direito de participação na produção das provas” (Ac. da RC, de 14.07.2010, processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Precisa-se, ainda, que este “direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. da RC, de 21.04.2015, processo nº 124/14.1TBFND-A.C1)
Dir-se-á, e é certo, que ao Tribunal incumbe remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art.º 7º nº 4 do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer (art.º 411º do CPC).
Trata-se do princípio do inquisitório, que se manifesta nomeadamente na requisição de documentos (art.º 436.º do CPC), na determinação do depoimento de parte (art.º 452.º do CPC), na determinação de perícias (art.º 477.º do CPC), na realização de inspecção judicial (art.º 490.º do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art.º 494.º do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art.º 501.º do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art.º 526.º do CPC); principio relativamente ao qual a substituição da expressão o «juiz tem o poder de», na versão original do art.º 264º nº 3, do CPC de 1961, pela expressão «incumbe ao juiz», no art.º 411º do actual CPC, evidencia uma mudança de paradigma: ali estávamos perante um poder discricionário, agora estamos perante um poder-dever.
Contudo, o juiz deve actuar dentro do quadro dos princípios estruturantes do processo civil, quais sejam os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade, porquanto eles consistem nas traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no art.º 20º nº 4 da Constituição da República.
Daí que “no que diz respeito aos poderes instrutórios do juiz, há que reconhecer que, antes de mais, eles encontram um limite natural nas garantias das partes, assumindo particular importância, neste caso, a garantia de imparcialidade do tribunal (…)” (cfr. Nuno Lemos Jorge in Poderes Instrutórios do Juiz, Alguns Problemas, in Revista Julgar 3, 2007, pág. 61), o que determina que o inquisitório se deva orientar por um padrão de objectividade e de necessidade para o apuramento da verdade e justa composição do litígio, não podendo o poder-dever conferido pelo princípio do inquisitório ser exercício como forma de suprimento oficioso de indesculpável negligência das partes em violação do princípio da auto-responsabilidade das partes.
É que se de acordo com o princípio do inquisitório o juiz pode realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, não é menos certo que esta “amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa”, associada “a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir” e, neste “contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia” (Ac. da RG, de 20.03.2018, processo n.º 14/15.6T8VRL-C.G1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o “exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes” (cfr. Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, pág. 533, e na jurisprudência Ac. do STJ de 18.10.2918 proc. nº 1295/11.0TBMCN.P1.S2; Ac. da RG, de 10.07.2019 proc. nº 68/12.7TBCMN-C.G1; Ac. da RP de 23.04.2020 proc. nº 6775/19.6T8PRT-A.P1; Ac. da RG de 05.11.2020, proc. nº 1228/18.2T8PTL.G1 e Ac. da RP de 11.01.2021 proc. nº 549/19.1T8PVZ-A.P1.)
Nesta linha, e particularizando um critério objectivo de decisão, dir-se-á que se “foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta. Apenas na hipótese - raríssima - de resultar do já processado, designadamente da produção de outras provas, objectiva e seguramente, a necessidade de tal diligência, revelando-se esta em termos que permitam concluir que se verificaria igualmente caso a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónusprobatório, é que o juiz deverá, excepcionalmente, atender a tal “sugestão”. Fá-lo-á, então, valorizando essa necessidade da prova, que se impõe por si, e não a pretensão subjectiva da parte. Caso contrário, se a necessidade não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” (Nuno Lemos Jorge, in Os Poderes Inquisitórios do Juiz: Alguns problemas, Revista Julgar, nº 3, 2007, págs. 70 e 72).
No mesmo sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa inCódigo de Processo Civil Anotado, em anotação ao art.º 411º, concluem que “…pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade. (…).(…) nas situações em que uma das partes promoveu as diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (v.g., documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade), utilizando um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade”.
Em suma, a actuação inquisitória do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória aferida por um padrão de objectividade assente nos elementos existentes nos autos e no zelo probatório das partes, e com respeito pelos pilares estruturantes do processo civil, com destaque para a imparcialidade e tratamento igualitário das partes. Por isso, devem as partes cumprir os seus ónus e não “… confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que» seja «o juiz a determinar toda e qualquer diligência probatória», pois «o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória”, para tal “muito contribuirá o zelo probatório das partes” (cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, págs. 342 e 343).
Dito isto,
o Recorrente entende terem sido incorrectamente decididos onze aspectos por si acusados na sua reclamação à relação de bens, os quais no recurso identifica de A. a K..
Vejamos então cada um deles.
A) Da omissão do relacionamento de imóveis / rendas dos imóveis
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, sujeita ao nº 1 als. a) a e) dessa peça, depois de identificados os imóveis, consistiu em “Imóveis estes que foram doados por AA a uma sociedade detida unicamente pelo Cabeça de Casal, a saber a atual sociedade S… & T…, SA – anteriormente S… & T…, LDA (cfr. documento nº 6 que ora se junta) - devendo os referidos imóveis , por essa razão, ser chamados à colação e enquadrados no inventário e nos bens a partilhar; sendo certo que os imóveis correspondentes às alíneas c) e d) foram arrendados durante anos por valores que em concreto se desconhece, devendo, por isso, os montantes resultantes dos referidos arrendamentos dos imóveis serem também enquadrados no inventário.”
Juntou 5 documentos correspondentes às informações prediais não certificadas relativas a cada um dos imóveis, e juntou ainda o documento 6 relativo ao registo comercial da “S… & T…”.
Na decisão recorrida decidiu-se:
“I. Da omissão do relacionamento de imóveis / rendas dos imóveis
O reclamante sustenta que faltam as seguintes verbas:
a. Imóvel correspondente à Garagem no 1º piso ou cave da rua A, situado no Empreendimento … - Estrada de …, em … descrito na Conservatória do Registo Predial n.º…-A;
b. Imóvel correspondente ao Apartamento duplex, no r/c direito, com 4 divisões assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e varanda - para habitação, situado no Empreendimento … – Estrada de …, em … descrito na Conservatória do Registo Predial n.º…-O;
c. Cave-Loja-B, sita na …, Estrada …, nº …, com traseiras para a Praceta …descrito na Conservatória do Registo Predial n.º…-B
d. Rés-do-Chão - Loja - com arrecadação na cave, sendo o acesso entre os dois pisos estabelecido por uma escada interior - com entrada pelo n.º …, sito em S. Jorge de Arroios na Rua … descrito na Conservatória do Registo Predial n.º…;
e. Terreno para construção sul, sito na Quinta do …, na Rua … descrito na Conservatória do Registo Predial n.º….
O reclamante sustenta que aqueles imóveis estão registados a favor da sociedade S… & T… S.A., sociedade detida unicamente pelo cabeça-de-casal, por lhe terem sido doados pela inventariada, pelo que devem ser chamados à colação.
Em resposta, o cabeça-de-casal nega que pertençam à herança, tendo sido vendidos pela inventariada à dita sociedade.
Cumpre apreciar e decidir.
Analisada as informações prediais simplificadas dos imóveis supra identificados (não impugnadas pelos interessados) - fls. 39 v. a 49, constatamos que se encontra inscrita a aquisição do direito de propriedade desses imóveis a favor de S… & T…, S.A., por compra a AA.
Consta ainda dos autos certidão do registo comercial da sociedade S… & T…, S.A. do qual é administrador o aqui cabeça-de-casal CC. Verifica-se ainda que a sociedade foi constituída como sociedade por quotas tendo como sócios a inventariada e o marido.
Não existe mais prova.
O artigo 7.º do Código do Registo Predial dispõe que De acordo com o registo predial, o direito de propriedade sobre os referidos imóveis esteve integrado na esfera jurídica da inventaria, mas esta, a dado momento, nos anos de 2015 a 2018, transmitiu o direito de propriedade para uma sociedade comercial, por negócios de compra e venda.
Nos termos do artigo 974.º do Código Civil, o contrato de compra e venda é um contrato oneroso, que tem como efeito real a transmissão do direito de propriedade sobre a coisa e, como efeitos obrigacionais, o dever de entregar a coisa e o dever do comprador pagar o preço.
Constatamos, assim, que aquando da abertura da sucessão, 11 de abril de 2021, nenhum dos prédios assinalados pelo reclamante estava na esfera jurídica da inventariada, pelo que, de acordo com o princípio geral, não devem ser relacionados para a herança. Admite-se, contudo, que se relacionem bens que, no momento da abertura da herança, não estejam na esfera jurídica do autor da herança, nomeadamente relativamente a bens doados, por meio jurídico válido e eficaz, havendo herdeiros legitimários, de forma a preservar a integridade da legítimas, nomeadamente através do instituto da colação (artigo 2104.º do Código Civil) ou da redução de liberalidades (artigo 2171.º do Código Civil).
Não é, contudo, este o caso. O negócio celebrado sobre aqueles bens foi de compra e venda, que tem como componente obrigacional o pagamento do preço. Pagamento do preço que se presume ter sido realizado, não havendo prova de assim não ter acontecido, como não foi feita prova de ter sido intentada ação a colocar em causa a validade dos negócios celebrados, com fundamento em simulação ou qualquer outro tipo de vício.
A sociedade S… & T…, S.A. tem personalidade jurídica, é titular de posições jurídicas ativas e passivas, não se confundindo com os seus sócios.
Como já se mencionou supra, quem reclama contra a relação de bens é que tem o ónus de alegar e provar que os bens cuja relacionação pretende pertenciam ao acervo hereditário do de cujus, devendo oferecer toda a prova no requerimento destinado para o efeito.
Não sendo titular dos bens, a inventariada não tem direito aos frutos, pelo que não há que aferir se os imóveis estiveram arrendados.
Deste modo, o tribunal indefere a reclamação de BB relativamente à omissão de verbas relativas a imóveis, por o direito de propriedade estar registado a favor de uma pessoa jurídica distinta da inventariada.”
Como se vê, a este respeito o ora Recorrente defendeu que os imóveis acima identificados deveriam ser relacionados por terem sido objecto de doação e, por conseguinte, deveriam também ser relacionadas as rendas/frutos produzidos por dois desses imóveis.
Na sua reclamação juntou como elementos probatórios as informações prediais não certificadas relativas a cada um dos imóveis, e o registo comercial da “S… & T…”; documentos que, naturalmente, nenhuma informação aportam quanto a qualquer doação, ainda que irregular e inválida, e não requereu a realização de qualquer diligência probatória.
Ora, os próprios documentos prediais por ele juntos refutam as doações que o mesmo invocou como único fundamento alegado para sustentar que os prédios deveriam ser relacionados, pois aqueles documentos referem como causa da aquisição compra, revelando que os imóveis foram transmitidos por compra e venda tal como se assinala no despacho sob recurso, e nesse conspecto o raciocínio aí expendido não nos merece qualquer reparo.
O Recorrente defende agora (em 66 das alegações) que o Tribunal a quo “deveria ter ordenado que o cabeça-de-casal juntasse aos autos, não só as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis, como também os extratos bancários da sociedade em questão que demonstrassem que esta tinha recebido o preço dos imóveis”, mas no articulado próprio, no qual deveria – como acima explanado – ter indicado todos os meios de prova e requerido as diligências probatórias que tivesse por adequadas, não requereu estes meios de prova.
O que acontece é que o Recorrente vem agora, e apenas agora, em sede de recurso aventar argumentação relativa a eventual simulação da compra e venda. Além de o fazer em termos de suspeita, nada concretizando, trata-se de questão nova que não cabe a este Tribunal apreciar, porquanto os recursos destinam-se a apenas a reapreciar decisões proferidas sobre questões sujeitas à apreciação do Tribunal de 1ª instância.
B) Da omissão de bens doados em vida aos interessados
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, subordinada ao nº 1 h) nessa reclamação, consistiu em “1 milhão de euros que o Cabeça de Casal retirou da conta bancária PT50… da Caixa Geral de Depósitos, no dia 09/03/2021, isto é, antes de AA ter falecido (cfr. documento nº 8)”
Juntou um doc. sob o nº 8 que consiste numa consulta de saldos e movimentos daquela conta bancária de onde consta o débito de cheque de € 1.000.000,00 em 09/03/2021, sem qualquer outra menção.
Na decisão recorrida decidiu-se “O reclamante invoca que, a 9 de março de 2021, o cabeça-de-casal retirou da conta bancária PT50… da Caixa Geral de Depósitos o montante de 1.000.000,00 (um milhão de euros).
O cabeça-de-casal responde que tal montante lhe foi doado pela inventariada para igualar uma doação que havia feito ao reclamante, a 15 de setembro de 2020, em igual montante.
O reclamante diz que a transferência de 9 de março de 2021 aconteceu, o cabeça-de-casal foi avantajado duas vezes, uma vez que a mãe, no ano de 2000, já tinha feito essa igualação.
Cumpre apreciar e decidir.
Como referimos supra, devem ser inscritos na relação de bens os bens doados, por meio jurídico válido e eficaz, havendo herdeiros legitimários, de forma a preservar a integridade da legítimas, nomeadamente através do instituto da colação (artigo 2104.º do Código Civil) ou da redução de liberalidades (artigo 2171.º do Código Civil).
O cabeça-de-casal e o reclamante reconhecem, cada um, ter recebido, em vida, 1.000.000,00 da mãe.
O reclamante levanta a possibilidade de o cabeça-de-casal ter recebido outra doação do mesmo valor.
Não foi feita prova deste segundo pagamento.
Uma vez que é reconhecido pelos interessados, o tribunal manda relacionar como bem milhão de euros), o que deve ficar a constar no caso de violação da legítima.”
A este respeito o Recorrente propugna que, caso este Tribunal não considere ocorrer a nulidade por omissão de pronúncia - sobre o que acima nos pronunciámos não reconhecendo a existência de tal vício -, “deve ordenar que o tribunal a quo pratique as diligências instrutórias necessárias para apurar se efetivamente existiu, ou não, uma segunda doação ao cabeça-de-casal” e “deve ser ordenado ao cabeça-de-casal que junte aos autos os extratos bancários das contas da inventariada, para além de que tanto o Recorrente, como o cabeça-de-casal devem prestar declarações quanto a esta matéria.” (cfr. pontos 78 e 79 do recurso).
Acontece que o Recorrente na sua reclamação, em que acusou a falta de relacionação dessa alegada doação, não requereu a realização de qualquer diligência probatória, designadamente aquelas que agora entende deverem ser ordenadas, e quanto à vislumbrada necessidade de o interessado ora Recorrente e o cabeça-de-casal prestarem declarações acerca desta matéria cabe dizer que, além das suas posições expressas nos articulados próprios – reclamação e resposta do cabeça-de-casal – as partes foram ouvidas em audiência prévia na qual o Tribunal discutiu com os interessados as questões suscitadas na reclamação à relação de bens.
C) Da omissão da doação pela inventariada e marido de 1.000.000,00 euros para compra da casa do cabeça-de-casal sita na Quinta …, Village (…), imputando-se à inventariada metade desse valor - € 500.000,00.
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, subordinada ao nº 1 i) nessa peça, acusa a falta de relacionação de “Metade do valor correspondente a 500 mil euros, relativo à doação que a falecida e o seu marido também já falecido fizeram ao Cabeça de Casal, por meio de cheque bancário, para a compra da sua casa atual, sita na Quinta …, Village …, Casa …, em ….”
Não indicou qualquer prova, nem solicitou a realização de qualquer diligência probatória.
Na decisão recorrida decidiu-se “Da omissão da doação pela inventariada e marido de 1.000.000,00 euros para compra da casa do cabeça-de-casal sita na Quinta …, Village …, Casa …, em …, imputando-se à inventariada metade desse valor - 500.000,00.
O reclamante acusa não estar relacionada a verba supra descrita.
O cabeça-de-casal nega ter recebido esse montante. Em resposta, indica que o reclamante recebeu dos pais € 200.000,00 para compra de um apartamento em M…, de uma moradia geminada, de € 1.100.000,00 para compra da casa onde reside na Quinta …, tendo recebido por doação da inventariada 7.050.000,00.
Em resposta, o reclamante diz que o irmão também recebeu uma casa em M…, que a casa da A… era do pai, que apenas recebeu uma casa.
Cumpre apreciar e decidir.
Analisados os elementos documentais juntos pelos interessados, não encontramos vestígios do cabeça-de-casal ter recebido dos pais o montante de um milhão de euros para compra da sua casa, como também não encontramos quaisquer elementos probatórios de compras de imóveis a favor dos interessados com dinheiro dos pais.
O cabeça-de-casal junta, a 16-09-2022, um documento manuscrito assinado com o nome da inventariada, na qual se escreve um desabafo emocional, em síntese, estar o herdeiro BB a beneficiar da sua generosidade. Consideramos que este elemento não é concludente de demonstrar o que ali se diz. Não é claro o contexto ou o estado de espírito de quem escreve.
Além do mais, a suposta vantagem parece ter ocorrido na partilha da herança aberta por óbito do pai, não sendo uma questão para este inventário.
Temos, em suma, afirmações desgarradas dos interessados, sem qualquer prova demonstrativa da realidade desses factos, que não permitem ao tribunal concluir pela existência de mais verbas, pelo que o tribunal julga improcedente a reclamação nesta parte.”
Acerca deste segmento decisório discorre o Recorrente nos pontos 82 a 96 das alegações, trazendo à liça três quantias e uma moradia geminada na Amadora que o cabeça de casal, na sua resposta à reclamação à relação de bens, diz terem sido doadas ao primeiro, e uma casa em M… que o reclamante, após essa resposta do cabeça de casal, diz ter sido doada a este pelos pais, e insurge-se por o Tribunal a quo não ter remetido as partes para os meios comuns para dilucidar estes aspectos e ter simplesmente julgado improcedente a sua reclamação, sendo que no tocante aos valores com que foi adquirida a residência do cabeça-de-casal, indicando este que a aquisição foi feita com recurso a cheques seus deveria o Tribunal a quo ordenar ao cabeça-de-casal que juntasse tais cheques aos autos.
O que em primeiro lugar cabe clarificar é que o que efectivamente foi submetido à apreciação do Tribunal a quo e, como tal, foi objecto da decisão recorrida é a reclamação à relação de bens, e nesta, a propósito do segmento ora em apreço, foi acusada a falta de relacionação do montante (alegadamente) doado pela inventariada e marido ao cabeça-de-casal para compra de uma casa na Quinta …, imputando-se à inventariada € 500.000,00. E apenas isso.
Por conseguinte a apreciação e decisão do Tribunal reside tão só em saber se esse valor faz parte do património hereditário, concretamente por ter sido doado ao herdeiro cabeça-de-casal.
As “farpas” que o reclamante e o cabeça-de-casal, em jeito retaliatório, entenderam reciprocamente dirigir-se e quiseram inviamente sujeitar à apreciação não podem ser consideradas: se o cabeça-de-casal entendesse que as quantias de € 200.000,00, de € 1.100.000,00 e de € 7.050.000,00 assim como uma moradia geminada na Amadora alegadamente doadas ao interessado BB integravam o património da herança deveria tê-las incluído na relação de bens, por sua vez o reclamante, se entendia que os pais haviam doado ao cabeça-de-casal uma casa em M…, deveria ter acusado a respectiva falta de relacionação na reclamação que apresentou à relação de bens; pois, como vimos acima, essas são as peças em que as partes devem concentrar as suas posições/defesas, sob pena de preclusão (exceptuadas as situações supervenientes).
E analisado o efectivo objecto acusado de falta de relacionação não se vislumbra que o Tribunal a quo pudesse ter decidido de modo diverso, uma vez que o reclamante, a quem cabia o ónus de prova, não indicou qualquer prova nem requereu qualquer diligência probatória, designadamente a que ora professa que o Tribunal a quo deveria ter efectuado - notificação ao cabeça-de-casal para juntar os cheques relativos à aquisição da sua residência - certo que relativamente a factos quanto aos quais, justificadamente, não dispusesse de meios de prova a lei faculta-lhe mecanismos, de que o mesmo não lançou mão, para produzir prova documental em poder da parte contrária ou de terceiro.
D) Da omissão de contas bancárias em nome de DD, relativamente a parte da herança não distribuída pelos interessados.
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, nessa peça sob o nº 2, consistiu em “na sequência do que se refere acima, parte da herança do falecido DD não foi distribuída entre os herdeiros, pelo que se requer a V. Exa. Que se digne notificar o Cabeça de Casal para que venha juntar aos autos informação sobre as contas que detinha conjuntamente com o falecido Pai e cuja localização das mesmas se desconhece na totalidade, para que se possam relacionar esses montantes, a fim de se dividir esses valores entre herdeiros.”
Não juntou qualquer prova, tendo requerido aquela notificação ao cabeça-de-casal para prestar as ditas informações.
Na decisão recorrida decidiu-se “VIII. De omissão de contas bancárias em nome de DD, relativamente a parte da herança não distribuída pelos interessados.
O tribunal indefere a reclamação nesta parte porquanto o presente processo não trata do inventário por morte de DD, tendo aquela herança sido partilhada pelos interessados, sendo um deles a aqui inventariada. Consequentemente, as diligências de instrução são irrelevantes para as finalidades deste processo.”
A este respeito defende o Recorrente “que, se o próprio tribunal a quo reconhece que a inventariada recebeu bens resultantes da herança de DD, então, para o correto apuramento da verdade material quanto a este ponto, deveria ter notificado o cabeça-de-casal para indicar quais os bens que esta recebeu a esse título, de modo a perceber se os mesmos foram relacionados na relação de bens apresentada por aquele.” (cfr. ponto 100 das alegações)
Salvo o devido respeito, o que o Recorrente agora entende que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado por apurar não tem conexão com a pretensão que expressou na reclamação contra a relação de bens. Nesta, embora não se trate de uma efectiva acusação de falta de relacionação de concretas contas bancárias, a sua pretensão dirige-se a contas bancárias detidas pelo cabeça-de-casal conjuntamente com o falecido pai DD, com o objectivo de serem relacionados os respectivos montantes e divididos entre os herdeiros com fundamento em que parte da herança daquele DD não foi distribuída entre os herdeiros. E nos termos em que essa pretensão foi formulada e fundada, na verdade apenas respeita ao processo de inventário por óbito de DD, que não é objecto destes autos, não merecendo qualquer reparo a decisão tomada pela 1ª instância.
E) Da transferência de 300.000,00 euros de uma conta da sociedade S… & T…, Lda. para outra
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, aí indicada sob o nº 3, consistiu em “A acrescer, foi depositado um cheque no valor de 300 mil euros proveniente de uma conta titulada pela sociedade S… & T…, LDA, com o nº … da qual a falecida era sócia maioritária, tendo sido posteriormente transferido para uma outra da qual a falecida não consta como titular, desconhecendo-se o destino dessa quantia depois de ter sido transferida para a conta co-titulada pela falecida e a titularidade da conta para onde foi transferido esse montante, pelo que se requer a V. Exa. que logre obter informação junto do Cabeça de Casal sobre a localização do referido montante (cfr. documento nº 10).”
Como prova juntou o documento nº 10, que consiste num extracto combinado do Banco BCP do ano 2003.
Na decisão recorrida decidiu-se “IX. Da transferência de 300.000,00 euros de uma conta da sociedade S… & T…, Lda. para outra.
O reclamante pretende informação de fluxos financeiros da sociedade S… & T…, LDA. Junta um estrato combinado do BCP de 2003.
Consideramos que esta diligência é inútil para a economia do processo, porquanto a esfera patrimonial da sociedade é distinta dos seus sócios e, além do mais, são realidades ocorridas 18 anos antes da abertura da sucessão.
Indefere-se o requerido.”
Nas alegações refere-se que “O Recorrente indicou, na sua reclamação, que deveria ser apurada qual a razão de ser da transferência do valor de €300.000, de 11.05.2003, da conta bancária da sociedade S…& T…, Lda. para uma conta de um titular que não foi apurado” (cfr. ponto 103). E efectivamente é esse o sentido útil que se extrai do que fez constar da sua reclamação à relação de bens, sendo impossível não concluir, como se fez na decisão recorrida, pela inutilidade da diligência probatória solicitada por a esfera patrimonial da sociedade – única a que, na verdade, o reclamante ali se reporta – ser distinta da dos seus sócios.
Refere ainda o Recorrente nas suas alegações que se “se apurar que se está perante uma doação realizada pela inventariada, então tal doação tem de ser relacionada na relação de bens da inventariada, por mais que os anos tenham passado desde a sua ocorrência.” (cfr. ponto 107 das alegações), nessa linha se seguindo o que expôs nos pontos 109 e 110.
Acontece que apenas agora em sede de recurso o reclamante levanta a suspeita - hipotizando e nada concretizando - de que àquela transferência oriunda da conta bancária da identificada sociedade pudesse subjazer uma doação da inventariada. Como acima já tivemos oportunidade de referir, consistindo numa questão que não foi posta à apreciação do Tribunal de 1ª instância consiste numa questão nova, o que obsta ao seu conhecimento por parte deste Tribunal.
F) Do levantamento pelo cabeça-de-casal, no ano de 2012, de cheques ao balcão do BES, no valor de cerca de 2 milhões de euros.
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, indicada como 5 nessa reclamação, consistiu em “por outro aldo, o Requerente tomou também conhecimento de que o Cabeça de Casal, no ano de 2012, procedeu ao levantamento de cheques ao balcão do BES, num valor de cerca de 2 milhões de euros, pelo que se vem requerer que o Cabeça de Casal preste esclarecimentos sobre a razão e destino destas quantias.”
Além desse pedido de esclarecimento, não apresentou nem requereu qualquer meio de prova.
Na decisão recorrida decidiu-se “XI. Do levantamento pelo Cabeça de Casal, no ano de 2012, de cheques ao balcão do BES num valor de cerca de 2 milhões de euros
O cabeça-de-casal alega ser estranho ao objeto da ação, por serem contas exclusivamente tituladas por si.
Uma vez que não se vislumbra qualquer utilidade para o inventário, sendo um ato praticado em vida da inventariada, indefere-se o requerido.”
Muito embora nas suas alegações o Recorrente afirme que “Indica a Recorrente que o cabeça-de-casal levantou cheques, no valor de cerca de €2.000.000,00, de contas bancárias da inventariada, pelo que tais levantamentos deviam ser relacionados como doações realizadas a favor do cabeça-de-casal” (cfr. ponto 114 das alegações), tal não tem correspondência com o que efectivamente invocou a este respeito, mostrando-se acima transcrito o que realmente fez constar da sua reclamação à relação de bens, não tendo estabelecido qualquer relação com as contas de onde foram levantados os cheques e quaisquer contas bancárias da inventariada, não suscitando a questão de se tratar de uma possível doação ao cabeça-de-casal (como agora também aventa em 120 das suas alegações) mais uma vez introduzindo agora em sede de recurso aspectos factuais e jurídicos que não apresentou na sua reclamação, não os sujeitando à apreciação do Tribunal a quo.
A única diligência probatória solicitada foi satisfeita pois o cabeça-de-casal prestou esclarecimentos, os quais, face à simples alegação do reclamante de que em 2012 aquele procedera ao levantamento de cheques ao balcão do BES num valor de cerca de 2 milhões de euros, não podem deixar de se ter por aceitáveis – fez esses levantamentos de contas exclusivamente tituladas por si – e em face deles concluir tratar-se de aspecto sem utilidade para o inventário.
G) Do movimento das contas bancárias
Dos art.ºs 6º a 12º da reclamação à relação de bens o ora Recorrente faz referência ao património acumulado pelos pais ao longo das suas vidas, designadamente em contas bancárias, para manifestar estranheza que o valor da herança seja de apenas cerca de 5 milhões de euros e assim concluir no art.º 12º dessa peça que “No mais, o Requerente estranha igualmente que o Cabeça de Casal e a falecida sejam titulares de 24 contas no Banco BCP e que na totalidade existam apenas nestas contas 16 mil euros de saldo, pelo que requer que esclareça quais os movimentos realizados nas referidas contas a fim de se apurar o destino do restante (eventual) montante.”
Além do pedido de esclarecimentos, juntou documentos sob os nºs 12 e 13, aos quais alude nas suas alegações de recurso.
Na decisão recorrida decidiu-se “XII. Do movimento das contas bancárias
O reclamante pretende quer ser esclarecido dos movimentos nas contas bancárias tituladas pelo cabeça-de-casal e a falecida.
Se se tratam de movimentos nas contas bancárias anteriores ao óbito da inventariada, não vislumbramos qualquer utilidade para o inventário, uma vez que a ação não obter um direito de informação sobre a forma como a cabeça-de-casal fazia, em vida, a administração do seu próprio património. Se a inventariada recebeu a sua parte na herança do marido, não cabe ao tribunal fazer um rastreamento do dinheiro que pertencia à inventariada, uma vez que não está em causa a capacidade para o fazer livremente, nem é esse o objeto desta ação.
Se se tratam de movimentos após o óbito da inventariada, são objeto da ação especial de prestação de contas e não da ação de inventário.”
No tocante aos movimentos bancários eventualmente realizados após o óbito da inventariada “o Recorrente não discorda, que após o falecimento da inventariada, qualquer movimento bancário está sob objeto da ação de prestação de contas” (cfr. ponto 133 das alegações), colocando-se a sua discordância quanto ao decidido acerca de movimentos que tenham sido efectuados antes do seu decesso, para tanto argumentando que “…se é ponto assente que saíram avultadas quantias das contas bancárias da inventariada, mas se não se consegue fazer a correspondência, no seu património, com os presumíveis bens que foram adquiridos com esse valor, então importa perceber onde é que tais montantes foram aplicados. … o Recorrente analisando o património relacionado pelo cabeça-de-casal muito estranha que o seu valor não seja, de todo em todo, semelhante ao valor que existia bem antes do falecimento da inventariada.” (pontos 137 e 138 das alegações).
O que primeiramente há a assinalar é que o Reclamante não acusou a falta de relacionação de quaisquer saldos de contas bancárias de que a de cujus fosse titular ou co-titular à data do óbito, limitou-se a manifestar estranheza quanto ao saldo apresentado nas contas do BCP de que são titulares o cabeça-de-casal e a falecida, mas a mera estranheza, desacompanhada de quaisquer elementos que a corporizem, que permitam atribui-lhe um sustento fáctico, são juridicamente inócuas por sobre elas ser insusceptível de recair qualquer produção de prova.
De todo o modo, não pode deixar de se destacar que na reclamação o reclamante afirma que nas contas de que o cabeça-de-casal e a falecida são titulares no Banco BCP existe na totalidade apenas o saldo de € 16.000,00 quando da relação de bens, relativamente à conta existente no BCP, é relacionado o saldo de € 20.451,09, não se descortinando o mencionado saldo de € 16.000,00.
Independentemente disso, diga-se que os exemplos que o Recorrente adianta para fundar a sua estranheza e com base nos documentos nºs 12 e 13 juntos com a sua reclamação – i.é, a existência, nos anos 2000 e 2003, de saldos de € 13.500.000,00 em conta do BCP e de € 18.800.000,00 em conta do Santander - foram alegados na sua reclamação em contexto diverso daquele que subjaz ao esclarecimento acerca dos movimentos bancários; fê-lo concretamente a propósito do património acumulado pelos pais ao longo das suas vidas e que motiva a sua estranheza quanto ao valor total dos bens relacionados, sendo que o doc. 12 constitui um extracto de 2000 de conta da titularidade de DD, portanto anterior ao falecimento deste ocorrido cerca de 3 anos depois da data desse extracto, e a sua herança, como resulta dos autos, foi já objecto de processo de inventário e de partilha, nada de útil se podendo extrair desse documento relativamente ao património da inventariada, nomeadamente quanto a valores depositados, à data do seu óbito em 11/04/2021, vinte e um anos depois da data desse extracto; e o doc. 13 [apenas consultável na totalidade no processo electrónico], que na verdade é composto por diversos documentos dos quais só um é claramente identificável como respeitando a uma conta do Santander identificada como conta mista, regista os primeiros movimentos em 09/09/2003, permitindo estabelecer alguma conexão com a data do óbito de JS porquanto, de acordo com o que consta dos autos, ocorreu em Setembro de 2003, mas nenhum dos documentos que compõem o denominado documento 13 denota que em qualquer momento essa conta mista tenha tido o saldo que o Recorrente indica, nada de útil se podendo extrair para as dúvidas que lavram no Reclamante.
Sem prejuízo, os movimentos bancários sobre os quais o reclamante pediu esclarecimentos não versam sobre as realidades e as contas a que respeitam os citados documentos nºs 12 e 13, dizem apenas respeito a contas co-tituladas pelo cabeça de casal e pela mãe no Banco BCP (e não a quaisquer outras contas e noutras instituições bancárias), sendo que, como não deixou de se notar na sentença recorrida, no período em que o reclamante funda a sua suspeição e estranheza com base nos elementos pretéritos constantes desses documentos, isto é, de cerca de 20 anos até à data do respectivo óbito, AA poderia dispor do seu património, não tendo sido colocada em causa a sua capacidade para tanto e o Reclamante Recorrente não concretiza a estranheza que manifesta em qualquer acto que pudesse afectar a legítima e que tivesse que ser chamado à colação, pelo que não nos merece reparo a decisão tomada.
H) De seguros em nome da inventariada
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, em 15 dessa peça, consistiu em “Também se estranha que não haja qualquer seguro relacionado em nome da falecida, pelo que se requer que o Requerente venha prestar esclarecimentos a este facto.”
Além desses esclarecimentos, não apresentou nem requereu qualquer meio de prova.
Na decisão recorrida decidiu-se “XIII. De seguros em nome da inventariada
O reclamante suscita a existência de seguros.
O cabeça-de-casal declara que não existem.
Não existindo prova da sua existência, o tribunal indefere a reclamação com este fundamento.”
Diz o Recorrente na sua apelação que “…o tribunal a quo, uma vez mais, aceita, acriticamente, apenas e tão-só, a palavra do cabeça-de-casal, não empreendendo qualquer diligência probatória, nem sequer a mais elementar, para a descoberta da verdade quanto a este ponto.” e que “… bastaria ao tribunal a quo oficiar a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões para que tal entidade esclarecesse sobre a existência, ou não, de tal seguro de vida.” (cfr. pontos 145 e 146 das alegações).
Limitou-se o reclamante a, mais uma vez, estranhar “que não haja qualquer seguro relacionado em nome da falecida”, certo que, como já tivemos oportunidade de mencionar, a mera estranheza desacompanhada de quaisquer elementos que a corporizem, que permitam atribui-lhe um sustento fáctico, é juridicamente inócua por sobre ela ser insusceptível de recair qualquer produção de prova; e nenhuma prova ou diligência probatória foi por ele requerida.
Impendendo sobre o Reclamante o ónus de prova, não se vislumbra que o Tribunal a quo pudesse ter decidido de modo diverso na ausência de qualquer meio de prova por ele apresentado ou requerido, designadamente as diligências probatórias que agora indica por adequadas mas que oportunamente não solicitou, recordando-se que perante factos quanto aos quais o Reclamante, justificadamente, não dispusesse de meios de prova poderia e deveria o mesmo ter usado dos meios que a lei lhe faculta para obter para os autos informações de entidades terceiras (púbicas ou privadas) e para produzir prova documental em poder da parte contrária ou de terceiro.
Em acréscimo diga-se que apesar de na sua reclamação o ora Recorrente ter-se cingido a estranhar não haver qualquer seguro relacionado em nome da falecida sem mencionar a natureza dos seguros a que se referiria, fica agora esclarecido nas suas alegações que o seu foco seriam seguros de vida, o que afasta a utilidade de qualquer diligência probatória, ainda que alguma tivesse sido requerida. Isto porque, como é sabido, os seguros de vida garantem o risco morte do segurado e têm um beneficiário no caso de ocorrência do sinistro que, naturalmente, não é o segurado: ocorrendo o evento morte o capital do seguro integra a esfera patrimonial do beneficiário, pelo que nunca integraria o património da herança.
I) De bens imóveis pertencentes à sociedade S… & T…, S.A.
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, indicada como 18 nessa reclamação, consistiu em “Ainda quanto à sociedade S… & T…, SA, que passou a SA em 19/05/2009, importa mencionar que relativamente à alegada venda dos imóveis, a saber
1. Falaguerira – a 7.02.2018
2. São Jorge de Arroios – 31.12.2015
3. Arrentela – 21.03.2017
4. Garagem Sesimbra – fracção A – 15.06.2016
5. Fracção G – Sesimbra – 15.06.2016
Muito se duvida que os mesmos tenham sido efetivamente vendidos, sendo certo que nas datas em que os mesmos passaram para nome da sociedade já esta era SA, pelo que se requer igualmente a V. Exa. que o referido facto seja também esclarecido.”
Além desse pedido genérico de esclarecimento, não apresentou nem requereu a produção de qualquer meio de prova.
Na decisão recorrida decidiu-se “XV. De bens imóveis pertencentes à sociedade S… & T…, Lda.
Uma vez que consta que os imóveis foram vendidos pela inventariada à sociedade, não tendo sido impugnada a venda por simulação, consideramos que as diligências requeridas são inúteis, pelo que são indeferidas.”
Este aspecto prende-se directamente com o enunciado supra sob o título A), respeitando aos mesmos imóveis, com a diferença de que neste ponto o Reclamante limita-se a “duvida[r] que os mesmos tenham sido efetivamente vendidos”, mas não alega quaisquer factos no sentido de afectar a validade do negócio de compra e venda que subjaz ao registo do direito de propriedade da sociedade sobre eles, além de que não requereu a produção de qualquer concreta prova ou realização de diligências probatórias, pelo que a sua reclamação a esse respeito não poderia deixar de ser indeferida.
J) Do cheque 227, emitido no dia 10.07.2006, no valor de 50.000,00 euros;
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, nessa peça indicada sob o nº 20, consistiu em “Igualmente se requer uma explicação quanto ao cheque nº 227 que foi passado no valor de 50.000,00€, no dia 10/01/2006, do Banco Santander, pois desconhece-se a que título o mesmo foi passado.”
Além desse pedido genérico de explicações, não apresentou nem requereu qualquer meio de prova.
Na decisão recorrida decidiu-se “XVII. Do cheque 227 emitido no dia 10/01/2006, no valor de 50.000,00 euros
Novamente, tendo a inventariada falecido a 11-04-2021, estará em causa um ato de gestão que a inventariada fez em vida, não fazendo parte do objeto do processo de inventário.
Deste modo, indefere-se o requerido.”
Nas alegações de recurso o Apelante refere que “…pode consubstanciar uma doação, o que terá toda a relevância para os presentes autos”, e entende que “…devia ter o tribunal a quo determinado que o cabeça-de-casal promovesse as devidas diligências junto do banco Santander (dado ter sido um cheque desta instituição), de modo a compreender os contornos desta operação, entre o mais, qual a conta que recebeu a referida transferência, E, uma vez feito esse apuramento, notificar o beneficiário para vir esclarecer ou depor sobre as circunstâncias pelas quais a inventariada emitiu um cheque no valor de € 50.000,00 em seu nome” (pontos 158 a 160 das alegações).
Mais uma vez, apenas agora em sede de recurso o reclamante levanta a hipótese - nada concretizando - de que a emissão daquele cheque pudesse consubstanciar uma doação da inventariada. Trata-se, também neste caso, de questão que não foi posta à apreciação do Tribunal de 1ª instância e, por isso, consiste numa questão nova, cujo conhecimento por parte deste Tribunal se mostra afastado.
De outra banda, o Reclamante não requereu a realização de qualquer diligência probatória, designadamente aquelas que agora entende que deveriam ser ordenadas, certo que, como sobejamente explanado inicialmente, o inquisitório não deve ser actuado para o Tribunal se substituir totalmente à parte à qual cabe o ónus de alegação e prova.
Por outro lado, como já noutro passo tivemos oportunidade de mencionar, no período de cerca de 15 anos decorrido desde a emissão do cheque em causa e o respectivo óbito, AA poderia dispor do seu património, não tendo sido colocada em causa a sua capacidade para tanto e o Recorrente na sua reclamação não invocou qualquer acto concreto relativo à emissão do cheque ou conexionado com essa emissão que pudesse afectar a legítima, pelo que não nos merece reparo a decisão tomada.
e
K) Da transferência realizada para o Requerido de uma conta da falecida para uma conta sua no valor de 150 mil euros.
A este respeito a reclamação do ora Recorrente, aí indicada sob o nº 23, consistiu em “Por fim, o Requerente tem conhecimento da realização de uma transferência realizada para o requerido de uma conta da falecida para uma conta sua no valor de 150 mil euros, desconhecendo-se o destino e utilização deste montante, esclarecimento que igualmente se solicita (cfr. documento nº 15)”
Juntou o dito documento nº 15, que, como se diz na decisão recorrida, aparenta ser um extracto de conta do período de 01/01/2005 a 31/05/2005.
Na decisão sob recurso decidiu-se “XIX. Da transferência realizada transferência realizada para o Requerido de uma conta da falecida para uma conta sua no valor de 150 mil euros
O requerido [querendo referir-se ao requerente do inventário/reclamante] junta, como documento 15, um aparente extrato de conta, datado de 1 de janeiro de 2005 a 31 de maio de 2005.
O cabeça-de-casal responde que se trata de uma transferência de há 16 anos, entre contas da inventariada.
Cumpre apreciar e decidir.
O movimento bancário foi feito em vida da inventaria, 15 anos antes de falecer, não havendo qualquer indício probatório de que se trata de um ato com relevância para o processo de inventário.
Deste modo, o tribunal indefere a reclamação nesta parte.”
A este respeito o Recorrente refere que à posição tomada pelo cabeça-de-casal respondeu “…que para confirmar o alegado pelo cabeça-de-casal, deve ser junto aos autos um extrato da conta para a qual foi realizada a transferência, de modo a confirmar-se se tal conta era apenas da inventariada ou também do cabeça-de-casal) (cfr. pontos 164 e 165 das alegações).
Começamos por recordar o que inicialmente assinalámos quanto ao princípio de concentração que actualmente molda o processo de inventário, o qual, no que ao caso importa, concretizado no art.º 1105º nºs 1 e 2 do CPC apenas prevê dois articulados subsequentes à apresentação da relação de bens: a reclamação à relação de bens e a resposta a esta reclamação, sendo a primeira o acto processual no qual o reclamante tem de concentrar a sua posição relativamente a ela, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens, e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado.
Por isso, e como acima logo assinalado, o requerimento de 28/09/2022 a que o Recorrente se refere, por si apresentado para responder à resposta do cabeça de casal à reclamação por aquele apresentada, constitui uma peça legalmente inadmissível não podendo ser atendido.
Por conseguinte, apenas haverá que atender ao que o Reclamante fez constar na sua reclamação à relação de bens, e nesta o que alegou acerca do aspecto agora em apreço cingiu-se ao que acima transcrevemos.
Perante essa sua posição temos, por um lado, que tendo-se o Reclamante limitado a pedir esclarecimentos do cabeça-de-casal este prestou esclarecimentos: podem não ter correspondido às expectativas do reclamante, mas foram prestados, e no momento processual próprio ele nada mais requereu em termos probatórios. Por outro lado, e em vista do documento que juntou, verifica-se, pelo destaque que no documento foi inserido (apesar de não alegado, senão agora nas alegações de recurso), estar em causa uma transferência a débito realizada em 16/03/2005, de uma conta mista de que seria titular a inventariada, não sendo possível do documento tomar-se conhecimento da identidade de outros co-titulares e de que co-titular ordenou a transferência.
De outra banda, é aqui igualmente aplicável o que já bastas vezes referimos; admitindo ter sido a inventariada a ordenar a transferência em causa, não podemos deixar de atentar em que no período de cerca de 16 anos decorrido desde essa operação bancária e o respectivo óbito AA poderia dispor do seu património, não tendo sido colocada em causa a sua capacidade para tanto e o Recorrente na sua reclamação não invocou qualquer acto concreto relativo à transferência bancária ou com ela conexionado que pudesse afectar a legítima, pelo que, também neste caso, não nos merece reparo a decisão tomada.
*
Por fim, há que analisar a pretensão do Recorrente quanto à remessa das partes [não dos autos, como sempre diz] para os meios comuns relativamente a alguns dos segmentos decisórios objecto da sua apelação.
Defende esse entendimento quanto ao Ponto I - Da omissão de relacionamento dos imóveis e das rendas dos imóveis; Ponto IV - Da omissão de bens doados em vida aos interessados; Ponto - VIII Da omissão de relacionamento de contas bancárias em nome de DD, relativamente a parte da herança e não distribuída pelos interessados; Ponto XI – Do levantamento pelo Cabeça-de-Casal, no ano 2012, de cheques ao balcão do BES num valor de cerca de €2.000.000,00; Ponto XII - Do movimento das contas bancárias; Ponto XVII – Do cheque 227 emitido em 10.01.2006, no valor de €50.000; e Ponto XIX – Da transferência realizada para o Requerido de uma conta da falecida no valor de €150.000,00, os quais correspondem aos pontos identificados no recurso sob as als. A), B), D), F), G), J) E K).
De acordo com o disposto no art.º 1093º nº 1 CPC são dois os elementos que autorizam que o juiz remeta os interessados para os meios comuns:
- que a matéria de facto seja complexa;
- e que essa complexidade torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes.
Em anotação ao (novo) regime do processo de inventário, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, págs. 10/11, referem o seguinte: “O novo modelo do processo de inventário continua a prever a remessa das partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão prejudicial não se compatibilize com a sua apreciação incidental (arts. 1092º, 1, b, 1093º, 1 e 1095º, 1), nomeadamente porque as limitações decorrentes do disposto nos arts. 292º a 295º (aplicáveis ex vi do art.º 1091º) afectariam as garantias das partes. A necessidade desta remessa para os meios comuns é consequência, sob um ponto de vista formal, da estrutura do processo de inventário, e da resolução de inúmeras questões controvertidas em incidentes nominados ou inominados e, sob uma perspectiva substancial, do tipo de questões prejudiciais que podem surgir no processo de inventário (como as respeitantes à interpretação ou validade de um testamento ou à indignidade sucessória de um herdeiro). Estas questões podem ser complexas em matéria de facto, mas o que realmente justifica a remessa dos interessados para os meios comuns não é tanto esta complexidade, mas muito mais a garantia de um processo equitativo a esses interessados”.
E em anotação ao art.º 1093º do CPC (in obra citada pág. 32) os referidos autores fazem constar que “As questões prejudiciais abrangidas pelo nº 1 são, fundamentalmente, aquelas que, não dizendo respeito à definição dos direitos sucessórios das partes do processo, se repercutam na determinação quer dos bens que integram o acervo hereditário, quer do passivo pelo qual é responsável o património a partilhar. O nº 1 abrange, por exemplo, os casos em que certo bem foi relacionado pelo cabeça-de-casal como pertencendo à herança ou como tendo determinado conteúdo ou objecto material, mas contra essa relacionação foi deduzida reclamação ou impugnação por qualquer interessado (art.º 1104º, nº 1, al. d)) (…) Sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo hereditário ou o passivo que onera este acervo, a regra é a de que o juiz – como decorrência do principio segundo qual o Tribunal competente para a acção é também competente para conhecer os incidentes que nela se levantam (art.º 91º, nº 1) – deve dirimir todas as questões suscitadas e convertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, ou seja, uma partilha equitativa da comunhão hereditária. No entanto, a apreciação incidental, no âmbito do processo de inventário, das questões atinentes à determinação dos bens que integram o património hereditário ou ao passivo deste património nem sempre será possível ou conveniente: a) O n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matériade facto subjacente à questão tornar inconveniente, na óptica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificadas e às limitações probatórias (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos arts. 1105º, n.º 3, e 1110º, n.º 1, al. a). Apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efectiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflecte-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória.”
Já Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, em anotação ao art.º 1093º referem que “[q]ualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art.º 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”. (…) Todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cf. art.º 1091º, n.º 1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art.º 91º, n.º 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns. (…) Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art.º 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art.º 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias”.
A “resolução, no âmbito do processo de inventário, de questões de natureza incidental obedece a uma tramitação menos solene do que a consagrada para o processo comum e mesmo para certos processos especiais, designadamente no que concerne aos meios probatórios admissíveis (arts. 1091 e 1105º, n.º 3), o que poderá justificar que não sejam sacrificados os valores da segurança e da justiça em função da maior celeridade na conclusão do processo de inventário. Para o efeito, será importante apreciar as razões apresentadas, quer no sentido da resolução incidental das questões, quer dos benefícios da remessa para os meios comuns”. E mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns … apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns” (destaques nossos).
Como já antes referia Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2004, pág.268, em anotação ao art.º 1350º do CPC de 1961, “A decisão incidental das reclamações em sede de inventário não pressupõe necessariamente que as questões suscitadas possam ser objecto, pela sua simplicidade, de uma indagação sumária, mediante apenas certos tipos de prova, “máxime” documental, seguida de decisão imediata: a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exacta definição do acervo hereditário a partilhar, podendo no entanto, excepcionalmente, em caso de particular complexidade da matéria de facto a apreciar – e para evitar redução das garantias das partes – usar da possibilidade prevista no estatuído no n.º 1 do art.º 1093º do CPC.”
Dos ensinamentos desses autores percebe-se a preocupação do legislador em destacar a complexidade da matéria de facto a apreciar e decidir, em detrimento da natureza da matéria, atenta a circunstância de ser a prova da matéria de facto subjacente às questões suscitadas - que as partes têm o ónus de alegar e provar - aquela que se pode afigurar mais difícil para as partes, atentas as necessárias limitações das provas que podem ser produzidas no âmbito incidental do processo de inventário.
Ora, o Reclamante não alegou qualquer factualidade de apuramento complexo, até porque relativamente a todos os aspectos que fez constar da sua reclamação à relação de bens foi parco na alegação de factos e pródigo na afirmação de estranhezas e dúvidas, e não aportou aos autos, nem protestou fazê-lo, elementos probatórios de análise complexa ou morosa, não solicitou, designadamente com intervenção do Tribunal, a produção de meios prova de difícil obtenção junto de terceiros ou da contraparte, que pudessem recomendar, a bem das garantias das partes, a apreciação nos meios comuns; sendo que será com base na alegação dos factos e na prova proposta pelos interessados que o Tribunal poderá avaliar da necessidade, que se reveste de excepcionalidade, como vimos, de remeter as partes para os meios comuns.
Por conseguinte, não se vislumbra que relativamente a qualquer dos segmentos decisórios impugnados, e concretamente aos acima mencionados, não pudesse o Tribunal a quo ter decidido no âmbito do processo de inventário.
Aqui chegados, só resta negar provimento ao recurso, confirmando in totum a decisão recorrida.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão de 1ª instância.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Lisboa, 30/04/2025
Amélia Puna Loupo
Octávio Diogo
Maria Carlos Calheiros