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HIPOTECA
PERSI
ABUSO DE DIREITO
CITAÇÃO
INTERPELAÇÃO
VENCIMENTO ANTECIPADO
TRANSMISSÃO
Sumário
I – Um contrato de crédito para a aquisição de habitação própria permanente e garantido por hipoteca sobre bem imóvel, cai no âmbito da previsão do art. 2/1 do DL 227/2012. II – O PERSI deve ser cumprido mesmo em relação aos herdeiros do executado parte nesse contrato de crédito, sendo que a qualificação do contrato é determinada no momento da celebração. III – As circunstâncias previstas no art. 17/2 do DL 227/2012 como fonte do poder de extinção do PERSI pelo credor bancário, não lhe permitem dispensar-se ou exonerar-se de integrar o devedor no PERSI, ou fazer juízos de inexigibilidade, de impertinência ou de inviabilidade do PERSI, regime imperativo que tem de cumprir, salvo situações, com rigorosos pressupostos específicos, em que se comprove que a invocação da falta da condição de admissibilidade da execução incorreria em abuso de direito. IV – Tanto mais que aquelas circunstâncias (como, por exemplo, o facto de o imóvel hipotecado ter sido arrestado ou penhorado, ou ter sido doado ou alienado, ou já ter havido um outro PERSI ou um outro qualquer processo de regularização) não implicam a extinção automática do PERSI pois que estão sujeitas (com posterior controlo judicial) aos critérios da proporcionalidade, de inexigibilidade e da boa fé. V – No caso dos autos não há quaisquer indícios de que o executado habilitado embargante esteja a incorrer em abuso de direito ao invocar a falta de condição de admissibilidade da execução, ainda para mais porque há prova de i\ pagamentos de prestações posteriores à data do alegado incumprimento do contrato, ii\ de que continuaram a ser feitas prestações, iii\ de que ainda à data dos embargos o credor bancário continuava a aceitar amortizações e iv\ há quantias correspondentes a mais de 4 ou 6 anos de amortizações depositadas na conta por onde elas se processavam. VI – A execução sumária (sem citação prévia à penhora) não pode ser usada para executar o alegado vencimento antecipado de um crédito garantido por uma hipoteca quando não se alega a interpelação do devedor (art. 550/1-2c do CPC), pois que a citação posterior à penhora não pode servir de interpelação, o que, no caso seria, só por si, uma causa de extinção da execução e mais um indício da má fé da exequente inicial e não do executado habilitado embargante. VII – “A exequente tinha o ónus de exigir da seguradora o pagamento da dívida, dentro dos limites do capital seguro; A inobservância do ónus de exigir da seguradora o pagamento da dívida, dentro dos limites do capital seguro, determina a inexigibilidade da obrigação exequenda.” No entanto, este fundamento da extinção da execução e também da má fé da exequente, estaria dependente da prova da subsistência do seguro por ter estado a ser pago o prémio do mesmo (até à doença e/ou morte do 1.º executado), prova que caberia ao executado embargante, pelo que, aqui, ainda não poderia ser utilizado. VIII - No âmbito de um contrato de crédito para aquisição de habitação própria, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime decorrente do DL 227/2012, pelo que a actual exequente não teria legitimidade para prosseguir a execução sem extinção do PERSI.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 27/07/2016, a C-SA intentou contra FM e AF uma execução para obter dele o pagamento de 114.875,04€ de capital, mais juros vencidos de 14/05/2015 a 29/06/2016 no valor de 3.323,50€; mais comissões no valor de 197,90€; mais imposto de selo, no valor de 132,94€; mais os juros vincendos e imposto selo vencido e vincendo, devidos até efectivo e integral pagamento. Alegou que por escritura notarial (doc.1 que junta) de 14/04/2009 emprestou ao 1.º executado, pelo prazo de 41 anos, a importância de 103.000€, a liquidar 492 em prestações mensais. A taxa de juro contratada foi a Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 1,85%. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada em 4%. Para garantia de todas as dívidas que emergissem [de tal empréstimo] para o 1.º executado, o 2.º constituiu-se, individual e solidariamente, fiador e principal pagador, com expressa renúncia do benefício da excussão prévia, cf. o doc.1. Também, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato, o 1.º executado constituiu uma hipoteca a favor do exequente sobre a fracção autónoma, designada pela letra “BM”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de S sob o número 0001 da freguesia de A, e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 0002, hipoteca que se encontra-se registada a título definitivo a favor da C pela inscrição AP. 3 4 de 26/09/2001 de 24/03/2009 [a C confundiu as apresentações; a correcção foi feita por este TRL, sendo que o erro também é assinalado pela embargada], que garante o montante máximo de capital e acessório de 144.960,14€, conforme se alcança da certidão predial/doc.2. A quantia emprestada foi efectivamente disponibilizada ao 1.º executado, mediante crédito processado na sua conta de depósitos à ordem, domiciliada na agência da C, cf. doc.1, que movimentou e utilizou em proveito próprio, confessando-se devedor da mesma perante a C, cf. doc.1. Por aditamento ao contrato exarado a 16/10/2014, as partes acordaram que o prazo do contrato passaria a ser de 45 anos contados desde 14/04/2009, e que a C teria a faculdade de, a todo o tempo, capitalizar os juros remuneratórios em caso de incumprimento da obrigação de pagamento de juros remuneratórios, tudo cf. doc.3. O executado interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 14/05/2015, nada mais tendo pago por conta do mesmo, apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pela C, situação que determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga. A partir de 29/06/2016 exclusive, a dívida será agravada diariamente em 16,86€, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 5,271%, acrescida do imposto de selo devido e das despesas extrajudiciais que a C efectue de responsabilidade do devedor.
Não o diz, mas consta do contrato que o crédito é para a compra de habitação (própria permanente como é acrescentado no documento complementar do contrato; consta também deste documento que a quantia foi entregue na conta 301/4, onde seriam feitos os pagamentos; que o empréstimo é regulado pelo DL 349/98, que o spread foi atribuído tendo em conta a relação que o devedor vem mantendo com a C e com empresas do Grupo, relevando para este efeito a sua adesão aos seguintes produtos, pack Caixa e pack ligação - o qual integra os produtos seguintes: seguro de vida do devedor em seguradora do Grupo e que se o devedor vier, por qualquer forma, a extinguir aqueles packs a C poderá alterar o spread, podendo os mesmos ser extintos se por qualquer forma se extinguir qualquer um dos respectivos produtos; que a C poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso, designadamente, de incumprimento pelo devedor de qualquer obrigação decorrente deste contrato: cláusula 14, dita de ‘incumprimento/exigibilidade antecipada’).
Sobre a fracção autónoma do executado e hipotecada à C recaíam as seguintes penhoras [cf. certidão de teor predial junta aos autos [a 03/08/2016 – este TRL corrigiu a identificação do exequente e do processo da segunda penhora; o erro também é assinalado pela embargada]: (a) AP. 5 de 26/09/2011 – data da penhora: 26/09/2011 - Quantia exequenda: 5.804,23€; exequente Fazenda Nacional, concretizadas no âmbito de um processo de execução fiscal; (b) AP. 6 de 26/06/2015 - data da penhora: 23/05/2014 - Quantia exequenda: 3.160,20€ – exequente BSCP-SA, processo executivo comum.
A 03/08/2016, o Agente de Execução penhorou o imóvel a favor da C – registada nessa data - no âmbito destes autos e enviou cartas para citação dos executados.
A 19/08/2016, o 2.º executado (citado a 16/08/2016) deu conhecimento aos autos do falecimento do 1.º
Na consulta ao registo da Segurança Social o 1º executado já constava como falecido.
O assento de óbito foi junto a 01/09/2016, sendo o falecimento de 06/11/2015, no estado de solteiro, com 45 anos (foi lavrado com base em certidão de óbito civil suíça, já que foi em Genebra que faleceu).
A 01/09/2016, o AE suspendeu a instância.
A 30/11/2018, no incidente de habilitação deduzido pela C (apenso A) foram habilitados no lugar dele, os “herdeiros” do 1.º executado: IK (mãe de pelo menos as duas filhas menores); MLM; MAM; e AMEM. Todos eles foram citados (na pessoa de uma “prima”, a 24/08/2018) na morada da fracção penhorada: […]. Na participação de transmissões gratuitas para a Autoridade Tributária, junta a 16/04/2018, constam apenas os 3 filhos como descendentes e herdeiros (já que foi 1/3 para cada um deles); as duas menores dadas como residentes no imóvel em causa; o filho maior dado como residente em Madrid; a mãe das filhas menores exercia o cargo de cabeça-de-casal por ser a representante das duas filhas; no requerimento de habilitação de herdeiros, feito pela C, todos eles, mãe e 3 filhos foram dados como residentes no imóvel, indicando-os a todos como herdeiros: juntou os assentos de nascimento da mãe e das duas filhas de ambos: uma nascida a 16/06/2009, por isso, à data do falecimento do pai com 6 anos; a outra nascida a 17/02/2012; não juntou assento de nascimento do filho mais velho).
Tentou-se a citação pessoal dos executados habilitados para os termos da execução e da penhora a 07/06/2019, sem êxito, pelo que foram depois citados por edital por determinação do AE a 13/06/2019.
A 17/07/2019 consta folha a dar notícia do cancelamento da penhora da FN e da renovação da execução do BSCP.
Na consulta do registo predial de 08/10/2019 constata-se o cancelamento da penhora da execução do BSCP.
A 15/10/2019, o AE cita o MP em representação dos executados habilitados.
Na consulta do registo predial de 12/11/2019 constata-se o cancelamento da penhora da execução fiscal.
A 22/11/2019 e 17/12/2019 foram juntos ofícios de nomeação de patrono aos executados habilitados.
A 03/12/2019, a AE, depois das citações dos credores, começa as diligências de venda.
A 06/01/2020, a C requer que a fracção autónoma seja vendida em leilão electrónico.
A 20/01/2020, a AE anuncia a venda em leilão electrónico.
A 06/02/2020, a execução recebe notícia da sentença de graduação de créditos (apenso B).
A 24/06/2020, a EO-S.A., requereu (apenso C) um incidente de habilitação de cessionário contra os (herdeiros de) FM e C, com base numa cessão de créditos da C à requerente.
Por sentença de 15/07/2020 a requerente foi julgada habilitada para prosseguir a execução no lugar da C.
A 01/10/2020, o AE deu notícia de que concluído o leilão electrónico, verifica-se que a melhor proposta é superior a 85% do valor base, pelo que será promovida a adjudicação do bem ao proponente […].
A 03/11/2020, dá-se notícia de que vão ser entregues 100.000€ + 12.719,14€ de resultados obtidos na execução [com a venda] à C [mas foram entregues à exequente habilitada]. Os comprovativos são enviados para a mandatária da C (a 15/11/2020 no processo electrónico – conferir, por exemplo, junção da procuração pela C a 05/03/2020).
A 19/04/2021, o adquirente da fracção autónoma vem requerer que seja ordenada a entrega imediata do imóvel ao requerente e seja autorizado o auxílio da força pública para a entrega coerciva do imóvel ao requerente.
A 19/10/2021, o AE notifica o morador no imóvel de “que iremos proceder à entrega do imóvel com recurso ao arrombamento das portas e mudança de fechaduras, com auxílio da força policial, no próximo dia 26/10/2021.
Nesse dia (26/10/2021) não se realizou a diligência, porque se encontrava a ocupar a fracção autónoma a Sr.ª AK e que seria irmã da mãe das filhas do 1.º executado), e não tinha condições para sair e ir para outro local.
A 03/11/2021, AMEM, na qualidade de herdeiro do 1.º executado, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 851 do CPC a anulação da execução, o que fez nos termos e com os seguintes fundamentos (com alguma síntese feita por este TRL):
O 1.º executado faleceu em 06/11/2015, no estado de solteiro; como seus únicos e universais herdeiros, seus filhos: AMEM maior, solteiro; e MLM e MAM, ambas menores; o executado adquiriu o imóvel no dia 14/04/2009; após o falecimento do executado, continuaram os herdeiros a efectuar o pagamento do crédito à C, conforme conjunto de recibos que se juntam como doc.3; tendo ficado a residir no imóvel uma sobrinha do executado e os filhos do executado quando visitam Portugal ai ficam instalados; após reunião junto da C realizada durante Nov/2019, entre a representante dos herdeiros menores (mãe) foi-lhe transmitido que deveriam continuar a efectuar o pagamento da prestação mensal referente ao crédito bancário e apenas depois de liquidado o empréstimo se poderia fazer a escritura de partilha do imóvel; assim, fizeram os herdeiros; até ao passado dia 19/10/2021 os herdeiros do executado falecido não tinham conhecimento da existência da presente execução; nunca foram notificados/citados para intervir nos autos nem tão pouco receberam notificações/citações endereçadas ao falecido; tais factos consubstanciam fundamento para a invocação, que pode ser feita a todo o tempo, dos fundamentos previsto no artigo 696/e do CPC; pelo que vêm os herdeiros requerer que se declare a anulação da venda realizada no âmbito dos presentes autos, ordenando de imediato que sejam sustados todos os termos da execução uma vez que existe uma ordem de despejo para ser cumprida até ao final do presente mês; tal efectivação desse despejo significaria não só a violação do direito de propriedade dos herdeiros do executado como representaria uma tragédia familiar; foi ainda violado o direito de remição nos termos do disposto no art. 842 e seguintes do CPC dos descendentes do executado; o reclamante tem legitimidade, está em tempo, nos termos do disposto no artigo 851 do CPC para requer a presente anulação.
Juntou 11 recibos de 11/10/2011, 13/08/2021, 09/06/2021, 11/05/2021, 13/04/2021, 12/01/2021, 03/06/2020, de 08/05/2020, de 17/04/2020, de 10/03/2020, de 14/02/2020, de depósito de 350€ na conta ... do 1.º executado, no total de 3850€. Juntou habilitação de escritura notarial de habilitação de herdeiros (só os três filhos).
A exequente não contestou o incidente (apesar de notificada para o efeito – registos no processo electrónico de 01/04/2021). A 15/07/2023, foi proferida decisão a julgar procedente o incidente de nulidade e declarada nula a citação edital efectuada ao executado/habilitado AMEM, bem como os actos posteriores à mesma, nomeadamente a venda judicial realizada nos autos, devendo o Sr. AE, de imediato, proceder à devolução do montante liquidado pelo adquirente, e comunicar à CRP.
A 20/05/2024 é junto aos autos [de execução] o a/r da carta enviada ao executado habilitado filho AMEM da citação para a execução e para a penhora do imóvel efectuada a 16/04/20254. A 06/06/2024, AMEM, na qualidade de executado habilitado, deduziu embargos de executado alegando, entre o mais, o seguinte (na parte que importa):
O seu pai foi vítima de doença perlongada, tendo dado entrada no Hospital Universitário da Genebra em data que não se consegue precisar onde veio a falecer; no dia 01/01/2013 entrou em vigor o DL 227/2012, de 25/10, instituindo o chamado plano de acção para o risco de incumprimento – PARI, e veio regulamentar o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI”, o qual é aplicável aos 2 contratos objecto dos autos nos termos do disposto no artigo 2/1-a-b-c-d; atento o disposto nos artigos 12 a 21 do citado diploma, resulta a obrigatoriedade do exequente enquanto instituição de crédito, implementar o PARI e iniciar o PERSI. Nos termos do disposto nos artigos 13 e 21 do regime daquele DL, o exequente tinha a obrigação de, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação de informar os 2 executados/iniciais, e, posteriormente de os integrar no PERSI, “entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.” E no âmbito de tal procedimento, apresentar uma ou mais propostas de regularização da situação adequada à sua capacidade financeira para reembolsar o capital, designadamente através de renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito – art. 15. Estando obrigado a informar o fiador, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21/3. Conforme resulta do art. 18/1-a-b, entre a data de integração dos executados e fiadores no PERSI e a extinção deste procedimento, a exequente estava impedida de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. A exequente não integrou os 2 executados iniciais no PERSI, que nem sequer implementou, o que sucedeu igualmente com os 2 executados [sic] que nunca interpelou ou contactou nesse sentido. Pelo que era-lhe vedada a interposição da execução e por isso o requerimento executivo devia ter sido indeferido liminarmente: art. 726/2-b do CPC, pois a falta de inclusão do executado no PERSI e a sua comunicação ao fiador, constitui uma “excepção dilatória insuprível inominada por falta de condição objectiva de procedibilidade”, de conhecimento oficioso: neste sentido, os acórdãos do STJ de 13/04/2021, proc. 1311/19.7T8ENTB.E1.S1, de 19/05/2020, proc. 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, e 19/05/2020, proc. 4701/16.3T8MAI-A.P1.S2. Sendo as supra-referidas disposições legais têm natureza imperativa conforme firmado pelo TRC [sic]: […] normas imperativas, uma ordem pública de protecção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial protecção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e protecção.” Resultando, de forma indubitável que a violação de tais normas, como efectivamente sucedeu, acarreta a nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 294 do CC. Estando em tempo, requer ao tribunal se digne apreciar a invocada excepção de conhecimento oficioso.
Por outro lado, verifica-se a falta de resolução do contrato de mútuo; claro que perante o incumprimento do contrato pelo consumidor, por falta de pagamento das prestações, assiste ao credor o direito à resolução do contrato; mas isso só depois de verificar-se o incumprimento definitivo do contrato, o qual apenas ocorre quando preenchidas as condições estabelecidas no art. 20/1-a-b do DL 133/2009 de 02/06, o que não aconteceu no caso concreto. Ora, se a execução é instaurada, sem que se mostrem preenchidas estas condições, tal implica a verificação de mais uma excepção dilatória inominada ou atípica, que conduzirá à absolvição dos executados da instância executiva, excepção esta de conhecimento oficioso.
Ainda, a verdade é que a falta de resolução do contrato de mútuo acarreta uma consequência para o exequente – o seguro de vida subscrito obrigatoriamente na data da celebração do contrato encontra-se válido. Seguro de vida que prevê que em caso de morte o valor de empréstimo ainda por liquidar é amortizado. Assim como prevê que no caso de situação comprovada de incapacidade do tomador, nomeadamente por doença também existe previsão de amortização de crédito ou suspensão de pagamentos. O contrato foi solicitado ao Banco e este não o cedeu aos herdeiros, pelo que se requer que seja ordenada a junção aos autos de todos os documentos subscritos pelo executado inicial e que fazem parte integrante do contrato de mútuo celebrado, tais como, os seguros inerentes subscritos. Como se comprovará o executado mutuário deixou de pagar as prestações por impossibilidade involuntária e que uma vez dado conhecimento ao exequente, acarreta da parte deste o accionamento do seguro de vida. Coisa, que o exequente não fez, convenientemente, quando a ex-companheira do falecido deu conhecimento do seu internamento na Suíça.
Por fim, cumpre informar que se encontra depositada na conta bancária titulada pelo falecido executado, na qual eram debitadas as prestações referentes ao contrato de mútuo, a quantia de 17.365,98€, conforme declaração da C que se junta como doc.3. Ora, não conseguimos apurar desde quando tais quantias se encontram depositadas, mas sabemos que se destinavam ao pagamento das prestações do mútuo e é importante esclarecer a data em que tal quantia foi depositada, mas o banco negou a informação ao herdeiro.
Não podemos deixar de relembrar as várias nulidades já verificadas nos autos desde o início do processo, tendo inclusive conduzido a anulação da venda judicial do imóvel realizada. A actual exequente contestou impugnando o alegado pelo executado habilitado e excepcionando; alega para o efeito, em suma, o seguinte:
Da alegada falta de interpelação/resolução do contrato: A C interpelou o mutuário para pagamento das prestações vencidas, conforme doc. 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, não tendo procedido à sua regularização, pelo que se encontra legitimada a cobrança do contrato vencido. Para além do disposto no artigo 781 do Código Civil que prevê o vencimento antecipado por falta de pagamento de prestações, também o contrato executado contém essa previsão nos casos de incumprimento contratual, nos termos da cláusula 14.ª do documento complementar anexo à escritura, que prevê o vencimento antecipado nos casos de propositura contra a parte devedora de qualquer execução, oneração do imóvel e diminuição das garantias do crédito.
Nos termos do disposto no artigo 2.º/1-a do DL 133/2009, de 02/06, estão excluídas do seu âmbito de aplicação, as operações relativas a contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre coisa imóvel, que corresponde à operação executada nos presentes autos. Pelo que não procede todo o invocado pelo embargante ao abrigo do supracitado DL
No caso, estamos perante a inexigibilidade de integração em PERSI, não se verificando a invocada excepção dilatória inominada: nos termos do disposto no artigo 17/2-a do DL 227/12, o PERSI pode ser extinto pela instituição de crédito se existir penhora a favor de terceiros sobre bens do devedor. Ora, à data do incumprimento e da instauração da presente execução, encontravam-se registadas penhoras a favor de terceiros sobre o prédio objecto de garantia. Pelo que, não se vislumbra pertinência num procedimento, cujo fundamento para a sua extinção se encontrava, à partida, verificado. O facto de à data do incumprimento do contrato em apreço correrem termos execuções movidas por terceiros, a favor das quais foram registadas penhoras sobre o imóvel garantia do contrato torna inviável a possibilidade de regularização ou reestruturação do crédito. A este propósito diz-nos o ac. do TRE [de 08/11/2018], proc. 246/16.0T8MMN-A.E1 “Se à partida se sabe que procedimento a iniciar vai ser extinto pelo facto de já existir penhora a favor de terceiro, sobre os bens do devedor, não faz sentido, até, atento o principio de limitação dos actos, a realização de actos inúteis, não devendo a não integração no PERSI, no caso em apreço, ser obstáculo à instauração da presente acção executiva no que concerne ao incumprimento do contrato de mútuo (…)”. Sendo que. essas execuções também representam uma diminuição da garantia, o que determina a perda do benefício do prazo, nos termos do disposto no artigo 780 do CC. Não se concebe a tentativa de regularização de um crédito vencido, com a implementação do PERSI, quando se verifica o incumprimento do mesmo por razões diversas da mora. Além disso, existem outras situações que, embora concorrendo com uma situação de mora do cliente bancário, se podem sobrepor à mesma, seja no sentido de excluírem a aplicação do PERSI, seja no sentido de extinguir o PERSI que tenha sido iniciado. Tais situações correspondem às previstas no art. 17/2 do DL. No mesmo sentido, o ac. do TRC de 13/12/2022, proc. 2314/20.4T8ACB-A.C1. Invoca ainda uma decisão do Juízo de Execução do Porto - Juiz 7, de 12/06/2024, proc. 5823/21.4T8PRT [que junta e que segue os outros dois].
Assim, não se mostrando preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime PERSI, improcede também a alegada falta de integração neste procedimento.
Da alegada existência de contrato de seguro de vida válido: De acordo com a informação facultada pelo banco cedente, o seguro de vida subscrito na Fidelidade aquando da contratação do empréstimo encontra-se cancelado desde o início da subscrição por falta de pagamento. Também os herdeiros não comunicaram o óbito, nem apresentaram qualquer documentação para efeitos de accionamento de eventual seguro de vida. Nem o embargante fez qualquer prova da sua existência e validade, conforme lhe competia, o que, de todo o modo, nunca seria possível, face a informação dada pela entidade cedente.
O alegado seguro de vida foi subscrito pelo mutuário e por entidade terceira, não tendo a ora exequente conhecimento dos seus termos, pelo que se impugna especificamente os artigos 46 e 47 dos embargos. Tal como não são do conhecimento pessoal da exequente os factos alegados pelo embargante quanto à situação de saúde do mutuário e as diligências que terá alegadamente encetado para fazer prova da mesma, designadamente, nos artigos 3, 4 e 49, pelo que se impugnam. Sendo certo que não foi comunicado à ora exequente o alegado internamento do mutuário, pelo que impugna o artigo 50 dos embargos. Por último, a exequente desconhece a proveniência e/ou finalidade de qualquer/quaisquer quantias que se encontrem depositadas na conta do mutuário, pelo que se impugnam os artigos 53 e 54 dos embargos.
Juntou 3 folhas impressas, duas com alegadas cartas dirigidas ao 1.º executado a pedir a regularização do incumprimento em 30/10/2015 e 25/01/2016 (onde não se fazem referências ao vencimento antecipado de toda a dívida) e uma a informar da remessa para o tribunal em 18/04/2016 (para cobrança da totalidade da dívida), sem juntar outra prova do envio de tais cartas.
A 13/09/2024, depois da contestação, a actual exequente juntou uma demonstração da nota de débito do valor peticionado, emitida pela C a 29/06/2016, onde consta, entre o mais, que a última prestação paga foi em 13/10/2015 e da qual resulta que, por exemplo, a prestação 85, de 14/05/2016, teria o valor total de: 339,48€ [= 109,26€ de amortização, 215,05€ de juros, 0,40€ de juros de mora, e 14,77€ de comissões] e, a de 10/05/2015 foi paga com 256,96€ [100,79€ da capital, 156,17€ de juros].
A 25/10/2024 foi proferido despacho saneador sentença, julgando verificada a excepção dilatória inominada de omissão da obrigação de integração do executado/opoente no PERSI, e decidindo absolver o executado/opoente da instância executiva, ordenando-se a extinção da execução. A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação:
Como consta do preâmbulo do DL 227/2012, visa o mesmo “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.”
A par de um plano de acção para o risco de incumprimento (PARI), traduzido em procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito, foi definido um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), “no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
Este diploma – que foi desenvolvido através do Aviso do Banco de Portugal 17/2012, de 17/12 [TRL: está revogado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021] - introduziu, assim, na nossa ordem jurídica, princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (susceptíveis de serem qualificados como consumidores para efeitos da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei 24/96, de 31/07) e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações (vide Portaria 2/2013, de 02/01).
Entrou o mesmo em vigor em 01/01/2013 – artigo 40 -, ou seja, em momento muito anterior àquele no qual ocorreu o incumprimento por parte do executado/opoente.
Considerando que o imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a requerente e os executados corresponde à casa de morada de família dos primeiros (habitação própria e permanente), do qual faz parte o ora opoente – facto que resulta da escritura, foi alegado pelo executado/opoente e não impugnado pelo exequente –, dúvidas inexistem quanto a estar o mesmo abrangido pelo regime consignado no citado DL – como prescreve o respectivo artigo 2.º.
Porque pertinente, veja-se que o artigo 4.º determina:
1 – No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa. 2 – Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações” (As entidades bancárias deverão, pois, criar mecanismos de vigilância e, ocorrendo uma situação de incumprimento, terão de actuar no sentido de viabilizar a regularização dessa mesma situação […])
Nestes casos, ocorrendo, por parte dos clientes bancários, mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições têm obrigatoriamente de os integrar no PERSI – artigos 12 e 14 -, por forma a viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial (privilegiando-se, assim, a renegociação do contrato).
O início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações: a) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31.º e 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa - artigo 14/1; b) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14/1-a; e c) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14/2-b.
Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: a) uma fase inicial – artigo 14; b) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15; e c) uma fase de negociação – artigo 16.º.
O mencionado objectivo em alcançar um consenso extrajudicial sai reforçado pelo próprio teor do artigo 18/1, segundo o qual,
“No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (…)”.
Ou seja, a acção judicial apenas poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI.
Tendo, no caso, a exequente intentado execução contra o executado/mutuário sem que previamente tenha cumprido com a obrigação de o integrar no PERSI (nos moldes decorrentes do DL 227/2012) - como, aliás, o próprio exequente reconhece não ter sucedido –, estar-se-á, perante uma violação, por omissão, de normas imperativas, a saber, os artigos 14 e 18/1-b.
Tal omissão, como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência, configura uma excepção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede ab initio a instauração de acções judiciais e que, como tal, terá de acarretar a absolvição da instância do executado - artigos 576/2, 577 e 578, todos do CPC (atendendo a que tal excepção não se reporta ao mérito da acção, uma vez cumprido o PERSI, a instituição de crédito poderá propor nova acção contra o cliente bancário, caso não seja alcançado qualquer acordo para regularização da dívida ou o mesmo se revele incapaz de cumprir com as respectivas obrigações.)
Como se defendeu no ac. do TRE de 31/01/2019, proc. 832/17.0T8MMN-A.E1, “existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objectiva de procedibilidade.” (Para além do acórdão citado, no mesmo sentido, vide: do TRE, acórdãos de 08/03/2018, proc. 2267/15.0T8ENT-A.E1, e de 28/06/2018, proc. 2791/17.0T8STB-C.E1; do TRC, acórdãos de 19/06/2018, proc. 29358/16.8YIPRT.C1 e de 15/12/2020, proc. 6971/18.3T8CBR-A/B.C1; do TRL, acórdãos de 07/06/2018, proc. 144/13.9TCFUN-A.L1-2, e de 08/10/2020, proc. 14235/15.8T8LRS-A.L1-6; e do STJ, acórdão de 13/04/2021, proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1.
Também o TRP, no seu acórdão proferido em 14/01/2020, proc. 4097/14.8TBMTS.P1, defendeu: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito PERSI. Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente, uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito. Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. Uma excepção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.”
Será, porém, que o facto de, sobre o imóvel, existirem anteriores penhoras registadas a favor de terceiros “dispensava” a integração dos executados no PERSI, como defende o exequente?
Relevante para a apreciação desta questão é a existência de penhoras registadas anteriormente.
Nessa medida, numa primeira leitura, sempre se poderia questionar a utilidade de a exequente integrar os executados (máxime, o ora opoente) no PERSI, uma vez que o artigo 17/2 refere expressamente que “A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; (…)”.
Isto é, poder-se-ia defender que, existindo execução movida por terceiro, com registo de penhora anterior ao início do incumprimento pelos executados, mesmo que estes tivessem sido submetidos ao PERSI e o contrato sido regularizado ou reestruturado, nunca a venda judicial do imóvel poderia ser impedida naquela execução.
Porém, para além de a extinção do PERSI com esse fundamento não ser automática (sendo apenas uma mera faculdade à qual a instituição de crédito pode ou não recorrer), importa igualmente não olvidar que, na presente situação, estamos perante execuções fiscais e, estando em causa a casa de morada de família dos executados/mutuários (habitação própria e permanente), há que atender ao prescrito pelo artigo 244/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL 433/99, de 26/10, na redacção conferida pela Lei 13/2016, de 23/05 (esta lei visou precisamente proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, sendo de aplicação imediata (inclusive àqueles processos que se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor)), cujo teor é o seguinte: “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.” Tal salvaguarda apenas não é aplicável na situação a que alude o n.º 2 do mesmo artigo (e que não se verifica no caso em análise).
Mais acrescenta o artigo 4/1 da mesma Lei 13/2016 que “Quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entregar o imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível”.
Tanto assim é que, embora as penhoras se mostrem registadas desde 2011, ainda não se concretizou, nos processos a que respeitam, a venda do imóvel.
Tais execuções não traduzem, na prática, uma expectável venda judicial do imóvel que garante o cumprimento dos contratos, razão pela qual, ao contrário do defendido pela exequente, não será possível afirmar que uma restruturação ou regularização do contrato de mútuo não constituiria impedimento a que venda fosse concretizada na execução movida por terceiro.
Nessa medida, a existência das mencionadas penhoras não constituía qualquer entrave a que a exequente (ou a cedente) integrasse o executado, quer o primitivo, quer os seus herdeiros ora habilitados no PERSI.
Aqui chegados, resta concluir, reforçando o que atrás se deixou dito, no sentido de que a grande maioria da jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que:
“a preterição de sujeição do devedor ao (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve [ser] regulada, com as adaptações que se revelem necessárias, pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
As excepções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as excepções contempladas no artigo 578 do CPC, são de conhecimento oficioso. A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573/2 in fine do CPC, não está abrangida pelo princípio da preclusão.” – cf. ac. do TRL de 29/09/2020, proc. 1827/18.2T8ALM-B.L1-7.
Em idêntico sentido pronunciaram-se os ac. do TRE de 1/05/2016, proc. 715/16.1T8ENT-B.E1; de 16/05/2019, proc. 4474/16.9T8ENT-A.E1; do TRP de 09/05/2019, proc. 21609/18.0T8PRT-A.P1; e do TRL, de 21/11/2019, proc. 22063/17.0T8SNT-A.L1 [não publicado: TRL], que recaiu sobre sentença proferida neste juízo de execução.
Mais se pode concluir que a pendência de execuções, com registo de penhora a favor da Fazenda Nacional em data anterior àquela em que deixaram de ser cumpridas as obrigações resultantes do contrato de crédito, não dispensa a integração dos devedores no PERSI, quando tais penhoras incidam sobre o imóvel que seja casa de morada de família (habitação própria e permanente) dos clientes bancários – ver, neste sentido, o ac. do TRL de 12/10/2021, proc. 4270/21.2T8SNT-B.L1-1; no mesmo sentido se decidiu no processo 4947/21.2T8SNT-juiz 2 deste tribunal. A actual exequente diz o seguinte contra o que antecede:
C\ O tribunal decidiu partindo do pressuposto que o imóvel constitui casa morada de família do executado, o que não procede.
D\ Refere a decisão sob recurso que “Considerando que o imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a requerente e os executados corresponde à casa de morada de família dos primeiros (habitação própria e permanente), do qual faz parte o ora opoente – facto que resulta da escritura, foi alegado pelo executado/opoente e não impugnado pelo exequente –, dúvidas inexistem quanto a estar o mesmo abrangido pelo regime consignado no citado DL – como prescreve o respectivo artigo 2.º.”
E\ Referência com a qual a ora exequente não se conforma e que impugna.
F\ Não existe prova de que o imóvel constitua a casa morada de família do 1.º executado devedor no processo de execução fiscal.
G\ Pelo contrário, a mesma nunca poderá constituir casa morada de família do 1.º executado uma vez que o mesmo faleceu em 2015, na Suíça, conforme assento de óbito junto com os embargos.
H\ Nem sequer existe prova que o executado habilitado e embargante, fizesse parte do agregado familiar do 1.º executado.
I\ Aliás, conforme resulta de documentação junta aos autos – Ref. Citius 25404955, de 08/04/2024 - quem reside no imóvel é uma tia do embargante.
J\ Ora, considerando o exposto supra, não podem considerar-se preenchidos, in casu, os pressupostos de aplicabilidade do disposto no artigo 244.º/2 do CPPT.
K\ Pelo menos, desde 2015, que o imóvel não constitui habitação própria e permanente do devedor [1.º executado], não sendo a residente do imóvel - tia do Embargante - membro integrante do agregado familiar do devedor.
L\ O tribunal a quo faz ainda menção, a propósito do imóvel ser casa de morada de família dos executados que: “resulta da escritura, foi alegado pelo executado/opoente e não impugnado pelo exequente”.
M\ Ora, a escritura foi celebrada em 2009, ainda antes do registo de penhora fiscal, em 2011, pelo que a informação constante na data da escritura não pode fazer prova da sua residência à data do incumprimento contratual e instauração da execução.
N\ Mais, a decisão não refere suporte documental e/ou qualquer outra prova, quanto à suposta alegação pelo executado e suposta falta de impugnação pelo exequente, que permita à ora exequente sindicar tal afirmação, inclusive, se se verifica o efeito cominatório que o tribunal refere.
O\ A exequente não verifica qualquer menção a tal facto no requerimento de oposição à execução, sendo que, de todo o modo, o mesmo foi contestado.
P\ Por outro, uma das penhoras registadas sobre o imóvel não provém de um processo de execução fiscal, mas sim de execução de terceiro.
Q\ Pelo que a argumentação aduzida pelo tribunal a quo não procede, já que não se verifica a inviabilidade da venda nestes casos.
R\ Uma vez não verificada a inviabilidade da venda – quer quanto ao processo de execução fiscal, quer quanto à execução civil – cumpre referir e reiterar os argumentos de que, in casu, estamos perante a inexigibilidade de integração em PERSI, não se verificando a invocada excepção dilatória inominada.
S\ Nos termos do disposto no artigo 17/2-a do DL 227/12, o PERSI pode ser extinto pela instituição de crédito se existir penhora a favor de terceiros sobre bens do devedor.
T\ Ora, à data do incumprimento e da instauração da presente execução, encontravam-se registadas penhoras a favor de terceiros sobre o prédio objecto de garantia – Ap. 5, de 26/09/2011 (penhora fiscal) e Ap. 6, de 26/06/2015 (penhora cível) – conforme certidão predial junta com o requerimento executivo.
U\ Pelo que, não se vislumbra pertinência num procedimento, cujo fundamento para a sua extinção se encontrava, à partida, verificado.
V\ O DL em apreço, visa promover a prevenção do incumprimento e a regularização de situações de incumprimento dos clientes bancários com as instituições de crédito.
W\ O facto de à data do incumprimento do contrato em apreço correrem termos execuções movidas por terceiros, a favor das quais foram registadas penhoras sobre o imóvel garantia do contrato torna inviável a possibilidade de regularização ou reestruturação do crédito.
X\ A este propósito veja-se o já citado ac. do TRE, proc. 246/16.0T8MMN-A.E1 […].
Y\ Sendo que essas execuções também representam uma diminuição da garantia, o que determina a perda do benefício do prazo, nos termos do disposto no artigo 780 do CC.
Z\ Não se justificando a implementação de um procedimento para tentativa de regularização da mora, quando existem, desde logo, circunstâncias que determinam o incumprimento contratual.
AA\ De facto, a propositura contra a parte devedora de qualquer execução e a oneração do imóvel, constituem causas de incumprimento e vencimento imediato do contrato, nos termos da cláusula 14 do documento complementar anexo à escritura.
BB\ Ora, não se concebe a tentativa de regularização de um crédito vencido, com a implementação do PERSI, quando se verifica o incumprimento do mesmo por razões diversas da mora – a este propósito veja-se a decisão dos juízos de execução do Porto, junta com a contestação.
CC\ Assim, não se mostrando preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime PERSI, improcede a alegada falta de integração neste procedimento.
* Questão que importa decidir: se o pressuposto da integração do executado no PERSI era inexigível ou dispensável.
* Factos: no saneador-sentença recorrido foi transcrito o que consta do requerimento executivo (com erros de datas vindos do RE, já assinaladas) e descritas as duas penhoras referidas (com erros que já foram referidos). Neste acórdão serão tidos em conta as ocorrências processuais, os factos que inequivocamente resultam como provados acima (como os referidos a documentos ou a peças do processo electrónico) e os factos que irão sendo assinalados expressamente para o efeito (quando fosse possível a dúvida).
* Apreciação: Qualificação do contrato
O âmbito de aplicação do DL 227/2012 abrange, entre outros, os seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição […] de […] habitação própria permanente […] b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; […] (art. 2/1 na redacção original do DL, a aplicável ao caso dada a data do RE).
Sendo que, para efeitos do diploma, entende-se por: […] ´Cliente bancário’ o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei 24/96, de 31/07, alterada pelo DL 67/2003, de 08/04, que intervenha como mutuário em contrato de crédito.
Ou seja, considera-se “consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
No caso dos autos não há dúvida de que o contrato que serve de título à execução, é um contrato de crédito, garantido por hipoteca, para aquisição de habitação própria permanente [tudo como consta do RE e do título junto com ele, nos termos reproduzidos acima – que são factos provados], pelo que naturalmente se destina a uso não profissional, e o crédito foi concedido por um banco que visa com a sua actividade obter benefícios.
Portanto, o caso cai, de pleno, na previsão normativa do âmbito de aplicação do DL 227/2012.
*
A sentença recorrida, chega à mesma conclusão dizendo que o contrato foi celebrado entre a C e os executados e que a casa corresponde à casa de morada de família dos executados, da qual faz parte o executado que deduziu os embargos.
Com base nesta argumentação, a actual exequente (que sucedeu à C), vem dizer que a sentença incorre em erro, (i) porque o executado já tinha morrido (em 2015, antes de ser intentada a execução) e tinha morrido na Suíça (pelo que não vivia no imóvel hipotecado); (ii) porque o embargante é um executado habilitado que não se prova que fizesse parte do agregado do executado primitivo; (iii) porque quem vive (em Abril de 2024) é uma tia do executado habilitado; e (iv) a tia do executado habilitado não faz parte do agregado do executado primitivo.
* Data em que a condição de admissibilidade tem de estar verificada
Está em causa, no caso, a aplicação de uma condição de admissibilidade de acção (que resulta do art. 18 do DL 227/2012, nos termos referidos na sentença recorrida e que não estão postos em causa no caso dos autos), no caso uma execução.
Tratando-se de admitir ou não que seja requerida uma execução, a data que conta para o efeito é a data em que ela foi requerida, em 2016, e com os dados que constavam do requerimento executivo.
Assim, por exemplo, o acórdão do TRE de 27/01/2022, proc. 1373/13.0TBBNV.E1: Não permitindo a lei o recurso aos tribunais sem que, antes, se mostrem cumpridas as formalidades de PERSI (nos termos do artigo 18/1 do DL 227/2012), no momento em que a instituição de crédito opta por ir a tribunal exigir o cumprimento coercivo da dívida tem concomitantemente de fazer a prova de ter cumprido tais formalidades.; e o acórdão do STJ de 19/05/2020, proc. 6023/15.8T8OER-A.L1.S1: no texto do acórdão esclarece-se: A demonstração de que a entidade financeira/exequente integrou o consumidor/executado no PERSI ou lhe proporcionou a oportunidade para tal, nos termos dos artigos 12º e seguintes do DL 227/2012, constitui um pressuposto específico da acção executiva para pagamento de quantia certa (quando a obrigação exequenda respeita a financiamento de uma entidade financeira a um consumidor), equiparável à existência do título executivo, cuja ausência constitui uma excepção dilatória inominada (dado o carácter não taxativo do art. 577 do CPC) de conhecimento oficioso (como se extrai da regra estabelecida no art. 578), que nos termos do art. 576/2 e art.726/2-b do CPC determina a absolvição da instância executiva. […] Ao mover a presente acção executiva, a exequente tinha o ónus de ter logo demonstrado que havia cumprido as obrigações impostas pelo regime do PERSI, demonstrando, assim, que o seu acesso à via judicial não se encontrava bloqueado pelo art.18. Ora, da factualidade provada nada consta que permita concluir que a exequente tenha cumprido as obrigações que lhe eram impostas pelo DL 227/2012. No ponto 14 das conclusões das suas alegações de revista a exequente/ recorrente afirma que: “deu pleno cumprimento ao PERSI, tendo integrado e informado a executada da existência do referido procedimento, o qual veio a ser extinto por falta de colaboração daquela, nos termos legais”. A ser assim, quando moveu a acção executiva, devia a exequente ter dado cumprimento ao ónus que resulta do art.18 do DL 227/2012, de demonstrar que, por ter integrado a devedora no PERSI (sem obter sucesso na regularização extrajudicial da dívida), lhe assistia o direito de mover a acção executiva. Não o tendo feito, são-lhe assacáveis as consequências da inobservância desse ónus, como decorre do princípio da auto-responsabilidade das partes. Não assiste, assim, razão à recorrente quando alega que o cumprimento do regime do PERSI era uma questão nova, e uma questão que tinha necessariamente de ter sido suscitada pela executada no requerimento dos embargos. Conclui-se, pelo exposto, que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correcta aplicação do direito ao caso concreto, ao absolver a executada da instância.
Assim sendo, embora a actual exequente tenha razão quanto ao erro do tribunal na fundamentação aduzida [i\ o contrato não foi celebrado entre a C e os executados, ii\ não há prova de que o imóvel corresponda à casa de morada de família dos executados (supõe-se que a decisão recorrida se está a referir aos executados habilitados), iii\ nem de que o executado que deduziu os embargos seja parte desse agregado], não tem razão quanto ao essencial, que é a questão de saber se a decisão está errada; ora, a decisão está certa, como se demonstrou acima, pois que a situação dos autos, embora por razões diferentes das aduzidas na sentença, cai, de pleno, no âmbito de aplicação do DL 227/2012.
* Da alegada inexigibilidade do PERSI
A sentença recorrida rebate a argumentação da actual exequente – qual seja, a de que não lhe era exigível integrar o executado no PERSI porque o imóvel estava penhorado já antes do incumprimento do contrato; ou seja, de que não havia pertinência no PERSI, porque essas penhoras possibilitavam a extinção do PERSI; isto é, essas penhoras tornavam inviável a possibilidade da regularização ou restruturação do crédito; ou ainda, porque essas penhoras representavam, para os efeitos do art. 780 do CC (perda do benefício do prazo), uma diminuição da garantia; isto é, as situações do art. 17/2 do DL sobrepõem-se à situação de mora, seja no sentido de excluir a aplicação do PERSI, seja no sentido do o extinguirem – começando por dizer que a extinção do PERSI com esse fundamento não é automática.
O que está certo e é suficiente para afastar a suposta inexigibilidade do PERSI no caso.
Veja-se:
O PERSI está previsto num DL que institui um regime imperativo e por isso não está na disponibilidade da vontade das instituições de crédito dispensarem-se de o cumprir. As disposições imperativas da lei são para serem cumpridas e as instituições de crédito não estão acima da lei.
O facto de a lei dar às instituições de crédito o poder de extinguir o PERSI em dadas circunstâncias, depois de o terem iniciado nos termos legais, não é nada de comparável ao poder de não o iniciarem. Se a lei, tendo conhecimento dessas circunstâncias, apensas previu o poder de extinguir e não também o poder de não iniciar, não pode deixar de o ter feito conscientemente – o que aliás se presume: art. 9/3 do CC – e, por isso, não se pode invocar o poder de extinguir para se construir um poder de não iniciar.
Por outro lado, como lembra a sentença recorrida, verificadas as circunstâncias que atribuem a possibilidade de extinguir, essa extinção não é automática, já que da verificação das circunstâncias decorre o poder, não o efeito de extinguir o PERSI.
Para além disso, o poder só pode ser exercido nos termos legais que resultam do conjunto do sistema jurídico, não sendo, por isso, um poder arbitrário, mas antes sujeito a determinadas condições. Desde logo, como devia ser evidente, não é qualquer penhora, isto é, uma penhora por qualquer valor, que pode dar o poder de extinguir o PERSI.
Como lembra o Prof. Manuel Januário da Costa Gomes: “Há naturalmente que fazer intervir o princípio da proporcionalidade: não será – não poderá ser – qualquer penhora ou arresto de quaisquer bens que pode legitimar a medida” (pág. 971 do estudo sobre Renegociação e modificação unilateral de contratos de crédito, publicado em Estudos de direito do consumo, vol. II, do IDC/CIDP/Almedina, 2023; sobre o princípio da proporcionalidade, lembra, entre o mais, o estudo de Brandão Proença, Da “justa medida” (proporcionalidade) no Titulo I (das obrigações em geral) do Livro II do CC, Estudos de direito das obrigações, da UCE/Porto, 2018 págs. 133-171).
Sendo que o mesmo Prof. vai ainda fazendo referência, para as várias hipóteses do art. 17/2 do DL 227/2012, por exemplo, à inexigibilidade como requisito para a resolução nos contratos duradouros e ao princípio da boa fé, concluindo, “numa análise geral das várias situações”, que “constituem, em rigor, causas de resolução com base numa justa causa – objectiva ou subjectiva – cuja verificação torne inexigível a subsistência do PERSI […]” (mesmo estudo, páginas 971-972), naturalmente sujeitas a controlo judicial, pelo que o respectivo poder nunca poderia ser exercido arbitrariamente e nunca pode ser equiparado a uma causa de extinção automática do PERSI.
Em suma, a existência de penhoras – e muito menos de quaisquer penhoras, por quaisquer montantes, em quaisquer circunstâncias não apuradas - anteriores ao incumprimento não é nunca, só por si, fonte suficiente do poder de extinguir um PERSI, nem, muito menos, uma causa de inexigibilidade de iniciar o PERSI ou de exclusão do PERSI, nem nunca podem dar lugar a um juízo de falta de pertinência do PERSI, ou de falta de viabilidade do mesmo. E, como decorre do que antecede, uma causa de perda do benefício do prazo, para os efeitos do art. 780 do CC, não está prevista na lei como causa de inexigibilidade de PERSI (por isso não deixa de ter razão, para evitar o efeito que se quer tirar da cláusula que se segue, o ac. do TRL de 08/02/2024, proc. 901/23.8T8ALM-B.L1-8, quando diz que II - Uma cláusula contratual inserta no contrato de mútuo que preveja a resolução do mesmo, em caso de penhora do imóvel hipotecado, colide com as normas imperativas do PERSI e, como tal, é ferida de nulidade, nos termos do artº 294 do Código Civil. III - O princípio da autonomia privada tem como limite a imperatividade da lei).
Aliás, sendo a maior parte das situações previstas no art. 17/2 do DL 227/2012, em termos materiais, indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes desses contratos de crédito, que as instituições de crédito devem, com diligência e lealdade e de boa fé, tentar identificar para prevenir o incumprimento de contratos de crédito e, quando este aconteça, integrar o cliente num PERSI (artigos 4/1 e 9/1 do DL), é contraditório com o conjunto do regime jurídico em causa, para além de um contra-senso, entendê-las como causas de inexigibilidade, de exclusão, de dispensa, de falta de pertinência ou de viabilidade do PERSI.
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Aquilo que vária jurisprudência dos tribunais da relação e a jurisprudência do STJ tem dito sobre a situações paralelas que potencialmente podem ser vistas como preenchendo outras previsões do art. 17/2 do DL 227/2012, e que, por isso, segundo a actual exequente seriam causas de inexigibilidade do PERSI, vai no sentido do que antecede:
No ac. do TRE de 16/01/2025, proc. 792/23.9T8OLH.E1, disse-se que: 2 – A viabilidade da regularização da situação de incumprimento, em função da gravidade da situação financeira do devedor, não constitui um pressuposto da integração do devedor em PERSI. A sua ponderação apenas tem lugar no decurso deste procedimento. 3 – Um mero juízo, formulado pela instituição de crédito, de que será improvável que o devedor venha a receber notificações no âmbito de um PERSI, não constitui fundamento de dispensa da instauração deste procedimento.
No ac. do STJ de 10/04/2024, proc. 10897/18.2T8SNT-A.L1.S1, lembrou-se que I – A circunstância de o cliente bancário e mutuário devedor ter optado pelo regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil aprovado pela Lei 58/2012, de 9/11, quando foi informado pela instituição financeira credora da possibilidade de beneficiar do PERSI, não lhe retira os direitos resultantes da integração no regime do DL 227/2012, de 25/10, enquanto procedimento extrajudicial prévio à instauração da acção (declarativa ou executiva), na medida em que não se trata de regimes que se substituam entre si (ou um ou o outro), salvaguardando-se a sua autonomia de aplicação e funcionamento. II – Com efeito, existindo um primeiro procedimento junto da entidade financeira, nos termos do regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, que se gorou, a lei não impede que os clientes bancários, no que respeita aos contratos tipificados no artigo 2.º do DL 227/2012, possam ainda assim beneficiar de nova oportunidade de restruturação da sua dívida no âmbito do PERSI. IIII - Não o vedando a lei – como efectivamente não veda – não é de considerar manifestamente abusivo, à luz do regime genérico previsto no artigo 334 do CC, que o mutuário/executado procure, nestas circunstâncias, uma nova oportunidade de renegociação da dívida que o sistema lhe confere, acontecendo que na situação sub judice os embargantes não fizeram sequer qualquer referência à sua integração no PERSI (não a invocando como forma de extinção da execução contra si pendente), tendo sido o tribunal de 1.ª instância, durante a própria audiência de julgamento e face à imperatividade da aplicação da legislação referente ao PERSI, que decidiu oficiosamente exigir à exequente a demonstração da integração no mesmo, o que esta não realizou.
Este acórdão revogou o do TRL de 14/09/2023, proc. 10897/18.2T8SNT-A.L1, que dizia, seguindo o mesmo tipo de fundamentação de alguns outros, que 1. A circunstância de não ter sido formalmente integrado no PERSI não retirou qualquer direito ao embargante uma vez que a acção executiva só foi instaurada depois de gorada a integração no REX. 2. Invocar a não aplicação do PERSI para concluir que o Banco estava impedido de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito quando foi o próprio embargante que rejeitou a aplicação do procedimento e após negociações que duraram cerca de um ano ao abrigo do REX, configura um abuso de direito por parte do apelante.»
O ac. do STJ de 09/01/2024, proc. 2764/18.6T8STB-B.E1.S1 lembra que, para que não fique frustrado o regime do PERSI, não pode o reclamante de créditos, enquanto único credor no processo de reclamação, executar o imóvel, pois mantém-se a força de caso julgado da extinção da execução em relação ao credor Banco, por inobservância dos requisitos do PERSI.
Na mesma linha, o ac. do TRC de 10/07/2024, proc. 3223/09.3TBVIS-E.C1, esclarece I - O credor reclamante que pediu a renovação da instância executiva, para obter a cobrança do seu crédito, nos termos do artigo 850 do CPC, está obrigado a cumprir o PERSI – DL 227/2012 –, sob pena se lhe ser oposta a excepção dilatória inominada resultante da sua inobservância. II - A circunstância do executado ter sido notificado do pedido de renovação da instância executiva, por parte do credor reclamante, e ter dito que não se opunha ao prosseguimento da execução, não preclude a invocação e posterior decisão relativamente à mencionada excepção.
No ac. do TRL de 10/10/2023, proc. 2375/22.1T8FNC-A.L1-7, esclareceu-se que V – A instituição bancária não pode prevalecer-se contra o fiador do vencimento automático antecipado da obrigação garantida decorrente da insolvência do devedor afiançado, que originou uma situação de incumprimento definitivo, que, por via disso, tornaria desnecessário o cumprimento do regime do PERSI, precisamente porque não diligenciou, como devia, junto do fiador, pela sua interpelação, com vista a tentar a regularização da situação de mora.
No ac. do STJ de 02/02/2023, proc. 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, que revogou um outro, do TRL, que tinha decidido em sentido contrário, esclareceu-se que: IX. A doação, pelo devedor/mutuário, sem autorização ou conhecimento da entidade mutuante, do imóvel sobre que incidem as hipotecas a favor da mutuante, não constitui uma causa de extinção imediata do PERSI – não desonera os devedores do pagamento da dívida, nem desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI, e de informação/comunicação da extinção do mesmo. X. Aliás, sendo a garantia do crédito uma hipoteca, que, porque goza de sequela (ut art. 686 do CC), acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não pode dizer-se, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. A que acresce que a lei não admite a extinção automática do PERSI.
No ac. do STJ de 15/12/2022, proc. 3364/18.6T8CBR-A.C2.S1, que, numa revista que teve que ser admitida por via excepcional, revogou um outro, do TRC, que tinha decidido em sentido contrário, disse-se que deve ser respondida negativamente a questão de saber se o vencimento antecipado da dívida quanto a um dos co-obrigados e a venda de imóveis hipotecados em sede de processo de insolvência prejudica a possibilidade de o outro co-devedor (neste caso, o ex-cônjuge, aqui executado) se opor à execução da dívida, por incumprimento pelo banco exequente do PERSI, bem como no artigo 27 do DL 74-A/2017. IV. Concluindo-se, assim, que o vencimento antecipado da dívida e a determinação da venda de imóveis hipotecados em sede de processo de insolvência não impede que se extraia, quanto ao ora executado embargante, a consequência legal decorrente da não observância, por parte do banco exequente, dos deveres de comunicação no âmbito do PERSI, que é a extinção da instância de execução.
No ac. do STJ de 16/11/2021, proc. 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, que também revogou um outro de sentido contrário do TRL, o facto de o cliente-bancário ter alienado o imóvel hipotecado, garantia do mútuo, não evitou que o STJ tenha considerado que a C não podia instaurar execução contra ele sem antes extinguir o PERSI; e esclareceu que a alienação do imóvel sobre o qual incide a garantia prestada não desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI e de o extinguir nos termos da lei [a exequente dizia que a alienação do imóvel, pelos executados, sem autorização e conhecimento da C, constitui uma causa de extinção imediata do PERSI, ao abrigo do artigo 17/2e) do DL 227/2012, por colocar em perigo a garantia, pelo que não estava impedida de intentar a acção executiva], nem paralisa o direito de os executados solicitarem a integração em PERSI e tentarem negociar as melhores condições para o pagamento da dívida; e, para além disso, lembrou que a aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa e que a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito mesmo naquele caso (em que alienou o imóvel hipotecado garantia do mútuo).
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Por outro lado, o mesmo tipo de fundamentações ou tentativas a posteriori de justificar a falta de integração dos devedores bancários no PERSI, tem levado, em muitos casos, que se recuse um novo PERSI com o simples pretexto de que os executados já beneficiaram de um outro.
Fundamentações que são afastadas, por exemplo, pelos acórdãos do STJ de 09/12/2021, proc. 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1; do STJ de 02/02/2023, proc. 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, do STJ de 28/01/2025, proc. 3200/22.9T8OER-A.L1.S1; do TRC de 23/04/2024, proc. 1820/22.0T8ACB-A.C1; do TRP de 04/05/2022, proc. 3751/20.0T8MAI.P1; e do TRP de 07/03/2022, proc. 121/20.3T8VLG-A.P1.
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Por fim, é o mesmo tipo de fundamentações utilizado pela actual exequente que serve de base à invocação do abuso de direito, e que também a jurisprudência das relações e do STJ tem tido que afastar, lembrando que a válvula de escape da cláusula geral do abuso de direito tem rigorosos pressupostos específicos que têm de se verificar para que possa ser aplicada.
Assim, por exemplo:
- do STJ de 02/02/2023, proc. 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1: XI. A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa, exigindo-se a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjectiva para a materialidade da situação.
- do STJ de 19/11/2021, proc. 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1: I - A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa. II - Dada a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI (e o dever do Banco proceder à mesma), tem de se considerar que os executados estão abrangidos por este regime de regularização da dívida, que só se extingue em situações tipificadas na lei (artigo 17/1-2 do DL 227/2012) e mediante comunicação aos clientes bancários-devedores, nos termos do artigo 17/3 do diploma que criou o PERSI. III – Não constando da matéria de facto que tenha ocorrido a extinção do PERSI, nem que a exequente tenha comunicado aos executados, nos termos da lei, essa eventual extinção, conclui-se que o Banco exequente instaurou a execução durante o período de vigência do PERSI, numa fase em que estava impedido de o fazer, por força da lei (artigo 18/1-b do DL 227/2012). IV – Neste contexto, e na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito, mesmo que tal tenha sucedido após a alienação do imóvel, garantia do mútuo. V – Não se pode esquecer, como se salienta no Preâmbulo do diploma legal que prevê o PERSI, que estamos perante uma relação jurídica caracterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias e considera o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca [o TRL tinha revogado a sentença e julgado os embargos improcedentes com base no abuso de direito, entendendo que uma resposta da exequente, nos termos da qual comunica as condições em que aceita analisar a reestruturação das dívidas, era uma proposta de regularização adequada à situação financeira dos clientes e/ou a avaliar propostas alternativas dos próprios clientes (artigos 15 e 16º), dado que a integração no PERSI é automática e, por isso, os devedores deviam ter apresentado contra proposta para chegar a acordo e não o tinham feito, chegando [sic] à situação de alienarem o imóvel. Este comportamento pode ser entendido como recusa da proposta apresentadas].
- do STJ de 12/01/2021, proc. 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1: “o abuso de direito não significa uma desaplicação de normas com base numa remissão genérica para sentimentos de justiça. Os tribunais exigem a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, de acordo com modelos experimentados ao longo da história pelo labor da jurisprudência”.
- do STJ de 19/05/2020, proc. 6023/15.8T8OER-A.L1.S1: Por outro lado, alegou a recorrente, também a título subsidiário, que a executada teria incorrido em abuso de direito quando invocou o incumprimento do PERSI pela exequente. Pelo exposto nos pontos anteriores, é manifesto que não existiu qualquer abuso de direito da executada, pois esta limitou-se a clamar pela aplicação do regime do PERSI, que legalmente se impõe à exequente e que esta tinha o ónus de demonstrar que cumpriu para poder mover a acção executiva.
- do TRL de 14/07/2022, proc. 6804/14.0T8ALM-C.L1-2: IX - Não se mostrando comprovado que tenha ocorrido a integração dos executados em PERSI, nos termos em que a isso a mutuante se encontra vinculada, a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o incidente suscitado pelos executados – invocando a sua não integração em PERSI - com fundamento em que a invocação dos executados era abusiva, não poderá, pois, subsistir, por a mesma contender com o regime jurídico vertido no DL 227/2012, que determinava a (prévia) inclusão dos executados no PERSI.
- do TRP de 04/05/2022, proc. 3751/20.0T8MAI.P1: V - A arguição da referida excepção, com invocação, pelos devedores das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor, não constitui abuso do direito, antes o normal e legítimo exercício de direitos conferidos por lei em salvaguarda da parte mais fraca na relação contratual.
- do TRC de 08/03/2022, proc. 824/20.2T8ANS.C1: IV - Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito.
- do TRG de 10/02/2022, proc. 5978/19.8T8VNF-A.G1: 3 – As normas que consagram a obrigatoriedade das comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste têm carácter imperativo […]. 4 – Não constitui abuso do direito a invocação por consumidores clientes bancários de tais normas no âmbito da acção executiva contra si instaurada, numa situação em que “deixaram de cumprir as suas obrigações” em 30/12/2018, emergentes de contrato de crédito celebrado em 05/06/2002 para aquisição de habitação própria permanente, aquando da interpelação para pagamento (em 02/07/2019) deviam 1.514,03€, a resolução foi operada por comunicação de 11/09/2019, a execução foi instaurada em 25/09/2019 e em 21/04/2021 a dívida cifrava-se apenas em 994,59€, quando no período do incumprimento fizeram vários pagamentos de montantes em dívida e a instituição de crédito, para além da postura activa de interpelação para pagamento e de diligência para recuperar o crédito, limitou-se a esperar que fosse “convocada” pelos clientes bancários em dificuldades e a “analisar” as propostas que estes lhe fizeram chegar, sem integrar os consumidores no PERSI e cumprir as respectivas obrigações.
- do TRL de 21/05/2020, proc. 5585/15.4T8FNC-A.L2-2: IV - Não configura abuso do direito a invocação pelos executados dessa excepção se, em face do factos provados, não se descortina nenhuma razão objectiva para que a exequente pudesse confiar que, caso instaurasse (como fez, em 01/10/2015) uma acção executiva contra os mesmos fundada no incumprimento, verificado a partir de 01/05/2015, dos contratos de mútuo (celebrados em 28/12/2012), eles se iriam abster de invocar na sede própria as garantias de que beneficiavam por força de lei imperativa, tão pouco se podendo considerar que estivessem manifestamente a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
* Da inexistência de abuso de direito
Ora, no caso dos autos nada disto está minimamente indiciado, estando antes indiciado o contrário:
Para além do que dirá mais à frente, não há de facto qualquer indício, nos autos, de que os executados habilitados sejam devedores voluntários de má fé que se estejam a aproveitar da situação: são três filhos do executado, duas delas com menos de 6 anos à data do óbito do 1.º executado, um deles maior provavelmente há pouco tempo (tendo em conta a idade do 1.º executado), que não há razão para dizer que, à data em que se verificou o incumprimento, não estivessem a viver no imóvel hipotecado; por outro lado, há notícia de que a dívida exequenda continuou a ser paga (o facto está provado pela nota junta pela própria exequente depois da contestação dos embargos): a actual exequente juntou certidão emitida pela C de que tinha sido paga até Out2015; e ainda: foram pelo menos pagos, ou entregues para pagamento, mais 3850€ em 2020 e 2021 (como provam os 11 talões juntos com o requerimento de arguição de nulidade de 03/11/2021, não impugnados pela actual exequente); e ainda: o executado habilitado maior juntou certidão da existência de um depósito de 17.365,98€ em 22/05/2024 na conta da C através da qual eram feitas as amortizações (foi junta certidão emitida pela C não impugnada pela actual exequente apesar de estar colocada, pela cessão do crédito, no lugar da anterior e não poder afirmar desconhecer a realidade dos factos que aquela certifica, tanto mais que vai dando informações que aquela lhe deu já no decurso da execução: art. 574/3 do CPC): a 350€ por mês, temos o valor de 50 prestações, mais de quase 4 anos de pagamentos assegurados; a 250€ são 69,5 prestações, cerca de 6 anos, a somar a tudo o resto. E ainda: o executado habilitado diz que continuaram a ser feitos pagamentos e a C a aceitá-los, o que a actual exequente não pôs em causa e não podia, como já afirmado, impugnar, dizendo que ignorava.
Aliás, perante tudo isto (pagamento de prestações posteriores à data que constava do RE, existência de fundos na conta utilizada para pagamento; afirmação, não impugnada devidamente, de amortizações ainda aceites mais de 9 anos depois de requerida a execução), a questão do abuso de direito (corolário lógico dos juízos de inexigibilidade que a actual exequente pretende fazer) pode colocar-se do lado activo da execução, como se vê, por exemplo, do ac. do TRP de 01/07/2021, proc. 3523/18.1T8MAI-A.P1: I - A execução, para além da obrigação exequenda, que o título executivo inquestionavelmente afirma, pressupõe o incumprimento o qual, se não resultar do titulo executivo em si mesmo, deverá constar do requerimento executivo e documentos para que remete, em termos que permitam ter como exigível e liquida a obrigação exequenda. II - Deve considerar-se que não é exigível e líquida a obrigação exequenda documentada em nota de débito quando o embargante alega e prova pagamentos efectuados, o exequente não prova por sua vez que, conforme alegava havia aplicado tais valores à amortização de prestações vencidas anteriormente. III - A actuação do banco exequente, que após negociações com vista à reestruturação do débito, aceita os pagamentos feitos pelos executados para amortização das prestações do empréstimo ao longo do período que decorreu entre 2012 e a instauração da execução em 2018, sem comunicar aos executados qualquer incumprimento, e, remetendo mensalmente ao executado devedor extractos bancários, com os valores da amortização do empréstimo que assim iam sendo efectuadas é adequada a gerar nestes a crença e confiança de que o contrato estava regularizado, levando a levou a que estes adaptassem o seu comportamento à situação de confiança assim gerada. IV - Neste contexto a autuação da credora, ao considerar ter havido incumprimento do contrato de mútuo para, com fundamento na cláusula contratual considerar exigíveis todas as prestações vincendas, exigindo o seu pagamento em execução instaurada apenas em 2018, consubstancia um claro venire contra factum proprium e simultaneamente uma situação de supressio como tal ilegítima nos termos do art. 334 do CC.
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A sentença acrescenta àquela argumentação – que como se viu está certa – a seguinte: ainda se tem de ter em conta que as duas penhoras resultam de processos de execução fiscal; para, de seguida, a sentença concluir, com base no regime da protecção da casa de morada da família previsto na legislação fiscal, que tais execuções não traduzem uma expectável venda judicial do imóvel, pelo que não será possível fazer o juízo de inviabilidade do PERSI.
A sentença incorre, aqui, no lapso assinalado pela actual exequente, já que uma das penhoras não resulta de uma execução fiscal.
Mas, como resulta do que antecede, este acrescento de argumentação não era necessário e não impede que o resultado antes alcançado se mantenha (isto é, que a existência das duas penhoras anteriores ao incumprimento, não são causa de inexigibilidade do PERSI, nem são fundamento de qualquer juízo de inviabilidade do PERSI).
* Da forma do processo e da falta de interpelação
Posto isto e indo para além da argumentação explícita da actual exequente, vê-se que ela invoca implicitamente o facto de o executado já estar morto à data do requerimento de execução.
Isto em nada altera o que antecede, muito antes pelo contrário, pela multiplicidade de questões que levanta, como se passa a ver.
Antes de mais, e como já se disse, a execução deve ser apreciada de acordo com os elementos constantes do requerimento executivo; pelo que nada tendo sido dito pela exequente primitiva em tal requerimento, a questão não se colocava e, por isso, não podia evitar o indeferimento liminar do RE (art. 726/2b do CPC), ou a rejeição da execução logo que o juiz se apercebesse disso (art. 734 do CPC).
O tribunal não pôde indeferir liminarmente o RE porque a C – a exequente primitiva – lhe retirou esse poder por ter requerido a execução em processo sumário (o que aliás é mais um fundamento para se considerar indiciada a má-fé da exequente inicial e não do executado habilitado embargante).
O que a C não o podia ter feito, por força do art. 550/1 e 2-c, a contrario do CPC [1 - O processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário. 2 - Emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas: […] c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor], já que a C não tinha alegado que tinha interpelado o executado para que tivesse ocorrido o vencimento (antecipado) da obrigação (art. 781 do CC, na interpretação estabilizada doutrinária e jurisprudencialmente de que a hipótese de perda de benefício do prazo aqui prevista apenas “concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vencidas. Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir antecipadamente todas as prestações vincendas” – Ana Afonso, anotação ao artigo 781 do CC, no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das obrigações em geral, UCP/FD/UCE, 2018, página 1071, e qualquer cláusula contratual com o mesmo tipo de redacção desta norma tem de ser lida do mesmo modo; sendo que no caso a cláusula contratual 14/1 [facto provado] apenas dava à C o poder de considerar vencida toda a dívida [“poderá considerar”] e exigir o seu imediato pagamento nalguma das eventuais hipóteses habituais, não a dispensando de interpelar o devedor: sem a interpelação, o devedor não pode saber que a C utilizou o poder de considerar vencida toda a dívida e que tem de pagar toda a dívida com antecipação do prazo).
Ora, o que antecede implica mais um fundamento para que a rejeição da execução (art. 734 do CPC), já que a interpelação posterior à penhora não podia substituir a interpelação para vencimento. Neste sentido, o ac. do STJ de 09/03/2023, proc. 3541/19.2T8ALM-A.L1.S1, e toda a jurisprudência e doutrina aí citada), que explica que IV - No que respeita a execuções sob a forma de processo sumário, tendo já sido efectuada a penhora e a subsequente citação, razões de simplificação procedimental e de economia de meios não são susceptíveis de permitir que a interpelação opere com a citação: o devedor/executado não pode ter-se por interpelado com a respectiva citação. Como a execução sob a forma de processo sumário prossegue sem citação, não pode considerar-se que esta serve de interpelação, de um lado e, de outro, como é a interpelação que provoca o vencimento da dívida, a dívida não está nem fica vencida.
No mesmo sentido, veja-se o ac. do TRC de 20/02/2024, 2548/19.4T8VIS-A.C1 (com voto de vencido): III - Relativamente a obrigações que possam ser liquidadas em duas ou mais prestações, na falta de convenção em contrário, a falta de pagamento de uma não implica o vencimento automático das demais, mas apenas as torna imediatamente exigíveis, por isso se vencendo em função da interpelação do credor, a qual pode ser extra judicial ou judicial, podendo, neste caso, decorrer de citação para a execução. IV – Na situação dos autos, em que a exequente utilizou execução para pagamento de quantia certa na forma sumária e se limitou a referir no requerimento executivo ter procedido à interpelação extra judicial do executado, o que não se provou, provou-se, no entanto, que este foi citado há cerca de 10 anos numa outra execução que tinha por objecto as obrigações que estão em causa na presente execução, e que a mesma foi sustada e depois suspensa para negociações entre as partes, no âmbito das quais o executado procedeu a vários pagamentos. V- Cabia à exequente, ao interpor a presente execução, ter feito a demonstração da ocorrência desses factos, valendo-se do incidente previsto no art 715 CPC. VI – A falta de demonstração e prova da exigibilidade das obrigações através desse meio pode ter comprometido o direito de defesa do executado, mas, de todo o modo, resultou em prejuízo das suas garantias, por se ter feito iniciar execução sob a forma de processo sumário sem a comprovação de que as obrigações a executar se mostravam vencidas, como é pressuposto desse processo, nos termos do art 550/2-c. VI – Deste modo, seja por inexigibilidade das obrigações exequendas, seja por insuficiência do título executivo, há que julgar extinta a execução.
* Do seguro
Ao requerer a execução em Jul/2016, a C disse que o mutuário tinha deixado de pagar as amortizações do empréstimo em Maio de 2015. Portanto, desde tal data a C estava obrigada a integrar o mutuário no PERSI. E nessa altura, como se sabe, o executado estava vivo. Sendo que não foi alegada qualquer razão para que a C não tivesse dado cumprimento à exigência legal.
Para integrar o mutuário no PERSI, a C estava obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI (art. 12 do DL 227/2012).
Ao fazer tais diligências, com lealdade e de boa-fé, a C poderia dar-se conta (a ser verdade, o que é provável, visto que o executado veio a falecer menos de 6 meses depois), de que, como diz o embargante, o mutuário estava doente e internado num Hospital e que era por isso, eventualmente, que não estava a pagar as amortizações bancárias.
Ora, isto coloca outra questão, qual seja, a da existência de seguro, que está pressuposta/provada pelo contrato que serve de título à execução. Ora, havendo seguro, a C estava obrigada a, de boa fé, accionar o mesmo.
E continuava obrigada a fazê-lo no caso de o mutuário morrer, não podendo, por isso, exigir o pagamento da dívida do executado ou dos herdeiros sem prova de que o seguro não cobria a incapacidade ou a morte do executado.
Isto porque I – A exequente tinha o ónus de exigir da seguradora o pagamento da dívida, dentro dos limites do capital seguro; II - A inobservância do ónus de exigir da seguradora o pagamento da dívida, dentro dos limites do capital seguro, determina a inexigibilidade da obrigação exequenda. (São conclusões do ac. do STJ de 04/07/2024, proc. 781/12.9TBSXL-A.L1.S1).
Acórdão que, como é por ele referido, vem na sequência dos acórdãos do STJ de 26/06/2014, proc. 3220/07.3TBGDM-A.P1.S1, de 24/11/2016, proc. 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, e de 07/11/2019, proc. 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2, dizendo o primeiro que: “[a]ge em abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o banco que, num mútuo para habitação, garantido com seguro de vida do mutuário a seu favor, hipoteca, fiança com a cláusula de ‘principais pagadores’ e seguro do imóvel, sendo informado da morte do devedor, move execução ao mesmo mutuário – com habilitação posterior dos herdeiros – e aos fiadores, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro àquela seguradora”. Ora, “[c]oncluindo-se pelo abuso de direito, o crédito exequendo surge como inexigível”, como diz o último. Tal como o segundo: II -Tendo o banco celebrado com os executados um contrato de mútuo garantido por hipoteca e com um seguro de vida que impôs aos executados como condição do mútuo, seguro esse de que é beneficiário o Banco EE/ AA e tendo sido informado do sinistro coberto pelo referido contrato de seguro, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, quando em vez de accionar directamente a seguradora com vista à satisfação do seu crédito, exige antes dos executados o pagamento do crédito numa execução pela via da reclamação de créditos, o que configura o exercício ilegítimo do direito enquadrável na previsão do art. 334 do C Civil.
Ora, estando a actual exequente a fazer juízes de pertinência e de viabilidade do PERSI que dispensassem a C de o iniciar, na lógica de que era impertinente e inviável, a existência de um seguro de vida a favor do 1.º executado, que tornava inexigível o crédito exequendo em relação aos executados, põe em causa a necessidade da própria execução e por isso a possibilidade de fazer aqueles juízos de pertinência e de inviabilidade.
No entanto há que ter em conta que a prova da subsistência do contrato de seguro (no momento da doença e do falecimento do 1.º executado), por ter estado a ser feito o pagamento do prémio do mesmo, dizendo respeito à existência da obrigação de cobrir o risco, cabe ao embargante e tendo sido negada pela actual exequente, ainda tinha de ser feita (ou seja, estava dependente de prova a produzir que, aliás, foi requerida pelo embargante).
* Dos herdeiros
O facto de o mutuário ter entretanto falecido não era obstáculo ao cumprimento, embora tardio, da exigência legal: assim como a C teria de averiguar quem eram os herdeiros do mutuário para se poder cobrar da dívida da herança (o que fez mas só depois de ter instaurado a execução contra um devedor falecido há mais de meio ano), assim teria de aplicar o PERSI àqueles que viessem a ser colocados, como herdeiros, no lugar do mutuário. Se há uma dívida que pode ser cobrada, aquele que a pode pagar, no lugar do executado, também há-de ter o direito de a regularizar para retomar o contrato.
Pelo que, quando se apura, já no âmbito da execução, o falecimento do executado antes de ser instaurado a execução e a existência de herdeiros do executado que podem ser colocados no lugar do executado, deve continuar a exigir-se da aplicação do PERSI, que tinha de ter por alvo os herdeiros, e, por isso, justifica-se a extinção da execução por falta do preenchimento do pressuposto respectivo.
Aliás, nestas situações, por norma, ainda mais se justifica a aplicação do PERSI: a situação de um progenitor que morre numa situação de incumprimento das amortizações de um imóvel adquirido para habitação permanente, e pode ter deixado filhos menores a viver no imóvel que poderão vir a ter de abandonar, deve levar a que o credor bancário, se diligente, leal e de boa fé, faça as diligências necessárias à averiguação da situação e da possibilidade de a regularização. E lembre-se que o contrato é um contrato celebrado com um consumidor, independentemente de quem vier a nele ingressar por sucessão, porque “a qualificação como contrato de consumo é determinada no momento da celebração do contrato, cristalizando, e importando a sua sujeição a um determinado regime legal imperativo […]” (Sandra Passinhas, Incumprimento do contrato de crédito à habitação, cessão de créditos e direitos do consumido, Revista de Direito Comercial, 2021, pág. 107).
(no mesmo sentido da aplicação do PERSI aos herdeiros, veja-se, por exemplo, o ac. do TRP de 12/09/2024, proc. 6491/22.1T8MAI-A.P1, embora com uma fundamentação não coincidente e com uma ressalva não fundamentada que não se acompanha: “Ainda que os executados (que adquiriram a posição de mutuários mortis causa) só respondam até ao valor das forças da herança do primitivo mutuário, beneficiam da protecção proporcionada pelo PERSI, quando tenham a qualidade de consumidores (tal como o falecido mutuário), ao menos quando a situação de incumprimento é ulterior à data da abertura da sucessão”; no mesmo sentido, sem a ressalva, o ac. do TRG de 10/07/2023, proc. 94253/20.0YIPRT.G1; no ac. do TRL de 04/06/2024, proc. 1912/22.6T8LSB.L1-7, dá-se a sugestão de que no caso de herança jacente a situação seria diferente, mas não tem fundamentação para o efeito: “[…A]pesar de os réus não serem, por si, partes no contrato, já o são [no pressuposto de se provar a celebração daquele] na qualidade de herdeiros, em representação do falecido cliente bancário, ocupando a mesma posição que este – cf. art. 2024 do CC: os réus, mediante a sucessão, ingressaram na titularidade das relações jurídicas patrimoniais do seu pai e, portanto, passaram a ocupar no contrato invocado pela autora a mesma posição do de cujus, ou seja, passaram a ter a qualidade de clientes bancários, em representação do cliente falecido. Note-se que, no caso dos autos, não estamos perante uma herança jacente, enquanto património autónomo sem titular determinado, por não ter havido aceitação, mas sim perante uma herança indivisa, com titulares perfeitamente determinados que assumiram a qualidade de herdeiros”; que os próprios bancos aplicam o PERSI aos herdeiros, vê-se, por exemplo, na descrição do caso constante do ac. do TRE de 30/01/2025, proc. 2277/22.1T8ENT-A.E1, tendo o acórdão aceite a extinção do PERSI que tinha sido aplicado aos herdeiros [o sumário não dá bem conta do que está em causa e tem um voto de vencido que não tem a ver com o que aqui importa]; na mesma linha da argumentação inicial, mas para uma questão análoga, veja-se, apenas para esta questão, ainda o ac. do TRP de 24/10/2023, proc. 24105/19.5T8PRT-B.P1: I – Por força do disposto no art. 698/1 do CC o terceiro que vem a adquirir a coisa hipotecada tem o direito de opor ao credor todos os meios de defesa que o devedor tinha em relação ao crédito, sejam eles próprios ou do devedor. II – Por esse motivo, se o devedor relativamente ao crédito exequendo pode opor ao credor, como meio de defesa, a sua não integração no PERSI, o adquirente da coisa hipotecada, como executado/embargante, também poderá opor ao credor essa mesma não integração do devedor no PERSI.; contra, sem fundamentação que convença, no sentido de o PERSI não se aplicar quando está em causa uma herança jacente, veja-se a decisão singular do TRE de 08/05/2023, no proc. 2354/22.9T8ENT.E1; mais ou menos no mesmo sentido, também sem fundamentação que convença, o ac. do TRL de 06/03/2025, proc. 18692/16.7T8SNT-C.L1-6: “II- No caso dos autos, em que o devedor faleceu, facto que não era do conhecimento do credor à data do incumprimento, daí decorrendo que também desconhecia quem eram os seus herdeiros, o regime do PERSI não é de aplicar, seja por absoluta inutilidade (quanto ao devedor), seja por impossibilidade (quanto aos herdeiros, desde logo por desconhecimento do óbito por parte do credor, tendo tido dele conhecimento após a instauração da acção executiva), e, por conseguinte, o incumprimento do mesmo não se configura como obstativo ao prosseguimento da execução.”
* Da cessão do crédito
Por último, à actual exequente – que não é nem se apresentou como uma instituição de crédito, nem como sociedade financeira, nem como uma sociedade de titularização de créditos - nunca poderia ser reconhecida legitimidade para prosseguir a execução, neste caso relativo a contrato de crédito para aquisição de habitação permanente com hipoteca, sem que estivesse comprovada a extinção do PERSI, por estar impossibilitada de permitir a reversão do incumprimento (da perda do benefício do prazo ou da resolução – embora a lei só fale na resolução, é evidente que também para a perda de benefício do prazo interessa a retoma: falando nas duas situações, veja-se o ac. do STJ de 29/10/2024, citado a seguir) o que decorre do que se segue:
O art. 18 do DL 227/2012 dispõe:
1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
[…]
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito;
[…]
2 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
[…]
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
[…]
4 - Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior.
E o art. artigo 28 do DL 74-A/2017 – em vigor desde 01/01/2018 (art. 47/1) – DL que aprova o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, nos termos do artigo seguinte, estabelecendo nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores garantido por hipoteca […] (art. 1/1) e que se aplica aos seguintes contratos de crédito, celebrados com consumidores: a) Contratos de crédito para a aquisição […] de habitação própria permanente […]; c) Contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca […] (art. 2/1) – dispõe:
Retoma do contrato de crédito:
1 - O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
2 - Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exactos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.
[…]
Sendo este o regime que vale para grande parte das questões dos contratos celebrados ao abrigo do DL 349/98, como é o caso dos autos, entre elas as questões da retoma do contrato (como se retira de Rui Pinto Duarte, O novo regime do crédito imobiliário a consumidores, uma apresentação, Almedina, 2018, páginas 7-8, 16-17, 77 a 79, e de Sandra Passinhas, estudo citado, pág. 65).
Por fim, o art. 37 do DL 74-A/2017 dispõe: Fraude à lei:
1 - São nulas as situações criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicação do disposto no presente decreto-lei.
2 - Configuram, nomeadamente, casos de fraude à lei:
a) A transformação de contratos de crédito sujeitos ao regime do presente decreto-lei em contratos de crédito excluídos do âmbito da aplicação do mesmo;
[…]
Assim:
Ac. do TRE de 27/02/2025, proc. 1012/22.9T8ENT-B.E1: Tratando-se de crédito à habitação abrangido pelo regime inserto no DL 74-A/2017, enquanto assistir ao devedor o direito à retoma do contrato de crédito, enferma de nulidade a respectiva cessão em favor de entidade que não seja instituição de crédito; Sendo nula a cessão do crédito, não resta outra sorte à habilitação do cessionário que não seja a improcedência.
Ac. do TRC de 28/01/2025, proc. 466/22.8T8SRE-A.C1: Por força do disposto no artigo 37/2-a (Fraude à lei) do DL 74-A/2017, é nula a cessão do crédito à habitação efectuada para uma entidade não submetida à supervisão do Banco de Portugal, improcedendo, por isso, o pedido de habilitação formulado pela cessionária na pendência da execução.
Ac. do STJ de 14/11/2024, proc. 451/14.3TBMTA-C.L2.S1: VI. Considerando que o legislador do DL 227/12 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no art. 18 (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no […] DL 227/2012 [estava em causa um crédito para aquisição de habitação - TRL]. VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do DL 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18 e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido). VIII. O que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.
Ac. do STJ de 29/10/2024, proc. 5920/22.9T8MAI-A.P1.S1: Numa execução promovida por cessionário de um crédito originalmente concedido por instituição de crédito para aquisição, por consumidor, de habitação própria, sujeito ao regime do DL 74-A/2017, é nula a cessão de crédito que fundamenta o direito do exequente por este não estar em condições de permitir a retoma do contrato, a que se reporta o artigo 28 do DL 74-A/2017, quando ainda é possível o exercício deste direito, e o mesmo pressupõe a qualidade de instituição de crédito, que o exequente não tem.
Ac. do TRP de 18/03/2024, proc. 2003/17.7T8PRT-C.P1: V - A retoma do contrato de crédito à habitação própria é um incidente, previsto em legislação avulsa, a poder ser deduzido na execução, até à venda do imóvel e na verificação dos pressupostos consagrados no art. 28 do DL 74-A/2017, cabendo aos executados que pretendam exercer o direito à retoma do contrato de crédito, com vista à extinção da execução, o ónus de alegar e comprovar (art. 342/1 do CC), que reúnem as condições impostas, designadamente, o, efectivo, pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como, os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
Ac. do TRC de 28/03/2023, proc. 2194/20.0T8SRE.C1: I- A retoma do contrato de crédito à habitação própria é um incidente previsto em legislação avulsa, enxertado no processo executivo, que pode ou não ser deduzido mediante embargos à execução ou extrajudicialmente por acordo entre credor e devedor, até à venda do imóvel. II – A retoma do contrato de crédito à habitação própria acarreta a extinção da execução. III – Os direitos do devedor quanto à possibilidade de retoma do crédito, não podem ser postergados pelo facto de o credor ceder o seu crédito, a uma outra instituição de crédito. IV – O princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes, quanto à obrigação de indicarem, nos momentos próprios, os meios de prova necessários à demonstração do que alegam.
Ac. do STJ de 02/02/2023, proc. 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, com teor idêntico ao do ac. do STJ de 14/11/2024, proc. 451/14.3TBMTA-C.L2.S1 e também estava em causa um crédito para aquisição de habitação.
Ac. do TRP de 24/01/2023, proc. 7228/21.2T8PRT-A.P1: I - O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva, uma condição objectiva de procedibilidade, cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, insanável, que conduz à absolvição da instância. II - A exigência deste pressuposto não é afastada pela cessão do crédito [estava em causa um crédito para aquisição de habitação - TRL], ainda que para efeitos de titularização. III - Aceitar-se que a cessionária do crédito possa resolver validamente o contrato por factos ocorridos antes da cessão traduzir-se-ia numa violação do regime jurídico da titularização de créditos previsto no DL 453/99, de 05/11, maxime das normas que visam assegurar a neutralidade dessa operação perante o devedor, bem como numa violação do regime jurídico do PERSI, maxime das normas que proíbem cessões de créditos que permitam às instituições de crédito subtraírem-se àquele regime, numa verdadeira fraude à lei, pelo que essa solução deve ser rejeitada.
Ac. TRC de 08/03/2022, proc. 824/20.2T8ANS.C1, que, perante situações exactamente iguais à dos autos, considerou que a entidade bancária está proibida de ceder os seus créditos a terceiro que não seja uma instituição de crédito. Estava em causa um crédito para beneficiação de habitação própria.
Ac. do TRG de 30/01/2020, proc. 5520/18.8T8VNF-A.G1: I - A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito [destinado à aquisição de habitação - TRL] a quem não é uma instituição de crédito. II- De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei 227/2012, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI.
No mesmo sentido, já Sandra Passinhas, estudo citado, páginas 104-108, espec. pág. 108, “[a] cessão de crédito, em PERSI, a uma qualquer empresa de gestão de cobrança ou de recuperação de crédito é, pois, nula, nos termos do artigo 294.º, do Código Civil, por contrariedade a norma legal imperativa.”
E Carlos Filipe Fernandes de Andrade Costa, no estudo Incumpri-mento de contratos de crédito pelos consumidores: regime aplicável e medidas de prevenção e regularização de situações de inadimplemento, publicado nos Estudos de Direito do Consumidor n.º 18, 2022, páginas 395-396.
*
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras) pela exequente.
Lisboa, 08/05/2025
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Susana Maria Mesquita Gonçalves