DECISÃO SURPRESA
CONTRADITÓRIO
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
EMPREITADA
DEFEITOS
Sumário

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. Não existe qualquer decisão surpresa, nem violação do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º n.º 3 do CPC, quando o tribunal conhece e decide sobre a exceção da caducidade suscitada pelos RR. o que não pode, no caso, ser feito apenas do ponto de vista da sua alegação, a partir do momento que a decisão de procedência ou improcedência de tal exceção está dependente da apreciação e julgamento de outras situações jurídicas invocadas pela parte contrária, como sejam as que revelam o reconhecimento dos defeitos, sendo que só a sua apreciação conjunta permite chegar à boa composição do litígio.
2. O reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido tem o efeito de impedir a caducidade, tornando o direito estável, quando estejam em causa direitos disponíveis, como decorre do art.º 331.º n.º 2 do C.Civil, não funcionando como fator interruptivo do prazo de caducidade, já que a caducidade não se suspende, nem se interrompe, como expressamente estabelece o art.º 328.º do C.Civil.
3. A empreiteira de forma clara e inequívoca reconhece o direito dos AA. a ver resolvido o defeito da obra, manifestado na abertura da junta de dilatação e no chão da garagem, com origem nas fundações ou assentamento do edifício, ao procurou colmatar aqueles problemas, assumindo a responsabilidade pelos mesmos, não obstante não os ter resolvido por não ter direcionado a sua intervenção à origem dos defeitos mas antes às suas consequências, sendo o seu comportamento o bastante para impedir a caducidade do direito dos AA., nos termos previstos no art.º 331.º n.º 2 do C.Civil.
4. O empreiteiro só pode ser desresponsabilizado pelos defeitos da obra, nos termos previstos no art.º 1219.º C.Civil se o dono da obra os conhecia e aceitou quando rececionou a obra, apenas se presumindo que conhecia os defeitos aparentes, visíveis e passíveis de ser detetados por quem use de normal diligência.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vêm AA e BB, intentar a presente ação comum contra EE Construções, SA e CC, peticionando que a condenação das RR. a:
“a) Realizar as obras necessárias e adequadas a resolver os defeitos enunciados na presente petição inicial e nos documentos ora juntos;
b) Reconhecer o direito de ressarcimento, em relação à 1ªR., pela realização dos trabalhos que os AA. sejam forçados a realizar caso os defeitos da obra se agravem;
c) Que seja objeto de liquidação, em execução da sentença, o montante exato dos trabalhos necessários para a eliminação integral dos defeitos;
d) Ao pagamento de uma indemnização no montante global de € 303.697,08 aos AA, sendo o valor de € 165.697,08, devido pelos danos patrimoniais por si sofridos e a quantia de € 138.000,00 pelos danos não patrimoniais causados com a sua conduta ilícita das RR.
e) Ao pagamento ainda da quantia correspondente aos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que os AA venham a sofrer no futuro e até ao momento em que os RR cumpram com o que vier a ser reconhecido a final, os quais por serem desconhecidos o seu montante só poderão ser liquidados em execução de sentença, incluindo os custos associados ao arrendamento de uma habitação, caso ocorra o previsto no artigo 85.º deste articulado.
f) Ao pagamento da quantia de € 51,00 referente à notificação judicial avulsa, bem como ao pagamento de todas e quaisquer quantias que se apurarem em liquidação de sentença a título de reembolso pelas despesas com a presente ação, designadamente, com taxas de justiça, custas judiciais e honorários com os advogados.”
Alegam, em síntese, que em 09.02.1999, foi celebrado entre as ora RR. e os AA. um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual foi prometida a venda de um lote que identificam, tendo sido simultaneamente, celebrado entre os AA. e a 1ª R. um Contrato de Empreitada de Obra Particular. Ao abrigo do contrato de empreitada a 1ª Ré obrigou-se à construção de uma moradia no referido lote, de acordo com o projeto de construção aprovado pela Câmara Municipal de Almada e com as características constantes na memória descritiva. A 2ª R., na qualidade de engenheira civil, subscreveu um Termo de Responsabilidade, tendo, a partir do dia 20.11.2000 assumido a responsabilidade pelas obras de construção/alterações a levar a efeito naquele lote. Os AA. para o pagamento do preço da obra contraíram um empréstimo bancário no montante global de esc. 53.513.840$00, atuais € 266.926,00, do qual a quantia de esc. 37.000.000$00, atuais € 184.555,00 serviu para pagamento da construção da moradia no âmbito da empreitada em causa. O imóvel apresenta até à data de hoje - e já apresentava mesmo antes de obtido o Alvará de Licença de Utilização- defeitos de obra, ao nível das fundações que originaram o descolamento e a fissura das fachadas da moradia objeto do contrato de empreitada. Só a partir de 23 de maio de 2002 é que a obra foi considerada “apta” para efeitos de atribuição da licença de utilização, o que concorreu para inúmeros danos na esfera jurídica dos AA. Acresce que, na sequência, da junta de dilatação permanecer aberta, foi enviada nova carta à 2ª R. com vista à respetiva reparação, tendo existido nova intervenção com vista à sua retificação, mas sem sucesso.
As RR. foram regularmente citadas e vieram contestar a ação, alegando, em síntese, ser falso que a 1ª R. tenha celebrado qualquer contrato de empreitada com os AA. para a construção dessa moradia, referindo que o único negócio que celebrou com eles foi o da compra e venda do lote de terreno e que os serviços da R., enquanto técnica responsável pela construção, terminaram em 23.05.2002 com a emissão da licença de utilização da moradia. A 2ª R. iniciou funções como administradora da 1ª R., em 31-08-2009, ou seja, mais de 7 anos depois de cessar a sua responsabilidade como técnica responsável pela construção da moradia. Alegam que a obra foi rececionada pelos AA. em março de 2000, pelo que o prazo de garantia terminou em março de 2005 e as RR. foram citadas para a presente ação em outubro de 2011, data em que o direito que os AA. pretendem exercer com a presente ação já havia caducado. Os AA. detetaram os alegados defeitos, pelo menos, em outubro de 2004, data em que denunciaram os mesmos, pelo que o direito de exigir a reparação desses defeitos tinha que ser exercido no ano seguinte ao da denuncia. Acresce que os AA. não alegam factos que consubstanciem a afirmação de que a 2.ª R. não tenha acompanhado a execução de todos os trabalhos relativos à obra de construção civil em causa, tendo esta diligenciado junto da empresa que construiu a moradia pela reparação da junta de dilatação. A 2.ª R. sabe que a empreiteira executou o trabalho de reparação da junta de dilatação, o que o A. declarou perante a Câmara Municipal de Almada, requerendo a emissão da respetiva licença de utilização, o que foi deferido. Nunca as RR. foram interpeladas para efetuarem quaisquer obras na moradia dos autos, sendo que mesmo que o fossem não eram responsáveis pela execução das mesmas. Mais referem que tendo os AA. rececionado a moradia em março de 2000 sem reservas, não podiam, posteriormente, vir invocar tais defeitos. Os defeitos existentes na moradia foram detetados, quanto aos eventuais assentamentos estruturais em 2001, e os restantes pelo menos em outubro de 2004, pelo que caducaram os direitos de que os AA. se arrogam. Concluem que eventuais problemas a nível das fundações são da responsabilidade do técnico autor do projeto de estabilidade e nunca das RR.
Foi requerida e admitida a intervenção principal provocada passiva da sociedade ......EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, por existir uma dúvida fundada sobre o sujeito da relação material controvertida.
A Chamada deduziu contestação, invocando a caducidade do direito dos AA. e impugnando os demais factos invocados.
Foi realizada a Audiência Prévia, tendo sido conferida a possibilidade dos AA. responderem às exceções invocadas pelas RR.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade e relegou para final a apreciação da caducidade, tendo sido fixado o objeto do litígio e elencados os temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
Foi proferida sentença que decidiu a final nos seguintes termos que se reproduzem:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente:
a) Condeno a Ré ... ...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, a realizar as obras necessárias à reparação dos defeitos mencionados nos pontos 24. e 31. da Matéria de Facto Provada, referentes à moradia erigida no lote..., sito na Rua... ..., freguesia da Sobreda, concelho de Almada, a confrontar a Norte com o lote ..., a sul com o lote ..., a Nascente com os lotes ... e a Poente com a Rua..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n.º ...../......, da freguesia da Sobreda.
b) Mais condeno a Ré ... ...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, no pagamento dos eventuais custos relacionados com o realojamento dos Autores, AA e BB, durante o período necessário à realização da reparação dos defeitos referidos em a), a liquidar em momento ulterior;
c) No mais, absolvem-se as Rés EE Construções, SA, CC e ......EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, do pedido.
É com esta decisão que a R. ...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por decisão que a absolva dos pedidos formulados, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. No que concerne ao recurso da decisão de facto, entende a Apelante que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto aos factos provados n.ºs 3, 8, 10, 14, 15, 21, 22, 24 e 31.
2. Concretizando, no que respeita ao Facto Provado n.º 3, resulta assente das Ap. 04/19900619 e AP. 3/20110428, que decorrem das informações extraídas do Portal do Ministério da Justiça juntas pelos Apelados, como docs. n.ºs 1 e 2, ao requerimento apresentado em 25 de novembro de 2011 (Ref.ª CITIUS: 2250165), as quais foram indicadas na Sentença aqui sob censura para fundamento da matéria de facto (Ponto C – Prova Documental) que a Apelante foi detida pelos sócios indicados neste Facto Provado apenas da data da sua constituição, 19 de junho de 1990 até ao dia 28 de abril de 2011.
3. Consequentemente, face à prova carreada nos autos e que foi valorada pelo Tribunal a quo, deverá considerar-se como não provado o Facto Provado n.º 3.
4. Quanto ao Facto Provado n.º 8 entende a Apelante que deve ser aditado à matéria provada o seguinte: Não obstante, os AA. terem assinado o Auto de Receção, no qual declararam que “à data a mesma empreitada não apresentava vícios de construção aparentes”, a junta de dilatação já era evidente nessa data, tendo os mesmos, com a assinatura desse documento, se conformado, sem reservas, com a mesma.
5. Decorrendo aquele facto, tanto da prova documental carreada nos autos pelos Apelados, como do depoimento da Testemunha, valorada pelo Tribunal a quo, DD.
6. Relativamente ao Facto Provado n.º 10 entende a Apelante que o Tribunal a quo, na fundamentação (Ponto C da Sentença aqui sob censura), refere que alicerçou a sua convicção, apenas e só, na prova documental junta pelos Apelados na Petição Inicial (Ref.ª CITIUS: 2139353), mormente, in casu, na carta, datada de 26 de fevereiro de 2001, documento n.º 8 junto à Petição Inicial (Ref.ª CITIUS: 2139353), constante de fls. 74, acontece que, aquilo que se verifica provado não corresponde ao que decorre, efetivamente, do documento ora valorado.
7. Pelo que, quanto a esse Facto entende a Apelante que se deve considerar o mesmo por não provado e aditar-se os Factos Provados com a seguinte matéria: Em 26.02.2001, o 1º A. enviou uma comunicação à Câmara Municipal de Almada propondo proceder à retificação do defeito apontado pelo seu Departamento de Administração Urbanística, dando nota de que apenas o fará em momento oportuno no que respeita ao clima.
8. Quanto ao Facto Provado n.º 14, entende a Apelante que contrariamente ao considerando na fundamentação da matéria de facto (Ponto C da Sentença sob recurso), o mesmo não decorre da prova documental carreada para os autos, não surgindo sequer enunciada tal comunicação nesse elenco do Tribunal a quo, pelo que, por conseguinte, deverá considerar-se como não provado o Facto Provado n.º 14.
9. Já o Facto Provado n.º 15 considera a Apelante que incorreu o Tribunal a quo em evidente erro de julgamento, porquanto tal facto não decorre da prova documental carreada para os autos, mormente, do documento n.º 7 junto à Petição Inicial (Ref.ª CITIUS: 2139353), a fls. 71 a 73, no qual alicerçou o Tribunal a sua convicção.
10. Assim, quanto a esse Facto defende a Apelante que se deve considerar o mesmo por não provado e aditar-se os Factos Provados com a seguinte matéria: Em 09 de outubro de 2001, o 1.º A., por carta registada com aviso de receção enviada à 2.ª R. e por esta recebida, manifestou que seria suficiente fechar a junta de dilatação, não tendo pugnado pela necessidade de qualquer outra obra, tendo, com isso, em vista a emissão da licença de utilização e a, consequente, restituição da sisa.
11. Também relativamente aos Factos Provados n.ºs 21 e 22, entende a Apelante que não houve uma correta apreciação da prova, porquanto não foram consideradas as declarações prestadas pelo Apelado AA, em sede de audiência de discussão e julgamento,
12. Veja-se que, quanto ao Facto Provado n.º 21 o Tribunal a quo não atendeu à totalidade dos trabalhos executados, entendendo, por isso, a Apelante que deve aditar-se os factos provados no sentido de ficar a constar que Em junho do ano de 2006, a Interveniente procedeu a uma intervenção na moradia, em concreto, levantaram o piso da garagem, colocaram uma malha de arame, colocaram uns azulejos novos e taparam a junta de dilatação.
13. E quanto ao Facto Provado n.º 22 entende a Apelante que o Tribunal a quo olvidou-se de considerar que o Apelado AA admitiu que o defeito na junta de dilatação foi detetado pouco tempo depois da intervenção de 2006 e que o Sr. EE em novembro ou dezembro de 2010, foi confrontado, verbalmente, pelo Apelado AA sobre a questão da junta de dilatação, tendo o mesmo declinado a execução de obras.
14. Tudo factos que carecem de ser aditados ao elenco dos Factos Provados para uma justa composição do litígio e descoberta da verdade material.
15. Quanto ao Facto Provado n.º 24 entende a Apelante que, salvo melhor e douta opinião, nunca se poderia o Tribunal olvidar, na análise crítica e de valoração da prova produzida do relatório pericial elaborado por peritos nomeados, datado de 10 de outubro de 2015 (Ref.ª CITIUS: 7183005), constante a fls. 953 a 971, pelo que, devem ser aditados os Factos Provados com os elementos que decorrem desse mesmo relatório.
16. Por fim, relativamente ao Facto Provado n.º 31 entende a Apelante que, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e a prova carreada nos autos, valorada pelo Tribunal a quo, não pode ser considerada para decidir no sentido de que os defeitos denunciados pelos Apelados se verificam atualmente na moradia.
17. Isto porque, entre o primeiro e o segundo relatório pericial passaram 8 (oito) anos e, além disso, não decorre do segundo relatório, de 20 de março de 2023, uma única referência à manutenção dos defeitos verificados em 2012 ou em 2015 na moradia dos Apelados.
18. Ademais, os depoimentos das testemunhas valoradas não confirmam a existência de todos aqueles defeitos na moradia, nem muito menos definem detalhadamente os mesmos.
19. Nestes termos, deve considerar-se como não provado o facto de que atualmente existem na moradia dos Apelados os defeitos enunciados no ponto 24 dos factos provados.
20. Reanalisada a decisão de Direito, deverá a presente ação improceder in totum.
i) DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
20. A douta decisão sob censura padece de vício de excesso de pronúncia, uma vez que não foi dada oportunidade prévia às partes, mormente à aqui Apelante, para se pronunciar sobre a suposta contra exceção de reconhecimento impeditivo da caducidade, configurando, por isso, a decisão sob censura uma decisão-surpresa, proibida, desde já, pelo n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C..
21. Dos articulados e Despacho Saneador, constantes dos autos, verifica-se que nenhuma das partes, leia-se os Apelados, suscitou tal questão, nem, muito menos, teve a ora Apelante oportunidade de exercer o seu contraditório, como, inclusive, era imposto pelo n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C.
22. Atento àquela proibição do n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C. o conhecimento, sem a prévia audiência das partes, de contra exceção à caducidade, que dependia obviamente da vontade das partes e, por isso, de ter sido alegada nos autos, traduz-se no conhecimento de uma questão em relação à qual o juiz não podia tomar conhecimento, padecendo, por isso, a decisão proferida de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na 2.ª parte, da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.
23. Veja-se que, resulta unanime da nossa jurisprudência, que estando em causa direitos disponíveis a caducidade carece de ser invocada pela parte e de igual modo as suas contra exceções, não podendo nem a exceção, nem a contra exceção ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal.
24. Termos em que, salvo melhor e douta opinião, a Sentença objeto de recurso configura uma decisão surpresa, padecendo de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
Sem prescindir,
ii) DO ALEGADO RECONHECIMENTO DO DIREITO À REPARAÇÃO
25. Com base nas referidas intervenções executadas por parte da Apelante, o Tribunal a quo considerou que houve o reconhecimento dos mencionados defeitos de construção, o que conduz a um efeito impeditivo do decurso do prazo de caducidade para a instauração da ação, pelos donos da obra, destinada a exigir, após denúncia, a eliminação dos defeitos…
26. No entanto, entende a Apelante que não existe fundamento para sustentar tal reconhecimento, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e à prova que foi carreada nos autos.
27. À priori, cumpre referir que, ainda que se tenham verificado duas intervenções na moradia dos Apelados, por parte da Apelante, certo é que os mesmos teriam sempre de proceder à denúncia dos defeitos no prazo de 1 (um) ano, a contar do momento em que tomam conhecimento dos defeitos, nos termos do disposto na 1.ª parte, do n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil.
28. Denúncia essa que, efetivamente, ocorre em outubro de 2004, dentro do prazo de garantia, mas através da qual é dado o conhecimento à Apelante do defeito detetado na junta de dilatação e outros tantos [muitos dos quais, vieram nestes autos a revelar-se insignificantes].
29. No entanto, essa denúncia já não ocorre após a intervenção da Apelante em junho de 2006, considerando-se que a interpelação das advogadas dos Apelados extravasou o prazo para a denúncia dos defeitos.
30. Porquanto, das declarações prestadas pelo Apelado AA decorre o seguinte: A de 2006 foi essa do chão e de tapar a junta de dilatação com massa de piscina, entretanto, se veio a revelar que não tinha resolvido nada. A junta de dilatação começou logo a abrir. (Transcrição do depoimento ínsito no minuto 00:27:51 ao minuto 00:30:21 do ficheiro áudio referente à sessão da audiência de julgamento de 09 de abril de 2024, ocorrida entre as 14:42h e as 15:15h).
31. Pelo que, a denúncia dos defeitos detetados na moradia, após a intervenção e junho de 2006, haveria de ter ocorrido, no limite, até junho de 2007 e a ação interposta até junho de 2008,
32. O que não sucedeu, pelo que, o direito dos Apelados à reparação encontra-se, evidentemente, caducado, tendo sido, até, declinada, em 2010, qualquer outra reparação na moradia dos mesmos pelo Sr. EE, conforme se pode confirmar das declarações de parte do Apelado AA, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, supra transcritas.
33. Entende a Apelante que o entendimento do Tribunal a quo levaria à imposição de uma responsabilização sem limitação temporal da construtora, que se veria, assim, na posição de ter de reparar todos os defeitos que porventura viessem a verificar-se e que fossem semelhantes aos oportunamente reparados e, naturalmente, reconhecidos, durante 20 (vinte) anos...
34. Além disso, sempre se dirá que a Apelante, nunca, em momento algum, reconheceu que existia da parte dos Apelados o direito à reparação nos termos determinados pelo Tribunal a quo.
35. Isto porque, entende a Apelante que o facto de a Apelante ter tapado a junta de dilatação e eliminado defeitos ao nível do chão da garagem, não significa que admitiu que a moradia, em concreto, as fundações padeciam de defeito e, por outro lado, tais reparações não indicam, sem qualquer dúvida, que se trataram de intervenções tendentes à eliminação do defeito denunciado.
36. Nestes termos, deverá a Apelante ser absolvida do pedido de realização das obras necessárias à reparação dos defeitos detetados, na moradia, em maio de 2012, mencionados nos pontos 24 e 31 dos Factos Provados, bem como do pedido de pagamento de eventuais custos relacionados com o realojamento dos Apelados, no período necessário à realização da reparação desses defeitos.
37. Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre deverá ser considerado que a Apelante não reconheceu a totalidade dos defeitos detetados nestes autos, porquanto, resulta da prova produzida e carreada nos autos que a mesma interveio, apenas e só, no sentido de tapar a junta de dilatação e ao nível do chão da garagem.
Em todo o caso,
iii) DO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DA EMPREITADA
38. Entende a Apelante que não lhe pode ser imputado qualquer tipo de responsabilidade, por eventual cumprimento defeituoso,
39. Porquanto, os AA. assinaram o Auto de Receção da obra [em março de 2000], no qual declararam que «à data a mesma empreitada não apresentava vícios de construção aparentes», mas, da prova produzida, resulta que nessa data a junta de dilatação já era evidente, tendo os mesmos, com a assinatura desse documento, se conformado, sem reservas, com a mesma.
40. E, tem entendido a nossa jurisprudência que «(…) o dono da obra que a aceita, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse ato, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação (…)».– In, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 31 de janeiro de 2012, no âmbito do processo n.º 191/07.0TBGDM.P1, acessível em www.dgsi.pt.
41. Tudo visto e ponderado, andou mal o Tribunal a quo na Sentença recorrida, porquanto, atento o exposto, deveria a presente ação improceder na sua integralidade, devendo, em consequência, a Apelante ser absolvida dos pedidos, o que aqui se peticiona.
A sentença sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
Artigo 3.º, n.º 3 do C.P.C.
Artigos 331.º, n.º 2 e 1225.º, ambos do C.C.
Os AA. vieram responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da decisão recorrida, mais requerendo a sua retificação.
Foi proferido despacho pelo tribunal a quo que indeferiu a retificação da decisão e posteriormente admitiu o recurso interposto pela R.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões - art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso - art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da caducidade do direito dos AA. à reparação dos defeitos;
- da (ir)responsabilidade da empreiteira por qualquer cumprimento defeituoso do contrato.
III. Nulidade da sentença
- da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Alega a Recorrente que a sentença é nula por excesso de pronuncia, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC por não ter sido dada às partes a possibilidade de previamente se pronunciarem sobre o reconhecimento impeditivo da caducidade, configurando uma decisão surpresa, nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC, não tendo sido invocado pelos AA. o reconhecimento do direito pela R. e não sendo questão de conhecimento oficioso.
O princípio do contraditório vem contemplado no art.º 3.º do CPC com a epígrafe “necessidade do pedido e da contradição”, que no seu n.º 3 dispõe: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Cada parte tem de ter a oportunidade de, no processo, expor as suas razões de facto e de direito, antes que o tribunal tome a sua decisão. O processo tem de ser equitativo e ao intervir no mesmo, estão as partes, o tribunal e os diversos intervenientes processuais, obrigados a observar o princípio da cooperação, expressamente previsto no art.º 7.º do CPC.
O tribunal a quo decidindo sobre a exceção da caducidade suscitada pela R., considerou que a mesma não se verificava, por ter havido um reconhecimento do direito dos AA. que a impede.
No caso, a caducidade, sendo matéria não excluída da disponibilidade das partes, é uma exceção perentória que não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser suscitada pela parte que dela pretende fazer valer-se para que o tribunal a possa apreciar e decidir – art.º 333.º n.º 2 e 303.º do C.Civil e art.º 579.º “a contrario” do CPC.
A exceção da caducidade do direito dos AA. à reparação dos defeitos da obra foi suscitada pelos RR. na oposição que apresentaram, pelo que logo se impunha ao tribunal conhecer da mesma, pelo que não se vislumbra em que medida o conhecimento de tal exceção pode constituir uma decisão surpresa para a R.
O primeiro dever que o art.º 608.º n.º 2 do CPC impõe ao julgador, é o de conhecer e resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada com a solução de outras antecedentes, no que constitui o afloramento do princípio do direito das partes uma tutela jurisdicional efetiva.
Na situação em presença, é manifesto que a sentença sob recurso quando conhece da exceção da caducidade suscitada, levando em consideração, quer os factos alegados pela R., quer aqueles que são alegados pelos AA. que podem obstar ao funcionamento daquela exceção não é suscetível de ser qualificada como decisão surpresa.
Veja-se que logo na p.i., designadamente nos art.º 51.º, 73.º, 74.º, 75.º e 88.º os AA. vieram invocar o reconhecimento dos defeitos da obra pelas RR.
O tribunal a quo no âmbito da decisão da matéria de facto fez contemplar nos factos provados 21 e 29 intervenções de reparação realizadas pela R. na obra, elementos de facto que relevou quando da apreciação da exceção da caducidade suscitada pela R.
Nesta medida, não pode reconhecer-se uma surpresa da R. pela circunstância do tribunal a quo ter julgado a exceção da caducidade que ela própria suscitou, levando em conta a factualidade alegada pelas partes no processo, sendo que para apreciar e decidir tal exceção têm de ser avaliados os eventuais impedimentos da mesma, nomeadamente o reconhecimento dos defeitos pela R., enquanto obstáculo ao funcionamento da exceção da caducidade nos termos peticionados, pelo que a falta de ponderação desta matéria pelo tribunal e a não apreciação dos impedimentos invocados, deixaria a posição dos AA. sem tutela judicial.
O conhecimento e decisão sobre a exceção da caducidade suscitada pelos RR. não pode, no caso, ser feito apenas do ponto de vista da sua alegação, a partir do momento que a decisão de procedência ou improcedência de tal exceção está dependente da apreciação e julgamento de outras situações jurídicas invocadas pela parte contrária, como sejam as que revelam o reconhecimento dos defeitos, sendo que só a sua apreciação conjunta permite chegar à boa composição do litígio.
Em face do que se expôs, constata-se que não existe qualquer decisão surpresa, nem violação do principio do contraditório previsto no art.º 3.º n.º 3 do CPC, já que o tribunal não estava obrigado a ouvir as partes sobre questão sobre as quais as mesma já haviam tido a oportunidade de se pronunciar e se pronunciaram efetivamente, não ocorrendo qualquer nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
III. Fundamentos de Facto
Resultam provados e não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa, assinalando-se aqueles que foram alterados em resultada da parcial procedência da impugnação da matéria de facto:
1. Por escrito particular datado de 09.02.1999, foi celebrado entre os AA. e a Ré EE Construções, SA, um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual foi prometida a venda do lote..., sito na Rua... João, freguesia da Sobreda, concelho de Almada, a confrontar a Norte com o lote ..., a sul com o lote 125, a Nascente com os lotes ... e a Poente com a Rua..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n.º ...../......, da freguesia da Sobreda, omisso na respetiva matriz, mas, na altura com pedido de inscrição efetuado em 05.06.1996.
2. Em 09.02.1999, foi celebrado entre os AA. e a ...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, um contrato designado por “Empreitada de obra particular”, nos termos do qual esta se obrigou perante aqueles a proceder à construção de uma moradia no lote... , melhor identificado no ponto1., de acordo com o projeto de construção aprovado pela Câmara Municipal de Almada e com as características constantes na memória descritiva.
3. A 1.ª Ré EE Construções, SA submeteu, na qualidade de Requerente, em 06.07.1999, à Câmara Municipal de Almada, o projeto de estabilidade referente à Quinta... João, lote....
4. A R. CC, na qualidade de engenheira civil, subscreveu um Termo de Responsabilidade, tendo a partir do dia 20 de novembro de 2000 assumindo responsabilidade pelas obras de construção/alterações a levar a efeito no lote... da Urbanização Quinta... João, com o processo de construção n.º 395/98, na Freguesia da Sobreda, concelho de Almada.
5. Em 18.06.2012 a R. Interveniente “...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª” era detida pelos seguintes sócios:
- EE Construções, SA;
- EE. (alterado)
6. A R. CC exerceu o cargo de membro do Conselho de Administração da EE Construções, SA, de 31/08/2009 até 27.05.2011.
7. Em 09.04.1999, os AA efetuaram o registo de hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos junto da 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, para garantia das seguintes quantias, a saber:
a) O valor de ESC. 37.000.000$00, atuais EUROS €184.555,00;
b) Taxa de juro até 9,544% ao ano, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal;
c) O valor de 1.480.000$00, atuais EUROS €7382,21, quantia respeitante às denominadas despesas extra judiciais que a Caixa Geral de Depósitos S.A. suporte com o processo de mútuo bancário.
8. Em 30.03.2000, os AA assinaram o Auto de Receção, no qual declararam que "à data a mesma empreitada não apresentava vícios de construção aparentes", procederam ao pagamento do preço acordado à Interveniente e receberam as chaves da moradia.
9. Por ofício n.º 2139/01, de 09.02.2001, os AA. (na pessoa do Sr. Eng. AA) foram notificados pelo Departamento de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Almada, de que a emissão da licença de utilização se encontrava pendente da resolução das seguintes anomalias, passamos a transcrever: “Verifica-se que a junta da dilatação com a moradia geminada a Norte se encontra bastante aberta, denotando eventuais assentamentos diferenciais ao nível das fundações”.
10. Em 26.02.2001, o 1º A. enviou uma comunicação à Câmara Municipal de Almada comprometendo-se a resolver as deficiências apontadas pelo seu Departamento de Administração Urbanística no prazo concedido, isto é, de 15 dias.
11. Em 12.03.2001, a Câmara Municipal de Almada enviou uma carta aos AA., informando que iria proceder a uma vistoria técnica no dia 29.03.2001.
12. Em 27.04.2001, o 1.ºA. rececionou um Ofício da Câmara Municipal de Almada (CMA), segundo o qual após ter sido efetuada a vistoria técnica do imóvel e ter sido elaborado o Auto de Vistoria Técnica, concluindo que a licença de habitação não deverá ser emitida.
13. Foi deliberado por unanimidade, em reunião Camarária ocorrida em 18.04.2001, a homologação do auto de vistoria técnica e, por conseguinte, foi recusada pela Câmara Municipal de Almada, a emissão de licença de utilização.
14. A Repartição de Finanças de Almada enviou uma carta ao 1.ºA, solicitando a exibição da Licença de Utilização para efeitos da restituição da Sisa e isenção da Contribuição Autárquica.
15. Em 09.10.2001, o 1º A., por carta registada com aviso de receção enviada para a 2.ª Ré e por esta recebida, pugnou pela necessidade de ser resolvida a questão da junta de dilatação, com vista à emissão da licença de utilização e referindo a sua necessidade para efeitos de restituição da sisa, nos termos que melhor constam do doc. 7 junto com a p.i., que se dá como reproduzido. (alterado)
16. Em 23.05.2002, foi emitida a licença de utilização do imóvel em questão.
17. Em 20.10.2004, o 1º A. enviou uma carta, à 2.º Ré, recebida por esta, onde se refere como problema mais grave o afastamento das moradias em 4 cm, acrescentando:
a) O portão da garagem não fechava completamente;
b) Em dois pontos do chão os azulejos estavam a rachar;
c) A pedra mármore da entrada da garagem também rachou;
d) O rodapé junto ao portão estava a cair;
e) O chão da garagem estava a levantar e a massa dos azulejos a saltar;
f) O tubo de esgoto vertia água por se encontrar rachado.
Outros problemas a necessitar de intervenção:
a. Sótão
Duas janelas têm humidade no interior dos vidros;
Humidade no teto
Falta de uma telha junto à janela da frente.
b. Cozinha/Garagem
Canalização da máquina de lavar a loiça estava a verter
c. Casa de Banho do rés-do-chão
Tapar azulejos atrás do lavatório
d. Entrada
Faltava envernizar duas tábuas no teto;
Manchas escuras do lado de fora junto à porta da rua
e. Lanço de escada da garagem
Pintar tampa do gás;
f. Garagem
Porta de acesso à casa e porta de alumínio estão a arrastar;
Porta da arrecadação não tem verniz;
Ombreira da porta da casa de banho está por envernizar;
Não se podem ligar as duas máquinas (lavar e secar roupa) em simultâneo;
Humidade no canto junto à porta da arrecadação;
g. Exterior
Riscos escuros pintados na parede estão a notar-se mais;
Pintar moldura da janela da sala;
Muro rachado no canto em frente à porta traseira da garagem
Muro do canteiro rachada
h. Geral
Praticamente todas as divisões apresentam rachadelas nas paredes;
Gradeamentos das varandas já quase não têm tinta;
Puxadores de algumas janelas sem tinta
Material suplente.
18. Os AA pagam à Caixa Geral de Depósitos uma mensalidade no valor de Euro 558,07.
19. Em 25 de Maio de 2006, a empresa denominada “Ladrilis Materiais Para Construção e Decoração Lda.” procedeu à descarga dos seguintes materiais: - cerâmico pavimento 33,3x33,3 Águeda Mel esc.1 para levar a cabo a reparação do chão da rampa da garagem.
20. Em 27 de maio de 2006, foi efetuada nova descarga dos seguintes materiais: Revigres Pavimento 30x30 pigmentado camurça nat. Esc.1.
21. Em junho do ano de 2006, a R. Interveniente procedeu a uma intervenção na moradia, tendo levantado o piso da garagem, colocado uma malha de arame e colocado azulejos novos e tapado a junta de dilatação. (alterado)
22. Em 17.02.2011, o Autor enviou, por intermédio das suas advogadas, carta registada com aviso de receção, à primeira Ré, com vista à resolução amigável do defeito consistente no afastamento progressivo das moradias, sob pena de intentar ação judicial.
23. No passado dia 31.05.2011, a 1.ª R. foi interpelada, por meio de notificação judicial avulsa, com vista a ficar ciente de que irá ser proposta ação judicial contra si, no prazo de dez dias, caso não proceda à reparação dos defeitos do imóvel.
24. Em junho de 2012, a moradia dos Autores mantinha abertura da junta de dilatação entre esta e a moradia confinante, sendo que a largura da fenda é maior no topo da construção e vai diminuindo para a base; ao nível da cave a pedra de soleira do portão da garagem está partida e abaulada; no interior e na parede da moldura esquerda do portão da garagem há marcas de descolamento e deformação da parede relativamente ao pavimento, com separação de rodapé executado em ladrilho; no pavimento da zona norte há deformação e extensa abertura de junta dos ladrilhos ao longo do pavimento; a porta entre a garagem e a habitação não fecha, pois arrasta no pavimento; no exterior da moradia, canto norte poente (no topo da construção), no alçado norte existe uma extensa racha vertical que se prolonga para o nível da laje de esteira onde passa a ter desenvolvimento horizontal; um pequeno murete, situado na base do referido pilar encontra-se partido, deformado e com algum assentamento; o muro de separação entre a presente moradia e a confinante a sul apresenta uma extensa racha horizontal, ao nível do logradouro; na face exterior do muro de delimitação norte, no local onde se situa um lote vago (lote 124), observa-se uma extensa racha horizontal ao nível do logradouro da moradia, devido a assentamento, a fachada da moradia apresenta-se manchada e com os panos de tijolo das parede, manchados de bolor. (alterado)
25. Na sequência da carta referida em 17., a 2ª R., na companhia de outro técnico, efetuou durante semanas a medição da junta de dilatação.
26. O A. marido acompanhou tais medições.
27. Findas as mesmas, concluiu-se que durante as medições a junta de dilatação não tinha aumentado.
28. Pelo que a 2ª R. diligenciou junto da empresa que construiu a moradia a reparação da junta de dilatação.
29. A Interveniente executou em 2001 ou 2002 o trabalho com vista à reparação da junta de dilatação.
30. Findo esse trabalho o A. marido declarou perante a Câmara Municipal de Almada que a junta de dilatação estava reparada.
31. Os factos referidos no ponto 24. mantêm-se atualmente, designadamente, sendo que o afastamento entre as duas moradias, implantadas no lote... e ... tem origem em assentamentos diferenciais nos elementos de fundação direta da edificação, sendo maiores no lado Norte, quando comparados com aqueles nos elementos de fundação do lado Sul, resultando numa rotação na estrutura em torno do eixo formado pelos elementos de fundação.
32. As sapatas colocadas perto do eixo Norte apresentavam uma altura de 0,35 m com forma irregular, quando o projeto estipulava uma altura de 0,60m.
33. As sapatas colocadas entre o eixo Sul e o eixo Este, apresentavam uma altura de 0,50m, quando o projeto definia uma espessura de 0,60m.
34. Junto do eixo Oeste, o projeto previa uma sapata corrida de 0,60 m de altura, não tendo sido detetada a sapata.
35. Aquando da escavação para as fundações era percetível a existência de terrenos soltos.
36. A falta de verticalidade da moradia apenas poderá ser corrigida com obras de estabilização das fundações, para as quais terá de ser elaborado o respetivo projeto.
Factos Não Provados
1. Que o contrato de empreitada referido em 2. da Matéria de Facto Provada tenha sido celebrado entre os Autores e a 1.ª e a 2.ª Rés.
2. O Serviço de Finanças de Almada indeferiu o pedido de reembolso de sisa, à data, no valor de 625.000$00, atualmente o valor de reembolso é de € 3.117,49.
3. O valor locativo da moradia dos Autores cifra-se em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por mês.
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 3, 8, 10, 14, 15, 21, 22, 24 e 31 dos factos provados, mais requerendo o aditamento de matéria aos factos provados, que considera ser relevante para a decisão.
Por terem sido por ela cumpridos os requisitos do art.º 640.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do CPC, procede-se à avaliação da impugnação apresentada.
Os AA. vêm responder ao recurso, defendendo a improcedência da impugnação apresentada e em simultâneo, a propósito dos factos impugnados, vêm também eles pretender que sejam introduzidas alterações nos mesmos. As alterações pretendidas serão desconsideradas pelo tribunal, na medida em que os mesmos não recorreram, não havendo que as avaliar nesta sede.
Verifica-se que terá havido um lapso da Recorrente ao identificar o facto provado 3 como aquele que quer impugnar, quando da sua alegação decorre que se quererá reportar ao facto 5 e não ao facto 3, pelo que será o facto 5 que se irá considerar.
- Quanto ao ponto 5 dos factos provados, tem a seguinte redação:
5. A Interveniente “...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª” é detida pelos seguintes sócios:
- EE Construções, SA;
- CC,
- EE;
- FF.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como não provado, invocando para o efeito os doc. 1 e 2 apresentado a 25.11.2011 pelos AA.
Alega que “a Apelante foi detida pelos sócios indicados no Facto Provado n.º 3 apenas da data da sua constituição, 19 de junho de 1990 até ao dia 28 de abril de 2011, o que resulta das Ap. 04/19900619 e AP. 3/20110428, que decorrem das informações extraídas do Portal do Ministério da Justiça juntas pelos Apelados, como docs. n.ºs 1 e 2, ao requerimento apresentado em 25 de novembro de 2011 (Ref.ª CITIUS: 2250165), as quais foram indicadas na Sentença aqui sob censura para fundamento da matéria de facto (Ponto C – Prova Documental).”
Os AA. vêm opor-se, antes pretendendo que fiquem a constar dos factos provados todas as alterações societárias que têm vindo a ocorrer com respeito aos sócios da R., conforme certidão do registo comercial da mesma.
Esta matéria, ainda que tenha sido alegada pelos AA. quando suscitaram a intervenção da R. ......EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, não tem qualquer relevância para a decisão da causa.
Isso mesmo aliás é afirmado a dada altura pela sentença sob recurso, ao referir: “Efetivamente, afigura-se-nos irrelevante para a identificação dos contratantes intervenientes nos contratos acima referidos, o facto de a ...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª, ter como sócios, entre outros, as Rés, EE Construções, SA e CC, na medida em que em momento algum foi alegada a desconsideração da personalidade jurídica da primeira.”
De qualquer modo, verifica-se que este facto dado como provado também não tem inteira correspondência no meio de prova que fundamentou a resposta do tribunal a quo, a publicação on line de Ato Societário do Portal do Ministério da Justiça, doc. 1 junto pelos AA. quando requereram a intervenção desta sociedade, optando-se por isso por alterar a sua redação, de forma a que reflita o que do registo consta quanto à composição societária da Interveniente à data em que os AA. alegaram esta matéria – 18.06.2012.
A certidão permanente da R. interveniente foi por ela junta aos autos a 26.10.2021, revelando que a 28.04.2011 foi registada uma alteração ao contrato de sociedade, passando as suas quotas a ser detidas por EE e por EE Construções, SA
Com base em tal documento, determina-se a alteração da redação deste ponto, nos seguintes termos:
5. Em 18.06.2012 a Interveniente “...EEGestão e Administração de Propriedades, Ld.ª” era detida pelos seguintes sócios:
- EE Construções, SA;
- EE.
- Quanto ao ponto 8 dos factos provados, tem o seguinte teor:
8. Em 30.03.2000, os AA assinaram o Auto de Receção, no qual declararam que “à data a mesma empreitada não apresentava vícios de construção aparentes”, procederam ao pagamento do preço acordado à Interveniente e receberam as chaves da moradia.”
A Recorrente não contesta a veracidade deste facto provado, antes pretende que este ponto seja aditado, passando a ter a seguinte redação:
8. “Não obstante, os AA. terem assinado o Auto de Receção, no qual declararam que “à data a mesma empreitada não apresentava vícios de construção aparentes”, a junta de dilatação já era evidente nessa data, tendo os mesmos, com a assinatura desse documento, conformando-se, sem reservas, com a mesma.”
Para fundamentar tal alteração invoca o depoimento da testemunha DD, nos excertos de gravação que indica, o teor do ponto 9 dos factos provados e os doc. 7 e 27 junto com a p.i. e conclui: “Por conseguinte, a matéria dada como assente no Facto Provado n.º 8 corresponde realmente à verdade, os Apelados declararam que a empreitada não tinha vícios de construção aparentes, no entanto, deve ser tido em consideração que a junta de dilatação já era evidente no ano de 2000 e, por via disso, com a assinatura do Auto de Receção aceitaram, sem reserva, a empreitada, com a junta de dilatação já visível.”
Os Recorridos vêm opor-se à alteração, referindo em síntese: que o depoimento da testemunha DD, mostra não só um conhecimento indireto deste facto, mas também uma imprecisão quanto à data em que soube do mesmo; que os documentos indicados não admitem a verificação deste facto; que esta matéria é contrariada pelo A. nas suas declarações de parte
A alteração pretendida pode desdobrar-se em três pontos: (i) a junta de dilatação já era evidente à data em que os AA. assinaram o auto de receção da obra; (ii) com a assinatura desse documento os AA. conformaram-se sem reservas com a mesma; (iii) excluir a parte final deste facto provado “procederam ao pagamento do preço acordado à Interveniente e receberam as chaves da moradia”.
No que se refere à questão de saber se a junta de dilatação já era evidente à data da assinatura do auto de receção da obra em 30.03.2000 e reportando-se o facto provado 9 a um ofício camarário que chama a atenção para a abertura da junta de dilatação, com uma data muito posterior, cerca de 11 meses, não pode excluir-se que tal se tenha verificado ou se tenha agravado durante tal período de tempo, o que retira relevância a este meio de prova.
Passa-se o mesmo quanto ao doc. 7 junto com a p.i., que corresponde a uma carta datada de 9 de outubro de 2001, enviada pelo A. à 2ª R., onde alude ao “descolamento da moradia” aí referindo que já muito antes de 9 de fevereiro de 2001 havia alertado para o assunto, o que não permite localizar no tempo o “muito antes de fevereiro de 2011”, designadamente que seria pelo menos em março de 2020.
O doc. 27 junto com a p.i. é uma carta de 17.02.2011 enviada pelos mandatários dos AA. à 1ª R. em que o descolamento das fachadas é localizado antes da obtenção da Licença de utilização, sendo que esta apenas foi obtida em 23.05.2002, como consta do facto provado 16, mais mencionando que o problema foi detetado no final da construção da moradia e foi detetado pela Câmara, aludindo ao auto de vistoria de 29.03.2001. Esta carta, que nem sequer é subscrita pelos AA., não tem a virtualidade de, com um mínimo de segurança, levar à conclusão de que quando da assinatura do auto de receção da obra, já era visível o referido descolamento.
O A. AA, nas declarações de parte que prestou, aludiu à matéria deste facto provado apenas para confirmar que pagou o preço acordado e recebeu as chaves da moradia, concretizando que assumiu uma hipoteca com a CGD.
No que respeita ao depoimento da testemunha DD, vizinho dos AA., proprietário da moradia confinante, a cuja audição se procedeu, não estando em causa a sua credibilidade, a verdade é que o mesmo mostrou, por um lado, não ter qualquer certeza quanto à data em que soube de tal defeito: “deve ter sido em 2000, se eu fui para lá morar em 2001, 2002, eles ainda estavam nos acabamentos interiores” e por outro lado, referiu que foi o instalador do ar condicionado que lhe chamou a atenção para “uma racha nas traseiras das duas casas”, clarificando mais à frente no seu depoimento que se referia à junta de dilatação.
Este depoimento revela que não foi a testemunha que detetou a existência da referida racha, mas antes o técnico de instalação do ar condicionado, o que pode evidenciar que a mesma não era assim tão percetível; por outro lado, a expressão “deve ter sido em 2000” não permite dizer que em março de 2000 quando da assinatura do auto de recção da obra, a junta de dilatação já era evidente.
Importa ainda ter em conta o teor do doc. 5 junto com a p.i. que corresponde ao auto de recção da obra, que se encontra assinado não só pelos AA. mas também pelos representantes da empreiteira, sendo que esta enquanto técnica da obra atesta igualmente em tal documento que a mesma não apresenta vícios de construção aparentes, nada evidenciando que pudesse estar de má fé a procurar ocultar alguma coisa.
Fazer constar dos factos provados o contrário do que ambas as partes admitiram em tal documento, que assinaram, exige que outros elementos de prova o evidenciem com um grau de certeza elevado, salientando-se ainda que o que nos dizem as regras da experiência é que, com toda a probabilidade o dono de uma obra não assina um auto de receção da obra com este teor e paga a totalidade do preço se, avaliando a mesma, verifica a sua falta de conformidade ou defeitos da obra.
Quanto aos AA. se terem conformado sem reservas com a mesma, não se trata de um facto, mas antes de uma conclusão que pode ser extraída (ou não) dos factos que venham a resultar provados, não havendo que proceder ao seu aditamento, por não ter o seu lugar próprio de avaliação em sede de decisão da matéria de facto.
No que respeita à exclusão da parte final do facto provado 8, os elementos de prova indicados pela Recorrente não incidem sobre tal matéria, relativa ao pagamento do preço e entrega das chaves, não podendo dizer-se que infirmam o que aí consta.
Conclui-se pela improcedência da impugnação apresentada a este facto.
- Quanto ao ponto 10 dos factos provados, tem o seguinte teor:
10. Em 26.02.2001, o 1º A. enviou uma comunicação à Câmara Municipal de Almada comprometendo-se a resolver as deficiências apontadas pelo seu Departamento de Administração Urbanística no prazo concedido, isto é, de 15 dias.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como não provado, ou se assim não se entender, que seja aditado um novo ponto aos factos provados, com a seguinte redação:
10. “Em 26.02.2001, o 1º A. enviou uma comunicação à Câmara Municipal de Almada propondo proceder à retificação do defeito apontado pelo seu Departamento de Administração Urbanística, dando nota de que apenas o fará em momento oportuno no que respeita ao clima.”
Alega a Recorrente que o doc. 8 junto com a p.i. em que o tribunal a quo fundamentou a resposta a este facto é insuficiente para que possa ter-se o mesmo como provado, não sendo documento assinado pelo A., nem havendo prova do seu envio, referindo que “uma coisa é dizer que se resolve dentro do prazo concedido, pela Câmara Municipal de Almada – 15 (quinze) dias – porque se necessita da emissão da licença de utilização [que demonstra preocupação com a deficiência encontrada e pressa na resolução] e outra bem diferente é dizer que resolve em momento oportuno no que diz respeito ao clima [demonstrando uma postura calma e passiva quanto à necessidade de resolução, bem como quanto à necessidade da licença de utilização]…
A eventual resposta ou falta de resposta do A. ao ofício que lhe foi enviado pela CM de Almada, a que alude o facto provado 9, é matéria que não assume qualquer relevância para a decisão da causa, sendo também indiferente que, a existir, tenha sido no sentido do A. se comprometer perante a CM a resolver o problema em 15 dias, ou quando as condições climatéricas o permitissem.
Mesmo que viesse a proceder a impugnação da Recorrente quanto a este facto, tal não teria qualquer importância para a boa decisão da causa, o que dispensa o tribunal de recurso de conhecer a impugnação nesta parte, no sentido de avaliar se os meios de prova indicados infirmam o facto em causa, o que sempre se traduziria num ato inútil e por isso ilícito, como prevê o art.º 130.º do CPC.
Isso mesmo tem vindo a ser entendido pela generalidade da nossa jurisprudência, do que apenas é exemplo o Acórdão do TRL de 27-11-2018 no proc. 1660/14.0T8OER-E.L1 in www.dgsi.pt que evidencia: “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).”
Pelas razões apontadas, não se conhece da impugnação da decisão de facto nesta parte, por irrelevante para a decisão da causa, configurando um ato inútil. - Quanto ao ponto 14 dos factos provados, é a seguinte a sua redação:
14. A Repartição de Finanças de Almada enviou uma carta ao 1.ºA, solicitando a exibição da Licença de Utilização para efeitos da restituição da Sisa e isenção da Contribuição Autárquica.
Entende a Recorrente que este facto não está provado, por não existir qualquer elemento de prova que o fundamente.
O tribunal a quo não motivou em concreto a resposta a este facto.
A Recorrida defende que tal decorre do doc. 7 junto com a p.i.
O doc. 7 junto com a p.i. corresponde à carta de 9 de outubro de 2001 enviada pelo A. à 2ª R., a que já se aludiu. Em tal carta o A. refere “As Finanças enviam uma carta a pedir a licença de habitação para restituição da SISA e isenção da CA” mais constando da mesma a final “o risco de já ter perdido 625.000$00 (valor de restituição da sisa, é grande (…).
Considerando o teor deste documento, ainda que seja uma carta do A., é forçoso reconhecer que a situação que consta deste facto corresponde ao “normal acontecer”, não se estranhando por isso a sua ocorrência, do que decorre que se tem como bastante o teor do documento em questão como elemento comprovativo deste facto provado.
Regista-se, no entanto, que em face do ponto 2 dos factos não provados, cuja prova os AA. não lograram fazer, como lhes competia, esta matéria perde também relevância para decisão da causa.
Improcede a impugnação apresentada a este facto.
- Quanto ao ponto 15 dos factos provados, tem o seguinte teor:
15. Em 09.10.2001, o 1º A., por carta registada com aviso de receção enviada para a 2.ª Ré e por esta recebida, pugnou pela necessidade de a obra ser reparada no que respeita à junta de dilatação, com vista à emissão da licença de utilização e referindo a sua necessidade para efeitos de restituição da sisa.
Defende a Recorrente que este facto deve ser tido como não provado, e que em seu lugar deve ser aditado um novo facto, com a seguinte redação:
Em 09 de outubro de 2001, o 1.º A., por carta registada com aviso de receção enviada à 2.ª R. e por esta recebida, manifestou que seria suficiente fechar a junta de dilatação, não tendo pugnado pela necessidade de qualquer outra obra, tendo, com isso, em vista a emissão da licença de utilização e a, consequente, restituição da sisa.”
Alega que tal facto não está demonstrado pelos documentos juntos aos autos, designadamente pelo doc. 7 junto com a p.i., no qual o tribunal a quo fundamentou a sua resposta.
Os Recorridos referem que o documento em questão permite concluir pela verificação deste facto dado como provado, invocando ainda as declarações de parte do A., nos excertos de gravação que referem.
Verifica-se que, no documento em questão, com o assunto: junta de dilatação com a moradia geminada a norte, o A. faz uma exposição do que tem vindo a ocorrer, terminando: “Quando é que posso ver este assunto resolvido ?”
Afigura-se que o teor do documento no seu conjunto não permite dizer que este facto provado está errado, não podendo também dizer-se sem mais, como pretende a Recorrente que o A. “manifestou que seria suficiente fechar a junta”, quando o que aí consta é “parecendo-me suficiente fechar a junta de dilatação”. O que o A. quer com tal interpelação é que o empreiteiro resolva o assunto, sendo que é este quem tecnicamente poderá avaliará a melhor forma de o fazer.
De qualquer modo, para que haja uma melhor fidelidade ao que consta de tal documento, altera-se a redação deste facto, que passa a ser a seguinte:
15. Em 09.10.2001, o 1º A., por carta registada com aviso de receção enviada para a 2.ª Ré e por esta recebida, pugnou pela necessidade de ser resolvida a questão da junta de dilatação, com vista à emissão da licença de utilização e referindo a sua necessidade para efeitos de restituição da sisa, nos termos que melhor constam do doc. 7 junto com a p.i., que se dá como reproduzido.
- Quanto aos factos provados 21 e 22, têm o seguinte teor:
21. Em junho do ano de 2006, a Interveniente procedeu a uma intervenção na moradia, tendo colocado azulejos novos e tapado a junta de dilatação.
22. Em 17.02.2011, o Autor enviou, por intermédio das suas advogadas, carta registada com aviso de receção, à primeira Ré, com vista à resolução amigável do defeito consistente no afastamento progressivo das moradias, sob pena de intentar ação judicial.
Alega a Recorrente que a intervenção na moradia em 2006 foi além do que consta deste ponto 21.
Invoca as declarações de parte do A. AA e o depoimento da testemunha DD, nos excertos de gravação que indica
Propõe a alteração do ponto 21 dos factos provados no sentido de dele passar a constar:
21. Em junho do ano de 2006, a Interveniente procedeu a uma intervenção na moradia, em concreto, levantaram o piso da garagem, colocaram uma malha de arame, colocaram uns azulejos novos e taparam a junta de dilatação.
O tribunal a quo fundamentou a resposta a esta matéria nas declarações de parte do A.
Verifica-se que o aditamento pretendido se limita a precisar que antes de serem colocados azulejos novos na garagem, foi levantado o piso e colocada uma malha de arame.
Este aditamento não tem uma grande relevância para a decisão da causa, de qualquer modo a precisão proposta corresponde efetivamente ao que foi referido pelo A. em audiência de julgamento aos min. 17 e ss. da gravação.
Já o depoimento da testemunha DD é mais vago, referindo que viu a garagem que estava com o chão todo deformado e os azulejos levantados e viu repararem o chão.
Por corresponder à prova produzida defere-se a requerida alteração do ponto 21 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:
21. Em junho do ano de 2006, a Interveniente procedeu a uma intervenção na moradia, tendo levantado o piso da garagem, colocado uma malha de arame e colocado azulejos novos e tapado a junta de dilatação.
Sem colocar efetivamente em causa o ponto 22 dos factos provados, alega ainda a Recorrente que “após a reparação da Apelante em junho de 2006 foram verificados defeitos, os quais vieram a ser denunciados somente em fevereiro de 2011 (Facto provado n.º 22) e interpelado o Sr. EE, gerente da sociedade, em 2010, verbalmente, o mesmo descartou a responsabilidade da reparação”, propondo que sejam aditados os seguintes factos, com base nas declarações de parte do A:
“- Em 17.02.2011, o Autor enviou, por intermédio das suas advogadas, carta registada com aviso de receção, à primeira Ré, com vista à resolução amigável do defeito consistente no afastamento progressivo das moradias, sob pena de intentar ação judicial, no entanto, o defeito na junta de dilatação fora detetado pouco tempo depois da intervenção de junho de 2006.
- O Sr. EE em novembro ou dezembro de 2010, foi confrontado, verbalmente, pelo Autor AA sobre a questão da junta de dilatação, tendo o mesmo declinado a execução de obras.”
A carta a que alude este facto provado 22 corresponde ao doc. 27 junto com a p.i. e tem o respetivo aviso de receção assinado, tendo sido nestes documentos que o tribunal a quo motivou a sua resposta.
A matéria que a Recorrente pretende ver aditada para além de extravasar em muito o que consta deste facto provado, não encontra correspondência nos meios de prova por ela indicados, que no caso se limitam às declarações de parte do A.
O A. refere que as obras realizadas pela R. em 2006 não resolveram nada, que a junta de dilatação começou logo a abrir e que reclamaram dos trabalhos, a última das vezes em novembro ou de dezembro de 2010 e a resposta do Sr. EE nessa altura foi dizer que “para essas coisas há seguros”.
Das declarações de parte do A. não pode retirar-se, como pretende a Recorrente que só em 2011 o A. reclamou dos defeitos da obra de reparação feita em 2006. Pelo contrário, o que as mesmas revelam é que o A. repetidamente reclamou dos defeitos que persistiam, o que também refere na aludida carta de 17.02.2011.
Improcede a impugnação apresentada nesta parte, bem como o aditamento proposto.
- Quanto ao ponto 24 dos factos provados, tem o seguinte teor:
24. Em maio de 2012, a moradia dos Autores mantinha abertura da junta de dilatação entre esta e a moradia confinante, sendo que a largura da fenda é maior no topo da construção e vai diminuindo para a base; ao nível da cave a pedra de soleira do portão da garagem está partida e abaulada; no interior e na parede da moldura esquerda do portão da garagem há marcas de descolamento e deformação da parede relativamente ao pavimento, com separação de rodapé executado em ladrilho; no pavimento da zona norte há deformação e extensa abertura de junta dos ladrilhos ao longo do pavimento; a porta entre a garagem e a habitação não fecha, pois arrasta no pavimento; no exterior da moradia, canto norte poente (no topo da construção), no alçado norte existe uma extensa racha vertical que se prolonga para o nível da laje de esteira onde passa a ter desenvolvimento horizontal; um pequeno murete, situado na base do referido pilar encontra-se partido, deformado e com algum assentamento; o muro de separação entre a presente moradia e a confinante a sul apresenta uma extensa racha horizontal, ao nível do logradouro; na face exterior do muro de delimitação norte, no local onde se situa um lote vago (lote 124), observa-se uma extensa racha horizontal ao nível do logradouro da moradia, devido a assentamento, a fachada da moradia apresenta-se manchada e com os panos de tijolo das parede, manchados de bolor.
O tribunal a quo motivou a resposta a esta matéria da seguinte forma:
“Relativamente aos factos constantes do ponto 24. da Matéria de Facto Provada, o Tribunal valorou as fotografias constantes de fls. 83 a 92, bem como, o Auto de Vistoria Técnica de 13.05.2012, constante de fls. 1360, lançando mão do mesmo com vista a complementar e concretizar o alegado pelas partes em sede dos respetivos articulados, sendo que as mesmas tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos (art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC. Mais atendeu à prova testemunhal a que se fará referência infra. (…) No que respeita à testemunha GG, Engenheiro Civil, realizou vistorias à moradia, na qualidade de funcionário do Município de Almada, na sequência das quais elaborou dois relatórios. Constatou deslocamento entre duas moradias, sendo uma a dos Autores. Considera que a segunda vistoria realizada, a pedido do Autor, confirmou que a moradia não assentava toda da mesma forma, pelo que aconselhou realização de peritagem. Deu parecer no sentido de não ser emitida licença de utilização, pois indiciava defeito de construção ou ligação entre as fundações e o solo ou falta de dimensionamento da estrutura do edifício. Referiu que voltou a fazer uma vistoria técnica em 2012, a solicitação do Autor, sendo que o deslocamento se tinha agravado e já havia vestígio disso dentro da moradia, concluindo que não obstante os efeitos terem sido colmatados, a origem do descolamento mantém-se. Relativamente à testemunha HH, Engenheira Civil, realizou vistoria à moradia, na qualidade de funcionária do Município de Almada, há dez anos atrás, remetendo para o respetivo auto. Recorda-se da junta de dilatação que estava aberta. O Tribunal valorou os depoimentos prestados pelas duas testemunhas acima identificadas ao considerar demonstrados os factos ínsitos nos pontos 9., 11., 13., 16. e 24. da Matéria de Facto Provada. Por sua vez, as testemunhas DD, II, JJ e KK, amigas e vizinhas dos Autores, constataram o afastamento entre as vivendas entre outros defeitos relacionados, razão pela qual o Tribunal valorou os respetivos depoimentos ao considerar demonstrados os factos ínsitos no ponto 24. e 31. da Matéria de Facto Provada.”
Entende a Recorrente que não deve ser valorizado o auto de vistoria técnica realizado em junho de 2012 e não em maio, em que o tribunal fundamentou a sua resposta, por ter sido feito a pedido dos AA. como mostra o depoimento das testemunhas GG e HH, engenheiros da CM de Almada, nos excertos do seu depoimento que indica.
Requer que seja valorado o relatório pericial datado de 10 de outubro de 2015, subscrito por três peritos independentes, pretendendo que em substituição o ponto 24 dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
24. Em outubro de 2015, concluíram os peritos o seguinte: a junta de dilatação entre as moradias, que se verificava existir à data próxima da emissão da Licença de Utilização, parece ser semelhante à que existe atualmente; a tela de impermeabilização que une os dois edifícios ao nível do guarda-fogo, encontra-se intacta e a funcionar adequadamente, impedido assim a entrada de águas pela cobertura; os factos e os indícios existentes não apontam para perigos de derrocada; a pedra mármore da entrada da garagem foi removida pela empresa de II; no interior da garagem, são visíveis sinais de salitre por cima do rodapé; o rodapé junto ao portão está descolado do suporte; numa área significativa da garagem, os mosaicos estão a levantar ou soltos; a empena Norte Nascente encontra-se com necessidade de pintura. Notam-se, atualmente, patologias inerentes às pontes térmicas, resolvendo-se única e exclusivamente a necessidade de pintura que se insere num plano de manutenção; o pequeno murete encontra-se fissurado, devido a assentamento do pavimento exterior em mosaico; no muro que divide os logradouros das duas moradias existe uma fissura de desenvolvimento horizontal bastante expressiva; no muro de delimitação norte, no local onde se situa um lote vago (lote 124), observa-se uma extensa racha horizontal ao nível do logradouro da moradia; a fachada da moradia apresenta-se manchada e com os panos de tijolo das paredes, manchados de bolor.
Sobre esta questão importa salientar três pontos:
i. contrariamente ao que refere a Recorrente, o relatório pericial que invoca, apresentado em duas partes- junto aos autos a fls. 953 a 971 e 1341 a 1349 - foi considerado pelo tribunal a quo que o valorou de forma positiva e em esclarecimento dos factos, salientando a sua importância quanto à formação da convicção quanto aos factos provados 31 a 36;
ii. o auto de vistoria da CM de Almada que fundamentou em parte a resposta do tribunal a esta matéria não é contrariado por aquele relatório pericial, ainda que possa constatar-se num ponto ou outro uma alteração de pormenor, sem relevância, porventura em razão do período de tempo de três anos que mediou entre as duas avaliações;
iii. o auto de vistoria técnica da CM de Almada de junho de 2012 (e não de maio de 2012 como parece ser um lapso da data) cujo relatório foi apresentado pela testemunha GG, Eng.º Civil da CM de Almada, a pedido do tribunal, na 1ª sessão da audiência de julgamento, apresenta-se como um documento idóneo, subscrito por entidade independente e sem qualquer interesse na questão que se discute nos autos, não se vislumbrando nenhuma razão válida para o desconsiderar enquanto meio de prova , como pretende a Recorrente.
Dito isto, regista-se que a alteração da redação deste facto provado proposta pela Recorrente, para além da data em que situa a realização da vistoria com a verificação dos defeitos da obra, mostra apenas alterações muito pouco ou nada significativas.
Os elementos probatórios juntos aos autos, apontam para a existência dos defeitos da obra descriminados no ponto 24 dos factos provados, o que é verdade também relativamente ao relatório pericial invocado pela Recorrente, não obstante aqui se apontem causas mais estruturais.
Aquelas anomalias são patentes nas fotografias juntas aos autos com a p.i. que constituem os doc. 12 a 21; o auto de vistoria técnica elaborado por dois engenheiros e uma arquiteta da Câmara Municipal de Almada a 13.06.2012 evidencia de forma descriminada e sustentada os vícios que o tribunal fez constar deste facto provado, sendo que a circunstância de ter sido uma vistoria realizada a pedido dos AA. não retira, a nosso ver, o caracter isento e imparcial da mesma e da realidade que os peritos atestam no auto de vistoria que elaboraram; os depoimentos das testemunhas GG e HH, engenheiros civis que trabalham na CM de Almada, visitaram a obra e avaliaram o seu estado, mostraram-se credíveis, isentos e esclarecedores quanto a esta matéria.
As testemunhas DD, II, JJ e KK, vizinhos e amigos dos AA., constataram os defeitos da obra, particularmente o afastamento entre as moradias e os problemas na garagem.
Em conclusão, os meios de prova elencados permitem verificar o acerto da decisão do tribunal quanto a esta matéria provada, com exceção da data que será junho e não maio e que nesta parte se retifica, não impondo o relatório pericial invocado pela Recorrente qualquer alteração da mesma, pelo que improcede nesta parte a impugnação apresentada.
- Quanto ao facto provado 31, é a seguinte a sua redação:
31. Os factos referidos no ponto 24. mantêm-se atualmente, designadamente, sendo que o afastamento entre as duas moradias, implantadas no lote... e ... tem origem em assentamentos diferenciais nos elementos de fundação direta da edificação, sendo maiores no lado Norte, quando comparados com aqueles nos elementos de fundação do lado Sul, resultando numa rotação na estrutura em torno do eixo formado pelos elementos de fundação.
Pretende a Recorrente que se tenha como não provado que os factos referidos no ponto 24 se mantêm atualmente, referindo que os autos não contêm elementos de prova bastantes para sustentar o estado da moradia dos AA. quanto aos defeitos detetados em 2012 e em 2015, o que não decorre dos meios de prova indicados pelo tribunal para fundamentar a resposta a este facto.
O tribunal a quo motivou da seguinte forma a resposta a este facto:
“Ao considerar provados os factos constantes dos pontos 31. a 36. da Matéria de Facto Provada, o Tribunal valorou o relatório pericial constante de fls. 953 a 971 (Parte I) e 1341 a 1349 (Parte II), sendo que a segunda parte do relatório pericial foi produzida na sequência das sondagens realizadas pela Teixeira Duarte e do estudo do LNEC com vista à análise dos valores obtidos. (…) Por sua vez, as testemunhas DD, II, JJ e KK, amigas e vizinhas dos Autores, constataram o afastamento entre as vivendas entre outros defeitos relacionados, razão pela qual o Tribunal valorou os respetivos depoimentos ao considerar demonstrados os factos ínsitos no ponto 24. e 31. da Matéria de Facto Provada.”
Não tem qualquer razão a Recorrente quando refere que o tribunal errou ao considerar que os defeitos elencados no ponto 24 dos factos provados se mantêm atualmente, por falta de elementos probatórios que o mostrem.
Pelo contrário, é isso mesmo que revelam os elementos de prova em que o tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto a este facto.
Veja-se com particular relevância o teor do relatório pericial elaborado pelos Srs. Peritos e junto aos autos, em duas partes, a parte 1 apresentada a 10.10.2015 e mais tarde complementado – parte 2 do relatório pericial de engenharia junto a 20.03.2023, que mostram a natureza e origem dos defeitos da obra, que têm vindo a persistir, precisamente pelo facto das intervenções que ocorreram não os terem resolvido na sua causa.
Além do mais, as testemunhas DD, II, JJ e KK afirmam no seu depoimento prestado em audiência de julgamento a persistência da fenda da junta de dilatação.
Por outro lado, veja-se que a presente ação foi intentada a 30.07.2011 e no decurso da mesma a R. nunca veio dizer que os vícios da obra já existentes nessa data e que vieram a resultar provados, foram entretanto resolvidos ou desapareceram, sendo certo que a ela competia alegar e provar os factos que pudessem ser impeditivos ou extintivos do direito reclamado pelos AA. que o tribunal pudesse levar em consideração, nos termos previstos no art.º 5.º n.º 1 do CPC.
Sem necessidade de mais considerações a este respeito, improcede a impugnação da Recorrente, no sentido de se ter este facto como não provado.
Mais requer a Recorrente que, com base no depoimento da testemunha DD, seja aditada a seguinte matéria aos factos provados:
“Entre os anos de 2017 e de 2018 o A. AA equacionou a pintura da sua moradia, em conjunto com o seu vizinho DD, tendo, para tanto, dito que a situação da junta de dilatação se encontrava estabilizada, demonstrando, com isso, o reconhecimento de que tal situação não lhe traria problemas.”.
Esta matéria que a Recorrente pretende ver aditada aos factos provados não só é totalmente irrelevante para a decisão da causa, como o depoimento da testemunha DD, vizinho do A., só por si não permite que se tenha a mesma como assente, apenas mostrando um conversa entre ambos em 2017, 2018 em que o A. propôs que pintassem as casas, afirmando “alegadamente” que a casa está estabilizada.
Improcede o requerido aditamento desta matéria aos factos provados.
A impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente procede apenas em parte, em conformidade com o que ficou exposto, alterando-se a redação dos pontos dos factos provados 5, 15, 21 e 24, improcedendo no demais.
IV. Razões de Direito
- da caducidade do direito dos AA. à reparação dos defeitos
Refere a Recorrente que após a sua intervenção de reparação dos defeitos, começou a correr um novo prazo de caducidade, não tendo os AA. denunciado os defeitos no prazo de um ano detetados após a intervenção, nunca tendo reconhecido o direito dos AA. à reparação do defeito das fundações quando tapou a junta de dilatação e reparou o chão da garagem, não podendo afirmar-se o reconhecimento de outros defeitos.
A sentença sob recurso apreciou a exceção da caducidade do direito os AA., que julgou improcedente.
A discordância da Recorrente relativamente à exceção da caducidade, que a sentença julgou não verificada, centra-se em dois pontos: por um lado, no entendimento que defende de que tendo o empreiteiro eliminado o defeito que reconheceu, começa a correr um novo prazo de caducidade, nos termos do art.º 1225.º do C.Civil; por outro lado, por considerar que o facto de ter aceitado fechar a junta de dilatação e reparar o chão da garagem, não implica o reconhecimento de qualquer outro defeito, designadamente a existência de defeitos ao nível das fundações.
Começando pela primeira questão, importa avaliar o regime do instituto da caducidade, no sentido de saber se a intervenção de reparação realizada pela R. teve um efeito interruptivo da caducidade, começando a correr um novo prazo de caducidade a partir daí, ou se pelo contrário, teve um efeito impeditivo da caducidade, tornando estável o direito do dono da obra.
O instituto da caducidade vem regulado nos art.º 328.º ss. do C.Civil. Esta norma começa por estabelecer expressamente que a caducidade não se suspende, nem se interrompe, assim afastando a aplicação das regras da suspensão e interrupção da prescrição.
Em anotação ao art.º 328.º do C.Civil, diz-nos Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 950-951, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, invocando Massimiliano di Pirro: “O instituto da caducidade e o da prescrição, ainda que similares em certos aspetos, têm funções distintas: o primeiro, a necessidade objetiva que certos atos sejam realizados num período de tempo restrito, frequentemente no interesse de outrso sujeitos e, por conseguinte, prescindindo das circunstâncias subjetivas de quem deva realizar tal ato; o segundo, a função mais geral de certeza das relações, ao presumir legalmente o abandono do direito com base na continuada inércia do titular, não devida a causas que justifiquem a suspensão ou a interrupção.”.
O art.º 331.º do C.Civil, com a epígrafe “Causas impeditivas da caducidade” estabelece:
“1.Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou por disposição legal relativamente a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”
O reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido tem o efeito de impedir a caducidade, quando estejam em causa direitos disponíveis, como é manifestamente o caso, não funcionando como fator interruptivo do prazo de caducidade, já que a caducidade não se suspende, nem se interrompe.
Daqui decorre que o reconhecimento do direito não tem um efeito interruptivo da caducidade, antes torna o direito estável, subtraindo-o definitivamente à caducidade, tal como ensina Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, pág. 338, não obstante o direito fique sujeito às regras da prescrição.
Tem sido aliás este o entendimento pelo menos maioritário da nossa jurisprudência, do que são exemplos o Acórdão do STJ de 09-07-2015 no proc. 3137/09.7TBCSC.L1.S1 ou o Acórdão do STJ de 10-12-2019 no proc. 4184/16.8T8VCT.G1.S1, ambos in www.dgsi.pt referindo-se neste último, com citação de doutrina e jurisprudência: “Da exegese do citado n.º 2 do art.º 331º do Código Civil decorre que, estando em causa direitos disponíveis, como é o caso trazido a Juízo, e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista e Actualizada, em anotação ao art.º 331º, página 294, ao sustentar, citando Vaz Serra, in, BMJ n.º 118, Prescrição e Caducidade, aliás mencionados nas doutas alegações recursivas “O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida” sublinhando “O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr. por exemplo, os artºs 916º e 917º). Quando tal não se verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível”, no mesmo sentido, Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107º, n.º 3515, página 24 “Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de acto sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade (…). O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade (…) O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito”. A caducidade pode ser impedida, mas não interrompida ou suspensa. “Como afirma Aníbal de Castro o impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso. O impedimento da caducidade, como se escreveu no ac. S.T.J., de 1998/11/25, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo”, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2009 (Processo n. 4073/04.9TBMAI.P1). Perfilhando a enunciada orientação, podemos ler no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9 de Setembro de 2015 (Processo n.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1), retirado do respectivo texto “I - Emerge do art. 331.º, n.º 2, do CC, que, estando em causa direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade. III - A partir desse reconhecimento dos defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos a que alude o art. 309.º do CC.”.
Não se desconhece o Acórdão do STJ de 21-02-2019 no proc. 404/17.0T8VCT.G1.S1 in www.dgsi.pt que a Recorrente vem indicar em favor do entendimento que defende. Aí refere-se: “Em primeiro lugar, o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito impede que os direitos do dono da obra sejam prejudicados pelo decurso do prazo para a denúncia previsto no n.º 1 do art. 1220.º e, em segundo lugar, impede que os direitos do dono da obra sejam prejudicados pelo decurso dos prazos para o exercício judicial, previstos nos arts. 1224.º e 1225.º do Código Civil. O ponto é quase-consensual na doutrina e consensual na jurisprudência. O reconhecimento do direito faz com que a caducidade fique definitivamente impedida . O direito reconhecido ficará sujeito às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível e os direitos novos, (ainda) não reconhecidos, como, p. ex., os direitos decorrentes do reaparecimento do defeito aparentemente eliminado, ou do aparecimento de defeitos novos, ficarão sujeitos aos prazos de caducidade, nos termos gerais do contrato de compra e venda ou do contrato de empreitada. 3. Estando em causa, como no caso concreto, imóveis destinados a longa duração, o efeito impeditivo do reconhecimento do direito reflectir-se-á no seguinte: I. — O dono de obra poderá exercer os direitos previstos nos arts. 1221.º a 1223.º, para exigir, p. ex., a sua eliminação, dentro do prazo ordinário de prescrição do art. 309.º do Código Civil [como decorre, p. ex., dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 — processo n.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1 — e de 8 de Novembro de 2018 — processo n.º 267/12.1TVLSB.L1.S1. II. — Caso o defeito reconhecido pelo empreiteiro seja eliminado, começará a correr um novo prazo de caducidade de cinco anos — cf. art. 1225.º, n.º 1. III. — Caso o defeito reapareça dentro do novo prazo de caducidade, o dono da obra terá o ónus de o denunciar dentro do prazo de um ano a contar do seu conhecimento — art. 1225.º, n.º 2 — e de exercer os direitos de eliminação dos defeitos e de indemnização dentro do prazo de um ano a contar da denúncia — art. 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil [cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005 — processo n.º 04A4577 —, de 8 de Novembro de 2007— processo n.º 07B2976 —, de 29 de Junho de 2010 — processo n.º 12677/03.0TBOER.L1.S1.”
Verifica-se, ainda assim que este Acórdão, ao admitir o início de um novo prazo de caducidade, fá-lo depender da circunstância do defeito reconhecido pelo empreiteiro ter sido por ele eliminado, situação que, no caso concreto, os factos provados não permitem concluir, pelo contrário, sempre se verificando que os defeitos que os AA. têm vindo de forma persistente a reclamar reparação ainda se mantêm, não obstante as intervenções realizadas pela R., não podendo dizer-se que a sua intervenção eliminou os defeitos da obra reclamados.
Em conclusão, não merece censura a sentença sob recurso, quando afirma, em termos com os quais se concorda, que: “Assim sendo, esse reconhecimento inequívoco do direito dos autores, é, necessariamente, subsumível ao disposto no art. 331.º, n.º 2, do CC: a caducidade dos direitos dos autores à reparação ou à redução do preço, foi impedida. É que o reconhecimento dos direitos dos autores à reparação não é interruptivo, uma vez que não inutiliza o tempo já decorrido, nem determina o início de um novo prazo de caducidade; antes, torna o direito estável e subtrai-o definitivamente à caducidade (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 107, 232-234).
Em face deste regime, já se vê que não pode dar-se razão à Recorrente quando vem defender de que deve entender-se que começou a correr um novo prazo de caducidade para os AA. exercerem o seu direito à reparação dos defeitos, a partir da sua intervenção na obra em 2006 que não os resolveu, antes se conclui, tal como entendeu a sentença sob recurso, que o reconhecimento do direito dos AA. pela R. constituiu causa impeditiva da caducidade daquele direito, nos termos previsto no art.º 331.º n.º 2 do C.Civil.
Alega ainda a Recorrente que o facto de ter aceitado fechar a junta de dilatação e reparar o chão da garagem, não implica o reconhecimento de qualquer outro defeito, designadamente a existência de defeitos ao nível das fundações.
O art.º 331.º do C.Civil ao conferir ao reconhecimento do direito o efeito impeditivo da caducidade, impõe que não existam dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor, exigindo-se um reconhecimento claro, atentos os seus efeitos de “dispensar” a propositura de ação judicial.
Este entendimento, foi manifestado na sentença em termos que não merecem a discordância da Recorrente, quando ali se diz: “Como refere Jorge Morais de Carvalho in “Os Contratos de Consumo…cit., pág. 549 e seg., “Aplicam-se as regras gerais sobre caducidade, pelo que tem de se observar se se verifica alguma causa impeditiva, nos termos do artº 331º do Código Civil. É especialmente relevante o nº 2, que estatui que impede “a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.” Assim, se o vendedor admitir a falta de conformidade, o prazo de caducidade da acção deixa de correr, podendo o direito ser exercido pelo consumidor após o seu termo.” (…) Na verdade, nos termos do art. 331.º, n.º 2, do CC, a caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte do seu beneficiário nos casos, além dos mais, em que estão em causa direitos disponíveis. Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa, de 17-03-2022, disponível in www.dgsi.pt, “A doutrina e a jurisprudência vêm indicando que são requisitos do reconhecimento do direito, nos termos do artº 331º nº 2 do CC: (i) a concretude; (ii) a clareza; (iii) a inequivocidade (Cf. entre outros, Ac. STJ, de 07/02/2013 (Pereira da Silva); Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296º a 333º do CC, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 337;). Ou seja, o reconhecimento deve ser concreto, no sentido de delimitado e suficientemente preciso. Em segundo lugar, deve ser claro e não assentar em declarações vagas e ambíguas. Em terceiro lugar, deve evidenciar o propósito do beneficiário da caducidade aceitar o direito do titular (Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 337; ver ainda Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo IV, 2007, pág. 225). Por outro lado, a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito nos termos do artº 217º nº 1, 2ª parte do CC. No entanto, como menciona Paulo Mota Pinto (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, pág. 774 e seg.) “…deve distinguir-se entre o regime geral da declaração tácita e eventuais casos excepcionais em que a lei ou a doutrina requeiram, não apenas factos que permitam a ilação “com toda a probabilidade”, mas antes comportamentos inequivocamente concludentes (…) dever-se-á fazer uma distinção entre a, normalmente bastante concludência relativa e uma excepcional concludência absoluta do comportamento (…) de facto, esta última não é hoje exigida para a declaração negocial tácita em geral (…) mas há hipóteses excepcionais onde se requerem factos inequívocos – é o caso da hipótese do artº 325º nº 2 (…) e outros que eventualmente se lhe devam juntar em que deverá ser excluída toda a inconcludência - no sentido de que não é admissível qualquer outra interpretação no caso concreto…”. A exigência de um acto expresso que a jurisprudência exige, tem, pois, de ser interpretada como sinónimo de clareza e univocidade, isto é, em termos de não subsistirem dúvidas sobre a aceitação, pelo devedor, dos direitos do credor. O acento tónico reside, pois, na clareza do comportamento adoptado pelo devedor, que não deve deixar dúvidas quanto à disponibilidade para o cumprimento da prestação respectiva (Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 338)”.”
Sobre esta matéria vale ainda a pena ter em conta o que nos diz João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pág. 123: “(…) a caducidade visa apenas assegurar ao empreiteiro que a situação de incerteza sobre a existência do respetivo direito não se prolongue por um período de tempo dilatado. Se é este quem, de forma inequívoca, reconhece a existência do direito no decurso do prazo de caducidade, mesmo que não pratique os atos equivalentes à sua realização (v.g. eliminação dos defeitos, entrega de nova obra) não há razão nenhuma para manter a proteção a uma situação de incerteza, que já não se verifica pelo reconhecimento efetuado.
É à luz do que se expôs que importa passar à apreciação do caso concreto, no sentido de saber se pode dizer-se que a R. reconheceu o direito dos AA. à reparação dos defeitos da obra, em termos impeditivos da caducidade.
De acordo com os factos que resultaram provados, verifica-se que menos de um ano depois da receção da obra, os AA. foram informados pela CM de Almada de que não seria emitida a licença de utilização enquanto não fosse resolvida a anomalia verificada de “que a junta de dilatação com a moradia geminada a norte se encontra bastante aberta, denotando eventuais assentamentos diferenciais ao nível das fundações”, tendo os AA. reclamado em 09.10.2001 junto da R. desta anomalia e solicitado a sua resolução; a R. em 2001 ou 2002 executou trabalhos com vista à reparação da junta de dilatação, tendo o A comunicado à CM de Almada que a junta se encontrava reparada; não obstante, em outubro de 2004 os AA. enviaram à R. uma carta onde apontam diversos problemas da obra, sendo o mais grave o afastamento das moradias em 4 cm; na sequência desta carta a R. efetuou durante semanas a medição da junta de dilatação, verificando que não tinha aumentado e em junho de 2006 a R. procedeu a uma intervenção na moradia, ao nível do chão da garagem e tapando a junta de dilatação. Contudo, o problema não ficou resolvido, já que em 17.02.2011 os AA. interpelavam a R. por escrito e através da sua Advogada novamente para resolver a questão do progressivo afastamento das moradias, problema que se mantém, por ter origem em assentamentos diferenciais nos elementos de fundação da edificação e que apenas poderá ser corrigida com obras de estabilização das fundações.
A este propósito refere-se de forma própria na sentença: “No caso em apreço, a Interveniente ao proceder, por duas vezes, à tentativa de reparação da junta de dilatação a que vimos fazendo referência, reconhece necessariamente, o direito dos Autores à reparação da desconformidade do edifício, sendo um comportamento concludente e inequívoco de tal reconhecimento. Não se diga que a tentativa de eliminação do afastamento da junta de dilatação não importa o reconhecimento do defeito de execução ao nível das infraestruturas, na medida em que um empreiteiro médio teria, necessariamente, de saber, perante tal efeito, que tal se prendia com assentamentos diferenciais ao nível das fundações, o que aliás foi adiantado em 2001 por ofício camarário, sendo as intervenções da Intervenientes posteriores ao mesmo.”
Com as intervenções que a R. realizou com vista a colmatar o problema da abertura da junta de dilatação, quer em 2001, quer em 2006, a R. reconheceu o direito dos AA. a ver resolvido tal defeito da obra. Acontece que optou por centrar a sua intervenção em remediar tal face visível do problema, tapando a junta de dilatação, o que nada resolveu, uma vez que aquela situação era apenas a face visível de um problema maior, que a mesma não podia deixar de saber, não só em razão da sua qualidade técnica de empreiteira, mas também porque logo em 2001 a vistoria realizada pela CM de Almada denotou “eventuais assentamentos diferenciais ao nível das fundações”, sendo que a existência da junta de dilatação entre as moradias revelava o problema com as fundações ou assentamento do edifício que não foi feito de acordo com o projeto.
Em face do exposto, considera-se que a R. de forma clara e inequívoca reconheceu o direito dos AA. a ver resolvido o defeito da obra, com origem nas fundações ou assentamento do edifício, manifestado na abertura da junta de dilatação e no chão da garagem, e procurou colmatar aqueles problemas, assumindo a responsabilidade pelos mesmos, não obstante não os ter resolvido por não ter direcionado a sua intervenção à causa ou origem dos defeitos mas antes às suas consequências, sendo o seu comportamento o bastante para impedir a caducidade do direito dos AA., nos termos previstos no art.º 331.º n.º 2 do C.Civil.
Resta apenas referir que os defeitos que se verificaram e que se mantêm na obra, a que aludem os factos provados 24 e 31 têm a sua origem precisamente no problema do assentamento do edifício e na colocação irregular das sapatas, não podendo deixar de considerar-se abrangidos pela causa impeditiva da caducidade, que foi o reconhecimento do direito dos AA. pela R.
Não merece por isso censura a sentença proferida quando julga improcedente a exceção da caducidade suscitada pela R.
- da (ir)responsabilidade da empreiteira por qualquer cumprimento defeituoso do contrato
Sobre esta questão a Recorrente não contesta a sentença recorrida nos seus fundamentos jurídicos, alegando apenas que a junta de dilatação já era evidente à data em que os AA. assinaram o auto de receção da obra, assim se conformando sem reservas, com a mesma, não podendo ser responsabilizada por um defeito verificado e aceite quando da entrega da obra.
Adianta-se, desde já, que a eventual procedência desta questão colocada no recurso sempre estaria dependente de uma alteração da decisão de facto, que não veio a verificar-se, na medida em que os argumentos e elementos invocados pela Recorrente para a sustentar não só não encontram qualquer suporte nos factos provados, como são por eles contrariados.
Está em causa um contrato de empreitada celebrado entre as partes, cujo regime legal geral é o previsto nos art.º 1207.º ss. do C.Civil, estabelecendo o art.º 1208.º: “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
A respeito dos defeitos da obra regem os art.º 1218.º ss. do C.Civil, salientando-se, para o caso que nos interessa, o art.º 1219.º que sobre as causas de irresponsabilidade do empreiteiro dispõe:
1.O empreiteiro não responde sobre os defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, como conhecimento deles.
2. Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.”.
Na melhor interpretação desta norma, ensina João Cura Mariano, in ob. cit. pág. 67-70: “O art.º 1219.º do C.C. consagra uma situação de exclusão legal da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, sem necessidade deste elidir a presunção de culpa que sobre ele recai relativamente à existência desses defeitos. Nos termos deste dispositivo, a responsabilidade do empreiteiro é afastada, relativamente aos defeitos conhecidos pelo dono da obra à data da sua aceitação, se este aceitou sem reservas, verificando-se aqui um caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida. O legislador presumiu de forma absoluta que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse ato, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação. (…) Assim, se o dono da obra informa o empreiteiro que não detetou defeitos na obra, esta deve considerar-se aceite, sem prejuízo da responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos que o dono da obra só posteriormente se aperceba.”
Sobre o conceito de defeitos aparentes diz-nos com toda a propriedade o Acórdão do STJ de 27-01-2010 no proc. 1696/04.0TBCBR.C1.S1 in www.dgsi.pt : “sendo os defeitos aparentes, como se disse, os que se revelam por meio de sinais visíveis detectáveis por qualquer pessoa medianamente diligente, só podem ser considerados como tal quando esses sinais existam; assim, para se presumirem conhecidos da dona da obra no momento da entrega desta, necessário seria que tais sinais existissem logo no momento dessa entrega. Só assim se poderia sustentar justificadamente que a autora teria tomado, logo então, conhecimento dos defeitos.”
Na situação em presença, os factos mostram que em 30.03.2000 os AA. assinaram o auto de receção, no qual declararam que “à data a mesma empreitada não apresentava vícios de reclamação aparentes”, procederam ao pagamento do preço, e receberam as chaves da moradia.
No caso, não se apurou que à data da receção da obra os AA. tinham conhecimento dos identificados defeitos da mesma, não tendo também a R. logrado provar que aqueles defeitos reclamados pelo A. na sequência do ofício camarário de 09.02.2001, designadamente com a junta de dilatação e assentamentos diferenciais ao nível das fundações, já eram visíveis ou percetíveis por quem usasse de diligência normal, à data em que teve lugar a receção da obra, cerca de um ano antes, de forma a poder entender-se que se tratam de defeitos aparentes e aplicar-se a presunção de conhecimento a que alude o art.º 1219.º n.º 2 do C.Civil.
Pelo contrário, do auto de receção da obra, assinado quer pelos donos da obra, quer pela empreiteira, que neste âmbito pode ser considerada uma especialista com capacidade para percecionar defeitos que podem não o ser por uma pessoa sem especiais conhecimentos, ficou a constar expressamente que a mesma não apresentava vícios de construção aparente.
Em razão dos factos provados não pode dizer-se que os defeitos em questão já eram percetíveis quando da receção da obra e por isso aparentes, sendo que os factos também não revelam que os AA. conheciam e aceitaram os defeitos da obra, quando a receberam, comportamento suscetível de poder tornar o empreiteiro irresponsável pela sua reparação, não se verificando a previsão do art.º 1219.º do C.Civil.
Improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela R. Interveniente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente por ter ficado vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 8 de maio de 2025
Inês Moura
Susana Mesquita Gonçalves
Pedro Martins