FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS CONCRETIZADORES
QUESTÃO NOVA
EXCEPÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
ALEGAÇÃO
LIVRANÇA
AVALISTA
INTERPRETAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. Na sentença devem ser enunciados os factos essenciais que foram alegados pelas partes como fundamento do seu pedido ou das exceções invocadas, bem como os factos complementares ou concretizadores que tenham resultado da discussão da causa e sobre os quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, desde que necessários à procedência dos pedidos ou das exceções, assumindo os factos instrumentais uma relevância essencialmente probatória.
2. O tribunal não tem de pronunciar-se sobre factos que não foram alegados pela parte, que não são factos instrumentais, nem tão pouco complementares dos factos essenciais invocados, antes correspondendo a factos essenciais de suporte de exceção não deduzida, não tendo por isso qualquer interesse para a decisão da causa.
3. A irrelevância do aditamento dos factos novos para a boa decisão da causa, dispensa o tribunal de recurso de conhecer a impugnação da decisão da matéria de facto nesta parte, o que sempre se traduziria num ato inútil e por isso ilícito, como prevê o art.º 130.º do CPC.
4. A instrução incide sobre os factos essenciais controvertidos necessários à boa decisão da causa, que cada uma das partes tem o ónus de alegar, sendo sobre eles que deve recair a decisão do tribunal, como decorre do art.º 607.º n.º 3 e 4 do CPC, tendo os meios de prova por função a demonstração da realidade dos factos, assumindo-se como elementos instrumentais, nos termos do art.º 341.º do C.Civil.
5. Não tendo a sentença conhecido da questão da validade da cláusula contratual que corresponde ao pacto de preenchimento dos títulos de crédito, à luz do regime legal das cláusulas contratuais gerais, na medida que a Embargante não invocou qualquer facto suscetível de poder vir a determinar a exclusão de tal cláusula, nos termos do art.º 8.º da LCCG, não pode o tribunal de recurso conhecer de tal questão, já que o recurso constitui uma forma de impugnação das decisões judiciais, visando a revisão e alteração da decisão proferida e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de apreciação pelo juiz.
6. A circunstância de se tratar de matéria ou exceção de conhecimento oficioso, não desobriga a parte da alegação e prova dos factos que podem integrá-la, devendo apenas o tribunal conhecê-la, se se encontram nos autos como adquiridos os elementos factuais que apontam para a sua verificação e nessa medida impõem tal conhecimento.
7. De acordo com a expressão firmada no pacto de preenchimento das livranças, decorre que a Embargante avalista quis e aceitou responsabilizar-se pelas dívidas da sociedade à Exequente, a quem deu a prerrogativa de preencher as livranças entregues como garantia “quando entender conveniente”, fixando a data do seu vencimento.
8. Tal expressão e na ausência de outro elemento, não admite que se considere que a avalista quis apenas permitir o preenchimento das livranças logo no momento seguinte ao do vencimento da dívida ou resolução do contrato, e muito menos que a Embargada pudesse contar que era essa a sua vontade, afigurando-se que um declaratário normal, colocado na sua posição, não podia razoavelmente retirar daquela menção o sentido pretendido, por nela não ter qualquer correspondência, como é exigência do art.º 238.º n.º 1 do C.Civil.
9. O mero hiato temporal entre o incumprimento do contrato subjacente e o preenchimento dos títulos entregues em branco, não é suscetível de ser qualificado como um incumprimento do pacto de preenchimento pela Exequente, no sentido de existir abuso de direito na data neles aposta, atento o que naquele pacto consta, e que lhe confere a possibilidade de preencher os títulos quando julgar conveniente.
10. De acordo com o disposto no art.º 70.º da LULL, prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento, todas as ações contra o aceitante, bem como contra os avalistas, de acordo com o disposto no art.º 32.º da LULL, o que se aplica também às livranças, por força do art.º 77.º da LULL, pelo que, não podendo concluir-se por uma situação de abuso no preenchimento dos títulos, o prazo da prescrição começa a contar a partir da data de vencimento que neles se encontra inscrito na livrança, sendo que no caso essa data é 22.03.2021, pelo que, tendo sido intentada a execução a 23.03.2021, não ocorre a exceção da prescrição da obrigação.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
A Lisgarante- Sociedade de Garantia Mútua, S.A. vem intentar a execução a que os presentes embargos são apenso, contra AA, BB, CC e DD, apresentado como títulos executivos duas livranças, com vencimento em 22.03.2021, subscritas pela sociedade Avrotel, Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Ld.ª, declarada insolvente e avalizadas pelos Executados, com o valor, respetivamente, de € 380.412,30 e € 21.943,34, com a menção da garantia autónoma que identifica.
A Executada BB, vem por apenso à execução, deduzir os presentes embargos, concluindo pela sua procedência e consequente extinção da execução quanto a si.
Começa por invocar a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão do território por violação do pacto de aforamento, mais alegando, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que a Exequente violou o pacto de preenchimento da livrança, ao não ter realizado as diligências necessárias para salvaguardar garantia que prestou, permitindo a dissipação do património do devedor e que viesse a ser decretada a insolvência da Avrotel, Ld.ª e da sócia EE, só preenchendo a livrança sete anos depois do incumprimento da obrigação, por valor que não reconhece; considera que do pacto de preenchimento da livrança decorre que o seu preenchimento devia ter lugar após o incumprimento da obrigação que garantia, assim o tendo entendido e sendo o que resulta das regras de interpretação do art.º 236.º do C.Civil, constituindo um abuso de direito o preenchimento do título para além do prazo definido no pacto de preenchimento; invoca ainda a exceção da prescrição, referindo que a obrigação causal se venceu e tornou exigível há mais de três anos, encontrando-se prescrito o crédito da Exequente.
A Exequente/Embargada foi notificada para contestar, o que veio fazer, concluindo pela sua improcedência.
Alega, em síntese, que celebrou com a sociedade Avrotel, Ldª dois contratos de prestação de garantia autónoma a favor do beneficiário, Banco Santander Totta, S.A., tendo-lhe sido entregues duas livranças em branco para garantir as obrigações emergentes de tais contrato, subscritas pelas mesmas e avalisadas pelos Executados, bem como ainda por EE, declarada insolvente, constando o pacto de preenchimento da cláusula 4ª do contrato, sendo do perfeito conhecimento dos Executados. A Exequente pagou ao beneficiário o valor de € 255.133,94 ao abrigo de tais contratos, na sequência do que interpelou a Avrotel, Ldª para liquidação dos valores pagos, o que a mesma não fez, tendo face ao incumprimento reiterado interpelado a empresa e os avalistas para pagar a quantia global de € 402.355,64 conhecendo os mesmos o montante máximo que garantiam e tendo sido as livranças preenchidas de acordo com o pacto de preenchimento acordado. Refere ainda que os avalistas não estão no âmbito das relações mediatas, não podendo invocar os fundamentos que invocam para o preenchimento abusivo no que se refere ao valor dos títulos, salientando que ao capital por si pago acrescem juros e que realizou diversas diligências com vista à recuperação extrajudicial do seu crédito e que só com a insolvência da Avrotel, Ldª e da avalista EE se viu impossibilitada de recuperar o seu crédito, o que levou ao preenchimento das livranças, não tendo a data do seu vencimento desrespeitado o pacto de preenchimento, no qual não ficou previsto a coincidência do preenchimento do título com a resolução do negócio causal. Conclui que o prazo de prescrição é de 3 anos a contar da data do vencimento inscrita no título, pelo que o crédito não prescreveu.
Foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da lide, enunciou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova nos seguintes termos:
“- as datas de incumprimento da obrigação garantida, e de pagamento da garantia;
- o motivo do preenchimento da livrança em 11-III-21, e quantia então em dívida.”
Os autos prosseguiram para julgamento, que veio a realizar-se forma conjunta com os embargos que constituem os apensos B e C, correspondendo a oposição apresentada por dois dos outros Executados, conforme da ata consta.
Em audiência de julgamento e depois de produzida a prova, a Embargante formulou requerimento, no sentido de serem considerados “os factos instrumentais e concretizadores das causas de pedir invocadas que a seguir se elencam:
1. As avalistas, ora embargantes, não negociaram os termos do contrato de abertura de crédito PME Investo, nem as clausulas relativas à garantia prestada pela Lisgarante, nem às mesmas foi prestada informação detalhada dos respetivos termos e condições;
2. As avalistas, ora embargantes, procederam à assinatura do contrato de garantia (respetivo pacto de preenchimento) nas instalações do Banco Santander, na mesma data que a presente qualquer representante legal ou funcionário da Lisgarante para proceder às informações devidas, mais concretamente as informações relativas aos termos e condições e no que concerne ao incumprimento da garantia em que termos a mesma seria acionada e em que termos seria preenchida a livrança de que as ora embargantes eram avalistas. Igualmente as demais clausulas do referido pacto de preenchimento de livrança não foram devidamente informadas às avalistas ora embargantes.
Face ao exposto requer-se a V. Exa que sejam considerados tal como suprarreferido sejam considerados estes pontos também como resultantes da prova produzida como matéria de facto relevante para o apuramento da causa.”
Tendo o Ilustre Mandatário da Embargada solicitado prazo para se pronunciar sobre o requerido, o que foi deferido, acordaram as partes em apresentar as alegações por escrito, o que vieram fazer.
Foi proferida sentença, na qual foi tomada decisão sobre o requerido pela Embargante em sede de audiência de julgamento, indeferindo o requerido por se entender que não estão em causa factos instrumentais mas antes de factos essenciais para decisão de exceção não deduzida, tendo ainda julgado os embargos improcedentes por não verificada a exceção do preenchimento abusivo e prescrição.
É com esta decisão que a Embargante da não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos totalmente procedentes, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. A Embargante/Recorrente não logra conformar-se com o teor da Sentença de fls., de 25.09.2024, com a Ref.ª n.º152730819, que julgou os embargos totalmente improcedentes, bem como não se conforma com o indeferimento proferido pelo Tribunal a quo e constante da sentença, relativamente ao requerido pela Embargante/Recorrente em audiência de julgamento, realizada em 1 de março de 2024 (cuja decisão ficou relegada para sentença).
2. Com o presente Recurso, a Recorrente pretende que esse Venerando Tribunal ad quem reexamine e reaprecie a Matéria de Facto (dada como provada e não provada), e respetiva fundamentação, e a matéria de Direito, na medida em que considera que o Tribunal a quo não procedeu a adequada e completa análise critica das provas, nos termos exigidos pelo art. 607.º, n.º 4, do CPC, tendo incorrido em erro na respetiva valoração, que, a não inexistir, teria levado à prolação de decisão de facto e de Direito diversa da proferida, bem como não procedeu a adequada e completa indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes e aplicáveis, nos termos exigidos pelo artigo 607.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do CPC, tendo incorrido em erro de interpretação e aplicação normativa dos referidos preceitos legais que, a não inexistir, teria levado à prolação de decisão de Direito diversa da proferida, e, a final, julgado os embargos procedentes, o que se impõe seja reparado por essa Veneranda Relação. Com o devido respeito, salvo melhor opinião,
3. Da prova produzida e em conformidade, com relevância para a decisão da causa, mostram-se incorretamente julgados e, como tal, carecidos de reapreciação por esse Venerando Tribunal ad quem, os capítulos da sentença referentes aos Factos Provados e Não Provados, à Fundamentação da decisão da matéria de facto e à Fundamentação de Direito.
4. Refere o Tribunal a quo que, realizada a audiência de discussão e julgamento, considerou provados os factos elencados de 1 a 13 e não provado o facto elencado de 14, todos constantes da Sentença;
5. Decisão que fundamentou na conjugação do teor da documentação junta aos autos (indicada) com o dos depoimentos produzidos em audiência;
6. De onde se infere que o Tribunal a quo julgou nada mais ter resultado provado, nem ficado por provar com relevância para a decisão da causa.
7. Sendo certo que, a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais, instrumentais, que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
8. Não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Motivações: FACTOS PROVADOS e fundamentação da decisão da matéria de facto:
9. Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Embargante, FF e GG, respetivamente diretora do Balcão do Estoril e gestora de negócios do Banco Santander Totta, não foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo, discordando-se do Tribunal a quo quando na fundamentação da matéria de facto refere que as duas testemunhas do Santander nada de concreto acrescentaram ao teor da documentação…
10. Porquanto dos depoimentos das duas testemunhas decorreram factos que não resultam do teor da documentação, e que estão diretamente relacionadas com os contratos de garantia celebrados, contratos de adesão devidamente alegados pela Embargante e juntos aos autos;
11. Nomeadamente, as testemunhas referiram-se à metodologia adotada nestes contratos, respetiva preparação e celebração (em que se inclui a respetiva assinatura), factos que não podem deixar de se considerar relevantes e correlacionados com os factos em análise nos autos, senão vejamos;
12. Com relevância do depoimento da testemunha FF (depoimento prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 01.03.2024 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 14h32ms às 15h):
o Confrontada com os documentos juntos pela Embargada (contestação) sob os números 1 a 8 – gravação a 00:07:45 a 00:10:40.
o Confrontada com os documentos juntos pela Embargada (contestação) sob os números 14 e 15, e questionada sobre o momento em que a Lisgarante assinava o contrato de garantia - gravação a 00:21:56 a 00:25:52. o Inquirida se sabia da situação de incumprimento da Avrotel - gravação 00:19:16 a 00:20:30.
13. Com relevância do depoimento da testemunha GG, que aos costumes disse ser “funcionária do Santander desde 2006 (…) Balcão do Estoril (…)”, e cujo depoimento foi prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 01.03.2024 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 15h01ms às 15h28ms:
o Questionada sobre o local de assinatura dos contratos (de empréstimo e garantia) disse “(…) No Santander ou nas instalações do Cliente (…) normalmente nunca na Lisgarante, eu, pelo menos, nunca assinei nenhum na Lisgarante (…). Ainda questionada se era habitual da parte da Lisgarante estar alguém presente disse “(…) Não! (…) O Banco colocava as minutas e há um reconhecimento de assinaturas por um solicitador do Banco, que estaria também presente, e o documento depois é enviado à Lisgarante, com esse dito reconhecimento por parte do nosso Solicitador, mas por regra nunca há ninguém da Lisgarante nestes contratos, presente na assinatura do contrato (…)” - gravação 00:10:45 a 00:12:20; “(…) O Banco tem de aguardar a confirmação da Lisgarante e a assinatura da garantia para depois formalizar o crédito na conta do cliente, é um processo que nunca é imediato, por regra nunca é no próprio dia em que o cliente fez a assinatura (…) 24, 48 horas depois, que é quando recebemos o OK da Lisgarante, está tudo OK, podem formalizar (…) Não. Eu nunca assinei contrato nenhum com a presença da Lisgarante (…) não é isso que está definido (…)” - gravação 00:12:30 a 00:13:31;
o Confrontada com o documento 2 junto com a contestação e questionada sobre quando era o mesmo assinado, disse “(…) Sempre que era assinado o nosso contrato de crédito também, este é a garantia (…) - gravação 00:14:26 a 00:15:11
o Questionada se se trata do documento de garantia que está associado ao contrato de empréstimo, disse (…) Correto, este documento por nós o que era recolhido era as assinaturas todas que constam aqui, Ok, isto aqui é uma conferência de assinaturas da nossa parte (…) aqui até é uma conferência de Balcão, ou seja, de quem assinou os contratos pelo Banco (…) é a conferência das assinaturas por parte dos procuradores do Banco, que assinaram o contrato de crédito e no verso é que me parece a mim que temos aqui o reconhecimento do nosso Solicitador, do nosso Advogado (…) – gravação 00:15:14 a 00:15:56
o Questionada se a garantia era assinada em simultâneo com o contrato de crédito, disse “(…) Correto (…) e era depois enviado então à Lisgarante, no dia em que era assinado e reconhecido pelo nosso Advogado e não tinha isto aqui, ainda não continha assinatura da Lisgarante (…)” - gravação 00:16:01 a 00:16:22
o “(…) Do que assisti várias vezes, o nosso Solicitador ou o nosso Advogado que estava presente para o reconhecimento das assinaturas salvaguardava o que queria dizer esta garantia em traços genéricos, não líamos o documento na íntegra mas salientava o que queria dizer esta garantia, que implicações tinha em caso de incumprimento ou não (…) o Solicitador (…) por regra (…)” - gravação 00:16:42 a 00:17:32
o Questionada se o Solicitador era representante da Lisgarante, disse “(…) Não, de todo, claro que não, é do Banco (…)” - gravação 00:17:38 a 00:17:49
o Questionada se a documentação (minutas) era enviada previamente ao Cliente (do Banco), disse “(…) Não! (…) se o cliente nos pede para verificar previamente os contratos não há nada contra ao envio prévio para o cliente verificar, mas não é um procedimento, como numa escritura, é mais ou menos a mesma coisa, a escritura é lida na hora e aqui é a mesma coisa (…)” - gravação 00:18:57 a 00:19:42
o Questionada pelo Tribunal a quo sobre de onde apareciam o contrato da Lisgarante e a livrança, como é que isto chegava ao Banco, disse “(…) Através da Lisgarante, a Lisgarante entrega-nos as livranças ao Solicitador, por regra era o Solicitador que trazia a Livrança consigo (…).” Questionada pelo Tribunal a quo “Solicitador de quem?” disse (…) do Banco, do Banco, eu nunca disse Solicitador da Lisgarante (…) o contrato chegava-nos por e-mail, a livrança não dá para vir por e-mail (…) tinha de ser ele a trazer ou enviava por correio interno para o Balcão (…) normalmente era ele o procurador do Banco, neste caso o Advogado (…)” – gravação 00:25:19 a 00:26:12
o Ainda questionada pelo Tribunal a quo, “Depois o que é que faziam à livrança?”, disse: “(…) Enviávamos juntamente com a garantia (…) assinada na nossa presença e era entregue pelo próprio Solicitador nas instalações da Lisgarante (…)” - gravação 00:25:17 a 00:26:30
14. A Embargada não produziu prova de que estivesse presente qualquer elemento da Lisgarante na assinatura dos contratos de garantia e assinatura das livranças, e/ou que tivesse procedido previamente às informações e comunicações sobre as cláusulas contratuais gerais do contrato de garantia, mais prescindindo da única testemunha que havia arrolado em sessão de julgamento de 01/03/2024;
15. Face aos depoimentos das testemunhas FF e GG, as Embargantes apresentaram o requerimento vertido em ata (para a qual se remete e se dá por reproduzida), ao abrigo do artigo 5.º do CPCivil, solicitando, em suma, em face das provas produzidas nos autos, designadamente do teor dos documentos juntos pelas embargantes e embargada e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, sejam considerados para a decisão da causa os factos instrumentais e concretizadores das causas de pedir invocadas que a seguir se elencam:
(i) As avalistas, ora embargantes, não negociaram os termos do contrato de abertura de crédito PME Invest, nem as clausulas relativas à garantia prestada pela Lisgarante, nem às mesmas foi prestada informação detalhada dos respetivos termos e condições;
(ii) As avalistas, ora embargantes, procederam à assinatura do contrato de garantia (respetivo pacto de preenchimento) nas instalações do Banco Santander, na mesma data que a ‘Avrotel’ assinou o contrato de abertura de crédito que negociou com o Banco, não tendo estado presente qualquer representante legal ou funcionário da Lisgarante para proceder às informações devidas, mais concretamente as informações relativas aos termos e condições e no que concerne ao incumprimento da garantia em que termos a mesma seria acionada e em que termos seria preenchida a livrança de que as ora embargantes eram avalistas. Igualmente as demais clausulas do referido pacto de preenchimento de livrança não foram devidamente informadas às avalistas ora embargantes.
16. Dada a palavra à Embargada para se pronunciar, esta requereu prazo para exercício de contraditório, o qual, por despacho do Tribunal a quo, lhe foi concedido, por 10 dias;
17. A Embargada em audiência de julgamento não se opôs ao requerimento apresentado pela Embargante (contrariamente ao que resulta expresso na sentença), antes requereu prazo para o exercício de contraditório, o qual não veio exercer, nem produzir prova;
18. A Embargada em sede de alegações finais escritas faz referência ao requerimento apresentado pela Embargante, alegando tratarem-se de factos “(…) absolutamente irrelevantes para a resolução do litígio (…), tendo as avalistas intervindo apenas na aposição do aval nas livranças e subscrição dos contratos na qualidade de avalistas (…), e que, (…) sem prejuízo disto, resultou provado, nomeadamente do depoimento da testemunha GG, que aquando da assinatura dos contratos foi explicado aos intervenientes, por quem fez o reconhecimento das assinaturas, qual o significado do contrato de prestação de garantia (…) Provado, ainda, que aquando da assinatura dos contratos estava presente pessoa que forneceu aos intervenientes todas as informações que estes julgassem pertinentes, designadamente funcionários do Banco Santander Totta (…) – página 5 das alegações escritas da Embargada;
19. A Embargada, pese embora ter alegado que a cláusula 4) do pacto de preenchimento era do perfeito conhecimento das executadas, não produziu prova de ter cumprido a obrigação de comunicação das cláusulas contratuais;
20. Antes tendo resultado provado (prova documental e testemunhal) que a Lisgarante não cumpriu a obrigação de comunicação das cláusulas contratuais (do contrato de adesão/contrato de garantia) às avalistas em momento prévio à assinatura dos contratos de garantia, nem na data da respetiva assinatura (e assinatura das livranças) no Banco Santander Totta, data em que nem sequer esteve presente representante/procurador da Embargada para a assinatura dos contratos de garantia, entrega e recolha das livranças e respetiva assinatura.
21. Resultando indelével dos Autos que foi preterida a obrigação que impendia sobre a Embargada, de comunicação das cláusulas contratuais à Embargante, facto que devia ter sido considerado pelo Tribunal a quo;
22. Não tendo sido devidamente valorados pelo Tribunal a quo os depoimentos prestados pelas testemunhas FF e GG, nem o teor dos mesmos concatenados com a prova documental produzida;
23. Desde logo, os contratos de adesão (documentos 1 e 2 da contestação) que são objeto dos autos e, ainda, o facto de dos mesmos resultar o não reconhecimento de assinatura da Lisgarante, contrariamente aos demais intervenientes cujas assinaturas foram
reconhecidas pelo Solicitador do Banco;
24. O que confirma o depoimento da testemunha GG quando refere que os contratos eram, depois, enviados à Lisgarante para confirmação e assinatura, sendo posteriormente remetidos ao Banco.
25. Consequentemente, devem ser integrados na matéria provada os seguintes factos:
(iii) As avalistas não negociaram os termos do contrato de abertura de crédito PME Invest, nem as clausulas relativas à garantia prestada pela Lisgarante, nem às mesmas foi prestada informação detalhada dos respetivos termos e condições;
(iv) As avalistas, ora embargantes, procederam à assinatura do contrato de garantia (respetivo pacto de preenchimento) nas instalações do Banco Santander, na mesma data que a ‘Avrotel’ assinou o contrato de abertura de crédito que negociou com o Banco, não tendo estado presente qualquer representante legal ou funcionário da Lisgarante para proceder às informações devidas, mais concretamente as informações relativas aos termos e condições e no que concerne ao incumprimento da garantia em que termos a mesma seria acionada e em que termos seria preenchida a livrança de que as ora embargantes eram avalistas.
(v) Igualmente as demais clausulas do referido pacto de preenchimento de livrança não foram devidamente informadas às avalistas ora embargantes.
26. No que concerne aos Pontos 2 e 4 dos factos provados, considerando os depoimentos das testemunhas FF e GG, com transcrições supra discriminadas, não resultou provado que a Embargada tenha assinado a “Emissão de garantia autónoma” em 02/03/2010, nem que as livranças tenham sido entregues pela Embargante à Embargada;
27. O que, concatenado com o dos documentos 1 e 2 juntos à contestação, resultou provado que em 02/03/2010 e 25/01/2011, a Embargante assinou os contratos de garantia (“Emissão de garantia autónoma”) no Banco Santander Totta, tendo a respetiva assinatura sido reconhecida por Solicitador do Banco Santander Totta, desconhecendo-se o momento concreto e local em que a Embargada assinou os referidos contratos.
28. Devendo a formulação dos referidos pontos ser alterada, passando a ter a seguinte redação:
(vi) 2- Em 02/03/2010, nas instalações do Banco Santander Totta, Balcão do Estoril, a embargante assinou a “Emissão de garantia autónoma” e livrança junta a fls 8v a 10 e 29 a 34 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com assinatura reconhecida por advogado do Banco, tendo este último procedido à entrega à embargada, parcialmente em branco, da livrança n.º ...338;
(vii) 4- Em 25/01/2011, nas instalações do Banco Santander Totta, Balcão do Estoril, a embargante assinou a “Emissão de garantia autónoma” e livrança junta a fls 34v-35 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com assinatura reconhecida por advogado do Banco, tendo este último procedido à entrega à embargada, parcialmente em branco, da livrança n.º ...642;
29. Por sua vez, atenta a prova documental junta aos autos, bem como o teor dos depoimentos das testemunhas FF e GG, funcionárias do Banco Santander-Totta, Balcão do Estoril, o Tribunal a quo devia ter dado como provado que:
(viii) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à “Avrotel” a carta junta a fls 84 do apenso A, cujo teor se dá aqui por reproduzido, declarando resolvido o “Contrato de abertura de crédito nº 0032....720 ‘Linha de Crédito PME Investe III, dado o incumprimento registado desde 2 de dezembro de 2012;
(ix) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à Lisgarante a carta junta a fls …, a que corresponde o documento 4 junto com a oposição da Embargada, cujo teor se dá aqui por reproduzido, em que comunica a resolução do contrato de abertura de crédito nº 0032....720 ‘Linha de Crédito PME Investe III, o que faz nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5.ª do referido contrato de empréstimo, dado o incumprimento registado desde 2 de dezembro de 2012, mais solicitando, ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária n.º 2009.17339, prestada pela Lisgarante, que procedam ao pagamento de € 227.678,59, correspondente a 50% do capital em dívida, à data de 2 de março de 2013, no valor de € 455.357,17.”, e;
(x) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à Lisgarante a carta junta a fls …, a que corresponde o documento 5 junto com a oposição da Embargada, cujo teor se dá aqui por reproduzido, em que comunica a resolução do contrato de abertura de crédito nº 0032....560 ‘Linha de Crédito PME Investe IV, o que faz nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5.ª do referido contrato de empréstimo, dado o incumprimento registado desde 25 de janeiro de 2013, mais solicitando, ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária n.º 2010.13976, prestada pela Lisgarante, que procedam ao pagamento de € 14.062,50, correspondente a 50% do capital em dívida.
(xi) A Avrotel incumpriu as suas obrigações para com o Banco Santander em data anterior a 2014;
30. Conforme depoimento prestado pela testemunha FF, cujo depoimento foi prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 01.03.2024 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 14h32ms às 15h, confrontada com os documentos juntos pela Embargada (contestação) sob os números 14 e 15, disse:
o “(…) Era gerente do Balcão (…) recordo-me do contrato celebrado entre Avrotel e Santander (…)” – gravação a 00:01:17 a 00:01.48; Mais resultando adiante do seu depoimento, quando questionada sobre quem era o interlocutor da Avrotel para solicitar o empréstimo e a quem foi comunicado o produto finaceiro “(…) AA, gerente da Avrotel, penso que sim (…)” – gravação a 00:19:16 a 00:20:30;
o “(…) Garantia Lisgarante (…) está aqui a minha assinatura (…)” – e questionada se se recorda, responde: “(…) sim (…)” – ainda questionada sobre a cláusula 5.ª do contrato de empréstimo e sobre o procedimento do Banco em caso de incumprimento, respondeu “(…) acionava a garantia (…) toda a construção do processo era feita ou pelo diretor de Balcão (a gerência do Balcão) ou pelo gestor de negócios, nós somos procuradores do Banco (…)” – gravação a 00:03:25 a 00:07:40;
o Quando questionada sobre as assinaturas constantes das cartas datadas de 05/06/2013, enviadas pelo Santander à Avrotel e Lisgarante (doc.4 da contestação e documento a fls. 84), e se das mesmas contava a sua assinatura, disse: “(…) assinatura da esquerda sim, a da direita é da gestora de negócios (…) eu assino (…) quem tratava da parte comercial era o diretor de balcão, neste caso quem era a gestora de empresas, de negócios era a minha colega que está aqui ao lado” (entenda-se, na sala de testemunhas) – gravação a 00:10:58 a 00:13:13.
o Confirmou, ainda, tratar-se de procedimento habitual o último parágrafo da carta remetida pelo Banco à Lisgarante em 05/06/2013 (doc. 4 contestação) de acionamento da garantia face à resolução contratual comunicada à Avrotel e o pedido de50% do valor devido – gravação a 00:15:18 a 00:16:41.
31. A testemunha GG, cujo depoimento foi prestado na Sessão da audiência de Discussão e Julgamento de 01.03.2024 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 15h01ms às 15h28ms:
o Questionada sobre os intervenientes nos autos e contrato celebrado com o Banco disse que a Avrotel celebrou (…) um contrato de abertura de crédito, não se lembra o tipo de contrato (…) avalistas não se recorda (…) AA a pessoa com mais ligação (…)” – gravação a 00.00.01 a 00:02:13;
o Confrontada com os documentos juntos pela Embargada (contestação) sob os números 14 e 15, e questionada sobre a linha de crédito PME Invest, disse “(…) são linhas protocoladas que têm como garantia uma percentagem do empréstimo, é garantido pela Lisgarante ou sociedade de garantia mútua (…) – gravação a 00:04:09 a 00:04:32;
o Confrontada com a cláusula 5.ª do contrato de Empréstimo (doc. 14 da contestação) e questionada sobre o que fazia o Banco em caso de incumprimento, disse “(…) nós temos uma área do Banco que é a área de gestão do incumprimento, que em casos de incumprimento nos faz chegar ao Balcão uma instrução (…) nós desencadeamos o processo que é o envio das cartas de interpelação (…)” – gravação a 00:04:47 a 00:05:27;
o Confrontada com o documento a fls. 84 do apenso A, carta de 05/06/2013, enviada pelo Banco Santander Totta à sociedade Avrotel, e questionada se este o modelo de carta de interpelação que referia, disse “(…) sim (…) esta era uma carta que antecedia, creio eu, o envio do pedido do acionamento da garantia (…) dávamos uma data para regularização e caso não houvesse essa dita regularização então procedíamos ao envio do acionamento da garantia à Sociedade de Garantia Mútua (…)” - gravação a 00:05:34 a 00:06:44;
o Confrontada com o documento 4 da contestação, carta de 05/06/2013, enviada pelo Banco Santander Totta à Lisgarante, e questionada sobre o montante em dívida e o montante objeto da garantia, disse “(…) estas cartas chegavam-nos já redigidas (…) neste caso era 50% do valor constante do documento (valor em dívida) (…)”, confirmou que, efetuado o acionamento da garantia, a Lisgarante procedia ao pagamento de 50% do valor, que depois “(…) o processo avançava, pela nossa área de incumprimento, para os restantes 50% (…)”, mas confirmando ter aposto a sua assinatura no documento anexo ao doc.4, mais concretamente “Declaração para accionar garantia mútua” – gravação 00:08:25: a 00:09:50.
32. O Tribunal a quo não elencou como factos provados os decorrentes dos documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 9, 10 e 11, relativos a cartas enviadas pela Embargada Lisgarante - mais concretamente pela Direção Jurídica e de Contencioso - à sociedade Avrotel, em 04/03/2013 e 08/07/2013.
33. Ora, da análise conjugada dos referidos documentos 9, 10 e 11 juntos com a contestação, resulta que em 4 de março e 8 de julho de 2013, a Embargada Lisgarante remeteu à sociedade Avrotel interpelações para pagamento, relativas às garantias 20009.17339 e 2010.13976, concedendo prazos limite para pagamento dos valores em dívida, sob pena de execução judicial e comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
34. Do documento 9, carta datada de 4 de março de 2013, referente a “Solicitação de
Pagamento – Garantia ...0....1733”, resulta que:
▪ O HH, no âmbito da aludida garantia emitida pela Lisgarante, solicitou o pagamento de €13.392,85, correspondente a 50% do capital em dívida da prestação vencida em 02.06.2012 e não paga pela Avrotel, solicitação satisfeita pela Lisgarante;
▪ Em cumprimento da garantia autónoma a Lisgarante procedeu ao pagamento do montante
solicitado no dia 4 de março de 2013;
▪ A Lisgarante adverte a sociedade Avrotel para os termos do contrato subjacente à emissão
da garantia, celebrado em 02/03/2010, e que deverá proceder ao pagamento de todos os montantes que a Lisgarante efetue em nome da Avrotel e no prazo estabelecido no contrato;
▪ A Lisgarante, de acordo com o previsto no contrato, insta a Avrotel para proceder ao pagamento de € 13.392,85 até 12/03/2013;
▪ Caso o pagamento não seja efetuado até à referida data, procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
35. Do documento 10, carta datada de 8 de julho de 2013, referente a “Solicitação de Pagamento – Garantia ...0....1733”, resulta que:
▪ O HH, no âmbito da aludida garantia emitida pela Lisgarante, solicitou o pagamento de €227.678,59, correspondente a 50% do valor do capital em dívida, tendo em conta o vencimento antecipado do mesmo, declarado por aquela instituição;
▪ Em cumprimento da garantia autónoma a Lisgarante procedeu ao pagamento do montante
solicitado no dia 8 de julho de 2013;
▪ A Lisgarante adverte a sociedade Avrotel para os termos do contrato subjacente à emissão
da garantia, celebrado em 02/03/2010, e que deverá proceder ao pagamento de todos os montantes que a Lisgarante efetue em nome da Avrotel e no prazo estabelecido no contrato;
▪ A Lisgarante, de acordo com o previsto no contrato, insta a Avrotel para proceder ao pagamento de € 227.678,59 até 16/07/2013;
▪ Caso o pagamento não seja efetuado até à referida data, procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
36. Do documento 11, carta datada de 8 de julho de 2013, referente a “Solicitação de
Pagamento – Garantia ...1....1397”, resulta que:
▪ O HH, no âmbito da aludida garantia emitida pela Lisgarante, solicitou o pagamento de €14.062,50, correspondente a 50% do valor do capital em dívida, tendo em conta o vencimento antecipado do mesmo, declarado por aquela instituição;
▪ Em cumprimento da garantia autónoma a Lisgarante procedeu ao pagamento do montante
solicitado no dia 8 de julho de 2013;
▪ A Lisgarante adverte a sociedade Avrotel para os termos do contrato subjacente à emissão
da garantia, celebrado em 25/01/2011, e que deverá proceder ao pagamento de todos os montantes que a Lisgarante efetue em nome da Avrotel e no prazo estabelecido no contrato;
▪ A Lisgarante, de acordo com o previsto no contrato, insta a Avrotel para proceder ao pagamento de € 14.062,50 até 16/07/2013;
▪ Caso o pagamento não seja efetuado até à referida data, procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
37. Os documentos 9, 10 e 11 juntos pela Embargada na contestação não foram impugnados pela Embargante (letra e assinatura), não devendo, como tal, ter tratamento diverso do que foi dado aos restantes documentos juntos aos autos pela Embargada, sejam eles emitidos por esta seja os emitidos pelo Banco Santander Totta, os quais produziram prova e foram considerados pelo Tribunal a quo para efeito de decisão da matéria de facto (no caso, provada).
38. Acresce que parte do teor dos documentos 9, 10 e 11, como seja data do incumprimento contratual por parte da sociedade Avrotel e da resolução do contrato por parte do Banco Santander Totta, as solicitações de pagamento ao abrigo das garantias, montantes, pagamentos e respetivas datas, estão igualmente suportados pelos documentos 3 a 8 da contestação e documento a fls. 84 do apenso A, bem como vertidos no elenco de factos dados como provados, decisão que é fundamentada pelo Tribunal a quo na conjugação do teor da documentação junta aos autos (indicada nos factos provados) com o dos depoimentos produzidos em audiência;
39. Contudo, na matéria dada como provada não é efetuada qualquer referência aos
documentos 9, 10 e 11 (com o respetivo teor dado por reproduzido), nem se elenca como provados factos decorrentes do respetivo teor com relevância para a decisão da matéria controvertida, cuja inclusão se requer, como sejam:
(xii) Em 04/03/2013 a Embargada Lisgarante enviou à Avrotel a carta junta a fls …, a que corresponde o documento n.º 9 junto com a oposição da Embargada (cujo teor se dá aqui por reproduzido), em que comunica que procedeu ao pagamento de 50% do capital em dívida da prestação vencida em 02.06.2012 e não paga pela Avrotel, solicitação satisfeita pela Lisgarante em 04/03/2013, em cumprimento da garantia autónoma, que a Avrotel deverá proceder ao pagamento de € 13.392,85 até 12/03/2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
(xiii) Em 08/07/2013 a Embargada Lisgarante enviou à Avrotel as cartas junta a fls …, a que correspondem os documentos n.ºs 10 e 11 junto com a oposição da Embargada (cujo teor se dá aqui por reproduzido), em que comunica que nessa data procedeu ao pagamento do montante solicitado pelo Santander Totta, em cumprimento da garantia autónoma, que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento, respetivamente, de € 227.678,59 e € 14.062,50 até 16/07/2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
(xiv) A Avrotel incumpriu as suas obrigações para com a Lisgarante em data anterior a 2014;
40. Da análise conjugada dos documentos 1 a 11 da contestação, decorre, com relevância para os autos, que em 2013 estavam já verificadas várias das situações elencadas no ponto 5) do contrato de garantia e que davam à Lisgarante o direito de exigir imediatamente o pagamento dos montantes devidos, nomeadamente:
o o não pagamento atempado de pagamento da comissão de garantia (5.1);
o o incumprimento definitivo das obrigações financeiras (5.4);
o alteração da propriedade do capital social da empresa (5.7);
o verificação de situação indiciadora de que a Avrotel se encontrava ou viria a encontrar na impossibilidade de cumprir pontualmente as suas obrigações (5.8), e;
o a não verificação de autonomia financeira mínima de 20% (5.9)
41. No que concerne aos Pontos 12 e 13 dos factos dados como provados na sentença, face à prova produzida nos autos, documentos juntos com a contestação sob os números 16 e 17 e documento 2 junto com a petição de embargos, devia o Tribunal a quo ter dado como provado que as cartas enviadas à Embargante/Recorrente foram devolvidas; ou seja, não chegaram sequer à destinatária;
42. Pelo que a formulação correta dos pontos 12 e 13 dos factos dados como provados deve conter, a final, a menção “(…) tendo a carta endereçada à embargante sido devolvida à remetente”:
(xv) 12 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 48v-49 e 50v-51 do Apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº 2009.17339”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 380.412,30€, tendo a carta endereçada à embargante sido devolvida à remetente;
(xvi) 15 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 54v-55 e 57v-58 do apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº 2010.13976”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 21.943,34€, tendo a carta endereçada à embargante sido devolvida à remetente;
43. Com relevância, importa ainda referir que o Tribunal a quo não elencou como factos provados os decorrentes do teor dos documentos juntos com a petição sob os números 2 e 3;
44. Com referência ao documento 2, devem ser aditados os factos constantes da certidão, relativamente à gerência da sociedade - destituição de gerência, providência cautelar, ação de impugnação de deliberações sociais, nomeação de AA e EE e cessão de quota da Embargante, de cuja análise resulta quem exercia funções de gerente da sociedade à data da celebração dos contratos de empréstimo e de garantia, respetivamente, com o Banco Santander e Lisgarante (período a que se referem os factos constantes dos pontos 1 a 4 da sentença - factos provados), seja em momento posterior, aquando do envio, pela Embargada à sociedade Avrotel, Lda., das comunicações datadas de 04/03/2013 e 08/07/2013; comunicações enviadas pelo Banco Santander à Embargada Lisgarante (conforme constantes dos pontos 6, 7, 9, 10 e 11 da sentença – factos provados) e, ainda, as comunicações enviadas pelo Banco Santander à Avrotel, Lda. (factos constantes dos pontos 5 a 9 e 12 e 13 da sentença e demais documentos juntos aos autos, referidos supra 29.º a 43.º).
45. Foi, ainda, carreado para os Autos, o documento n.º 3 junto à petição pela Embargante, referente a documento emitido pela Lisgarante, sob o título Avrotel – Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda. – 2019_DRC_LIS_000229_S01, com valor descrito de 257.175,29 e valor total a pagar, acrescido de juros, no valor de € 277.436,46.
46. Documento não impugnado pela Embargada que, aliás, admitiu a respetiva autoria, conteúdo e envio à Avrotel (facto confessado - artigo 63.º da contestação) e de cujo teor resulta, designadamente, a menção expressa a incumprimento com data de 02/01/2018.
47. Em contradição com o teor dos documentos 9, 10 e 11 juntos com a contestação,
relativos às solicitações de pagamento efetuadas por meio de cartas enviadas à Avrotel em 4 de março e 8 de julho de 2013;
48. E do teor da carta de solicitação de pagamento com data de 11/03/2021, designadamente as datas de pagamento no âmbito da garantia e as datas de vencimento discriminadas, as quais decorrem de 22/11/2012 e 24/07/2013 – documento 12 da contestação.
49. Ora, face ao exposto e porquanto facto confessado pela Embargada, devia o Tribunal a quo ter valorado o teor do documento supra mencionado, com respetiva inclusão nos factos provados, nomeadamente que:
(xvii) A Lisgarante remeteu à sociedade Avrotel documento a fls … - documento 3 junto à
petição de embargos – (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com valor total de € 257.175,29 e data de incumprimento de 02/01/2018.
Motivações: FACTOS NÃO PROVADOS e fundamentação da decisão da matéria de facto
50. O Tribunal a quo, face à prova produzida em audiência de julgamento, em concreto a que referimos supra 9. a 24., devia ter decidido de forma diversa, julgando como facto não provado que a Embargada tenha procedido à comunicação das cláusulas contratuais;
51. Bem como devia ter julgado não provados os factos constantes dos pontos 8 e 10 da contestação, nomeadamente que a Avrotel entregou à Lisgarante as duas livranças (ponto 8), e que a cláusula 4.ª do pacto de preenchimento era do perfeito conhecimento dos executados (ponto 10);
52. Porquanto a Embargante não produziu prova, nem esta resultou da instrução, de que tenha estado presente na assinatura do contrato de garantia e que tenha entregue e recebido as livranças assinadas pelas executadas, nem que a referida cláusula tenha sido devidamente comunicada, de onde pudesse resultar o perfeito conhecimento das executadas;
53. Pelo contrário, como resulta dos depoimentos das testemunhas FF e GG, não era esse o procedimento adotado, a Lisgarante nunca estava presente, o Santander Totta recebia da Lisgarante o contrato de garantia por e-mail, era o Solicitador/Advogado do Banco que trazia as livranças para assinatura dos Clientes do
Banco e respetivos avalistas nas instalações do Banco, contrato e livranças que eram depois entregues à Lisgarante em mão pelo Solicitador do Banco e, num prazo de 24 a 48 horas, após confirmação da Lisgarante de estar tudo Ok, é que eram remetidos os documentos assinados pela Lisgarante, altura em que o Banco desbloqueava o empréstimo ao Cliente.
54. Foram assinados pela testemunha FF, na qualidade de procuradora do Banco Santander Totta, os contratos de empréstimo objeto dos autos (documentos 14 e 15 juntos com a contestação), a conferência, efetuada pelo Banco Santander Totta, das assinaturas do gerente da Avrotel e avalistas (documento 2 da contestação), bem como as cartas de comunicação de resolução dos referidos contratos (dirigidas à Avrotel e Lisgarante), cartas de acionamento da garantia e respetivas declarações (documentos 3 a 5 juntos com a contestação);
55. Foram assinados pela testemunha GG, na qualidade de procuradora do Banco Santander Totta, as cartas de comunicação de resolução dos referidos contratos (dirigidas à Avrotel e Lisgarante), cartas de acionamento da garantia e respetivas declarações (documentos 3 a 5 juntos com a contestação);
56. Assinaturas nos documentos confirmadas pelas próprias em audiência de julgamento - gravações a 00:03:25 a 00:07:40; 00:10:58 a 00:13:13 (FF) e 00:08:25: a 00:09:50 (GG), respetivamente.
57. As testemunhas têm conhecimento direto e intervieram nos factos sub judice, tendo prestado depoimentos credíveis e relevantes para o apuramento da verdade e justa composição do litígio.
58. Em 02/03/2010 e 25/01/2011 (datas em que foram assinados os contratos de garantia e contratos de empréstimo – respetivamente, docs. 1, 2, 14 e 15 juntos com a contestação), foram efetuados os reconhecimentos de assinatura de AA, na qualidade de gerente da Avrotel, e de todas as avalistas;
59. Reconhecimentos efetuados pelo Advogado do Banco Santander Totta, Dr. II, e, do termo de reconhecimento e registo online dos atos de advogados, constando como interessado dos registos o Banco Santander Totta SA.
60. Faltando, contudo, o reconhecimento de assinatura do representante/procurador da Lisgarante, pois, tal como era procedimento habitual, a Lisgarante não esteve presente na assinatura dos contratos.
61. Não tendo a Embargada procedido à comunicação das cláusulas contratuais à Embargante, nomeadamente a cláusula 4.ª, em momento anterior à sua assinatura, pois as minutas dos contratos nem sequer eram remetidas previamente aos Clientes do Banco (muito menos aos avalistas), nem durante a assinatura do contrato de adesão (contrato de garantia);
62. Assim como não foi entregue à Embargante um exemplar do referido contrato, pois, conforme resulta do último parágrafo do contrato de garantia “(…) O presente documento foi impresso em três exemplares originais, destinando-se um original à SGM, outro à Cliente Avrotel – Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda e outro ao Banco (…)” – Documentos 1 e 2 juntos com a Contestação.
63. Por conseguinte, devia o Tribunal a quo ter julgado não provados os seguintes factos:
(i) “A “Avrotel” entregou à Lisgarante as duas livranças em branco.”
(ii) “A referida cláusula (cláusula 4.ª do pacto de preenchimento) estabelece, portanto,
o pacto de preenchimento, o qual era do perfeito conhecimento dos executados”.
64. Igualmente, devia o Tribunal a quo ter dado como não provado os seguintes factos alegados pela Embargada (pontos 66, 67 e 68 da contestação):
(iii) “Desde o último acionamento de garantia, em junho de 2013, a embargada procurou alcançar a recuperação amigável do valor em dívida”, e;
(iv) “De facto, durante aquele hiato temporal, foram várias as tentativas da Embargada resolver extrajudicialmente o presente litígio, contactando os avalistas nesse sentido”
65. Porquanto não foi produzida prova concreta pela Embargada, seja documental, seja testemunhal;
66. Aliás, consta dos autos prova que contraria o alegado pela Embargada, nomeadamente que a única carta endereçada à Embargante após 2013 (e devolvida ao remetente) data de 11/03/2021, sendo referente a solicitação de pagamento e informação de
preenchimento da Livrança, com data de emissão de 11/03/2021 e vencimento em 22/03/2021, o que não consubstancia as alegadas inúmeras tentativas de resolver extrajudicialmente o litígio e de contactos às avalistas, mas antes o facto consumado de preenchimento da livrança, com curtíssimo prazo entre emissão e vencimento - documentos juntos com a contestação sob os números 16 e 17 e documento 2 junto com a petição de embargos.
67. Resultando, ainda, do depoimento da testemunha JJ, que as avalistas apenas retomaram contacto com o contrato de garantia da Lisgarante com a concretização das penhoras e processo executivo - depoimento foi prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 01.03.2024 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 15h47ms às 15h54ms, questionada sobre se existiram reuniões ou contactos efetuados pela Lisgarante, em concreto gravação 00:04:44 a 00:05:40.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
68. Considerando os factos que resultaram provados e não provados nos presentes autos, conforme se expõe supra 1. a 67., efetuada a respetiva subsunção ao Direito;
Salvo melhor opinião e com o devido respeito;
Requerimento ao abrigo do artigo 5.º CPC
69. Considerando os factos que resultaram provados nos presentes autos, e, bem assim, os factos que resultaram não provados, efetuada a respetiva subsunção ao regime das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, versão atualizada, adiante Regime das CCG), concretamente ao preceituado no artigo 5.º, relativo ao dever de comunicação, e, ainda, ao preceituado nas alíneas a) e b), do artigo 8.º, onde se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º, bem como as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo.
70. Não tendo a Lisgarante efetuado prova da comunicação/informação das cláusulas do Pacto de Preenchimento, em particular da cláusula 4), (pelo contrário, tendo resultado suficientemente provada a falta de comunicação e de informação que se impunha);
71. Devia o Tribunal a quo, nos termos das alíneas a) e b), do artigo 8.º, conjugado com o artigo 5.º, todos do referido Decreto-Lei, ter julgado excluída a cláusula 4) do Pacto de Preenchimento, com a consequência de que, não estava a Embargada autorizada a efetuar o preenchimento do título (livrança) contra a Embargante, sendo, pois, inexigível à Embargante
72. Precisamente por se tratarem de factos de que o Tribunal tomou conhecimento em audiência de julgamento, devia o mesmo, oficiosamente e após facultar o contraditório à Embargada, como facultou - quer durante a inquirição das testemunhas, quer concedendo-lhe prazo para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Embargante - decidir em conformidade com o regime legal aplicável às cláusulas contratuais gerais;
73. Em concreto, julgando como não provado que a Lisgarante efetuou uma comunicação adequada e efetiva da cláusula 4) do pacto de preenchimento, devendo, consequentemente, ter-se a referida cláusula por excluída do contrato, nos termos da alínea a) do artigo 8º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais;
74. Constituindo o dever de comunicação e informação obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º. do Código Civil (doravante CC), que faz, sobretudo, apelo à lealdade e honestidade.
75. V.d. Acórdão do STJ de 01-02-2000 “ (…) V - Esse dever de comunicação tem duas vertentes: por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva (art. 5, n.º 1), por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá-la de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5, n.º 2); querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.º 3 desse artigo faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva. VI - O comando contido na al. a) do art. 8 desse DL, ao prescrever a exclusão das cláusulas não comunicadas nos termos do art. 5, tem que ser entendido - atenta a referida norma sobre o ónus da prova - como prescrevendo a exclusão das cláusulas em relação às quais se não prove terem sido comunicadas.”
76. Ora, ficou suficientemente alegado e provado nos autos, que o contrato de garantia objeto dos autos reveste a natureza de contrato de adesão, definida no artigo 1.º do
Regime das CCG, porquanto constituído por cláusulas contratuais gerais, as quais não são fruto da livre negociação desenvolvida entre as partes, já que estão elaboradas de antemão e são objeto de simples subscrição ou aceitação pelo lado da parte a quem são propostas;
77. Foi alegado pela Embargada que as executadas tinham perfeito conhecimento da cláusula 4) do pacto de preenchimento.
78. Face ao exposto, ao abrigo do artigo 5.º do Código de Processo Civil (adiante CPC), elencaram-se factos que decorreram da instrução, com relevância para o objeto dos autos e as questões alegadas e a decidir, revelando-se essenciais para o apuramento da verdade material, em conformidade com o n.º 4 do artigo 607.º, artigo 579.º e n.º 2 do artigo 608.º.
79. Em relação aos factos instrumentais, que, tendo sido objeto de produção de prova, resultem demonstrados, a lei opera um desvio ao princípio do dispositivo, mediante o
poder-dever de o tribunal os tomar em consideração, ainda que não alegados e independentemente da parte interessada manifestar a vontade de deles se aproveitar, pressupondo o artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo civil, quando utiliza a expressão «resultem da instrução e discussão da causa», o exercício do contraditório na produção da prova.
80. Sendo a regra geral a de que o tribunal só pode conhecer dos factos essenciais alegados pelas partes, excecionalmente, nos casos admitidos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 5.º e 612.º. o tribunal poderá ainda considerar, independentemente de alegação das partes, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa.
81. O artigo 411º do Código de Processo Civil, determinando que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, consagra um claro poder-dever do juiz, com vista à plena realização dos fins do processo.
82. Decorre, ainda, do n.º 3 do artigo 1.º do Regime das CCG, que o ónus da prova de que uma cláusula resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo, o mesmo é dizer, sobre o utilizador, donde se infere que se permanecer a dúvida, após a produção da prova, sobre se a cláusula constituiu ou não objeto de negociação prévia, o tribunal deverá decidir como se não tivesse existido negociação.
83. Sendo que se impunha decidir não ter a Embargada cumprido a obrigação de comunicação da cláusula 4) do pacto de preenchimento e, em consequência, declarar a mesma excluída do referido contrato, nos termos da alínea a), do artigo 8º do regime das CCG, e o preenchimento da livrança ineficaz relativamente à ora embargante, devendo ser a mesma excluída da execução.
84. Devia o Tribunal a quo ter decidido de forma diversa, deferindo o requerido pelas
Embargantes, com inclusão na matéria de facto provada dos factos decorrentes dos depoimentos;
85. Pois, ainda que considerasse a factualidade em causa como essencial para decisão de exceção não deduzida (que, a ter sido alegada, permitiria a inversão do ónus da prova), não podia o Tribunal a quo deixar de valorar os referidos factos, oficiosamente, como
concretizadores de contraprova de alegação da Embargante;
86. Efetivamente, da prova produzida (testemunhal e documental) resultaram factos que impõem ao Tribunal a quo julgar não provado os factos alegados pela Embargada em sede de contestação;
87. Em concreto, que a cláusula 4.ª do pacto de preenchimento era do perfeito conhecimento dos executados;
88. Porquanto alegação efetuada pela Embargada ao dever de comunicação, que diz ter cumprido, contudo, tendo sido produzida prova contrária ao alegado pela Embargada;
89. O que resulta reforçado quando a Embargante, em sede de alegações, como expomos supra, dar como provados os factos resultantes do depoimento da testemunha GG, como referimos supra 21.º;
90. De onde resulta, inequivocamente, a violação de obrigação de comunicação que impende sobre a Embargada, nos termos do artigo 5.º da LCCG;
91. E a exclusão das cláusulas contratuais gerais, imposta pelo artigo 8.º da LCCG, resulta de uma inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade;
92. Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (artigo 286.º do CC), também a inexistência o deve ser. Pelo que, mesmo que os aderentes não o pudessem fazer, sempre o juiz poderia e deveria excluir as cláusulas contratuais gerais “desconhecidas” – Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2017.
93. Vício invocável a qualquer momento e, de todo o modo, de conhecimento oficioso.
94. Vício que se argui para os devidos efeitos legais;
95. O Tribunal, ao decidir como decidiu, quer indeferindo o requerimento da Embargante relativamente aos factos dados como provados, quer não considerando, oficiosamente, factos decorrentes dos depoimentos das testemunhas FF e GG, quer não valorando os referidos depoimentos como prova contrária à alegação da Embargada, em sede de contestação, de que as avalistas estavam devidamente informadas sobre a cláusula 4.ª do contrato de garantia, violou os preceitos legais supra mencionados.
96. Não tendo procedido à correta análise, interpretação e subsunção considerando o caso em concreto e o apuramento da verdade e justiça materiais da causa.
97. Caso assim não entenda o Tribunal ad quem, sempre se dirá que teria ido bem o Tribunal a quo ao valorar a prova efetivamente produzida e a aquisição para os autos de factos essenciais atinentes ao teor de documento que a Exequente juntou com a petição, relativos a contrato de adesão, com relevância para o objeto da ação (conforme despacho
saneador), nomeadamente considerando a questão do preenchimento abusivo da livrança
e da obrigação ser, ou não, judicialmente exigível.
Caso assim não entenda o Tribunal ad quem, sem conceder quanto ao que antecede;
Da violação do pacto de preenchimento do título e do Abuso de Direito
98. Sempre se dirá que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação das questões suscitadas pela Embargante, no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança e prescrição, senão vejamos;
99. Refere o Tribunal a quo não compreender a argumentação da embargante, “(…) que não estará em causa o montante, mas a data de vencimento (…)” e que “admitir-se-ia a
existência de “abuso de direito” se a livrança tivesse sido preenchida depois de esgotado o prazo de prescrição (ordinária) da obrigação principal – por constituir assim uma forma de “contornar” o direito à recusa de cumprimento (CC 304.º/1) (…)”.
100. Analisando o pacto de preenchimento e o contrato para cujas responsabilidades é prestada a garantia, resulta que, pese embora na cláusula 4.ª do pacto de preenchimento resulte expresso que a Lisgarante fica autorizada (…) a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente (…)”, tal prerrogativa da Lisgarante está intrinsecamente dependente da ratio do contrato celebrado e do restante clausulado e, bem assim, da vontade das partes intervenientes no contrato celebrado com a Lisgarante;
101. Assim, o referido trecho deverá ser lido em conjugação com a parte inicial da cláusula 4.ª, que dispõe “Para garantia de todas as responsabilidades que para V.Exas. emergem do presente contrato (…)”, bem como em conjugação com a cláusula 5.ª do contrato de abertura de crédito, nomeadamente que o incumprimento do contrato é uma das causas de preenchimento da livrança.
102. Este entendimento sai reforçado quando o Banco Santander-Totta, registado o incumprimento, procedeu à cobrança de 50% do crédito garantido, encontrando-se preenchidos os pontos 5.1, 5.4. e 5.8 da cláusula 5.ª do pacto de preenchimento;
103. Assim como é igualmente perfilhado pela Lisgarante quando esta procede à interpelação da Avrotel Lda. para pagamento, em 8 de julho de 2013, e define um prazo limite para pagamento sob pena de execução judicial.
104. Da intenção manifestada pelas partes no momento da celebração dos contratos de empréstimo com garantia, das comunicações e agilidade no sentido do registo do incumprimento, resolução contratual, interpelações e advertências de execuções judiciais durante o ano de 2013, não se compagina como plausível a interpretação de que decorre de todo o circunstancialismo contratual outra intenção que não seja a cobrança imediata, por referência ao incumprimento e resolução contratual.
105. A Lisgarante, porém, deixou decorrer 8 anos e por via desse decurso de tempo, de forma manifestamente desproporcional, arroga-se, agora, no direito a pagamento de avultado montante de juros cuja alegada existência é exclusivamente imputável à sua inércia, e da mesma pretende beneficiar, ao arrepio dos mais elementares princípios da boa fé e segurança jurídica.
106. Ora, considerando a teoria da impressão do declaratário (artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil), um declaratário razoável, que se pauta pelos ditames da boa-fé, medianamente experiente e informado, inteligente e diligente, do mesmo tipo do declaratário real, em face da declaração contida no aludido pacto de preenchimento, entenderia ou deduziria que o vencimento da livrança deveria ter lugar após a ocorrência do incumprimento do contrato subjacente por parte do obrigado principal e consequente vencimento/exigibilidade de qualquer obrigação ou obrigações que para o mesmo resultem do dito contrato subjacente.
107. Se é indiscutido que o legislador nacional não consagrou, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, um limite temporal ao preenchimento do título, igualmente é certo que a jurisprudência tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento ( AC RL de 19.04.2012, AC RP de 19.01.2015, AC RP de 24.03.2015 e AC STJ de 20.10.2015 (que confirmou o AC RP de 24.03.2015, antes referido), todos in www.dgsi.pt).
108. O entendimento de que nos devemos bastar com a circunstância de a livrança não se encontrar ainda preenchida quanto à data do seu vencimento corresponde a uma aplicação ou interpretação abusiva do próprio pacto de preenchimento, ou, ainda, que essa circunstância se traduz numa situação de abuso de direito (artigo 334º, do Cód. Civil), na modalidade de suppressio ou venire contra factum proprium.
109. Assim, se o portador persistir em preencher e/ou acionar o título para lá do limite temporal definido no pacto de preenchimento, ou em indicar uma data de vencimento posterior a ele, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10º (doravante LULL)LU e, por referência, à data de vencimento correta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.”
110. Ora, de acordo com a matéria de facto que ficou provada nos Autos e referida supra 30. a 49., a Embargada em 2013 declarou o vencimento das prestações a que a Avrotel se tinha obrigado no contrato de garantia, fixando prazo para o respetivo cumprimento sob pena de, não procedendo ao pagamento, a Lisgarante proceder à execução judicial;
111. Vindo mais tarde declarar o incumprimento das prestações a que a Avrotel se tinha obrigado no do contrato de garantia, desta feita, com data de 02/01/2018, contudo, preenchendo a livrança com data de emissão em 11/03/2021 e vencimento em 22/03/2021;
112. Ou seja, tendo a Lisgarante expressamente manifestado o incumprimento das responsabilidades que para a Avrotel emergiam dos contratos de garantia celebrados entre ambas e intenção de proceder a execução judicial – por via do preenchimento da livrança;
113. E, em contradição com essa declaração e interpelação efetuada à Avrotel, a Lisgarante deixar decorrer 8 anos da primeira interpelação e mais de 3 anos da segunda, e vir depois cobrar juros sobre os montantes cujo pagamento foi incumprido, contabilizados desde 2012, no montante de € 182.844,70;
114. Encerrando, ainda, uma contradição com os valores expressos no documento 3 junto com a petição, no qual a Lisgarante declara encontrar-se em dívida a quantia de € 257.175,29 – matéria de facto referido supra 60.º a 65.º.
115. Não podia o Tribunal a quo deixar de valorar, por um lado, a manifestação clara de intenção da Lisgarante preencher a livrança nas datas atrás mencionadas e, por outro lado, a desproporção entre a vantagem obtida pela Lisgarante e o sacrifício por ela imposto à Embargante decorrente do facto da Lisgarante apenas ter procedido ao preenchimento da livrança em 11/03/2021, com vencimento em 22/03/2021 e com contabilização de juros desde 2012.
116. Tendo a sentença recorrida violado o disposto no artigo 334.º do C. C., porquanto o Tribunal a quo devia ter condenado a Embargante em Abuso de Direito por preenchimento abusivo da livrança.
117. A interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, salvo melhor opinião, subverte a ratio das normas contidas nos artigos 286.º, 334.º e 808.º do CC e artigo 10.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (doravante LULL), e interesses que visam acautelar, violando as mesmas;
118. Como expendido em Acórdão da Veneranda Relação de Guimarães de 01.02.2018: V- O “abuso de direito tem sido analisado nomeadamente nas modalidades de “venire contra factum proprium”, de “inalegabilidades formais”, de “suppressio”, de “tu quoque” e de “desequilíbrio entre exercício do direito e os efeitos dele derivados”. VI- O “abuso de direito” na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados”, abrange subtipos diversificados, nomeadamente(…) o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem. VII- Se o “abuso de direito” se verifica na celebração de um negócio jurídico, em princípio o mesmo deverá ser considerado um contrato de objeto ou fim abusivo e, como tal, nulo (arts. 280º e 281º, do C. Civil). – V.d Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.09.2014 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-2022 e 21-04-2022
119. Este último que se transcreve e nos termos do qual: I. A questão da prescrição do direito cartular não deve ser confundida com a questão do preenchimento abusivo da data de vencimento da obrigação cartular no caso de livrança em branco. II. As duas questões surgem frequentemente “entrelaçadas”, porque o (eventual) preenchimento abusivo tem repercussões na contagem do prazo de prescrição do direito: esta contagem inicia-se na data que deveria ter sido aposta na livrança como data de vencimento e não na data que foi (indevidamente) aposta. III. A data em que ocorre o facto relevante para a exigibilidade da obrigação subjacente (tipicamente, o incumprimento definitivo) apenas marca o momento em que o portador fica constituído no dever de preencher a livrança em branco quando isso resulte do que foi acordado entre os intervenientes (do sentido que era possível deduzir tendo em conta as regras de interpretação previstas nos artigos 236.º a 238.º do CC), do que seria previsivelmente acordado se eles não tivessem omitido aquele ponto ou do que seria imposto pela boa fé, nos termos do artigo 239.º do CC.
E, bem assim, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 03-04-2014 “I - O avalista de livrança em branco que tenha subscrito também o pacto de preenchimento está nas relações imediatas com o portador, enquanto aquela não for transmitida a terceiro, pelo que pode discutir a validade desse pacto, se o mesmo foi violado ou se a outra parte procedeu de má fé ou abusivamente. II - O princípio da boa fé e o dever de actuação em conformidade com ele impõem ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, os montantes em dívida, as datas de vencimento e em que termos os títulos serão preenchidos em caso de não pagamento. III - A falta de interpelação pelo credor/exequente, na ausência de prazo no pacto de preenchimento, implica que a obrigação apenas se considera vencida com a citação, relevando somente para efeitos de contagem dos juros moratórios.(…)”
Da exceção da Prescrição
119. A questão da prescrição do direito cartular prende-se diretamente com o artigo 70.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças, onde dispõe que as livranças prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento.
120. Relevante é ainda o artigo 32.º da LULL, por força do qual os avalistas estão sujeitos ao mesmo regime de prescrição que é aplicável aos seus avalizados.
121. A livrança objeto dos autos foi subscrita em branco, tendo ficado acordado, com
a devedora mutuária e com os garantes avalistas, os termos em que seria completado o preenchimento, em caso de incumprimento pela subscritora.
122. É entendimento maioritário na jurisprudência que a data de preenchimento da
livrança corresponde à data de vencimento da obrigação.
123. Ora, conferir ao credor cambiário, portador de uma livrança subscrita em branco, a possibilidade de a preencher livremente, dilatando a cobrança do seu crédito a seu bel-prazer, sujeitaria o devedor cambiário a uma intolerável e desproporcional situação de incerteza, contrária aos ditames da boa-fé e, além do mais, seria incompatível com as exigências de celeridade no exercício do direito cambiário que o legislador pretendeu conferir através do prazo prescricional previsto no art. 70.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (doravante LULL).
124. Entende-se que, em tese, o exercício do direito ao livre preenchimento pode considerar-se abusivo se se verificar que o portador da livrança adotou uma conduta censurável e atentatória dos “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito” (cfr. art. 334.º do CC).
125. Sucede que tal comportamento censurável ocorreu no caso em concreto, uma vez que o preenchimento das livranças, entregue em branco ao credor ocorreu oito anos volvidos desde a resolução do contrato e vencimento das obrigações.
126. Sendo que é a própria Embargada que refere, ao longo das suas alegações, que as Embargantes conferiram autorização à Embargada para o preenchimento das livranças em caso de incumprimento dos contratos, e, ainda, que os contornos do pacto de preenchimento se definem a partir da natureza da relação fundamental.
127. Ora, face ao incumprimento da sociedade Avrotel e resolução contratual comunicada pelo Santander Totta à Embargada e, bem assim, o acionamento da garantia e respetivo pagamento, em 8 de julho de 2013, a Embargada: - Informou o Banco Santander Totta , nos termos do artigo 644.º do Código Civil, que ficaria sub-rogada nos direitos do Banco sobre o devedor, na percentagem do crédito satisfeito (documento 8 junto com a contestação), e; - Interpelou a sociedade Avrotel para proceder ao pagamento das quantias pagas, alegando os termos dos contratos subjacentes à emissão das garantias bancárias, concedendo prazo, nos termos do contrato, mais informando que findo o referido prazo sem que o pagamento fosse satisfeito procederia à execução judicial… (documentos 9, 10 e 11 juntos com a contestação).
128. Como bem refere KK, a circunstância de não haver sido estipulado um prazo fixo para o preenchimento da livrança (situação, aliás, rara para o preenchimento da letra ou da livrança) não significa que não possa extrair-se, por via interpretativa, uma limitação temporal.
129. E, ainda, acrescenta a Ilustre Professora que “o problema não está tanto num abuso de direito cuja apreciação passe pela avaliação da idoneidade da confiança que a inatividade do credor seja suscetível de inculcar no devedor; o problema está em que as partes, ao colocarem o devedor numa situação de “quase sujeição“ face ao exercício do poder potestativo de preenchimento do credor, não podem – porque a ordem jurídica não tolera – deixar absolutamente em aberto o limite temporal de semelhante sujeição.”
130. Ora, conforme referimos supra - Acórdão do Supremo Tribuna de Justiça de 21/04/2022 - a questão da prescrição do direito cartular não deve ser confundida com a questão do preenchimento abusivo da data de vencimento da obrigação cartular no caso de livrança em branco, contudo as duas questões surgem frequentemente “entrelaçadas”, porque o (eventual) preenchimento abusivo tem repercussões na contagem do prazo de prescrição do direito: esta contagem inicia-se na data que deveria ter sido aposta na livrança como data de vencimento e não na data que foi (indevidamente) aposta.
131. Ora, a obrigação causal ao título de crédito objeto dos presentes autos e a cargo da sociedade subscritora Avrotel, Lda., tornou-se exigível ou vencida há mais de 3 anos, sendo entendimento da Embargante que o crédito da Embargada/Exequente se encontra prescrito.
132. Face a tudo quanto se expõe e não tendo assim decidido, a douta sentença violou o disposto nos artigos 607.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, 5.º, 579.º e 608.º, n.º 2 e 411.º do CPC, os artigos 286.º, 342.º, 344.º n.º 1, 350.º, 236.º a 238.º, 334.ºe 808.º, todos do CC., artigos 1.º, 5.º e 8.º, alínea a) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro (RCCG) e artigos 10.º e 70.º da LULL.
O Embargante veio responder ao recurso defendendo que os factos que a Recorrente pretende ver aditados aos factos provados numa parte não se tratam de factos instrumentais, mas antes de factos novos não alegados e noutra parte são factos irrelevantes para a decisão da causa, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença proferida.
II. Questão prévia
- do incumprimento pela Recorrente do disposto no art.º 639.º do CPC
A Recorrente no presente recurso não cumpre a imposição do art.º 639.º n.º 1 do CPC de apresentar conclusões sintéticas.
O dever de apresentar verdadeiras conclusões do recurso como é exigência do art.º 639.º do CPC assume maior relevância na medida em que é através delas que é delimitado o objeto do recurso, nos termos do art.º 635.º n.º 2 a 4 do CPC. Por essa razão as mesmas devem apontar de forma sintética os fundamentos para a modificação, revogação ou anulação da decisão impugnada.
O art.º 639.º do CPC com a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe logo no seu nº 1 que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou a anulação da decisão.”
O n.º 2 deste artigo enumera o que as conclusões devem indicar quando o recurso versa sobre matéria de direito.
Já o art.º 640.º refere-se à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, aludindo o n.º 1 nas suas diversas alíneas, às especificações a que o Recorrente deve proceder, sob pena de rejeição da impugnação.
O art.º 639.º n.º 3 estabelece: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer o recurso na parte afetada.
Também no caso do recurso incidir sobre a matéria de facto, é nosso entendimento que das mesmas apenas tem de constar a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados e impugnados e em qualquer circunstância não devem constar das conclusões mais do que os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, a pág. 117: “As conclusões serão complexas quando não cumprem as exigências de síntese a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudências propícias ao segmento da motivação.” E acrescenta, a pág. 129: “com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.
Na situação em presença constata-se que conclusões do recurso apresentadas pela Recorrente são prolixas, estendendo-se por 28 páginas, desenvolvendo-se ao longo de 132 pontos, alguns deles com muitos subpontos, constituindo em grande medida uma réplica da motivação apresentada no corpo das alegações.
No caso não estamos perante uma falta absoluta de conclusões do recurso que justifique o indeferimento do mesmo nos termos do art.º 641.º n.º 2 al. d) do CPC que sempre seria excessivo, considerando-se no entanto que seria justificado o convite à parte para corrigir o vício, atento o disposto no art.º 639.º n.º 3 do CPC, notificando-se a Recorrente para proceder ao seu aperfeiçoamento, designadamente a sintetizar as conclusões, em concordância como o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
Considera-se, porém, inútil formular tal convite à Recorrente, em face da revelada falta de poder de síntese, e na medida em que das conclusões apresentadas se pode retirar com segurança as questões que a mesma pretende submeter à apreciação deste tribunal, o que também foi compreendido pela Recorrida, como revela a resposta ao recurso que apresenta, sendo que tal ato apenas iria atrasar o prosseguimento do processo, optando-se assim por não o determinar.
III. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto quanto:
(i) ao aditamento de novos factos instrumentais que resultaram da instrução da causa aos factos provados, revogando-se a decisão do tribunal de 1ª instância que o indeferiu;
(ii) à alteração dos pontos 2, 4, 12 e 13 dos factos provados;
(iii) ao aditamento de factos provados que decorrem de documentos juntos aos autos;
(iv) do aditamento de novos factos aos factos não provados.
- da violação da obrigação de comunicação pela Exequente da cláusula 4ª do contrato que corresponde ao pacto de preenchimento dos títulos de crédito, gerador da sua nulidade;
- da violação do pacto de preenchimento, por abusivo, atento o tempo decorrido entre o preenchimento dos títulos e o momento do vencimento da dívida ou resolução do contrato;
- da prescrição do crédito cartular.
IV. Fundamentos de Facto
Para além do que consta do relatório, são os seguintes os factos considerados provados e não provados, correspondendo os pontos 9A, 9B e 9C dos factos provados a factos aditados por este tribunal, na sequência da parcial procedência da impugnação da matéria de facto, tendo também sido alterada, por iniciativa deste tribunal, a redação dos pontos 2 e 4 dos factos provados, que se referem a documentos não impugnados e por ser matéria relativamente à qual se verifica o acordo das partes, no sentido de deles ficar a constar expressamente o teor da cláusula 4 dos contratos que são dados por reproduzidos, pela relevância que têm para a decisão da causa:
Factos provados
1 - Em 2-III-10 a embargante assinou o “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PMR Investe III – Banco Santander Totta, S.A.” junto a fls 48 a 51 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
2 - Em 2-III-10 embargante e embargada assinaram a “Emissão de garantia autónoma” junta a fls 16v a 18 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), constando do ponto “4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão: -entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V. Exas. Subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reserva dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança fica em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº ...338. (alterado)
3 - Em 25-I-11 a embargante assinou o “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PMR Investe VI – Banco Santander Totta, S.A.” junto a fls 52 a 53 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
4 - Em 25-I-11 a embargante assinou a “Candidatura nº ...2....49” junta a fls 22 a 25 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) constando do ponto “4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.: x. LIVRANÇA EM BRANCO- entregar, nesta data à SGM livrança em branco por V. Exas. Subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reserva dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança fica em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº ...642. (alterado)
5 - Em 21-II-13 a embargada recebeu, da “Banco Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 25v-26 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº ...0....1733”, e pedindo o pagamento de 13.392,85€.
6 – Em 4-III-13 a embargada pagou a quantia supra (fls 44 do penso A).
7 - Em 7-VI-13 a embargada recebeu, da “Banco Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 27v-28 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº ...0....1733”, e pedindo o pagamento de 227.678,59€.
8 - Em 7-VI-13 a embargada recebeu, da “Banco Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 29v-30 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº ...1....1397”, e pedindo o pagamento de 14.062,50€.
9 - Em 8-VI-13 a embargada pagou a quantia supra (fls 33v).
9A - A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 04.03.2013 junta com a oposição aos embargos como doc. 9, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 04.03.2013 ao pagamento de € 13.392,85 € ao banco beneficiário da garantia autónoma 2009.17339, correspondendo a 50% do capital em dívida da prestação vencida em 02.06.2012 e não paga pela Avrotel, e que esta deverá proceder ao pagamento de tal quantia até 12.03.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. (aditado)
9B- A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 08.07.2013, junta com a oposição aos embargos como doc. 10, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 08.07.2013 ao pagamento de € 227.678,59 ao banco beneficiário da garantia autónoma ...0....1733e que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento de € 227.678,59 até 16.07.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. (aditado)
9C - A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 08.07.2013, junta com a oposição aos embargos como doc. 11, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 08.07.2013 ao pagamento de € 14062,50 ao banco beneficiário da garantia autónoma ...1....1397 e que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento de € 14062,50 até 16.07.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. (aditado)
10 - Em 21-VIII-18 foi declarada a insolvência da “Avrotel”.
11 - Em 30-VI-20 foi encerrado o processo de insolvência da “Avrotel”.
12 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 48v-49 e 50v-51 do apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº 2009.17339”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 380.412,30€.
13 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 54v-55 e 57v-58 do apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº ...1....1397”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 21.943,34€.
Factos não provados
14 - A embargante liquidou integralmente, entre 2013 e 2014, os créditos e responsabilidades perante a Banca e embargada.
- da impugnação da matéria de facto
A Recorrente vem interpor o presente recurso insurgindo-se quanto à decisão de facto, pugnando não só pela alteração de alguns factos provados, como também pelo aditamento de nova matéria quer aos factos provados, quer aos factos não provados.
Por terem sido cumpridos pela Recorrente os requisitos previstos nas várias alíneas do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC procede-se à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada.
(i)aditamento de novos factos instrumentais que resultaram da instrução da causa aos factos provados, revogando-se a decisão do tribunal de 1ª instância que o indeferiu
Pretende a Recorrente que sejam aditados três novos factos aos factos provados, com o seguinte teor:
“1. As avalistas, ora embargantes, não negociaram os termos do contrato de abertura de crédito PME Invest, nem as cláusulas relativas à garantia prestada pela Lisgarante, nem às mesmas foi prestada informação detalhada dos respetivos termos e condições;
2. As avalistas, ora embargantes, procederam à assinatura do contrato de garantia (respetivo pacto de preenchimento) nas instalações do Banco Santander, na mesma data que a ‘Avrotel’ assinou o contrato de abertura de crédito que negociou com o Banco, não tendo estado presente qualquer representante legal ou funcionário da Lisgarante para proceder às informações devidas, mais concretamente as informações relativas aos termos e condições e no que concerne ao incumprimento da garantia em que termos a mesma seria acionada e em que termos seria preenchida a livrança de que as ora embargantes eram avalistas.
3. Igualmente as demais cláusulas do referido pacto de preenchimento de livrança não foram devidamente informadas às avalistas ora embargantes.”
Invoca para o efeito o depoimento das testemunhas FF e GG, nos excertos de gravação que indica, conjugados com os documentos 1 a 8, 14 e 15, juntos com a contestação.
A Embargante começou por requerer o aditamento destes factos aos factos provados em audiência de julgamento, e sobre tal matéria pronunciou-se o tribunal de 1ª instância na sentença recorrida, no sentido do seu indeferimento, decisão contra qual a Recorrente se insurge no presente recurso.
Importa, em primeiro lugar, avaliar o acerto de tal decisão, já que se apresenta como questão prévia, relativamente à questão de saber se os meios de prova produzidos admitem que se tenham estes factos como provados.
O tribunal a quo, pronunciou-se sobre o requerido da seguinte forma que se reproduz:
“Finda a produção de prova, foi requerido, com oposição da embargada, que fossem considerados determinados “factos instrumentais e concretizadores das causas de pedir invocadas” – estabelecendo o artigo 5º do CPC que “1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. 2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; (…).”. Tratando-se de factos em que se baseia uma excepção (implicitamente deduzida, pois, de outra forma, não teria utilidade o requerido aproveitamento), deveriam ter sido alegados pela Parte; o que a embargante parece pretender é sanar a falta de invocação da excepção de falta de comunicação de cláusulas contratuais (tal como invocada pela 3ª executada no apenso B). Assim, não se tratando de “factos instrumentais” (ou concretizadores de alguma alegação), mas, sim, “essenciais” (para decisão de excepção não deduzida), indefere-se o requerido.”
Sobre o ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, rege o art.º 5.º do CPC, nos seguintes termos:
“1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito.”
De acordo com o disposto no n.º 1 deste artigo, às partes compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções invocadas, estabelecendo expressamente o art.º 572.º al. c) do CPC o dever do réu, na contestação, de expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções que deduz, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo, por falta de impugnação.
O art.º 5.º n.º 1 do CPC constitui uma expressão do princípio do dispositivo, afirmando expressamente que as partes têm o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, bem como aqueles em que se baseiam as exceções que invocam, ainda que, numa mitigação de tal princípio, o legislador venha admitir que possam ser considerados pelo tribunal os factos instrumentais (com uma função essencialmente probatória), complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e que resultem da instrução da causa – vd, neste sentido e apenas a título de exemplo o Acórdão do STJ de 02-05-2024 no proc. 23807//21.0T8LSM.L1.S1, in www.dgsi.pt
Como nos diz Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 200: “Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.”
Isso mesmo decorre do art.º 607.º n.º 4 do CPC, quando a respeito dos requisitos da sentença e do dever de fundamentação, aí se afirma sobre os factos instrumentais, tão só que devem ser indicadas as ilações que deles se retiram, que servem para demonstrar os factos essenciais invocados pelas partes.
Diz-nos o Acórdão do TRC 22-11-2022 no proc. 125/21.9T8PCV.C1 in www.dgsi.pt : “Após instrução e discussão, aquando da prolação da sentença e da seleção dos concretos factos sobre os quais vai incidir a decisão sobre a matéria de facto, caberá ao juiz uma pronuncia sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir e as exceções, e sobre outros factos também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda.”
Em síntese, na sentença devem ser enunciados os factos essenciais que foram alegados pelas partes como fundamento do seu pedido ou das exceções invocadas, bem como os factos complementares ou concretizadores que tenham resultado da discussão da causa e sobre os quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, desde que necessários à procedência dos pedidos ou das exceções - vd. ainda neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 718.
Como a Recorrente reconhece, e é patente, não estamos perante factos que tenham sido por si alegados no requerimento inicial.
Antes se constata que, com os factos em questão, e tal como afirmou o Exm.º Juiz a quo, a Recorrente pretende agora invocar uma nova exceção de falta de comunicação/informação de cláusulas contratuais, socorrendo-se de factos que não alegou anteriormente, que não são factos instrumentais, nem tão pouco complementares dos factos essenciais que invocou, antes correspondendo a factos de suporte de exceção não deduzida.
Veja-se que é com fundamento nestes factos que a Recorrente vem agora em sede de recurso, e pela primeira vez, invocar a nulidade da cláusula 4ª dos contratos, que corresponde ao pacto de preenchimento das livranças entregues, por alegada falta de comunicação e informação ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais.
Estes factos, cujo aditamento aos factos provados a Embargante requer, contrariamente ao que a mesma defende, não podem manifestamente ser qualificados como factos instrumentais ou complementares que o tribunal deva considerar ao abrigo do art.º 5.º n.º 2 al. a) e b) do CPC, não se apresentando como factos instrumentais, acessórios ou complementares, suscetíveis de levar à verificação das exceções que a Embargante invocou, que se resumiram ao preenchimento abusivo da livrança em razão do prazo decorrido desde o incumprimento da dívida garantida e a data aposta nas livranças, e à prescrição.
Tratam-se por isso de factos que não assumem qualquer relevância para a decisão dos presentes embargos, sendo por isso inútil a sua integração na decisão de facto, ainda que possam ter resultado da instrução da causa.
Salienta-se a este respeito, que a instrução dos presentes embargos foi feita em conjunto com os embargos intentados por outros executados que correspondem aos apensos A e B, pelo que não é de estranhar que as testemunhas comuns inquiridas em audiência de julgamento possam ter-se pronunciado sobre esta matéria, por integrar exceção por aqueles invocada, o que não aconteceu com a Embargante.
Como se refere no Acórdão do TRL de 21-11-2024 no proc. 21741/22.6T8LSB.L1 in www.dgsi.pt que a relatora subscreveu como adjunta: “na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções (incluindo as contra-exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito: são manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”.
Em face do exposto, considera-se que não merece censura a decisão do tribunal de 1ª instância que não atendeu ao pretendido aditamento desta matéria aos factos provados, indeferindo o requerido pela Embargante.
De igual forma, a irrelevância dos factos em questão para a boa decisão da causa, dispensa o tribunal de recurso de conhecer a impugnação da decisão da matéria de facto nesta parte, no sentido de avaliar se os meios de prova indicados levam à comprovação dos factos em causa, o que sempre se traduziria num ato inútil e por isso ilícito, como prevê o art.º 130.º do CPC.
Isso mesmo tem vindo a ser entendido pela generalidade da nossa jurisprudência, do que apenas é exemplo o Acórdão do TRL de 27-11-2018 no proc. 1660/14.0T8OER-E.L1 in www.dgsi.pt que evidencia: “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).”
Pelas razões apontadas, não se conhece da impugnação da decisão de facto nesta parte, por irrelevante para a decisão da causa e por isso inútil.
(ii) alteração dos pontos 2 e 4, 12 e 13 dos factos provados
- Quanto aos pontos 2 e 4 dos factos provados é a seguinte a sua redação:
2 - Em 2-III-10 embargante e embargada assinaram a “Emissão de garantia autónoma” junta a fls 16v a 18 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº ...338.
4 - Em 25-I-11 a embargante assinou a “Candidatura nº ...2....49” junta a fls 22 a 25 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº ...642.
Pretende a Recorrente a alteração destes factos provados, de modo a que passem a ter a seguinte redação:
2- Em 02/03/2010, nas instalações do Banco Santander Totta, Balcão do Estoril, a embargante assinou a “Emissão de garantia autónoma” e livrança junta a fls 8v a 10 e 29 a 34 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com assinatura reconhecida por advogado do Banco, tendo este último procedido à entrega à embargada, parcialmente em branco, da livrança n.º ...338;
4- Em 25/01/2011, nas instalações do Banco Santander Totta, Balcão do Estoril, a embargante assinou a “Emissão de garantia autónoma” e livrança junta a fls 34v-35 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com assinatura reconhecida por advogado do Banco, tendo este último procedido à entrega à embargada, parcialmente em branco, da livrança n.º ...642;
Invoca para o efeito o depoimento das testemunhas FF e GG, bem como os doc. 1 e 2 juntos com a contestação.
Alega a Recorrente a este respeito na motivação do recurso: “34.º Concatenado o teor dos depoimentos das duas testemunhas e os documentos 1 e 2 juntos à contestação, resultou provado que em 02/03/2010 e 25/01/2011, a Embargante assinou os contratos de garantia (“Emissão de garantia autónoma”) no Banco Santander Totta, tendo a respetiva assinatura sido reconhecida por Solicitador do Banco Santander Totta; 35.º Desconhecendo-se o momento concreto e local em que a Embargada assinou os referidos contratos.”
A alteração destes factos apresenta-se também como totalmente irrelevante para a decisão da causa, atentas as questões controvertidas que importa decidir, na medida em que a Embargante nunca pôs em causa a assinatura dos documentos em questão, não invocou a sua falsidade, nem tão pouco questionou que procedeu à entrega das livranças que assinou enquanto avalista, sendo indiferente o local onde o contrato foi assinado ou a se a livrança foi entregue diretamente à Embargada ou num primeiro momento ao Banco que por sua vez a entregou à Embargada.
Considera-se que a impugnação destes factos, nos termos pretendidos pela Recorrente, configura um ato inútil, pelo que não importa conhecê-la.
- Quanto aos pontos 12 e 13 dos factos provados é o seguinte o seu teor:
12 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 48v-49 e 50v-51 do apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº ...0....1733”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 380.412,30€.
13 - Em 11-III-21 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 54v-55 e 57v-58 do apenso A (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº ...1....1397”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 21.943,34€.
Sem questionar os factos provados que constam destes dois pontos da decisão, o que a Recorrente pretende é que deles fique a constar também que as cartas que lhe foram enviadas foram devolvidas, não chegando a ser rececionadas, invocando para o efeito os doc. 16 e 17 juntos com a contestação e o doc. 2 junto com o requerimento de embargos que representa a certidão do registo comercial da Avrotel, Ld.ª.
Mais uma vez, estamos perante matéria totalmente irrelevante para a decisão dos presentes embargos, na medida em que em nenhum momento a Embargante veio invocar a ausência de qualquer interpelação por parte da Embargada que devesse ter lugar ou a ausência de informação de que iria proceder ao preenchimento dos títulos apresentados à execução, não tendo sequer impugnado os documentos em questão, que constituem a cópia das cartas em causa.
De qualquer modo, adianta-se que os documentos a que estes pontos dos factos provados aludem, ainda que identificados como documentos juntos ao apenso A, foram também juntos nos presentes embargos, acompanhando a contestação como doc. 12 correspondendo às cartas enviadas pela Embargante à Avrotel e aos diversos avalistas a 11-03-2021, antes do preenchimento das livranças, mostrando ainda os doc. 16 e 17 juntos com a contestação que as cartas enviadas à Embargante foram enviadas para a morada da Embargante que consta dos contratos e foram devolvidas com a menção “recusada”, não se percebendo por isso que ilação é que o tribunal poderia vir a retirar da alteração da redação destes factos provados.
Improcede a impugnação apresentada a estes factos provados.
(iii) aditamento de factos provados que decorrem de documentos juntos aos autos
Vem a Recorrente requerer o aditamento de diversos novos factos provados que refere resultarem da prova produzida, designadamente de documentos juntos aos autos que não foram impugnados.
A este propósito, salienta-se que a instrução da causa incide sobre os factos controvertidos necessários à boa decisão da causa, sendo sobre eles que deve recair a decisão do tribunal, como decorre do art.º 607.º n.º 3 e 4 do CPC.
As provas, como estipula o art.º 341.º do C.Civil têm por função a demonstração da realidade dos factos, assumindo-se por isso como elementos instrumentais relativamente aos factos essenciais que visam demonstrar, incidindo sobre eles a decisão do tribunal.
Isto para evidenciar que o ponto de partida da decisão do tribunal são sempre os factos que constituem a causa de pedir e as exceções invocadas, que cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar, como previsto no art.º 342.º do C.Civil, e não os meios de prova que servem para os demonstrar ou infirmar.
Esta observação resulta da circunstância da Recorrente, na motivação que apresenta a respeito desta questão, partir dos elementos de prova que se encontram no processo, designadamente de documentos, para deles ir retirando factos que quer aditar, desligando-se dos factos que alegou no seu requerimento inicial, para se opor à pretensão da Exequente.
Dito isto, vejamos em concreto a impugnação apresentada, optando-se por fazer a avaliação destes factos em quatro grupos, tal como corresponde à alegação da Recorrente.
- 1º grupo de factos
Pretende a Recorrente que se tenham como provados os seguintes factos:
a) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à “Avrotel” carta a fls 84 do apenso A, cujo teor se dá aqui por reproduzido, declarando resolvido o “Contrato de abertura de crédito nº 0032....720 ‘Linha de Crédito PME Investe III, dado o incumprimento registado desde 2 de dezembro de 2012;
b) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à Lisgarante a carta junta a fls …, a que corresponde o documento 4 junto com a oposição da Embargada, cujo teor se dá aqui por reproduzido, em que comunica a resolução do contrato de abertura de crédito nº 0032....720 ‘Linha de Crédito PME Investe III, o que faz nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5.ª do referido contrato de empréstimo, dado o incumprimento registado desde 2 de dezembro de 2012, mais solicitando, ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária n.º ...0....1733, prestada pela Lisgarante, que procedam ao pagamento de € 227.678,59, correspondente a 50% do capital em dívida, à data de 2 de março de 2013, no valor de € 455.357,17.”
c) Em 5-VI-13 o “Santander Totta” enviou à Lisgarante a carta junta a fls …, a que corresponde o documento 5 junto com a oposição da Embargada, cujo teor se dá aqui por reproduzido, em que comunica a resolução do contrato de abertura de crédito nº 0032....560 ‘Linha de Crédito PME Investe IV, o que faz nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5.ª do referido contrato de empréstimo, dado o incumprimento registado desde 25 de janeiro de 2013, mais solicitando, ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária n.º 2010.13976, prestada pela Lisgarante, que procedam ao pagamento de € 14.062,50, correspondente a 50% do capital em dívida.
d) A “Avrotel” incumpriu as suas obrigações para com o Banco Santander em data anterior a 2014.
Invoca a Recorrente o doc. de fls. 84 junto no apenso A e os doc. 4 e 5 juntos com a contestação aos embargos, bem como o teor dos depoimentos das testemunhas FF e GG, funcionárias do Banco, nos excertos de gravação que indica, que mostram que as cartas de interpelação para pagamento da garantia surgem na sequência do incumprimento do contrato de empréstimo, tendo sido a sociedade Avrotel avisada do acionamento da garantia se se mantivesse o incumprimento.
Os doc. 4 e 5 juntos com a contestação pela Embargada, representam duas cartas enviadas pelo Banco Santander Totta, à Lisgarante, S.A. datadas de 05.06.2013 e rececionadas pela Lisgarante a 07.06.2013 com referência aos dois contratos de garantia bancária por ela prestados, no âmbito dos quais foram emitidas e entregues as livranças apresentadas à execução, correspondendo ao factos provados 7 e 8, onde os documentos juntos com a contestação são enunciados pelas folhas em que se encontram no processo em lugar de o serem pela sua numeração.
A matéria de facto enunciada nas alíneas b) e c) já integra os factos provados nos pontos 7 e 8, que aludem precisamente às cartas em questão, identificando a garantia bancária e especificando o pagamento pedido, aí se dando por reproduzido o seu teor.
Nessa medida, é totalmente desnecessário o seu aditamento, nos termos requeridos, o que se traduziria numa redundância.
Já o facto enunciado na al. a), para além da Recorrente não o fundamentar num documento junto a estes autos, mas antes a um apenso, não tem qualquer relevância para a decisão da causa, na medida em que, o acionamento das garantias bancárias em questão pelo Banco tem necessariamente como pressuposto o incumprimento dos contratos de empréstimo a que se referem os pontos 1 e 3 dos factos provados, o que se aplica também à al. d) formulado de forma conclusiva.
Assim, improcede nesta parte a impugnação apresentada.
- 2º grupo de factos
Alega a Recorrente que “o Tribunal a quo não elencou como factos provados os decorrentes do teor dos documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 9, 10 e 11, relativos a cartas enviadas pela Embargada Lisgarante - mais concretamente pela Direção Jurídica e de Contencioso - à sociedade Avrotel, em 04/03/2013 e 08/07/2013”, fazendo a sua análise, afirmando que se trata de documentos juntos pela parte contrária que não impugnou e requerendo o aditamento dos seguintes factos provados:
a)Em 04/03/2013 a Embargada Lisgarante enviou à Avrotel a carta junta a fls …, a que corresponde o documento n.º 9 junto com a oposição da Embargada (cujo teor se dá aqui por reproduzido), em que comunica que procedeu ao pagamento de 50% do capital em dívida da prestação vencida em 02.06.2012 e não paga pela Avrotel, solicitação satisfeita pela Lisgarante em 04/03/2013, em cumprimento da garantia autónoma, que a Avrotel deverá proceder ao pagamento de € 13.392,85 até 12/03/2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
b)Em 08/07/2013 a Embargada Lisgarante enviou à Avrotel as cartas junta a fls …, a que correspondem os documentos n.ºs 10 e 11 junto com a oposição da Embargada (cujo teor se dá aqui por reproduzido), em que comunica que nessa data procedeu ao pagamento do montante solicitado pelo Santander Totta, em cumprimento da garantia autónoma, que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento, respetivamente, de € 227.678,59 e € 14.062,50 até 16/07/2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
c)A Avrotel incumpriu as suas obrigações para com a Lisgarante em data anterior a 2014.
Os doc. 9, 10 e 11 juntos com a contestação aos embargos correspondem a três cartas enviadas pela Embargada à Avrotel, Ldª, através das quais a Lisgarante a interpela a pagar as quantias que pagou ao Banco.
Tendo em conta que a Embargante invocou o abuso no preenchimento das livranças, por incumprimento do pacto subjacente, que interpreta no sentido de não admitir um hiato temporal entre o incumprimento pelo devedor e o preenchimento dos títulos, esta matéria apresenta-se como relevante para a decisão de tal questão, por corresponder a interpelação do devedor para pagamento de dívida já vencida.
Os documentos em questão foram juntos pela Embargada e não foram impugnados, pelo que deve ser aditada aos factos provados a matéria que corresponde às al. a) e b), em três novos pontos que se reportam às interpelações realizadas.
Já quanto à al. c), por se tratar de matéria conclusiva, indefere-se o requerido aditamento aos factos provados.
Na parcial procedência da impugnação desta matéria de facto, determina-se o aditamento de três novos pontos aos factos provados, com os números 9A, 9B e 9C e a seguinte redação:
9A - A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 04.03.2013 junta com a oposição aos embargos como doc. 9, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 04.03.2013 ao pagamento de € 13.392,85 € ao banco beneficiário da garantia autónoma 2009.17339, correspondendo a 50% do capital em dívida da prestação vencida em 02.06.2012 e não paga pela Avrotel, e que esta deverá proceder ao pagamento de tal quantia até 12.03.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
9B- A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 08.07.2013, junta com a oposição aos embargos como doc. 10, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 08.07.2013 ao pagamento de € 227.678,59 ao banco beneficiário da garantia autónoma 2009.17339 e que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento de € 227.678,59 até 16.07.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
9C - A Embargada enviou à Avrotel, Ld.ª a carta datada de 08.07.2013, junta com a oposição aos embargos como doc. 11, cujo teor se dá por reproduzido, em que comunica que procedeu em 08.07.2013 ao pagamento de € 14062,50 ao banco beneficiário da garantia autónoma 2010.13976 e que, nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia deverá proceder ao pagamento de € 14062,50 até 16.07.2013, e que, em caso de não pagamento, a Lisgarante procederá à execução judicial correspondente para cobrança do montante em dívida acrescido de juros moratórios que sejam devidos, além de proceder à comunicação de valores devidos, com responsabilidades efetivas para efeitos da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
- 3.º grupo de factos
Alega a Recorrente que “o Tribunal a quo não elencou como factos provados os decorrentes do teor dos documentos juntos com a petição sob os números 2 e 3”, constituindo o doc. 2 a certidão permanente da sociedade Avrotel, requerendo o aditamento aos factos provados dos seguintes factos:
a) “AA exerceu as funções de gerente da sociedade “Avrotel – sociedade de investimentos hoteleiros Lda.” desde 24-5-1997, em 16-08-2012 foi registado a cessação das funções tendo como causa “Destituição”;
b) em 13-08-2012 foi registado procedimento cautelar, em que é requerente EE e requerida a sociedade Avrotel Lda, com pedido de suspensão da execução de todas as deliberações sociais tomadas na Acta n.º 55 de 23 de junho de 2012;
c) em 31-08-2012 foi registada ação judicial, em que é Autora EE e Ré a sociedade Avrotel Lda, com pedido de declaração de falsidade e anulação de todas as deliberações sociais da sociedade ré, tomadas na Acta n.º 55 de 23 de junho de 2012, com entrada em 29-08-2012 no Tribunal de Comércio de Lisboa;
d) em 16-08-2012 foi registada a nomeação da ora Embargante (sócia desde 14-VIII- 63, e até 04-02-2013) e de BB como gerentes da sociedade, com cessação de funções em 15 de janeiro de 2013, data da deliberação social de nomeação de EE e AA como gerentes da sociedade – registo de 30/01/2013;
e) Em 04/02/2013 é efetuado o depósito da menção de transmissão de quota da Embargante (assim como das restantes Embargantes) a favor de EE.
Os factos em questão não assumem qualquer relevância para a decisão da causa. Ainda que no seu requerimento inicial a Embargante venha fazer menção a desentendimentos familiares relativos à gestão de empresas e movimentações financeiras, que levaram a cedências de participações sociais recíprocas de que a Embargada teve conhecimento, a verdade é que a mesma não vem retirar qualquer ilação desses factos, para além do que alega no art.º 14.º de que a ocorrência dos mesmos indiciava “a probabilidade da mora se converter em incumprimento definitivo, tal como ocorreu”.
Rejeita-se o pretendido aditamento desta matéria aos factos provados, por inútil.
- 4º grupo de factos
Requer a Recorrente que seja valorado o doc. 3 junto à petição de embargos e que se dê como provado que:
a)A Lisgarante remeteu à sociedade Avrotel documento a fls … - documento 3 junto à petição de embargos – (cujo teor se dá aqui por reproduzido), com valor total de € 257.175,29, data de incumprimento de 02/01/2018 e datas de vencimento de 22/11/2012 a 24/07/2013.
O documento em questão foi junto aos autos pela Embargante a 11.06.2024, na sequência de ter sido interpelada pelo tribunal para juntar os três documentos a cuja junção alude no seu requerimento inicial.
Deste elemento não se retira que se trata de um documento enviado pela Embargada à Avrotel, o mesmo não está datado, é composto por diversas colunas com especificações muito diversas e parece fazer menção a um acordo e plano de pagamento em 2019, não sabemos se enquanto proposta efetuada no âmbito do processo de insolvência da Avrotel, já que esta foi declarada insolvente a 21.08.2018, como consta do ponto 10 dos factos provados.
Como já se teve oportunidade de referir, o tribunal não tem de fazer constar dos factos provados o teor de documentos, mas antes dar resposta aos factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa.
Não se retirando do documento em questão que se trata de documento remetido pela Embargada à Avrotel, não importa reproduzir o seu teor no âmbito dos factos provados.
Improcede a impugnação apresentada nesta parte pela Recorrente.
(iv) aditamento de novos factos aos factos não provados.
Também aqui estão em causa dois grupos de factos distintos.
- 1º grupo de factos não provados
Requer a Recorrente o aditamento de dois novos pontos aos factos não provados, com eles pretendendo concluir que não resultou provado que a Embargada tenha procedido à comunicação das cláusulas contratuais gerais, com o seguinte teor:
a) “A “Avrotel” entregou à Lisgarante as duas livranças em branco.”
b) “A referida cláusula (cláusula 4.ª do pacto de preenchimento) estabelece, portanto, o pacto de preenchimento, o qual era do perfeito conhecimento dos executados”.
Remete-se aqui para o que anteriormente já se referiu, no sentido de não dever constar da decisão de facto matéria essencial suscetível de integrar exceções não invocadas, por inútil.
De qualquer modo, verifica-se que estes factos propostos não só contrariam o que consta dos factos provados 2 e 4 que não foram impugnados, como se apresenta como totalmente irrelevante para a decisão da causa que passem a integrar os factos não provados.
Improcede nesta parte a impugnação apresentada.
- 2º grupo de factos não provados
Alega a Recorrente que devem ser tidos como não provados os factos alegados pela Embargada nos pontos 6, 58 e 59 da contestação, sobre os quais não foi produzida prova, com o seguinte teor:
a) “Desde o último acionamento de garantia, em junho de 2013, a embargada procurou alcançar a recuperação amigável do valor em dívida”;
b) “De facto, durante aquele hiato temporal, foram várias as tentativas da Embargada resolver extrajudicialmente o presente litígio, contactando os avalistas nesse sentido”.
Parece a Recorrente esquecer que relativamente aos factos não provados, tudo se passa como se os mesmos não tivessem sido alegados ou não existissem.
A circunstância de um facto resultar não provado não determina que dele possa retirar-se a prova do contrário.
Assim sendo, é totalmente inútil que fique a constar dos factos não provados a matéria proposta, rejeitando-se nesta parte a impugnação apresentada.
*
Em face do que fica exposto, julga-se apenas parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente, aditando-se em conformidade três novos pontos aos factos provados, sob os números 9A, 9B e 9C e alterando-se oficiosamente a redação dos pontos 2 e 4 dos factos provados.
V. Razões de Direito
- da violação da obrigação de comunicação pela Exequente da cláusula 4ª do contrato que corresponde ao pacto de preenchimento dos títulos de crédito, gerador da sua nulidade
Alega a Recorrente que o contrato de garantia objeto dos autos reveste a natureza de contrato de adesão, porquanto constituído por cláusulas contratuais gerais, não tendo a Embargada, relativamente à cláusula 4) do contrato que constitui o pacto de preenchimento das livranças, cumprido a obrigação de comunicação, o que é de conhecimento oficioso, pelo que deve considerar-se tal cláusula excluída do contrato, nos termos do art.º 8.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
Sem aceitar que a cláusula 4) dos contratos, que integra o pacto de preenchimento das livranças, corresponde a uma cláusula contratual geral, e que não foi cumprido pela Exequente a obrigação de comunicação de tal cláusula, a verdade é que estamos perante a alegação de novos factos e de nova exceção em sede de recurso, na invocação pela Recorrente de uma questão totalmente nova nos autos, sobre a qual a sentença recorrida não se pronunciou.
Correndo o risco de repetição, considerando o que já anteriormente se expôs relativamente aos novos factos que a Recorrente pretendia ver incluídos nos factos provados, importa ter em conta o disposto no art.º 5.º n.º 1 do CPC: “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Contempla esta norma uma expressão do princípio do dispositivo, impondo às partes o ónus de alegar os factos essenciais que integram a relação material controvertida, tal como aqueles em se baseiam as exceções que suscitam. Admitindo o n.º 2 do art.º 5.º CPC que o juiz considere na decisão outros factos que não tenham sido alegados pelas partes nos seus articulados, esta intervenção oficiosa apenas pode incidir sobre factos instrumentais, complementares ou factos notórios de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções, não tendo a amplitude de abranger os factos essenciais que integram a relação material controvertida, necessários à decisão do objeto do litígio, que são as partes que têm de trazer ao processo.
A Recorrente vem agora em sede de recurso alegar novos factos que não invocou anteriormente, quando o momento próprio para o efeito era com a apresentação da sua defesa, onde tem o ónus de alegar os factos essenciais que integram as exceções, designadamente as exceções perentórias que se reportam a factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico do direito da Exequente, contemplado no título executivo.
É nos articulados que as partes têm de alegar os fundamentos de facto e de direito em que baseiam a sua pretensão. Salvo as exceções previstas na lei, é nessa fase processual que as mesmas têm de trazer ao processo o facto ou factos que pretendem que sejam considerados pelo tribunal. Se o R. não apresenta a sua defesa na contestação, fica precludida a possibilidade de o fazer mais tarde no processo, apenas o podendo fazer nas situações excecionais previstas no n.º 2 do art.º 573.º do CPC em articulado superveniente.
Tal como se refere no Acórdão do STJ de 06-12-2016 no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 in www.dgsi.pt: “(…) como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores, devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando sejam réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puder invocar.” Ainda que por referência a uma ação declarativa comum, tal é perfeitamente transponível para a oposição mediante embargos, em que o requerimento inicial de embargos, corresponde a uma contestação apresentada pelo executado, em oposição ao direito do Exequente.
A sentença proferida não se pronunciou sobre a questão da validade da cláusula contratual que corresponde ao pacto de preenchimento dos títulos de crédito apresentados à execução, à luz do regime legal das cláusulas contratuais gerais, na medida que a Embargante não invocou qualquer facto suscetível de poder vir a determinar a exclusão de tal cláusula, nos termos do art.º 8.º da LCCG.
O recurso constitui uma forma de impugnação das decisões judiciais, conforme decorre do disposto no art.º 672.º n.º 1 do CPC e tem por isso em vista a revisão e alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de apreciação pelo juiz.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 87 ss: Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando nos termos já referidos estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitetado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”
É jurisprudência pacífica, que os recursos ordinários visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões anteriormente apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas- vd. neste sentido, entre outros e apenas a título de exemplo, o Acórdão do TRL de 14-02-2013, no proc. 285482/11.6YIPRT.L1-2 in www.dgsi.pt
Com esta questão colocada no recurso, o objetivo da Embargante não é o reexame da decisão proferida, mas antes a apreciação de uma nova exceção que não suscitou, o que não constitui a função do recurso, solicitando a pronúncia deste tribunal sobre situações novas que só neste momento traz ao processo, alegando novos factos que não foram anteriormente por si introduzidos na lide e que, por isso, não puderam ser levados em consideração pelo tribunal de 1ª instância e também não podem sê-lo por este tribunal de recurso.
Como nos diz o Acórdão do TRC de 6 de novembro de 2012 no proc. 16987/08.3YIPRT-A.C1 in www.dgsi.pt: “No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso.”
De acordo com o referido, já se vê que não cabe a este tribunal de recurso decidir sobre esta exceção, o que sempre seria apreciar e decidir uma questão nova, não tendo a parte, como se referiu, a possibilidade de em sede de recurso trazer ao processo novos factos essenciais à sua defesa e que integram exceção de que não se fez valer anteriormente, com os quais visa a procedência do recurso a seu favor.
E não se diga que estamos perante matéria ou exceção de conhecimento oficioso, já que tal não desobriga a parte da alegação e prova dos factos que podem integrá-la, e o tribunal apenas deve conhecê-la, se se encontram nos autos como adquiridos os elementos factuais que apontam para a sua verificação e nessa medida impõem tal conhecimento, o que manifestamente não é o caso.
- da violação do pacto de preenchimento, por abusivo, atento o tempo decorrido entre o preenchimento dos títulos e o momento do vencimento da dívida ou resolução do contrato
Alega a Recorrente que tem de interpretar-se a cláusula 4) do contrato de garantia, relativa ao pacto de preenchimento das livranças, no sentido do crédito ser de cobrança imediata por referência ao incumprimento e resolução do contrato, tendo sido dessa forma que interpretou aquela cláusula, nos termos do art.º 236.º do C.Civil, sendo abusivo o preenchimento dos títulos mais de sete anos depois do incumprimento da dívida e resolução do contrato que visaram garantir.
A sentença recorrida julgou improcedente esta exceção do preenchimento abusivo dos títulos, o que fundamentou nos seguintes termos: “A embargante excepciona “violação do pacto de preenchimento”, mas não se compreende a argumentação: não estará em causa o montante, mas a data de vencimento – e o referido pacto (cláusulas 4 dos documentos provados nos pontos 2 e 4) não estabelece qualquer limite temporal para o preenchimento (que só poderia ser efectuado depois de a embargada pagar à beneficiária da garantia). Admitir-se-ia a existência de “abuso de Direito” se a livrança tivesse sido preenchida depois de esgotado o prazo de prescrição (ordinária) da obrigação principal – por constituir assim uma forma de ‘contornar’ o direito à recusa de cumprimento (CC 304º/1); assim, julgam-se improcedentes as excepções de preenchimento abusivo e prescrição.”
O título de crédito, enquanto documento formal que incorpora direitos, como é o caso das livranças, vê o seu regime regulado na Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), sendo caracterizado, como é sabido, pela literalidade, abstração e autonomia, definindo o art.º 75.º da LULL os requisitos da livrança.
As livranças apresentadas pela Exequente como título executivo, observam os requisitos estabelecidos no art.º 75.º da LULL, pelo que produzem efeitos como livrança, correspondendo cada uma a um título de crédito válido e suficiente que pode servir de base à execução, sem mais, nos termos previstos na primeira parte da al. c) do art.º 703.º do CPC.
A Lei Uniforme das Letras e Livranças regula o aval nos seus art.º 30.º a 32.º. Começa por estabelecer o art.º 30º da LULL:
“O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por signatário da letra”.
O art.º 31.º da LULL rege sobre a forma do aval, sendo o dador do aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, de acordo com o estabelecido no art.º 32.º do mesmo diploma. A responsabilidade do avalista pelo pagamento do título é assim solidária com a do aceitante do título e não meramente subsidiária, não obstante tratar-se de uma obrigação autónoma e independente.
Este regime legal do aval das letras é igualmente aplicável às livranças, por expressa remissão do art.º 77 da LULL, que na sua parte final dispõe: “São também aplicáveis as livranças as disposições relativas ao aval (artigo 30.º a artigo 32º.); no caso previsto na última alínea do artigo 31.º, se o aval não indicar a pessoa por quem é dado, entender-se-á ser pelo subscritor da livrança.”
Sendo pacífico que o aval tem a natureza jurídica de uma garantia, o mesmo constitui um negócio formal, nos termos do art.º 219.º do C.Civil, estando a sua validade dependente da observância da forma prescrita no art.º 31.º da LULL, ou seja, para valer como aval tem de ser assinado pelo dador do aval e estar escrito no próprio título de crédito ou em folha que a ele seja anexa identificado pelas palavras “bom para aval” ou expressão equivalente, só prescindindo o legislador desta expressão identificativa quando admite que se considere a existência de um aval em resultado da simples assinatura do dador do mesmo desde que aposta na face anterior do título, quando não se trate da assinatura do sacador ou do sacado.
No que respeita à regulamentação dos títulos de crédito em branco, importa ter em conta o art.º 10.º da LULL que os vem admitir, norma aplicável às livranças por remissão do art.º 77.º, e que estabelece: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
Daqui decorre que a livrança em branco deve ser completada nos termos do acordo que tiver sido celebrado quando da sua entrega, que é comumente designado por pacto de preenchimento, e que se reporta à relação fundamental que levou à sua constituição. Contudo, de acordo com o disposto no art.º 10.º referido, se o título que está incompleto no momento da sua emissão tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tiver cometido uma falta grave, regra que se apresenta como essencial à segurança da circulação dos títulos de crédito e é um elemento consagrador da autonomia da obrigação cambiária, face à obrigação fundamental que lhe está subjacente.
No caso, tendo sido as livranças entregues em branco, e alegando a Recorrente que ao prestar o aval a sua intenção era a de que os títulos deviam ser preenchidos logo após o incumprimento da obrigação e resolução do contrato, importa saber as condições negociais em que o aval foi prestado, designadamente por referência ao que foi acordado pelas partes intervenientes no pacto de preenchimento das livranças, havendo que interpretar o acordo das partes expresso no pacto de preenchimento dos títulos, avaliando não só da razoabilidade da Embargante o interpretar nesse sentido, mas também da Embargada com ele poder contar.
Para o efeito temos de socorrer-nos das regras de interpretação da declaração negocial que constam dos art.º 236.º ss. do C.Civil, no sentido de melhor compreender e avaliar o que foi pretendido pela Embargante quando outorgou o pacto de preenchimento das livranças.
De acordo com o disposto no art.º 236.º n.º 1 do C.Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder, razoavelmente, contar com ela. Acrescenta o n.º 2 que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Na avaliação destes preceitos, ensina-nos Luís A. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 464: “Segundo o n.º 2 do art.º 236.º, se o declaratário conhecer a vontade real do declarante a declaração vale de acordo com essa vontade. Ora, é sintomático que a estatuição legal deixa bem claro que, sendo a vontade real conhecida do declaratário, ela prevalece sempre sobre o sentido objetivo do negócio (o n.º 2 começa mesmo pelas palavras “sempre que…”). Logo, só quando o declaratário não conheça a vontade real do declarante se deve fazer a aplicação do n.º 1 deste artigo e recorrer então à figura do declaratário normal (o “bonus pater-familias”). Em tais casos o sentido do negócio será aquele que um declaratário normal atribuiria à declaração se ocupasse o lugar do declaratário real. Mais importa assinalar que, ainda em tal caso, o sentido apurado pelo critério do declaratário normal deixa de ser atendido quando o declarante “não puder razoavelmente contar com ele”.
O art.º 237.º do C.Civil vem dispor que “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”
No caso, estando em questão uma declaração negocial formal, merece particular relevância o disposto no art.º 238.º n.º 1 do C.Civil, norma que se reporta aos negócios jurídicos formais, que estabelece que nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência verbal no texto do mesmo. Dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, pág. 153, em anotação a este art.º 238.º: “não há sentido possível que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser relativamente a matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (nº 2).”
Na interpretação de uma declaração de prestação de aval, importa então ter em conta o teor do próprio texto escrito que o formaliza, não podendo dele retirar-se um sentido que nele não tenha um mínimo de correspondência.
Estabelece ainda o art.º 239º C.Civil: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”.
Sobre estas regras de interpretação da declaração, sintetiza o Acórdão do STJ de 5 de janeiro de 2016 no proc. 146/13.5TCFUN-A.L1.S1 in www.dgsi.pt : “Estas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpre­tativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (enten­dimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário nor­mal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o decla­ratário) – acordão deste STJ de 28.10.97, BMJ 470, 597. Há que imaginar - escreve o Prof. Paulo Mota Pinto em Declara­ção Tácita e Comportamento Con­cludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acres­centando as circunstâncias que este efectivamente conhe­ceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declara­tário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo. Ainda segundo este mesmo autor, “… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objec­tivo que se pode depreender do seu comportamento”. (…) Tudo isto significa em termos práticos que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar de­finir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um de­claratário ideal (normal) na posição de declaratário real. Dentro desta mesma linha de orientação, os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação ao artº 236º do CC (CC Anotado, I, pág. 222) escrevem o seguinte: “A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).”.
Na situação em presença, as livranças foram emitidas para caucionar as responsabilidades da sociedade Avrotel, Ld.ª perante a Exequente Lisgarante, no caso de vir a ser acionada a garantia que esta prestou a favor do Banco, a pedido daquela sociedade, no âmbito dos contratos de financiamento celebrados entre ela e o Banco.
A emissão das livranças com o aval surge no âmbito e no contexto desses próprios contratos, importando ter em conta o pacto de preenchimento e o que neles ficou a constar, para melhor se entender o sentido da declaração.
A sentença sob recurso entendeu que não tendo sido estabelecido no pacto de preenchimento qualquer limite temporal para o preenchimento das livranças, não há abuso por parte da Exequente na data aposta nos títulos.
O contexto em que as livranças foram emitidas e subscritas também pela Embargante enquanto avalista, a que aludem em concreto os factos provados 1 a 4, revelam-nos dois contrato de empréstimo relativos a operações de financiamento realizadas entre Avrotel, Ld.ª e o Banco Santander Totta, tendo a Embargada Lisgarante, a pedido daquela, prestado uma garantia a favor do Banco, para garantia de 50% das responsabilidades da Avrotel, Ld.ª em cada um dos empréstimos concedidos, surgindo as livranças em questão para garantir o crédito da Lisgarante sobre a Avrotel, Ld.ª, se chamada a honrar aquela garantia.
Cada contrato, no âmbito do qual as livranças foram entregues, teve ainda a intervenção de diversos avalistas, que neles estão identificados, entre os quais a Embargante, constando antes da sua assinatura a expressão avalistas e aludindo o ponto 4) dos contratos às livranças em branco entregues à Exequente, cláusula que estabelece quanto ao seu preenchimento: “A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o crédito sobre V. Exas.”.
De acordo com a expressão firmada no pacto acordado para o preenchimento das livranças, decorre que a Embargante quis e aceitou responsabilizar-se pelas dívidas da sociedade Avrotel, Ldª à Embargada, a quem deu a prerrogativa de preencher as livranças entregues como garantia “quando entender conveniente”, fixando a data do seu vencimento.
Não se vislumbra qualquer elemento que possa contrariar esta interpretação, designadamente no sentido de permitir dizer que o que a Embargante quis foi apenas admitir o preenchimento das livranças logo no momento seguinte ao vencimento da dívida ou resolução do contrato, e muito menos que a Embargada pudesse contar que era essa a sua vontade, afigurando-se que um declaratário normal, colocado na posição da Embargada, como refere o art.º 236.º n.º 1 do C.Civil, não podia razoavelmente retirar daquela menção o sentido pretendido, não tendo qualquer correspondência no seu texto, como é exigência do art.º 238.º n.º 1 do C.Civil.
Quanto ao hiato temporal entre o vencimento da dívida e o preenchimento dos títulos pela Exequente, considera-se que, só por si, o tempo que decorreu entre uma coisa e outra não é suscetível de ser qualificado como um incumprimento do pacto de preenchimento, nem tão pouco como um abuso de direito, a data aposta nas livranças, atento precisamente o que consta do pacto de preenchimento, que lhe confere a possibilidade de preencher os títulos quando julgar conveniente.
Tem sido este o entendimento defendido de uma forma generalizada pela jurisprudência dos tribunais superiores, já subscrito por dois dos elementos deste coletivo, designadamente no Acórdão do TRL de 28-04-2022 no proc. 12025/17.2T8LSB-A.L1-2 in www.dgsi.pt relatado pelo aqui 1º adjunto e onde a aqui relatora foi adjunta, com citação de doutrina e de jurisprudência a este respeito e para o qual se remete, destacando-se a seguinte fundamentação que ali consta: “Acresce que, mesmo que os termos dos pactos de preenchimento dos autos não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigir o cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito. [no texto do acórdão diz-se: Por outras palavras, a ampla margem de discricionariedade concedida à portadora das livranças nos respectivos pactos de preenchimento não permite considerar-se verificado o invocado preenchimento abusivo], vejam-se ainda os acórdãos do STJ de 19/10/2017, proc. 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, de 24/10/2019, proc. 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2, de 24/10/2019, 295/14.2TBSCR-A.L1.S1 de 10/12/2019, proc. 814/17.2T8MAI-A.P1.S2 e de 20/04/2021, 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1, para citar apenas os mais recentes, sendo que todos eles invocam muitos outros no mesmo sentido, tal como já o tinham feito os dois acórdãos do TRC citados pelo saneador sentença recorrido. (…) Há, no entanto, um acórdão do STJ que lembra, para aplicação à questão, a regra que consta do art. 777/3 do CC, a qual dispõe o seguinte: Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor. Quer isto dizer que são coisas diferentes a determinabilidade da prestação e a determinabilidade da data de vencimento e que quanto a esta se admite que ela seja deixada ao credor, sem critério, por isso ao seu arbítrio, por existir o remédio referido (do art. 777/3 do CC). Ou seja, a solução do art. 280/1 do CC não é aplicável quanto aos elementos do contrato em que a própria lei resolve o problema posto pela falta de concretização da forma como eles serão determinados.”
De acordo com o que fica exposto e sem necessidade de outras considerações, não pode acompanhar-se o entendimento da Recorrente, no sentido de que há uma violação do pacto de preenchimento pela Exequente e um abuso de direito, quando esta coloca nas livranças uma data muito posterior ao vencimento da dívida que aquelas visavam garantir, por tal encontrar acolhimento no texto do acordo firmado, que lhe permite completar os títulos entregues em branco “quando o entender conveniente”.
- da prescrição do crédito cartular
Alega ainda a Embargante que a prescrição dos títulos ocorre no prazo de três anos a contar do seu vencimento, iniciando-se a contagem de tal prazo a partir da data que devia ter sido aposta nas livranças, que a mesma situa na data do incumprimento da obrigação ou resolução do contrato.
Esta questão suscitada pela Embargante prende-se com a questão anterior, na medida em que a mesma contabiliza o prazo de três anos não a partir da data que se encontra aposta nas livranças apresentadas à execução, com vencimento em 22.03.2021, mas antes da data que a mesma considera que delas deveria constar, que também não refere ao certo qual seja, já que tanto fala da interpelação para pagamento dirigida à Avrotel, Ld.ª em 2013, como na declaração de incumprimento das prestações, datada de 02.01.2018.
De acordo com o disposto no art.º 70.º da LULL, prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento, todas as ações contra o aceitante, bem como contra os avalistas, de acordo com o disposto no art.º 32.º da LULL, o que se aplica também às livranças, por força do art.º 77.º da LULL.
Considerando a necessidade de certeza e segurança associadas à circulação dos títulos de crédito, o legislador optou aqui por estabelecer um critério de fácil apreensão, socorrendo-se da data aposta no título identificativa do seu vencimento, como a data do início da contagem do prazo de prescrição, afastando as vicissitudes da relação subjacente, como seja a resolução do contrato ou o incumprimento da obrigação garantida.
Como é jurisprudência pacífica, não podendo concluir-se por uma situação de abuso no preenchimento dos títulos, como já se viu no âmbito da apreciação da questão anterior, o prazo da prescrição começa a contar a partir da data de vencimento que se encontra inscrita na livrança, sendo que no caso essa data é 22.03.2021, pelo que, tendo sido intentada a execução a 23.03.2021, já se vê que não ocorre a invocada exceção da prescrição da obrigação, tal como entendeu a sentença sob recurso.

VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Embargante, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente que ficou vencida- art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 8 de maio de 2025
Inês Moura
Pedro Martins
Higina Castelo