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ACÇÃO ESPECIAL DE AUTORIZAÇÃO DE PRÁTICA DE ACTO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
VENDA DE IMÓVEL
NOMEAÇÃO DE CABEÇA DE CASAL
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Sumário
1. Tendo a Requerente instaurado a presente ação especial de autorização de prática de ato, em representação dos seus dois filhos menores, pedindo autorização para aceitar a herança aberta por óbito do seu marido e pai dos menores e para proceder à sua partilha parcial, quanto a 1/8 de um bem imóvel que a integra, cuja autorização para vender também requer, mais pedindo a nomeação de curador especial para os seus filhos, por também concorrer à herança, é ao tribunal que compete avaliar se tal autorização deve ou não ser concedida, no âmbito da ação especial prevista no art.º 1014.º do CPC. 2. No caso, estamos perante um pedido de autorização que o legislador exclui da competência do Ministério Público prevista no art.º 2.º n.º 1 do DL 272/2001 de 13 de outubro e mantém no tribunal, nos termos previstos no art.º 2.º n.º 2 al. b) de tal diploma, sendo o tribunal a quo o competente para preparar e decidir a presente ação especial.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Vem a Requerente AA, em representação dos seus dois filhos menores BB e CC, intentar a presente ação especial para a prática de ato ao abrigo do art.º 1014.º do CPC e art.º 123º n.º 1, al. b) e i) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
A final requer que com a procedência da ação, seja autorizada:
“a)A Aceitação da herança deferida aos seus filhos menores, aberta por óbito do pai destes DD, seja aceite extrajudicialmente; b) Partilhada igualmente por essa via se autorize a alienação de 1/8 do prédio acima descrito, respetiva escritura extrajudicial em representação dos menores/incapazes; e/ou c) Pedido de autorização para proceder à venda do imóvel infra descriminado, caso venha a ser adjudicado aos menores/incapazes, e o d) Pedido de nomeação aos menores incapazes de curador especial, uma vez que a mãe dos menores, a aqui Requerente, concorrer com eles.”
Alega, em síntese, que DD faleceu a ........2021 no estado de casado com a Requerente, deixando como herdeiros a Requerente, sua viúva e os identificados dois filhos menores.
Da sua herança faz parte 1/8 de um bem imóvel, que integrava a herança do pai do falecido, que se encontra em muito mau estado e em ruínas, representando um risco. Os comproprietários não têm possibilidades económicas de realizar obras neste imóvel, e decidiram coloca-lo à venda, tendo recebido uma única proposta da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, tendo sido prometido vender o imóvel por € 62.260,34 preço que é adequado, pela sua localização e pelo seu estado.
Pede que seja aceite extrajudicialmente a herança deferida aos seus filhos aberta por óbito de DD, e que seja autorizada a partilha e a venda de 1/8 do imóvel que a integra.
Foi proferido despacho liminar, nos seguintes termos: “O DL n.° 272/01, de 13.10, que operou a transferência da competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e para as Conservatórias do Registo Civil, estabelece na alínea b), do n.° 1, do artigo 2º, que são da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida. O n.° 2, alínea b) do mesmo artigo excepciona da competência do Ministério Público as situações previstas na alínea b) do n.° 1, quando esteja em causa a autorização para o representante legal outorgar em partilha extrajudicial e o mesmo concorra à sucessão com o seu representado. Da conjugação de tais normas resulta a atribuição de competência exclusiva ao Ministério Público para autorizar a prática de actos pelo representante legal do incapaz, ficando apenas reservada a competência dos tribunais quando se trate de outorga em partilha extrajudicial e o representante legal com ele concorra à sucessão. De acordo com a factualidade alegada na petição inicial a requerente pretende, em representação dos seus filhos, vender um bem móvel sujeito a registo, acto para cuja prática carece de autorização – art. 1889.°, n.° 1, alínea a) do Código Civil). Sendo os menores herdeiros, a oneração de um dos bens que integra a massa da herança necessita de autorização, como impõe o artigo 1889º, nº 1, alínea a) do Código Civil. E, em estado de indivisão, essa autorização é ainda imprescindível, pois o artigo 2091º, nº 1 do referido Código determina que fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Como já se referiu, para ser concedida a autorização prevista no artigo 1889.º, nº 1, alínea a), do Código Civil, existe um processo especial de jurisdição voluntária, denominado autorização judicial. O nº1, do artigo 1439.º do Código de Processo Civil, dispõe que quando for necessário praticar actos cuja validade dependa de autorização judicial, esta será pedida pelo representante legal do incapaz. No entanto, o Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, veio atribuir ao Ministério Público, a competência relativa a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais Resulta do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei supra mencionado que são da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de: “(…) b) Autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida; (…).”, não se aplicando a excepção prevista no nº2, ao caso concreto. Assim, atento o disposto no artigo 2.°, n° 1, alínea b) e n° 2, alínea b), do DL 272/01, de 13.10, declaro este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer e apreciar o pedido formulado pelo requerente, sendo competente para autorizar a venda do bem em causa o Ministério Público. A incompetência em razão da matéria acarreta a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória insuprível, determinativa do indeferimento liminar da petição inicial ou absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 96º, nº1, 97º, nºs 1 e 2, 98º, 99º, nºs 1 e 2, e 2°. n° 1, alínea b) e n° 2, alínea b) a contrario sensu, do DL 272/01, de 13.10. Pelo exposto, declaro este tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção e, em consequência, absolvo o requerido da instância.”
É com esta decisão que a Requerente não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. Da fundamentação e pedidos da p.i. extrai-se, digo, é alegado, entre outra factualidade que “No dia ...de dois mil e vinte e um, faleceu DD, e até à presente data não foi instaurado processo de inventário.”
B. Que “através da p. i., pretende a A. que a herança deferida aos seus filhos, aberta por óbito do pai DD, seja aceite extrajudicialmente e pretende que esta seja partilhada igualmente por essa via e se autorize a alienação de 1/8 do prédio urbano, identificado em 4º da p. i., que a integra, a cuja sucessão concorre a Requerente e aqueles seus filhos, carecendo tal autorização de ser concedida por decisão judicial.”
C. “Pelo que, a presente acção especial para a prática de actos do artigo 1014º do Código de Processo Civil é a adequada, face aos pedidos formulados pela Requerente e o tribunal de família o competente” – Cfr. ainda artigo 123º, n.º 1, alínea b) e i) da e Lei o n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
D. Extrai-se ainda, da fundamentação e pedidos formulados, que através da instauração da acção especial de autorização por morte do marido da requerente (A.) e pai dos seus filhos menores, se pretende autorização para aceitação extrajudicial da herança em representação destes; para partilha extrajudicial (parcial) da herança em nome daqueles; para posterior venda dos direitos que lhe venham a ser adjudicados; e para que lhes seja nomeado curador especial, dado que a requerente é com eles concorrente na herança, e que o processo eleito é o processualmente adequado para conhecer desses pedidos, cabendo aos Juízos de Família e Menores a competência material para conhecer dos mesmos (na ausência de processo de inventário) – Cfr. Ac. Tribunal Relação de Guimarães de 18.04.2024 e Ac. Tribunal da Relação do Porto de 24.09.2020.
E. Do exposto, resulta com clarividência que a competência para apreciar, decidir e autorizar, contrariamente ao decidido, não é o Ministério Público, mas sim o Tribunal a quo, ou seja, o Tribunal de Família e Menores da Amadora, atento o disposto nos artigos 1014º do CPC, artigo 123º, n.º 1, alínea b) r i) da Lei n.º 62/2013, de 26/08, em que estabelece “competir igualmente aos juízos de família e menores: nomear pessoa que haja de celebrar negócios em nome do menor (al. b)); autorizar o representante legal dos menores a praticar certos actos (a. i))”.
F. Aliás, a A., antes da apresentação da p. i., formulou junto do Ministério Público do Tribunal da Amadora, iguais pedidos, tendo os mesmos sido indeferido, como se alcança do Proc. 2535/24.0T9AMD, com os fundamentos seguintes: “de acordo com o disposto no art. 2º, n.º 2, alínea b), do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, não se mostra conferida competência ao Ministério Público para autorizar a alienação e posterior outorga de partilha extrajudicial de apenas uma parte dos bens da herança como pretende a requerente”
G. Daí diferentemente não se conformar do decidido, a Recorrente, considera que com tribunal a Decisão a quo Recorrida, é materialmente pois, competente, e consequentemente inexiste a decretada incompetência absoluta do tribunal a quo, bem como excepção dilatória insuprível, pelo que salvo melhor e douto entendimento, errou aquele tribunal, quando considerou que os pedidos formulados são da competência exclusiva do Ministério Público. Sem prescindir,
H. Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à justa composição dos litígios.
I. Ora, a não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedido às partes a possibilidade de se pronunciarem, e assim participarem nas questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constituiu uma nulidade processual nos termos do artigo 201.° 1 do CPC, obedecendo a sua arguição à regra geral prevista no artigo 205.° do CPC (Ac. ReI. Évora de 1.4.2004).
J. Assim, antes de proferir a decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões surpresas.
K. No caso vertente, salvo melhor opinião, não podia o tribunal recorrido decidir a questão em mérito sem prévia audição e participação da parte contrária — a aqui Recorrente - sob pena de se violar o princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa,
L. Razão pela qual, se está in casu, perante uma nulidade que influiu na decisão da causa, sendo que tal omissão infringe os princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, devendo por isso, declarar-se a nulidade processual em apreço.
M. Logo, entende o Apelante, atento o sentido interpretativo que vem sendo pacificamente extraído pela jurisprudência (e Doutrina), claro se torna que a decisão recorrida se encontra ferida de nulidade. Cf. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 19.04.2018 e 21.05.2015, Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 29.01.2018, Ac. Rel. Do Porto de 08.10.2018 e 27.01.2015;
N. Assim, a decisão recorrida, ao não ter ouvido a ora Recorrente, viola claramente o entendimento que a Jurisprudência e a Doutrina vêm fazendo do princípio do contraditório, como participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal.
O. Até porque, se o tribunal a quo tivesse previamente à decisão, ouvido a A., esta sempre poderia tentar explicar melhor o seu articulado e chamar a atenção, entre outros, para o alegado nos pontos 12º a 14º da p. i. e que carecia de razão, jurídica, entenda-se.
O Ministério Público veio responder ao recurso pugnando pela sua procedência e revogação da decisão recorrida, defendendo que o Ministério Público não dispõe de competência para autorizar a prática dos atos pretendidos.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso - art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório;
- da (in)competência do tribunal para apreciar e decidir a presente ação.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que resultam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito - da nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório
Alega o Recorrente que a decisão é nula, por constituir uma decisão surpresa, não tendo sido previamente cumprido o princípio do contraditório, quando o tribunal decide sobre a sua incompetência para a presente ação, sem dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão, em violação do art.º 3.º n.º 3 do CPC.
O princípio do contraditório vem contemplado no art.º 3.º do CPC com a epígrafe “necessidade do pedido e da contradição”, que no seu n.º 3 dispõe: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Cada parte tem de ter a oportunidade de, no processo, expor as suas razões de facto e de direito, antes que o tribunal tome a sua decisão. O processo tem de ser equitativo e ao intervir no mesmo, as partes, o tribunal e os diversos intervenientes processuais, estão obrigados a observar o princípio da cooperação, expressamente previsto no art.º 7.º do CPC.
Há que ter em conta que a parte que recorre ao tribunal, no sentido de fazer valer a sua pretensão, tem o direito de no processo procurar a melhor defesa dos seus direitos, no âmbito dos mecanismos que a lei lhe concede.
Não estando em causa que o juiz não está sujeito à alegação das partes no que respeita à aplicação das normas jurídicas, o que é pacífico e decorre do art.º 5.º do CPC relativo aos poderes de cognição do tribunal, que no seu n.º 3 estabelece que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, já não lhe é lícito decidir questões de facto ou de direito sem que as partes tenham sobre ela tido a possibilidade de se pronunciar, nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC.
Estando em causa a omissão da prática de um ato que a lei prescreve e a cuja observância o tribunal está obrigado, e sendo tal irregularidade suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, a mesma constitui uma nulidade, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC.
A violação do princípio do contraditório não determina só por si e diretamente a nulidade da sentença, em face das previsões taxativas do art.º 615.º n.º 1 do CPC, antes podendo a sua violação configurar uma nulidade processual. Admite-se, no entanto, a interpretação apresentada no sentido de que constitui um excesso de pronuncia o tribunal conhecer de questão de que não podia decidir sem ter observado tal princípio.
Sobre esta questão, com referência precisamente a uma situação de ausência de cumprimento do contraditório e no sentido do entendimento que perfilhamos, diz-nos de forma clara o Acórdão do STJ de 23-06-2016 no proc. 1937/15.8T8BCL.S1 inwww.dgsi.pt : “É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir. Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório. Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14). Tal solução foi reforçada pelo mesmo processualista em comentário ao Ac. da Rel. do Porto, de 2-3-15 (www.dgsi.pt), concluindo que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)”. Com efeito, como aí se refere, até esse momento, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”, e que “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria” (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15). Na verdade, em tais circunstâncias a parte é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação (no mesmo sentido cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 25, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 52).”
No caso, não oferece dúvidas de que o tribunal a quo conheceu a questão da sua (in)competência para a presente ação, liminarmente, sem dar às partes e designadamente à Requerente, a efetiva oportunidade do contraditório, constituindo uma verdadeira decisão surpresa, o que torna a decisão inquinada com o vício da nulidade, o que se declara.
Considera-se, no entanto, que tal não determina a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância para o suprimento do ato omitido, e prolação de nova decisão, por competir a este tribunal o suprimento da nulidade em causa, nos termos do disposto no art.º 665.º do CPC que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido.
A determinação da prática do ato omitido que se traduziria na notificação às partes para se pronunciarem sobre a questão da competência do tribunal para apreciar e decidir a presente ação, sempre se configura neste momento como um ato desnecessário e inútil, na medida em que em sede de alegações de recurso, quer a Requerente, quer o Ministério Público exerceram efetivamente o contraditório quanto às questões jurídicas ponderadas na sentença recorrida, nada obstando por isso ao conhecimento do mérito do recurso por este tribunal. - da (in)competência do tribunal para apreciar e decidir a presente ação
Alega o Recorrente que em face dos pedidos que formula não estamos perante a prática de ato que possa ser autorizado pelo Ministério Público, por estar em causa a autorização para a venda de bem que integra uma herança indivisa, tornando-se necessária a aceitação da herança e a partilha de um bem da mesma, com posterior venda.
O tribunal a quo considerou que é do Ministério Público a competência para autorizar a prática dos atos em questão, por se integrarem no art.º 2.º n.º 1 al. b) do DL 272/01 de 13 de outubro, não constituindo atos que o legislador tenha excluído da sua competência exclusiva.
O DL 272/01 de 13 de outubro, como logo estabelece o seu art.º 1.º veio determinar a transferência da competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária, dos tribunais judiciais para o Ministério Público e para as Conservatórias do Registo Civil.
É o art.º 2.º que regula sobre a competência do Ministério Público, nos seguintes termos: “1-São da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de:
a. Suprimento do consentimento, sendo a causa de pedir a menoridade, o acompanhamento ou a ausência da pessoa;
b. Autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do acompanhado, quando legalmente exigida;
c. Autorização para a alienação ou oneração de bens do ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou definitiva;
d. Confirmação de atos praticados pelo representante do menor ou do acompanhado sem a necessária autorização. 2 - O disposto no número anterior não se aplica:
a. Às situações previstas na alínea a), quando o conservador de registo civil detenha a competência prevista na alínea a) do artigo 1604.º do Código Civil;
b. Às situações previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento.”
No n.º 1 deste art.º 2.º o legislador contempla os pedidos que o Ministério Público é competente para decidir, excecionando no n.º 2 duas situações: na al. a) quando em situações que visem o suprimento de consentimento, o conservador do registo civil detenha a competência prevista no art.º 1604.º al. a) do C.Civil; na al. b) quando, não obstante estar em causa a autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do acompanhado, quando legalmente exigida, essa autorização se reporte à outorga de partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento.
É pacífico que para se aferir da competência do tribunal em razão da matéria há que ter em conta o pedido e a causa de pedir em que aquele se funda, atendendo à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre- vd. neste sentido, Manuel de Andrade, in. Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91.
Para se determinar se a competência para autorizar os atos pretendidos pela Recorrente é do Ministério Público, ou do tribunal, importa então avaliar o pedido e a causa de pedir apresentadas pela Requerente, sendo certo que, no caso, a questão está em saber se estamos perante a autorização para a prática de ato que o legislador retira da competência do Ministério Público, nos termos previstos no mencionado art.º 2.º n.º 2 al. b), ou seja, autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário.
Contrariamente ao que refere a decisão sob recurso, a Requerente não pretende apenas “em representação dos seus filhos, vender um bem móvel sujeito a registo, acto para cuja prática carece de autorização – art. 1889.°, n.° 1, alínea a) do Código Civil)”, bastando atentar nos restantes pedido que formula para se perceber que o que a Requerente pretende também é a aceitação e partilha extrajudicial da herança aberta por óbito do pai dos menores, à qual a Requerente também concorre enquanto herdeira e que integra 1/8 do prédio que adveio ao falecido da herança do seu pai, cuja venda também pretende ver autorizada.
O Ministério Público não dispõe de competência para autorizar a outorga de partilha extrajudicial, quando o Requerente concorre à sucessão com os representados, como é o caso, tornando-se necessária a nomeação de curador especial.
Por se referir a um caso com contornos semelhantes e em face da clareza da sua exposição, chama-se a atenção para o que nos diz sobre esta matéria o Acórdão do TRG de 18-04-2024 no proc. 3114/23.5T8BRG.G1 inwww.dgsi.pt: “(…)
Destarte, em face do quadro legal que se acaba de expor, no caso de herança deferida a menor ou incapaz, conforme antedito, não há lugar a inventário obrigatório, cabendo aos seus representantes legais optarem por aceitarem a herança a título de inventário ou extrajudicialmente. Aceitando-a a título extrajudicial, o representante legal do menor ou do incapaz necessita de obter prévia autorização judicial para o fazer, mediante a instauração da ação especial que se encontra regulada no art. 1014º do CPC. Nessa ação especial, o representante legal do menor pode cumular: o pedido de autorização de aceitação da herança, em nome do representado; o pedido de autorização para proceder à partilha extrajudicial da herança em nome daquele; o pedido de autorização para proceder à posterior venda dos bens ou direitos que venham a ser adjudicados ao representado na sequência da partilha da herança. A competência material para proferir decisão quanto a esses pedidos de autorização encontra-se deferida ao Ministério Público. Porém, sempre que esteja em causa autorização para o representante legal do menor ou do incapaz outorgar partilha extrajudicial em nome deste e concorra com o último à sucessão (situação em que, dado o conflito de interesses, se impõe nomear curador especial ao representado), ou nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento (isto é, quando estes processos existam, estando em curso ou já findos, por decisão de mérito transitada em julgado – art. 1014º, n.º 4 do CPC -, caso em que a ação de autorização corre por apenso aos mesmos, conforme é determinado no n.º 2 do art. 206º do CPC), a competência para conhecer do pedido de autorização compete aos tribunais.”
Tendo a Requerente instaurado a presente ação especial de autorização de prática de ato, em representação dos seus dois filhos menores, pedindo autorização para aceitar a herança aberta por óbito do seu marido e pai dos menores e para proceder à sua partilha parcial, quanto a 1/8 de um bem imóvel que a integra, cuja autorização para vender também requer, mais pedindo a nomeação de curador especial para os seus filhos, por também concorrer à herança, é ao tribunal que compete avaliar se tal autorização deve ou não ser concedida, no âmbito da ação especial prevista no art.º 1014.º do CPC.
No caso, estamos precisamente perante pedido de autorização que o legislador exclui da competência do Ministério Público e mantém no tribunal, nos termos previstos no art.º 2.º n.º 2 al. b) do DL 272/2001 de 13 de outubro, sendo o tribunal a quo o competente para preparar e decidir a presente ação especial.
Impõe-se a revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se que o tribunal a quo é o competente para tramitar e decidir a presente ação.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o presente recurso interposto pela Requerente revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que considera o tribunal a quo o competente para apreciar e decidir a presente ação, determinando-se o prosseguimento dos autos em conformidade.
Sem custas.
Notifique.
*
Lisboa, 8 de maio de 2025
Inês Moura
António Moreira
João Paulo Raposo