ACÇÃO DE DESPEJO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
QUESTÃO NOVA
Sumário

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – No recurso da sentença que julgou procedente ação de despejo, fundada no não uso do locado por mais de um ano, em cuja Contestação o Réu apenas se defendeu por impugnação (de facto), não pode ser atendida a defesa do Réu/Apelante, suscitada na alegação recursória, da “exceção de não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador” por culpa deste, dada a “omissão da realização de obras de conservação no locado” e a existência de “vícios que impediam o gozo do locado”.
II – Com efeito, ao procurar, na sua alegação, prevalecer-se de factualidade vertida no elenco dos factos provados para a conjugar com matéria de facto não alegada, nem provada, pretendendo ver reconhecido um impedimento à resolução do contrato pelo não uso do arrendado, que operaria como exceção (perentória), à luz do disposto nos artigos 1031.º, al. b) e 1032.º, al. b), ambos do CC, atinentes às obrigações do locador e aos vícios da coisa locada, o Réu está a afrontar o princípio da preclusão ou concentração da defesa (cf. art. 573.º do CPC), bem como a suscitar uma questão nova (que não foi, nem podia ter sido, apreciada na sentença).

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AA interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a ação declarativa (de despejo) que, sob a forma de processo comum, foi intentada por BB, S.A.
Na Petição Inicial, apresentada em 06-04-2021, a Autora peticionou que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento que tem por objeto a fração autónoma “AD”, correspondente ao 4.º andar direito, do prédio urbano sito na Avenida A, 17, freguesia de Arroios, em Lisboa, sendo o Réu condenado a entregar o locado devoluto de pessoas e bens. Alegou a Autora, para tanto e em síntese, que: é dona e legítima proprietária dessa fração, tendo sido celebrado com o Réu, em 01-11-1975, um contrato de arrendamento para fins habitacionais; há mais de 3 anos que o Réu, inquilino, não reside no locado, não dando uso ao mesmo.
O Réu apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, alegando, em síntese, que:
- O Réu sempre residiu e reside no locado, vai todos os dias para o mesmo, onde tem a sua casa, aí dormindo;
- Os estores do locado estão por vezes abertos e outras fechados, conforme a utilização da fração, bem como as condições climatéricas, mais ainda quando o imóvel em causa tem a idade que tem e deixa entrar água pelas janelas, quando chove;
- A caixa de correio nunca esteve atulhada de correspondência, que é recolhida com a necessária periodicidade; pontualmente verificou o Réu que a caixa apareceu cheia de publicidade e de sacos de plástico, mas de imediato a limpou, acreditando que isso lá tenha sido colocado de propósito para a tomada das fotografias agora apresentadas com a PI;
- A torneira de segurança da água está em utilização, apenas sendo fechada temporariamente, aquando das férias do Réu ou para alguma manutenção de eletrodomésticos;
- O Réu mantém uma vida social muito isolada, não mantendo contacto com a vizinhança e comércio local, devido ao seu trabalho, ao facto de ser diabético e às limitações impostas pela COVID-19;
- O Réu costuma trazer comida pré-feita para aquecer no locado;
- O Réu é Agente de Execução e Solicitador, tendo os seus escritórios na Cruz de Pau - Seixal e na Charneca da Caparica - Almada, atividade que envolve deslocações diárias (saindo de casa pelas 6.30 horas e só voltando entre as 22.00 e 24.00 horas);
- A morada do locado consta como sendo a residência do Réu perante a Autoridade Tributária e os Registos de Eleitor, estando as viaturas do Réu registadas nessa morada.
Concluiu que inexiste fundamento para o despejo, pelo que a ação deve ser julgada improcedente.
Em 21-06-2022, a Autora veio requerer que o Tribunal autorizasse a abertura da porta da fração por oficial de justiça para o acesso à fração, exclusivamente para permitir que fosse realizada uma vistoria às canalizações da fração e a urgente reparação do teto, tendo em vista a realização de reparações nas canalizações das frações inferiores e do piso superior (5.º direito). O Réu pronunciou-se por requerimento de 03-07-2022, acrescentando que deveria ser solicitada vistoria a todo o prédio. Em 27-04-2023, o Tribunal indeferiu o requerido, por considerar que tais pretensões não tinham cabimento nos autos, dado o seu objeto, acrescentando que uma vistoria poderia ser solicitada diretamente junto da Câmara Municipal competente.
Foi proferido Despacho saneador (tabelar), bem como despacho de identificação do objeto do litígio (“aferir do fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, por não uso do locado por mais de um ano”) e enunciação dos temas de prova (“I – Desde pelo menos Março/Abril de 2018 o Réu não reside no locado. II – O Réu não é visto no prédio desde pelo menos Abril de 2020. III – A torneira de segurança da canalização de água da fração do 4.º direito foi fechada em Abril de 2019 e em Abril de 2021 permanecia fechada.”)
Em 28-07-2023, a Autora requereu a junção aos autos de certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa do auto de vistoria da fração em apreço nos autos, datado de 28-06-2023.
Realizou-se inspeção judicial ao locado e a audiência de julgamento.
Em 04-11-2024, foi proferida a Sentença recorrida cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Nestes termos e pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:
- Decreto a resolução do contrato de arrendamento, por não uso do locado por mais de um ano, e condeno o Réu no despejo do locado (Avenida A, 17, 4.º direito, freguesia de Arroios, descrita na CRP de Lisboa sob o nº ... e inscrita na matriz sob o art.º ...), procedendo à entrega do mesmo, livre de pessoas e bens, ao Autor.
Custas a suportar pelo Réu, nos termos do artigo 527.º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Inconformado, o Réu veio interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª No caso em apreço, trata-se da impossibilidade de habitar o arrendado por incumprimento do recorrido, tem assim cabimento, neste caso, o Recorrente locatário, invocar a exceção de não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador.
2ª Nos termos do artigo 1031º, alínea b), do Código Civil, é dever do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina, considerando o contrato não cumprido quando o vicio da coisa locada não for removido pelo locador, nos termos do art. 1032º, al. b).
3ª Neste caso, existe incumprimento pois o vicio foi devido a culpa do locador, omissão da realização de obras de conservação no locado.
4ª O Recorrido há mais de 5 anos, que tinha conhecimento dos vícios que impediam o gozo do locado, na sequência do auto de vistoria realizado pela Câmara Municipal de Lisboa, o qual foi notificado ao locador para que este realizasse as obras necessárias para assegurar a habitabilidade do arrendado.
5ª O Recorrido apesar das intimações da Câmara Municipal de Lisboa, não efetuou quaisquer obras.
6ª O Recorrido, até à pandemia, apesar das condições do imóvel ia dormir todos os dias a Lisboa, durante a pandemia passou a só passar no local duas a três vezes por semana ou quando existia disponibilidade na sua atividade profissional.
7ª Pelo exposto a falta de residência permanente do locatário/recorrente é justificada e é única e exclusivamente imputável ao Autor/Recorrido.
8ª Pelo exposto, deve pois ser julgada justificada e procedente o direito, por parte do Recorrente, ao não uso do locado por falta de condições de habitabilidade, imputáveis ao Locador/Recorrido e por culpas deste, devendo o Recorrido ser condenado como litigante de má fé.
9ª A Sentença recorrida violou pois o disposto nos artigos 1031º, al. b) e 1032º, al. b), ambos do Código Civil.
10ª o Réu/Recorrente nasceu em 22.10.1952, tem atualmente 72 anos, e o contrato de arrendamento foi celebrado em 1.11.1975, pelo que não se aplicam as disposições do NRAU, nos termos do art. 36º.
Terminou o Apelante requerendo que o recurso seja julgado procedente por provado, e, em consequência, proferida decisão que revogue a sentença recorrida, e, em sua substituição, declare válido e em vigor o contrato de arrendamento.
Não foi apresentada alegação de resposta.
O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho de admissão do recurso, acrescentando que:
«O Recorrente alega “a nulidade da D. sentença por omissão de pronúncia sobre a falta de condições de habitabilidade do locado”.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
“(…)”
Nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, cabe apreciar.
Em momento algum o Réu alegou a falta de condições do locado e que tal tenha determinado a falta de uso do mesmo; pelo contrário, na Contestação o Réu afirmou habitar o locado diariamente.
Não se verifica a nulidade invocada pelo Recorrente, pelo que mantenho a decisão proferida (artigos 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil).»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª) Se o não uso do locado pelo Réu deve ser considerado justificado por virtude da falta de condições de habitabilidade, imputáveis à Autora;
2.ª) Se a Autora deve ser condenada como litigante de má fé.
Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (não tendo o Réu impugnado a decisão da matéria de facto):
A. A Autora é dona e legítima proprietária da fração autónoma “AD”, correspondente ao 4.º direito do prédio urbano sito na Avenida A, 17, freguesia de Arroios, em Lisboa, descrita na CRP de Lisboa sob o n.º ... e inscrita na matriz sob o art.º ... (documento 1 da Petição Inicial e admitido por acordo).
B. Em 01-11-1975, a Companhia de Seguros Fidelidade e o Réu celebraram um contrato de arrendamento para fins habitacionais (documento 2 da Petição Inicial).
C. A renda mensal era de 85,00 € (oitenta e cinco euros), paga através de transferência bancária (admitido por acordo).
D. Em 29-12-2020 a Autora enviou ao Réu carta registada com Aviso de Receção, para a morada do locado, que não foi recebida (documento 4 junto com a Petição Inicial)
E. Desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde início de 2020 o Réu não reside permanentemente no locado.
F. A fração encontra-se em mau estado de conservação e sem condições de habitabilidade (Auto de Vistoria de 28-06-2023 e Inspeção ao Local em 8 de fevereiro de 2024).
G. O Réu é Agente de Execução e Solicitador e tem escritório na Rua B, 6, rés do chão esquerdo, Cruz de Pau e Rua C, n.º 6, Quintinhas, Charneca da Caparica (documentos 1 a 3 juntos com a Contestação).
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos:
1. A torneira de segurança da canalização de água da fração do 4.º direito está fechada desde 2019.
2. O Réu vai todos os dias para o locado.
Do não uso do locado
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo começou por lembrar os conceitos de locação e arrendamento (cf. artigos 1022.º e 1023.º do CC), acrescentando que se trata de um contrato, do qual emergem obrigações para ambas as partes, nomeadamente: para o locador, proceder à entrega do locado e assegurar o gozo do mesmo para os fins a que se destina; para o locatário, além do mais, pagar a renda ou aluguer (artigos 1031.º e 1038.º do CC). Referiu ainda o regime aplicável ao arrendamento urbano, mormente as formas de cessação do contrato de arrendamento urbano previstas no art. 1079.º do CC, em particular a resolução prevista no art. 1083.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CC, mencionando que qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte, sendo fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio, o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do art. 1072.º do mesmo diploma. Quanto ao modo de operar a resolução, indicou o art. 1084.º, n.ºs 1 e 2 do CC. Referiu ainda que, tratando-se de um arrendamento para habitação, o não uso do locado corresponde à anteriormente designada falta de residência permanente, prevista no art. 64.º, nº 1, al. i) do extinto Regime do Arrendamento Urbano como causa de resolução do contrato de arrendamento. Citou o acórdão da Relação de Lisboa de 17-12-2009, proferido no proc. n.º 44/09.7TBSXL.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, “Segundo orientação pacífica na doutrina e na jurisprudência, que se foi criando na vigência do RAU, residência permanente é aquela onde o inquilino, com carácter de habitualidade, come, dorme, recebe visitas, recolhe a sua correspondência, em suma, o local onde tem instalada e organizada a sua vida familiar e a sua economia doméstica (…)”. Considerou demonstrado que, pelo menos desde o início de 2020, o Réu não reside permanentemente no locado, sendo que a não utilização do locado, no sentido de residência permanente, há mais de um ano, configura fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, nos termos do art. 1083.º do CC. Acrescentou o seguinte:
«Ainda que esporadicamente o arrendatário se desloque ao locado e aí permaneça alguns períodos, tal não obsta a que se verifique o não uso do mesmo, nos termos e para os efeitos da citada norma legal.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/11/2009, processo n.º 1737/06.6TBMGR.C1, disponível na Base de Dados da DGSI, in www.dgsi.pt, “ O conceito de “não uso”, previsto na al. d) do nº 2 do artº 1083º, é um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação, bem como o seu carácter temporário ou definitivo. O “não uso” não se interrompe por simples usos intercalares, igualmente não relevando meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de desocupação em que é essencialmente mantido o espaço arrendado com o seu não uso. O diminuto uso do arrendado, com claríssimo subaproveitamento do mesmo, consubstancia uma situação integrável num conceito não meramente literal de não uso e justifica a resolução dos contratos de arrendamento, já que frustra o interesse do senhorio em evitar a desvalorização do prédio.”
A falta de residência permanente no locado prejudica o interesse do senhorio, também na perspectiva patrimonial, quanto à utilização e valorização do prédio de que é proprietário, justificando a inexigibilidade da manutenção do arrendamento.
O artigo 1072.º, n.º 2 do Código Civil prevê as situações em que o não uso pelo arrendatário é lícito, cabendo a este a sua demonstração, sendo esse o caso, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
O Réu não alega nem demonstra a verificação de qualquer situação prevista no artigo 1072.º, n.º 2 do Código Civil.
Em suma, conclui-se que por mais de um ano, o locado não foi utilizado pelo Réu como sua residência habitual e permanente, resultando demonstrado o fundamento de resolução contratual previsto no artigo 1083.º, n.º 2, al. d) do Código Civil.
Atento o exposto, procede a presente acção.»
O Apelante defende que a ação deve ser julgada improcedente, atenta a “exceção de não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador”, invocando a “omissão da realização de obras de conservação no locado” e a existência de “vícios que impediam o gozo do locado”.
Vejamos.
Conforme expressamente previsto no art. 571.º do CPC, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por exceção, sendo que o réu se defende por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
Resulta do disposto nas alíneas b) e c) do art. 572.º, do CPC que, na contestação deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e, quanto às primeiras, expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.
De salientar ainda o princípio da preclusão ou concentração da defesa consagrado no art. 573.º do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado; depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente. O princípio da preclusão da defesa não é afastado pelo da aquisição processual (neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 17-06-1997, no proc. n.º 10/97 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt).
Ora, o Réu, na sua Contestação, defendeu-se, sem dúvida, por impugnação de facto, negando a versão dos factos alegada na Petição Inicial e alegando que ele residia no imóvel (aí pernoitava diariamente, tomava refeições, recebia correspondência, etc.).
Não alegou então, nesse articulado, quaisquer factos substantivamente relevantes atinentes ao mau estado de conservação do imóvel (salvo quanto às janelas – e apenas para justificar a circunstância de os estores por vezes estarem fechados), muito menos que isso fosse do conhecimento da senhoria, nem tão pouco a existência de uma relação de causa e efeito entre o (mau) estado da fração e a falta de residência permanente/não uso do locado. Logo, não se pode considerar que tenha invocado factos (impeditivos) suscetíveis de justificarem/desculparem a falta de uso do locado, em ordem a obstar a que fosse reconhecida a existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1083.º, n.º 2, al. d), do CC.
Ao procurar agora, na sua alegação de recurso, prevalecer-se da factualidade vertida em F) do elenco dos factos provados para a conjugar com matéria de facto não alegada, nem provada, pretendendo ver reconhecido por este Tribunal da Relação um impedimento à resolução do contrato pelo não uso do arrendado, que operaria como exceção (perentória), à luz do disposto nos artigos 1031.º, al. b) e 1032.º, al. b), ambos do CC, atinentes às obrigações do locador e aos vícios da coisa locada, o Réu-Apelante está a afrontar o aludido princípio da preclusão ou concentração da defesa, bem como a suscitar uma questão nova, que não foi apreciada na sentença, nem podia ter sido, sob pena de nulidade da mesma – cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC -, sendo certo que tão pouco foi suscitada nas conclusões da alegação de recurso a nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), a qual não é de conhecimento de oficioso (e ainda que uma tal causa de nulidade tivesse sido invocada nas conclusões da alegação, obviamente as mesmas improcederiam nesse particular).
Quanto à inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recursos, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23-03-2017, proferido na Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt: “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).” Também Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 119, explica que: “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Assim, não cumpre conhecer da questão suscitada,
Diga-se, por último, que a idade do Réu não está provada e se trata de facto substantivamente irrelevante para a decisão da causa, já que não se discute, no caso, a aplicação do disposto no art. 36.º do NRAU.
Não oferece dúvida, em face dos factos provados e atento o disposto nos artigos 26.º a 28.º da referida Lei n.º 6/2006, de 27-02, que aprovou o NRAU, bem como face ao disposto no art. 573.º do CPC, ter sido devidamente aplicado ao caso o disposto no art. 1083.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CC.
Da litigância de má fé
Considerando a matéria de facto provada e a tramitação dos autos, é claro que a Autora não pode ser condenada como litigante de má fé, nos termos do art. 542.º do CPC.
Assim, sem necessidade de mais considerações, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.
Vencido o Réu-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar o Réu-Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 08-05-2025
Laurinda Gemas
Paulo Fernandes da Silva
Higina Castelo