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PEAP
ACORDO DE PAGAMENTO
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
VÍCIOS NÃO NEGLIGENCIÁVEIS
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
CRÉDITO COMUM
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário
Sumário (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC): I - O artigo 194.º do CIRE consagra e regula o princípio da igualdade entre os credores, reflexo da primazia que o CIRE veio conferir à satisfação dos direitos destes. Tratando-se de uma norma imperativa, a sua violação consubstancia um vício não negligenciável, para os efeitos do artigo 215.º do CIRE, aplicável ao Processo Especial Para Acordo de Pagamento por remissão do art.º 222º-F, nº 5 do CIRE. II - Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência a igualdade consagrada neste preceito é a igualdade material dos credores, a qual se cumpre tratando de maneira igual os credores que se encontrem em situações de facto iguais e tratando de maneira diferente os que estejam em situações de facto diferentes. III - No caso de tratar de maneira diferenciada alguns dos credores, resulta do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE – aplicável com as necessárias adaptações ao processo especial para acordo de pagamento por remissão do n.º 5 do artigo 222.º-F do CIRE – que o acordo deve conter a indicação das razões objetivas da diferenciação. IV - Apesar de o CIRE não conter preceito a afirmar expressamente que o acordo de pagamento obedece ao princípio da proporcionalidade, deve entender-se que a sujeição dele a este princípio resulta também do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE, ocorrendo a violação deste princípio, por tratamento intoleravelmente desproporcionado entre o crédito do credor hipotecário e os demais créditos comuns.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Intentou A … o presente processo especial para acordo de pagamento.
Foi nomeado Administrador Judicial Provisório e efetuadas as publicações previstas no nº5 do art.º 222º-C do CIRE.
Foram reclamados créditos, nos termos do n º 2 do art.º 222º-D do CIRE, vindo o Administrador Judicial Provisório a apresentar lista provisória de credores, a qual foi impugnada pelo credor BMW Renting (Portugal), Lda., a qual veio a ser julgada procedente.
Foi apresentada proposta de acordo de pagamento pelo devedor.
SANTANDER CONSUMER FINANCE S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL veio, informando ter votado desfavoravelmente o plano, pedir a não homologação do plano de acordo de pagamento, alegando: violação não negligenciável das regras procedimentais, porquanto, no que a si diz respeito, não houve qualquer negociação quanto ao Plano de Pagamentos em votação e ainda que a versão final do plano de pagamento apresentado pelo devedor implica uma violação do princípio da igualdade e proporcionalidade, porquanto no plano de pagamento, resulta claro o tratamento desigual dos credores comuns quanto ao credor garantido e à ATA sem que sejam apresentadas razões objectivas que o justifiquem, consubstanciando-se o tratamento desigual desde logo no facto do valor total das prestações a pagar aos 7 credores comuns considerados, somar € 99,19 quando a prestação ao credor garantido é de € 1.081,61 e quanto à ATA ser de € 1.586.06 e que, mesmo justificando-se o desigual tratamento, tal diferenciação é desproporcional.// Por outro lado, que tendo sido instaurada uma execução no âmbito da qual se encontra penhorado o veículo de matrícula XX-XX-XX, propriedade do aqui devedor, a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável que na ausência de qualquer plano uma vez que não havendo créditos reclamados com prioridade o produto da venda de tal veículo não só asseguraria as custas do processo, incluindo as devidas ao Senhor Agente de Execução, como reverteria em parte para o aqui credor desconhecendo-se em que se baseou o devedor para atribuir o valor de € 5.300,00 ao referido veículo sendo que o preço de mercado do mesmo pode ir dos € 8.500,00 a € 12.000,00.// Finalmente que, o plano de pagamentos promove o tratamento desigual dos credores comuns, quanto ao credor garantido e à ATA sem que sejam apresentadas razões objectivas que o justifiquem, bem como a violação do principio da proporcionalidade já que o Plano prevê o pagamento do valor em divida por prazo superior a 27 anos e não prevê o aumento das prestações a pagar aos credores comuns em proporção ao valor que o devedor deixará de pagar à ATA ao fim de 60 meses - € 1.586,08 - e ao IGFSS ao fim de 150 meses, € 297,36.
COFIDIS, Sucursal em Portugal da S.A. francesa Cofidis, veio declarar votar desfavoravelmente o plano.
A Sra. Administradora Judicial Provisória juntou aos autos o resultado da votação do plano, nos termos da qual o acordo de pagamento foi aprovado com os votos favoráveis de 63,14% dos créditos com direito de voto, correspondendo todos a créditos não subordinados, nos termos da al. b) do nº3 do art.º 222º-F do CIRE.
Notificado para o efeito veio o devedor pedir seja homologada a proposta de plano apresentada dado que a mesma respeita todas as regras legais e é mais favorável para todos os seus credores que a que resultaria da insolvência do devedor. Alega, em síntese, que: o credor participou como os outros nas negociações, mas nas mesmas, teve como único objetivo, obter uma posição vantajosa em relação aos demais credores; que nunca demonstrou interesse em discutir os termos de quitação da sua dívida, mas apenas em executar os seus proponentes; alega que o plano é omisso quanto ao tratamento diferenciado dado à Autoridade Tributária (AT), o que não corresponde à verdade, conforme pode ser verificado na página 6 do plano; sendo o devedor obrigado a cumprir com a Lei Geral Tributária (LGT) e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por blindagem imperativo legal dos créditos do Estado, a grande parte do esforço financeiro, foi necessariamente direcionado para saldar a dívida ao Estado; em comparação com a proposta apresentada ao credor garantido e aos credores comuns, a maturidade das obrigações propostas é equivalente; se fosse possível à devedora cumprir com os termos dos acordos originais, não haveria necessidade de se submeter a um Processo Especial para Acordo de Pagamento; que o credor Banco Santander Consumer não se encontra em situação mais desfavorável com a aprovação do plano, uma vez que o mesmo prevê o ressarcimento total do capital em dívida;
A Sra. Administradora Judicial Provisória veio igualmente pronunciar-se, defendendo a homologação do plano aprovado.
Após, o tribunal veio a proferir a seguinte sentença: “Nos termos e pelos fundamentos expostos recusa-se a homologação do plano de especial para acordo de pagamento do devedor A …, nif … 20, residente na Avenida …,…, Bl. …, R/Chão Frente Esqº, Casais da Serra, 2665-… Milharado// Custas pelo apresentante.// Valor da ação: - €30.000,00//Registe, notifique e publicite.// D.N.//Notifique-se a AJP para apresentar o parecer a que alude o art.º 222º-G, n.º 3, ex vi do art.º 222º-F, n.º 6, do CIRE.”
Inconformado apelou o devedor pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a homologação do plano de recuperação apresentado pelo recorrente e formulando as seguintes conclusões:
I. A douta sentença em cotejo, não homologa o acordo de pagamento apresentado e aprovado pela maioria dos credores por considerar que o mesmo constitui violação não negligenciável das normas aplicáveis, designadamente por violar o Princípio da Igualdade dos Credores e pela desproporcionalidade não minimamente justificada do tratamento a que sujeita os credores comuns relativamente aos credores garantidos.
II. Desproporção essa, entre o tratamento nas formas de pagamento pois o plano prevê o pagamento dos valores em divida aos credores comuns por prazo superior a 27 anos e não prevê o aumento das prestações a pagar aos credores comuns em proporção ao valor que o devedor deixará de pagar à AT ao fim de 60 meses, e ao fim de 150 meses, ao IGFSS.
III. Pondo em causa o princípio da proporcionalidade e da boa-fé por referência aos princípios plasmados na Resolução do Conselho de Ministros de 43/2011 de 25/10, designadamente o 2.º «Durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos», pois pode facilmente ser entendido como uma forma de o devedor se exonerar de parte (muito) significativa do seu passivo através da imposição de um prejuízo francamente desproporcional aos seus credores comuns e manifestamente comprometedor de uma solução justa e equitativa para os vários interesses em jogo.”
IV. O Tribunal “a quo” bem como o credor que se opôs à homologação - Santander Consumer Finance, S.A – Sucursal em Portugal, pecam por erro de interpretação do plano proposto que viciou o seu raciocínio.
V. O erro esse que consiste no facto de não aferir que, sem margem para duvidas, a proposta apresentada ao credor garantido e aos credores comuns, ser equivalente face à maturidade do único crédito garantido, o do BCP e por isso, o montante mensal a pagar ao credor reclamante não é significativamente inferior às prestações mensais acordadas inicialmente.
VI. E que, os credores comuns, tal como o Santander Consumer, não se encontram em situação mais desfavorável com a aprovação do plano, uma vez que o mesmo, desde logo, prevê o ressarcimento total do capital em dívida para todos os credores.
VII. A própria lei e jurisprudência ao consagrar e pronunciar-se sobre o Princípio da Igualdade dos Credores no art.º 194 do CIRE, não a belisca minimamente, quando justificadas as diferenciações, por razões objetivas e assenta em duas vertentes.
A primeira, permite tratar igualmente aquilo que é igual ou semelhante, tratando de forma diferente e diferenciada aquilo que é diferente e que, de algum modo, justifique um diverso tratamento dos credores e a natureza dos seus créditos.
A segunda, pelo facto de, entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, não está radicalmente afastada a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que a estas, não presida a arbitrariedade e, pelo contrário, deixem visíveis circunstâncias objetivas que justifiquem o tratamento diferenciado.
VIII. O Princípio da Igualdade dos Credores proíbe apenas, diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes.
IX. “In casu” a maturidade do crédito garantido atinge-se ao fim do pagamento de 331 prestações, ou seja, ao fim de cerca de 27 anos.
X. O prazo de reembolso de todos os créditos - garantido e comuns - alinha-se com a maturidade do crédito hipotecário ( financiamento à habitação) do BCP ( composto por dois créditos), têm vencimento previsto para março de 2025, como se vê do documento ora junto nos termos e para os efeitos do artº 651º nº 1 do C.P.C (mapa de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal).
XI. Caso o presente plano de pagamento tivesse sido iniciado em setembro de 2024, por homologado, o prazo de reembolso seria de 331 meses.
XII. Isto equivale a que, ao propor 27 anos para pagamento dos créditos comuns, o plano não gera qualquer desigualdade de tratamento entre credores” in casu” entre o credor garantido e os credores comuns, porquanto mantem a maturidade dos contratos.
XIII. Se não se partisse da maturidade do crédito do credor garantido (27 anos) a partir da homologação, e se reduzisse o prazo de pagamento aos credores comuns, reconduzíamo-nos aí sim, à desigualdade entre o credor garantido e os credores comuns.
XIV. Resultaria para este, uma situação mais favorável em caso de insolvência o que o motivaria desde logo, a votar contra, uma vez que em caso de insolvência, será o primeiro a receber face à garantia hipotecaria de que goza e os demais credores comuns, correriam o risco de nada ou pouco receber.
XV. A douta sentença em cotejo, peca pelo erro de raciocínio e calculo na medida em que desconsidera ou nem sequer ponderou que o prazo de pagamento aos credores comuns teve praticamente de coincidir com o prazo de maturidade do único crédito garantido.
XVI. O credor Santander Consumer Finance, S.A. – Sucursal em Portugal, que pediu a não homologação ainda por cima representa apenas 3,03% do total dos créditos reclamados e do universo dos votantes.
XVII. Nos termos do art.º 47º do CIRE que classifica os créditos em “garantidos” e “privilegiados”, “subordinados” e “comuns” para lhes dar um tratamento distinto consistente numa ordem ou preferência de pagamento: dá-se, em primeiro lugar, pagamento aos créditos garantidos e privilegiados, em segundo lugar aos créditos comuns e, finalmente, aos créditos subordinados (arts.º 174º a 177º).”
XVIII. Esta imposição legal, traduz que, os prazos propostos para os créditos garantidos terão de ser, no mínimo, idênticos aos propostos para os créditos comuns.
XIX. O plano obedece à lei, sem criar qualquer desarmonia ou desigualdade entre credores, muito menos quanto a prazo de reembolso de todos os créditos.
XX. O acordo de pagamento maioritariamente aprovado deve por isso, ser homologado por não violar norma imperativa não negligenciável que seja aplicável ao seu conteúdo.
XXI. A sua não homologação viola o disposto nos artºs 222º-F nº 5 e 194º, 215 DO CIRE à contrário.
Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 20/02/2025 (ref.ª … 21).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso
O objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, importa decidir :
- da questão prévia da admissibilidade da junção de documento com as alegações;
- se o Tribunal a quo incorreu em violação das normas jurídicas indicadas pelo recorrente ao recusar a homologação do acordo de pagamento com fundamento em violação não negligenciável de norma imperativa aplicável ao conteúdo do plano.
*
I. Questão prévia
Da (in)admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.
Com as alegações de recurso, juntou um documento, nada alegando com vista à sua junção.
Diz o art.º 651º nº. 1 do CPC. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”
O art.º 425º do CPC, diz que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, norma esta excecional, semelhante à prevista no nº. 3 do art.º 423º do C.P.C., no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Assim sendo, é possível a junção de documentos com as alegações de recurso, dependendo a admissibilidade da sua junção de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
- a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso; a superveniência em causa, pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;
- o julgamento efetuado na primeira instância ter introduzido na ação um elemento adicional, não expectável, que tornou necessária esta junção; pressupõe esta situação a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, págs. 229 e 230 da 4ª edição, “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” (…) “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
No caso concreto, visto o documento cuja junção se pretende, constata-se que tem data de emissão de 22/10/2024, referindo-se a informação quanto a responsabilidades de crédito de setembro de 2024. Ou seja, trata-se de documento emitido em data posterior à da sentença sob o recurso. Não obstante, e considerando o seu conteúdo e o que com ele se pretende demonstrar – data de vencimento do crédito hipotecário, poderia ter sido junto em data anterior, máxime, aquando da resposta ao pedido de não homologação do plano de pagamento formulado pelo credor SANTANDER CONSUMER FINANCE SA – SUCURSAL EM PORTUGAL de 10/09/2024 e ao qual o apelante respondeu em 11/09/2024, em que alegava já que “a proposta apresentada ao credor garantido e aos credores comuns, a maturidade das obrigações propostas é equivalente.”
Assim, nada tendo sido alegado pelo recorrente para justificar a necessidade de junção do documento seja, por via da sua superveniência objetiva, seja por via da sua superveniência subjetiva, nem resultando a necessidade da sua junção do julgamento efetuado em primeira instância, indefere-se a consideração/junção dos documentos junto com as alegações.
III. Fundamentação
De facto
Com relevância para a decisão do recurso mostram-se assentes os factos constantes do relatório e ainda os seguintes, resultantes dos termos dos autos:
1. Com o requerimento inicial o devedor informou que participa nas seguintes sociedades: Estilo e Carácter, Lda., enquanto sócio e gerente, sendo titular de uma quota de € 2500 no respetivo capital social de € 5000; Memória Curiosa - Arquitetura e Construção, Unipessoal, Lda., enquanto sócio-gerente, sendo titular da única quota de € 500, correspondente ao respetivo capital social; Momentos e Questões, Lda., enquanto sócio-gerente, sendo titular de uma quota de € 4 500 no respetivo capital social de € 5000; que no âmbito da atividade das empresas nas quais participa, assumiu, mediante a prestação de avales e fianças pessoais, a responsabilidade solidária pelo pagamento de diversas dividas contraídas pelas empresas e estão pendentes contra si processos tendentes à cobrança de créditos em que figura como garante.
2. Juntou ainda declaração de rendimentos relativa ao ano de 2020, da qual consta ter obtido rendimentos brutos de trabalho dependente de € 8.890,08, relativa ao ano de 2021 da qual consta ter obtido rendimentos brutos de trabalho dependente de € 7.980,00, e relativa ao ano de 2023 da qual consta ter obtido rendimentos brutos de trabalho dependente de € 8.460,00.
3. Juntou recibo de vencimento processados em setembro de 2023, outubro de 2023 por MOMENTOS E QUESTÕES - LDA, do qual resulta a categoria de gerente, um vencimento bruto de € 3.500,00, sobre o qual incidem descontos para a segurança social e IRS, sendo o total a receber de € 2.138,00.
4. Por requerimentos de 20/03/2024, 02/04/2024, 04/04/2024 e de 22/04/2024, COFIDIS, Sucursal em Portugal da S.A. francesa Cofidis, BMW RENTING PORTUGAL, LDA, Banco Comercial Português, S.A. SANTANDER CONSUMER FINANCE, S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL, comunicaram aos autos terem declarado ao requerente pretender participar nas negociações, nos termos do nº7 do art. 222º-D do CIRE.
5. Após decisão das impugnações da lista provisória de créditos, a lista definitiva de créditos ficou composta pela seguinte forma:
6. Apresentado acordo de pagamento e submetido a votação foi o plano votado nos seguintes termos:
- Autoridade Tributária e Aduaneira – a favor;
- Banco Comercial Português, SA – a favor;
- BANKINTER S.A – abstenção;
- BMW BANK GMBH - Sucursal Portuguesa – contra;
- COFIDIS, Sucursal em Portugal S.A. – contra;
- EDP COMERCIAL - COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA – abstenção;
- Instituto da Segurança Social, I.P. – abstenção;
- Instituto da Segurança Social, I.P. – contra quanto ao crédito comum de 6 996,73;
- LUSÍADAS, S.A., SA – abstenção.
- MEO - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A – abstenção;
- NOS COMUNICAÇÕES, S.A. – abstenção;
- B … - Cons. Fiscal, unip, lda. – a favor;
- RAIZECROWD - Serviços de Informação e Tecnologia, Unip, Lda. – abstenção;
- SANTANDER CONSUMER FINANCE S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL – contra.
7. Votaram contra credores representando 17,07% dos direitos de voto, a favor credores representando 63,14% dos direitos de voto e abstiveram-se credores representando 19,79% dos direitos de voto.
8. O acordo de pagamento aprovado apresenta o seguinte teor:
“PROPOSTAS
1. ESTADO
1.1. AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
A divida reconhecida à Autoridade Tributária e Aduaneira será regularizada através de Plano Prestacional a autorizar no âmbito do Processo de Execução Fiscal, nos termos do artº 196º do CPPT, em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas de valor unitário não inferior a 10 unidades de conta, até perfazer o total da dívida;
As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da votação do acordo para pagamento;
Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dívidas ao estado;
Manutenção das garantias, nos termos do n.º 13 do artigo 199º do CPPT;
Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 222º- E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.
1.2. INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
O pagamento da totalidade da dívida reconhecida no presente PEAP será regularizada no âmbito da execução fiscal, em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a 1ª prestação até ao final do mês seguinte ao da votação do plano;
Taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do acordo de pagamento até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
Dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 199.º, nº 13, do CPPT.
2. CREDOR GARANTIDO – BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.
Regularização das prestações vencidas no prazo máximo de 12 meses após trânsito em julgado em prestações mensais, iguais e sucessivas;
Manutenção da taxa de juro atualmente em vigor;
Manutenção das prestações atualmente em vigor, nomeadamente a sua periodicidade;
Manutenção das restantes condições contratuais;
Salvo regresso de melhor fortuna.
3. CREDORES COMUNS
Consolidação da dívida à data do trânsito em julgado da sentença de homologação;
Pagamento da totalidade da dívida em 331 prestações mensais, iguais e sucessivas;
Contagem do prazo a partir do trânsito em julgado do plano de recuperação;
Salvo regresso de melhor fortuna.
Aos créditos sob condição aplicar-se-ão os termos previstos no ponto 3. Credores Comuns.
Com este plano garante-se que todos os credores serão ressarcidos quase na totalidade dos seus créditos, privilegiando os mesmos face a qualquer situação de insolvência.
PROJEÇÃO FUTURA DE PAGAMENTOS
Assim, em modo de resumo – mais detalhado nos anexos ao plano – preveem os devedores o seguinte plano de pagamento:
9. Do acordo de pagamento consta ainda o seguinte: “Com este plano garante-se que todos os credores serão ressarcidos na totalidade dos seus créditos, privilegiando os mesmos face a qualquer situação de insolvência. Tendo em conta o cenário financeiro atual do Requerente, que levou o mesmo a se apresentar ao PEAP, caso não haja concordância e apoio dos credores para a execução da presente proposta de recuperação, será dado como certo o cenário de liquidação de todo o património de forma precipitada, que certamente irá acarretar perdas substanciais na venda dos mesmos. Num cenário de liquidação, estima-se a venda do património por um valor entre os 60% e os 70% do seu valor de mercado. O que face ao que o valor realizável em caso de liquidação dos bens dos devedores, poderá ser insuficiente para servir todas as obrigações da Requerente. Apenas os credores garantidos veriam parte do seu crédito coberto, como é o caso da instituição: Banco Comercial Português, S.A.”
10. Do mesmo acordo consta o seguinte quanto à situação patrimonial do devedor:
Fundamentação de Direito.
A decisão sob recurso, contra a qual se insurge o apelante, recusou a homologação do acordo de pagamento por entender que ele viola o princípio da igualdade pela desproporção injustificada das medidas de compressão dos credores comuns relativamente aos garantidos, censurando-se a desproporção entre o tratamento nas formas de pagamento pois o Plano prevê o pagamento dos valores em divida aos credores comuns por prazo superior a 27 anos, não se prevendo o aumento das prestações a pagar aos credores comuns em proporção ao valor que o devedor deixará de pagar à ATA ao fim de 60 meses - € 1.586,08 - e ao IGFSS ao fim de 150 meses, € 297,36, considerando que aquele prazo é manifestamente excessivo e desproporcional, principalmente se atentar a que o devedor não se compromete sequer a aumentar as prestações dos credores comuns assim que cessados os pagamentos dos créditos tributários, o que põe manifestamente em causa o princípio da proporcionalidade e da boa-fé por referência aos princípios plasmados na Resolução do Conselho de Ministros de 43/2011 de 25/10, designadamente o 2.º, concluindo que a proposta de acordo de pagamento revela, assim, violação não negligenciável de norma imperativa aplicável ao conteúdo do plano, o disposto no art.º 194º do CIRE, que justifica a sua não homologação, nos termos dos arts. 215º e 222º-F, nº 5 do mesmo diploma.
O recorrente imputa à decisão a violação do disposto nos artigos 215.º do CIRE, com base na seguinte linha argumentativa:
- a proposta apresentada ao credor garantido e aos credores comuns é equivalente face à maturidade do único crédito garantido, o do BCP e por isso, o montante mensal a pagar ao credor reclamante não é significativamente inferior às prestações mensais acordadas inicialmente.
- os credores comuns, tal como o Santander Consumer, não se encontram em situação mais desfavorável com a aprovação do plano, uma vez que o mesmo, desde logo, prevê o ressarcimento total do capital em dívida para todos os credores.
- a maturidade do crédito garantido atinge-se ao fim do pagamento de 331 prestações, ou seja, ao fim de cerca de 27 anos.
- O prazo de reembolso de todos os créditos - garantido e comuns - alinha-se com a maturidade do crédito hipotecário ( financiamento à habitação) do BCP ( composto por dois créditos).
- Se não se partisse da maturidade do crédito do credor garantido (27 anos) a partir da homologação, e se reduzisse o prazo de pagamento aos credores comuns, reconduzíamo-nos aí sim, à desigualdade entre o credor garantido e os credores comuns.
De harmonia com o disposto no artigo 222.º-F, n.º 5, do CIRE, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.
Os preceitos destes artigos 215.º e 216.º regulam a não homologação do plano de insolvência, em termos facilmente transponíveis para a não homologação do plano de pagamento aprovado no âmbito do PEAP.
O PEAP foi introduzido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (arts. 222-A a 222-J) pelo DL n.º 79/2017, de 30.06, com o objetivo, declarado pelo legislador, de “permitir ao devedor que, não sendo uma empresa (…), estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.” Desempenha, portanto, uma finalidade que é paralela à do processo especial de revitalização (PER) para os devedores titulares de empresa.
A criação do PEAP veio compensar a restrição legal do âmbito subjetivo de aplicação do PER aos devedores titulares de empresas. Compreende-se assim que o regime do PEAP tenha sido decalcado do que estava previsto para o PER antes das alterações introduzidas pelo referido DL n.º 79/2017 (cf. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, pág. 641) e é também um processo pré-insolvencial, pois é aplicável a devedores que já se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente e que não estejam ainda numa situação de insolvência atual (art.º 222-A, n.º 1). É ainda um processo concursal: por um lado, podem nele participar todos os credores interessados; por outro, a sentença homologatória do plano aprovado em sede de PEAP vincula todos os credores, mesmo aqueles que não tenham reclamado os seus créditos ou participado nas negociações (art.º 222-F, n.º 8).
Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento em que intervenham todos os credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz. Em caso de homologação, produz, de imediato, os seus efeitos (art.º 222-F, n.º1).
Se as negociações forem concluídas com a aprovação de acordo de pagamento sem unanimidade, o devedor remete-o ao tribunal para o mesmo fim (art.º 222-F, n.º 2).
Por força do disposto no artigo 222.º-F, n.º 3, no âmbito do PEAP, o prazo para a solicitação da não homologação do plano, “nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações”, é de 10 dias a contar da publicação no portal Citius do anúncio advertindo da junção plano.
No presente caso, como vimos, o credor Santander Consumer Finance, S.A – Sucursal em Portugal manifestou-se contra a aprovação do plano dentro do referido prazo.
A recusa da homologação pelo tribunal a quo teve como fundamento o disposto no art.º 215º do CIRE.
O artigo 215.º regula a não homologação oficiosa do plano, nos seguintes termos: O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª ed., 2015, p. 781), «normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…). Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deva contemplar».
Em qualquer dos casos, apenas as violações não negligenciáveis das normas em causa justificam a não homologação do plano, como preceitua o artigo 215.º do CIRE.
A este propósito referem ainda Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Ob. Cit., pág. 782, que «são não negligenciáveis, todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido», acrescentando os mesmos autores que importa, assim, «sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta – tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável.»
Entre as normas relativas ao conteúdo do plano de recuperação inclui-se a do artigo 194.º do CIRE, que consagra e regula o princípio da igualdade entre os credores, reflexo da primazia que o CIRE veio conferir à satisfação dos direitos destes (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/04/2012, proc. n.º 2261/11.0TBBRG-E.G1). Tratando-se de uma norma imperativa, a sua violação consubstancia um vício não negligenciável, para os efeitos do artigo 215.º do CIRE, como vem sendo entendido de forma unânime pela doutrina e pela jurisprudência (cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2022, proc. n.º 840/21.7T8ACB.C1).
O Tribunal a quo decidiu não homologar o plano de pagamento apresentado pelo devedor, apesar de este ter sido aprovado pela maioria de credores exigida pela lei, por considerar, em essência, que (i) o seu conteúdo viola o princípio da proporcionalidade e da boa-fé por referência aos princípios plasmados na Resolução do Conselho de Ministros de 43/2011 de 25/10, designadamente o que estabelece que 2.º «Durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos», pois pode facilmente ser entendido como uma forma de o devedor se exonerar de parte (muito) significativa do seu passivo através da imposição de um prejuízo francamente desproporcional aos seus credores comuns e manifestamente comprometedor de uma solução justa e equitativa para os vários interesses em jogo.
Ora, a sujeição do acordo de pagamento ao princípio da igualdade dos credores e ao da proporcionalidade tem o seu fundamento no n.º 1 do artigo 194.º do CIRE, aplicável com as devidas adaptações ao processo especial para acordo de pagamento por remissão do n.º 5 do artigo 222.º-F do mesmo diploma. Fazendo esta aplicação com as devidas adaptações, temos que o acordo de pagamento obedece ao princípio da igualdade dos credores do requerente, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.
Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência a igualdade de consagrada neste preceito é a igualdade material dos credores, a qual se cumpre tratando de maneira igual os credores que se encontrem em situações de facto iguais e tratando de maneira diferente os que estejam em situações de facto diferentes (cf. os acórdãos do STJ de 25/11/2014 proferidos no processo n.º 1783/12.0TYLSB, de 3/11/2015 proferido no processo n.º 863/14.2T8BRR, de 24/11/2015, proferido no processo n.º 700/13.5TBTVR e os acórdãos desta secção de 13/04/2021, proferido no processo n.º 1889/19.5T8VFX.L1-1 e de 26908/20.9T8LSB.L1-1). Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Ob. Cit., pág. 712, a razão objetiva mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores, assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos previstos no art.º 47º do CIRE.
No caso de tratar de maneira diferenciada alguns dos credores, resulta do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE – também ele aplicável com as necessárias adaptações ao processo especial para acordo de pagamento por remissão do n.º 5 do artigo 222.º-F do CIRE – que o acordo deve conter a indicação das razões objetivas da diferenciação. Em consonância com o exposto, a jurisprudência dos tribunais superiores vem defendendo de forma consistente que haverá violação do princípio da igualdade sempre que o plano preveja o tratamento desfavorável de um ou mais credores em relação aos restantes e essa diferenciação não esteja justificada por razões objetivas (Cf. Acórdão desta secção de 27/10/2020, proferido no processo n.º 27086/19.1T8LSB.L1-1 e o Acórdão do STJ de 24/11/2015, processo n.º 212/14.0TBACN.E1.S1, sendo necessário justificar no próprio plano o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas para essa diferença - Cf. Acórdão do STJ de 08/10/2015, processo n.º 1898/13.8TYLSB.S1, e, ainda que alguma diferenciação se justifique, importa atentar na razoabilidade e no carater proporcional da diferenciação imposta pelo plano - cf. o já citado Acórdão STJ de 24/11/2015, processo n.º 212/14.0TBACN.E1.S1; as diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano; pelo contrário, é este que, na sua substância, tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre os credores. Impõe-se tratar de forma idêntica todos os credores, mas levando em linha de conta a qualidade, natureza e finalidade dos respetivos créditos (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024, processo n.º 7961/23.0T8VNG.P1).
O CIRE não indica quais as razões objetivas que justificam a diferenciação de tratamento dos credores, sequer a título exemplificativo. Competindo ao juiz a decisão sobre a homologação (n.º 5 do artigo 222.º-F do CIRE), cabe-lhe a ele, “a avaliação última do cânone de igualdade material em cada situação” (cf. Carolina Cunha in A Par Condicio Creditorum como Igualdade Formal dos Credores: Expectativa vs. Realidade, Almedina, página 177).
Ora, na avaliação da legitimidade da discriminação dos credores intervém o princípio da proporcionalidade invocado pelo Tribunal a quo.
Com efeito, e a propósito o princípio da proporcionalidade referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, página 340 que “as diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando a) se baseiam uma distinção objectiva de situações; b) não se fundamentam em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo” (sublinhado nosso). Como é afirmado de forma reiterada pelo Tribunal Constitucional, a título meramente exemplificativo os acórdãos n.º 123/2018, de 6 de Março de 2018 e 154/2022, de 17 de Fevereiro de 2022, nos quais se pode ler que: “constitui jurisprudência constitucional reiterada e pacífica que o princípio da proibição do excesso se analisa em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade (…) o subprincípio da proporcionalidade (ou da justa medida) determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional».
Na jurisprudência dos nossos Tribunais encontramos, de resto, várias decisões que apreciam a legalidade dos acordos de pagamento e de planos de recuperação alcançados em sede de processo especial de revitalização à luz do princípio da proporcionalidade, nomeadamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/10/2020, processo n.º 616/20.9T8ACB.C1, de 9/05/2017, no processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/12/2014, processo n.º 166/14.2TJPRT.P1, onde se pode ler no respetivo sumário que: “O princípio de igualdade consagrado no art. 194º do CIRE não pode ter-se por absoluto, não impondo uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza. Pelo contrário, os valores inerentes a esse princípio não podem deixar de induzir critérios de proporcionalidade, mesmo na diferença admissível entre as soluções encontradas para créditos de natureza igualmente diversa.”
Em conclusão, e apesar de o CIRE não conter preceito a afirmar expressamente que o acordo de pagamento obedece ao princípio da proporcionalidade, deve entender-se que a sujeição dele a este princípio resulta também do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE. Isto mesmo se concluiu no Acórdão do STJ de 25 de março de 2014, processo n.º processo nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (Fonseca Ramos), ao se dizer-se que: «A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade (…)”.
Considerando o significado e o alcance dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como os factos provados nos autos, entendemos que as alegações do recorrente, ao afirmar que o acordo de pagamento – que prevê o pagamento dos créditos comuns ao longo de 27 anos, período equivalente ao prazo de maturidade do crédito do credor hipotecário, sem prever aumento nas prestações após o pagamento dos créditos da AT e da Segurança Social (60 prestações mensais para o primeiro e 150 para o segundo) – não viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, não são suficientes para contrariar a decisão recorrida.
O credor Santander Consumer, viu o seu crédito reconhecido pelo montante de 12.003,66€ dentro de um universo de credores comuns, cujos créditos ascendem, na sua globalidade ao montante de 117.233,94€. Assim, tal como os demais credores comuns, é obrigado a esperar 27 anos para receber o seu pagamento integral, mediante o pagamento de uma prestação mensal de 36,26€. Este prazo coincide com o prazo de maturidade contratada entre o devedor e o credor hipotecário, prazo este que não foi inicialmente acordado para o pagamento dos créditos comuns. O credor hipotecário, mantendo o prazo de maturidade inicialmente contratado no contrato de mútuo celebrado com o devedor, com uma prestação mensal que coincide com a prestação atual de 1018,61€, beneficia de uma posição mais segura e priorizada no pagamento por força da garantia hipotecária.
É razoável tratar de forma diferenciada o crédito contraído para aquisição de habitação e o crédito assumido para aquisição de bens de consumo (como é o caso do crédito do credor Santander Consumer). Todavia, não podemos deixar de realçar que a natureza e o valor desses créditos podem justificar prazos diferenciados para o seu pagamento, nomeadamente no caso do crédito hipotecário, que, por envolver garantias reais, justifica a manutenção do prazo inicialmente acordado para a sua liquidação e que, dessa forma, não sofre qualquer alteração em face do plano de pagamentos.
Por isso é que não colhe contra a decisão recorrida a alegação de que se não se partisse da maturidade do crédito do credor garantido (27 anos) a partir da homologação, e se reduzisse o prazo de pagamento aos credores comuns, estar-se-ia a criar uma situação de desigualdade entre o credor garantido e os credores comuns, já que, como se referiu, os princípios da igualdade e da proporcionalidade permitem a diferenciação entre credores, desde que haja uma justificação objetiva e razoável para tal diferenciação tornando admissível que se estabeleçam soluções diversas para créditos de natureza diversa.
Nos planos de recuperação, é comum estabelecerem-se regimes diferenciados para créditos comuns, créditos garantidos por garantia real e créditos tributários. Estas diferenças encontram fundamento no princípio da igualdade consagrado no artigo 604º do Código Civil, no artigo 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e no artigo 47º do mesmo código.
Encontrando-se a “desigualdade” entre o regime estabelecido para os credores comuns e o regime estabelecido para os credores garantidos ou privilegiados, expressamente prevista na legislação civil e insolvencial, em princípio, a consagração de um distinto tratamento, mais favorável, quanto aos créditos garantidos ou quanto aos créditos privilegiados, quando em confronto com o acordado para os créditos comuns, não envolverá qualquer violação do princípio da igualdade, como defende o apelante.
Mas, como já tivemos ocasião de referir, o nº1 do artigo 194º CIRE vai mais longe, ao consagrar uma dimensão material do princípio da igualdade – que exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Esta regra significa que os credores devem estar à partida num plano de igualdade perante o devedor, salvo se existirem causas legítimas que contrariem a sua aplicação, constituindo a distinta classificação dos créditos uma das razões objetivas habitualmente invocadas de tratamento diferenciador enquanto consagração ou concretização desse mesmo princípio da igualdade.
Sendo o crédito do Banco Comercial Português, S.A. garantido pela hipoteca do imóvel que constitui o principal elemento do património do apelante, sempre para ele se deveria prever uma forma de satisfação privilegiada em relação aos outros créditos comuns, pois que, por exemplo, numa hipótese de insolvência, também aquele credor seria pago com preferência sobre os demais, pelo produto da execução desse imóvel.
Porém, no caso em apreço, no plano de pagamento proposto, não só se prevê a satisfação integral desse crédito e respetivos juros, a par da manutenção da garantia, como se mantém o prazo de maturidade da divida inicial, prazo contratado com o devedor, com o pagamento de uma prestação mensal (atual) de 1018,61€.
Já quanto aos credores comuns, ainda que não vejam formalmente reduzidos os seus créditos, o devedor só terá de lhes afetar cerca de 99,00€ por mês, tendo de esperar 27 anos para o seu pagamento integral, sem que esta extensão temporal para a liquidação do capital seja devidamente remunerada mediante o pagamento de juros. Isto resulta numa superior garantia para o credor Banco Comercial Português, S.A., de que o seu crédito vá sendo pago, pois que os rendimentos do devedor ficam, durante um prazo consideravelmente extenso, maioritariamente libertos das restantes dívidas, para que lhe paguem a si.
Acresce que, a discriminação apontada não está justificada no acordo, assim como não se vislumbra qualquer justificação para o facto de uma vez pagos os créditos tributários, o devedor não se comprometa sequer a aumentar as prestações dos credores comuns, como aponta a decisão recorrida, para tanto não bastando a referência a que “o pagamento aos credores será efetuado essencialmente através do recurso a rendimentos a obter com a atividade profissional do Devedor”, posto que esta circunstância não justifica, só por si e sem mais explicações, que este não possa, desde logo, uma vez que se mostre concluído o pagamento dos créditos do Estado, suportar o pagamento de uma prestação maior para pagamento dos créditos comuns, e assim encurtar o numero de prestações e, por essa via, o respetivo prazo do seu pagamento, sem que este encurtamento constituísse qualquer violação do disposto no art.º 47º e 174º a 177º do CIRE, normas previstas para o pagamento nos casos de liquidação em processo de insolvência.
Argumenta o recorrente, que à luz do princípio da igualdade material dos credores consagrado no n.º 1 do artigo 194.º do CIRE, se proíbe apenas a diferenciação de tratamento sem justificação razoável, segundo critérios objetivos. No entanto, este princípio não impede que se trate de forma diferenciada credores de diferentes categorias, ou até mesmo credores dentro da mesma classe, desde que a diferenciação seja justificada por critérios objetivos e não arbitrários. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/01/2016, processo n.º 1702/15.2T8SNT.L1-8). Exige-se, antes, que se mostre evidenciado estarem assentes em circunstâncias objetivas que justifiquem o tratamento diferenciado, devendo essa justificação constar do acordo de pagamento. O tratamento desigual deve ser justificado e a justificação cabe a quem apresenta o acordo ou o plano, sob pena de a discriminação se ter por injustificada. Assim não sucedendo é legítimo concluir estar-se na presença de uma diferença de tratamento que, porque não explicada, é em última análise arbitrária, discricionária ou discriminatória, que é o mesmo que dizer não objetivamente justificada, impondo-se portanto ao juiz o dever de recusar a homologação do plano (cf. o Acórdão desta secção de 16/12/2021, processo n.º 26908/20.9T8LSB.L1-1).
Ora, no caso, o facto de se considerar que os créditos comuns foram discriminados negativamente, reside, precisamente, no prazo estabelecido para o seu pagamento, impondo-se aos créditos comuns um prazo de pagamento extraordinariamente longo, sem qualquer garantia de cumprimento associada e sem remuneração a titulo de juros, podendo importar, inclusive, perda de capital se se atentar ao efeito inflacionário de tal prazo sobre o capital em divida, não se encontrando no Plano apresentado fundamento objetivo para tanto; ao invés da situação que do plano resulta para o credor hipotecário pois, para além de prever o cumprimento das prestações vencidas e não pagas no curto período de 12 meses – a contrastar de sobremaneira com os 324 meses previsto no plano para os credores comuns, mantém incólume o seu crédito sobre o recorrente de acordo com as condições que com ele contratualizou, incluindo a remuneração pela disposição do capital até ao termo da maturidade do crédito, ao ponto de se poder afirmar que, na prática, o credor hipotecário sequer é afetado pelo plano, pelo menos, em termos que se tenham por relevantes. A invocada circunstância referida no plano de, “no cenário alternativo da liquidação dos ativos, a posição dos créditos comuns ser mais afetada do que é no acordo de pagamento”, não justifica o tratamento diferenciado que foi dado, tanto mais que esse alegado cenário é infirmado pelos elementos disponíveis nos autos, dos quais resulta que em sede de liquidação o valor dos bens do recorrente (estimado em montante superior a €460.000,00) permitirão dar integral satisfação aos créditos sobre o recorrente (no valor relacionado nos autos de cerca de €396.000,00).
Em síntese, o credor hipotecário, atenta a natureza do seu crédito, vê-lo-á satisfeito no tempo normal de pagamento destes créditos, enquanto os credores comuns enfrentam um período excessivo de espera; os credores comuns não recebem qualquer garantia adicional que compense o risco aumentado de inadimplemento, o que constitui uma restrição severa; além de receberem os seus créditos num prazo muito maior do que seria normal, a perda real de capital provocada pelo fenómeno inflacionário ao longo de 27 anos, constitui um sacrifício desproporcional em relação ao benefício concedido ao credor garantido.
Devemos, pois, concluir, tal como concluiu o Tribunal recorrido que o plano de recuperação ofende o princípio da igualdade, por tratamento intoleravelmente desproporcionado entre o crédito do credor hipotecário e os demais créditos comuns, tal como esse princípio se encontra consagrado no art.º 194º do CIRE, improcedendo, assim, a apelação.
*
IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Susana Santos Silva
Amélia Sofia Rebelo
Ana Rute Costa Pereira