REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INUTILIDADE
Sumário

(elaborado pela relatora - art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Só é de reapreciar a matéria de facto se essa análise for susceptível de desembocar em resultado útil para a acção, podendo a reapreciação ser meramente parcial.

Texto Integral

Acordam as Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA, residente na Rua …, Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AGEAS Portugal Companhia de Seguros, S.A., com sede na Praça …, Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 6.444,00, acrescidas de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação até pagamento integral.
Para tanto, alegou em síntese:
- Contratou com a Ré um contrato de seguro denominado “riscos múltiplos habitação – PTL Plus” e por via da qual a seguradora assumiu, a partir do dia 01.08.2022, a responsabilidade pela verificação de danos provocados pelos sinistros indicados na apólice;
- O seguro foi contratado tendo, como capitais seguros, o de 75.906,42 € (para o imóvel) e de 43.809,06 € (para os conteúdos);
- Entre as coberturas contratadas, incluem-se as inundações e danos por água;
- No início de Agosto de 2022, a A. detectou, no imóvel segurado, uma fuga de água que começou a assumir proporções grandes, ao ponto de começar a inundar algumas divisões do imóvel (cozinha e despensa, sobretudo, mas também o W.C.).
- Tal fuga foi comunicada à Ré em 11.08.2022;
- A A., através do técnico contratado, procedeu à reparação do tubo, nos locais das fissuras que provocaram a fuga tendo sido necessário partir previamente as paredes internas do imóvel, abrindo roços nas mesmas, ao nível da cozinha, das instalações sanitárias e da despensa do imóvel e proceder à substituição de toda a canalização de águas limpas, aplicando a nova canalização nos locais respectivos;
Após, foi necessário o reboco das paredes e à colocação de azulejo (na cozinha e nas instalações sanitárias) sobre as zonas de parede intervencionadas;
- A A também mandou pintar a zona de parede não intervencionada com azulejo, após a substituição da canalização;
- A A. pagou, o valor de 6.444,00 € (seis mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros);
- Os técnicos da Ré, a mando e em serviço desta, deslocaram-se ao local e procederam à elaboração do respectivo “Relatório de Serviço” que foi enviado à A em finais de Agosto de 2022;
- No referido relatório de serviço, a Ré identificou e reconheceu o sinistro, referindo-se à necessidade de a Autora ter sido obrigada a contratar o canalizador “que realizou a pesquisa e reparação da rotura na tubagem de abastecimento de água que se encontrava na casa de banho junto à zona do autoclismo.”;
- O relatório reconheceu ainda que na visita técnica foi possível verificar “a abertura dos roços na zona da casa de banho, despensa e cozinha da fracção segura e a colocação de tubagens novas. Foi também possível observar a tubagem antiga que o segurado guardou para nossa visualização.”;
- Concluiu o relatório com a recomendação de que se deveria de aguardar pela secagem das paredes de modo que a reparação não ficasse com humidade no interior, “de acordo com as especificações dos materiais.”;
- A Ré, no entanto, veio a declinar o pagamento do valor das obras, alegando a falta de manutenção.
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A Ré, devidamente citada, apresentou contestação.
Alega, com relevo, que averiguado o evento participado, que lhe foi transmitido que atendendo ao mau estado de conservação da tubagem de abastecimento de água do imóvel, optou a segurada e o seu marido, pela substituição de toda a tubagem de abastecimentos de água e não apenas daquela que se encontrava no wc.
Era evidente o mau estado de conservação da canalização;
Assim o evento dos autos não terá resultado de um dano de carácter súbito e imprevisto, conforme determina o disposto no ponto 17, do artigo 17.º das Condições Gerais da apólice, tendo os danos verificados corrido em consequência da falta de manutenção do imóvel seguro, sem o carácter súbito e imprevisto que é exigível, não podendo recair sobre si qualquer responsabilidade pela reparação dos danos reclamados no âmbito dos autos.
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Foi proferido despacho saneador, e atenta a simplicidade, ao abrigo do disposto no art.6º do CPCivil, dispensou-se a selecção do objecto do litígio e dos temas da prova.
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Foi proferida sentença que, a final, decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
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Não se conformando com a decisão, dela vem recorrer a A. concluindo como segue:
«a) O presente recurso tem como objecto a douta sentença proferida no dia 12.11.2024, nos autos supra indicados, que julgou improcedente a acção que visa responsabilizar a recorrida por um sinistro verificado no objecto seguro – a saber, o imóvel da recorrente, devidamente identificado nos autos.
b) No que tange à matéria de facto, o tribunal a quo deu como não provado que a recorrente pagou, pelos danos verificados, a BB, o valor de 6.444,00 €; sucede que tal julgamento factual está em total colisão com o depoimento desta testemunha (BB), que, no minuto 11 do seu depoimento (gravado de 14:31:30 a 15:10:25 no sistema integrado de gravação digital disponível no tribunal a quo) declarou que, embora não se recordasse do valor concreto, este terá sido entre 4 e 5 mil euros.
c) Pelo que o tribunal a quo deveria ter dado como provado que a recorrente pagou o valor de 5.000,00 € ao reparador, pelos danos, ainda que tomasse como não provada a totalidade do valor alegado em sede de petição inicial; pelo que pede, em sede de recurso, que seja dado como provado que a recorrente pagou 5.000,00 € ao reparador, como consequência do sinistro.
d) Sinistro cuja ocorrência, note-se, nunca foi colocada em causa pelo tribunal a quo.
e) No que respeita ao facto D) da matéria não provada (nunca foi comunicado à recorrente, na data da contratação do seguro, nem posteriormente, as respectivas condições gerais), também este facto foi erradamente julgado como não provado, quando deveria ter sido dado como provado;
f) Com efeito, e no âmbito das condições gerais do contrato de seguro, movemo-nos em sede de cláusulas contratuais gerais, que o tribunal a quo vanificou;
g) Perante a alegação da recorrente de que tais condições lhe não foram comunicadas ou transmitidas, invertera-se o ónus da prova, nos termos do art.º 5.º/3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais);
h) O que significa que competia à recorrida o ónus de provar que a referida comunicação ocorrera, o que esta não fez; isto, porque fora a recorrida quem predispusera das referidas cláusulas contratuais, tendo-as aprovadas internamente, sem permitir qualquer tipo de negociação ou alteração.
i) Pelo que impunha-se julgar provado o facto que, erradamente, o tribunal a quo julgou como não provado, em sede de alínea D).
j) Pelo que também esta matéria factual deverá ser julgada provada pelo tribunal ad quem – provado que nunca foi comunicado à A., na data da contratação do seguro, nem posteriormente, as respectivas condições gerais.
k) Seguidamente e tendo em consideração a demais factualidade julgada assente pela primeira instância, a acção deveria ter sido julgada procedente, por estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade da recorrida seguradora, a saber, o sinistro na coisa segura; a inexistência de qualquer limitação à responsabilidade; o dano; o nexo causal entre o sinistro e o dano.
l) A referência ao art.º 493.º CC, constante da douta sentença sob recurso, é totalmente descabida, porquanto tal preceito legal estabelece um dever do proprietário em manter uma coisa em certas circunstâncias, de forma a evitar que a mesma cause danos a terceiros; quando, no caso em apreço, estamos perante uma coisa que causou danos ao próprio proprietário, e não a terceiros.
m) O estado da canalização – velha ou nova – nunca foi circunstância
impeditiva, para a recorrida, em celebrar o contrato de seguro; contrato esse que já vem do ano de 1999!
n) O referido estado da canalização, porém, já é circunstância impeditiva para a recorrida assumir a sua responsabilidade… o que nos leva a questionar a função efectiva da actividade da recorrida, perdoe-se-nos a ironia.
o) Mas, independentemente do estado da canalização, o certo é que, mercê da inserção do facto D) como provado – como se pede no presente recurso – tal circunstância em caso algum pode ser impeditiva ou excludente da responsabilidade da recorrida.
p) Ou seja, não há nenhuma circunstância excludente da responsabilidade da recorrida, razão pela qual a mesma deve ser condenada a assumir a referida responsabilidade.
q) Ao decidir como decidiu, a douta sentença ora sob recurso violou os art.º 483.º e 493.º CC, e, bem assim, o art.º 102.º do DL 72/2008, de 16 de Abril,
r) Pelo que deverá ser revogada ou anulada, e substituída por outra, que julgue a acção procedente, ainda que com a limitação da indemnização para o valor de 5.000,00 €,
Porquanto só assim se fará a desejada JUSTIÇA!»
*
Pela Ré foram apresentadas contra-alegações tendo alinhado as conclusões que seguem:
«A) A Autora pretende a alteração da matéria de facto, no entanto verifica-se que não dá cumprimento ao ónus que lhe é imposto nos termos do disposto no artigo 640º. do Código de Processo Civil;
B) Verifica-se que a Autora, no recurso que apresenta, embora questione apenas a redacção dada ao facto indicado com o nº. 1 da base instrutória, dando assim cumprimento ao disposto na alínea a), do nº. 1, do artigo 640º., já não dá cumprimento às exigências previstas na alínea b), do nº 1 e no nº 2 do artigo mencionado, constituindo assim, essa omissão, um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que levará, nos termos daquele normativo legal, à imediata rejeição do recurso, no que à alteração da matéria de facto se refere;
C) Ora, o nº 1, do artigo 640º. do Código de Processo Civil, ao impor a necessidade da Recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que determinam decisão diversa, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância;
D) Ora, o que se verifica é que a Recorrente, pondo em causa a matéria de facto seleccionada como provada pelo Tribunal a quo, indica os pontos dados como Provados e Não Provados, que merecem reparo, mas depois não concretiza os meios probatórios constantes do processo que impõem decisão diversa, já que invoca de forma genérica os depoimentos testemunhais e a prova documental junta aos autos, não identificando, sequer, qual deles deverá ser considerado de per si;
E) Assim, resulta das alegações apresentadas, que a Recorrente não faz qualquer correspondência de elementos probatórios documentais ou testemunhais, que nem sequer são individualizados, de forma a fundamentar a conclusão por ele pretendida, em cumprimento do disposto na alínea b), nº. 1, do artigo 640º., do Código de Processo Civil, nem indicando, sequer, as passagens da gravação em que se funda, com referência a cada facto, com é previsto na alínea a), do nº 2, do supra mencionado artigo 640º. do Código de Processo Civil;
F) Conclui-se, então, que a Recorrente se limita a fazer um pedido de alteração da matéria de facto de forma não concretizada e fundamentada, nos termos legalmente exigidos, sendo que, só o cumprimento das regras permitem ao tribunal avaliar as discordâncias apresentadas em concreto e alterar a matéria de facto em conformidade, quando esteja em causa a impugnação da matéria de facto, pela Recorrente;
G) Pelo que, não tendo a Recorrente dado cumprimento ao disposto na alínea b), do nº 1,e alínea a), do nº 2, ambos daquele artigo 640º. do Código de Processo Cível, ao não referir os concretos meios probatórios que constam do processo e que impõem decisão diferente com referência ao facto que pretende ver reparado, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, incumpriu as exigências expressamente referidas na Lei, o que determina a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita;
H) Em face dos factos que o douto Tribunal a quo considerou que se encontrava em discussão, e a prova produzida, com determinação dos factos dados como Provados e Não Provados, entende a Ré, ora Recorrida, que perfeita se torna a decisão proferida;
I) Vem a Recorrente alicerçar o seu recurso no facto do montante despendido com a regularização dos trabalhos não ter sido considerado provado, para além de considerar não poder ser dado como provado o seu conhecimento das Condições Gerais da apólice e coberturas e exclusões ali previstas, atendo o depoimento das testemunhas CC e BB, no entanto, nenhum reparo merece a apreciação destes depoimentos feita pelo Tribunal a quo, sendo que os depoimentos prestados por estas testemunhas sempre terão de ser conjugados com a demais prova produzida;
J) Procedendo-se à leitura das condições particulares da apólice (documento 1 junto com a contestação da Ré e documento 3 junto com a petição inicial da Autora), é expressamente referido que “o valor dos objectos abrangidos pela presente apólice é automaticamente actualizado em cada renovação anual em termos das Condições Gerais da apólice”;
K) Encontra-se Provado que entre a Autora e a então Ocidental Companhia de Seguros, S.A., foi celebrado um contrato de seguros denominado “Riscos Múltiplos Habitação – PTL Plus”, Multirriscos Habitação, a que respeita a Apólice n.º MR 10831428, em que é tomadora do seguro a Autora e que respeita ao prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia de Algueirão – Mem Martins, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1773º, apólice junta aos autos, bem como as respectivas condições particulares, gerais e especiais;
L) Como bem refere a douta sentença proferida, “O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.
É à Autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art.º 342º, n.º 1, do CC).
Em contrapartida, é à Ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2 do mesmo preceito).
Ora, invocou a Autora a existência de uma fuga de água proveniente de um tubo de águas limpas que serve o seu imóvel, pretendendo ser ressarcida ao abrigo da cobertura inundações e danos por água.
Por seu turno, a Ré defendeu-se alegando, em síntese, o mau estado de conservação/manutenção da tubagem de abastecimento de água ora em causa, pelo que não estamos perante um dano de caracter súbito e imprevisto.
Vejamos.
Aqui chegados, há que interpretar devidamente o teor do contrato. Assim, e no que ora releva, diz ele no seu artigo 5.º, ponto 8 sob a epígrafe “Danos por água”:
“Quando estes, com carácter súbito e imprevisto, provenham de:
- Rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício (incluindo nestes sistemas de esgotos de águas pluviais) assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e esgotos do mesmo edifício e respectivas ligações.
- As despesas em que o Segurado tiver de razoavelmente incorrer e danos resultantes da pesquisa e reparação das roturas, defeitos ou entupimento, exceptuando os danos sofridos pelas canalizações e condutas, aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água”.
Já o artigo 8.º, sob a epígrafe “Exclusões da Cobertura Base”, estatui no seu ponto 5, alínea f) que: “Consideram-se excluídos desta cobertura os danos resultantes de: (…) Os danos por vicio próprio ou defeito de construção e montagem do imóvel ou da sua rede de canalização e esgotos, bem como os resultantes de deficiente manutenção”.
Provou-se que, no início de Agosto de 2022, a A. detectou, no seu imóvel, uma fuga de água proveniente de um tubo de águas limpas que serve aquele, tubo esse no interior de uma parede que serve 3 divisões da casa. Mais se apurou que essa fuga começou a assumir maiores proporções, ao ponto de começar a inundar algumas das divisões do imóvel (cozinha, despesa e sobretudo WC).
Porém, conforme jurisprudência maioritária, a manutenção em bom estado de funcionamento das canalizações de água de um imóvel, dos esgotos, torneiras e todos os demais componentes do respectivo sistema, constitui uma obrigação que decorre da qualidade de proprietário do mesmo (Acórdão R.L. de 18-05-2006; Acórdão R.P. de 07-02-2006; Acórdão S.T.J. de 07-12-2006). O cumprimento da mesma, exige vigilância adequada, de modo a poder providenciar eventuais obras de conservação, de forma atempada.
Tal obrigação decorre, conforme jurisprudência maioritária (cfr. Acórdão S.T.J. de 07- 12-2005) do disposto no artigo 493º, do Código Civil (“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”).
Posto isto, o que importa é saber se, no âmbito do contrato de seguro, aqui em causa, socorrendo-se da interpretação das Condições Gerais e Particulares da Apólice de Seguro
- riscos cobertos e exclusões - se deve, ou não, ter por excluído o direito à indemnização peticionado pela Autora.
Ora, dúvidas inexistem de que efectivamente ocorreu uma fuga de água no imóvel seguro, estando tal factualidade assente, inclusive por acordo das partes.
Acresce que a apólice ora em causa, prevê uma cobertura por inundações e danos por água.
Aqui chegados, não podemos avançar sem ter em consideração que o imóvel dos autos foi construído há mais de 50 anos, sendo que, até à data do evento, nunca havia sido alvo de qualquer intervenção/manutenção.
Aliás, apurou-se ainda que a tubagem existente no aludido imóvel era a correspondente àquela que se usava na altura da sua construção, ou seja, de ferro galvanizado.
Mais acresce que os troços retirados estavam corroídos.
Conforme decorre da factualidade dada como provada a canalização deveria ser substituída todos os 20/30 anos, porque o ferro fundido perde as suas características de solidez, não tendo, por isso, suportado a pressão da água. Aliás, a própria A. no seu articulado admite (no artigo 26.º), que “(…) a substituição da tubagem se deveu ao facto de a rotura não permitir que fizesse apenas um remendo, pois, como a tubagem é de material já antigo, não se conseguiu fazer de outro modo”.
Face ao exposto, resulta demonstrado, à saciedade, que o rebentamento de um cano na fracção de que é proprietária a A., importou a violação do dever que sobre a mesma impedia de conservação da canalização da sua da fracção, dado que se tivesse observado esse dever, que não observou, não teria havido lugar ao rebentamento do cano.
Com a violação desse dever, através da conduta omissiva por parte da A. (inobservância do dever de conservar e manter a canalização de água em bom estado, por forma a evitar um rebentamento da canalização), veio a ocorrer do referido rebentamento.
Acresce que, nos termos do já citado artigo 493.º do C.C., se presume a culpa da A., nos termos do referido normativo legal presunção essa que a mesma não logrou ilidir, conforme se lhe impunha nos termos do artigo 344.º, n.º 1 do C. Civil.
Nesta sequência, temos ainda a própria apólice a estatuir que se consideravam excluídos da cobertura os danos resultantes de deficiente manutenção.”.
M) Resulta demonstrada a exclusão de garantia do seguro objecto dos autos, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada à Ré/Recorrida de proceder ao ressarcimento de qualquer danos alegadamente sofrido pela Autora;
N) Por outro lado, e no que ao montante alegadamente dispendido pela Autora e peticionado nos presentes autos, relativamente aos danos verificados na fracção segura, resulta, pois, evidente que nenhuma prova foi feita quanto aos mesmos, para tanto remetendo também para a apreciação feita pelo Tribunal a quo;
O) Importa fazer referência que nenhuma factura e/ou recibo foi apresentada nos autos, que ateste qualquer montante despendido pela autora, não sendo junto aos autos qualquer documento comprovativo de qualquer pagamento realizado;
P) Quem pagou o montante alegado, atenta-se, a Autora, não fez prova do mesmo, e a quem alegadamente foi pago o valor referente aos trabalhos de reparação, não soube referir qual o montante recebido, acrescentando ainda que se encontrava com a actividade cessada junto do serviço de finanças;
Q) Resulta, pois, evidente que não poderá merecer provimento a pretensão da Autora de ver alterada a matéria dada como não provada;
R) Pelo que, nenhuma censura merece a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, devendo manter-se na íntegra.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE E MANTIDA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COM O QUE SE FARÁ BOA JUSTIÇA.»
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
- Alteração da matéria de facto;
- Procedendo a impugnação da matéria de facto, reapreciação do mérito da acção, com decisão da reclamada procedência da acção.
3. Fundamentação de Facto
3.1. Fundamentação de Facto em 1ª Instância
Factos Provados:
1. Na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... encontra-se descrito, sob o n.º 4782, o prédio urbano sito na Rua ... ..., freguesia de Algueirão – Mem Martins, com inscrição a favor da A., e inscrito na matriz predial urbana da referida Freguesia sob o artigo 1773.
2. A A. e o seu marido residem em Lisboa e utilizam o imóvel descrito em 1. como casa de fim de semana e de férias, ocupando-o, sobretudo, nos meses de Verão de cada ano.
3. O referido imóvel encontra-se equipado com o mobiliário de uso normal e com electrodomésticos.
4. Em 01.08.1999, entre a A. e a então Ocidental Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de Seguro do Ramo Riscos Múltiplos Habitação – PTL Plus, titulado pela apólice n.º MR 10831428, sendo identificado como local de risco o imóvel melhor descrito em 1, com as condições gerais constantes dos autos e que aqui se dão por reproduzidas atenta a sua extensão.
5. Em 01.08.2022, foi renovado o contrato de seguro referido em 4.
6. O seguro foi contratado tendo, como capitais seguros, o de € 75.906,42 (para o imóvel) e de € 43.809,06 (para os conteúdos).
7. Após a renovação referida em 5., do referido contrato consta, entre outras, as seguintes condições particulares:


8. Em 03.01.2022, a referida Ocidental Companhia de Seguros, S.A. fundiu-se, por incorporação (mediante transferência total do seu património), na agora Ré AGEAS.
9. No início de Agosto de 2022, a A. detectou, no imóvel descrito em 1., uma fuga de água proveniente de um tubo de águas limpas que serve o imóvel, tubo esse no interior de uma parede que serve 3 divisões da casa.
10. Tal fuga começou a assumir maiores proporções, ao ponto de começar a inundar algumas das divisões do imóvel (cozinha, despesa e sobretudo o WC).
11. Fuga essa que foi comunicada pela A. e pelo seu marido à R. em 11.08.2022.
12. Perante tal fuga de água, a A., através de técnico contratado, procedeu à respectiva reparação da tubagem em causa.
13. Para isso, o aludido técnico partiu previamente as paredes internas do imóvel, abrindo roças nas mesmas, ao nível da cozinha, das instalações sanitárias e da despensa do imóvel.
14. Tendo procedido à substituição de toda a canalização de águas limpas, aplicando a nova canalização nos locais respectivos.
15. Subsequentemente, procedeu ao reboco das paredes e à colocação de azulejo (na cozinha e nas instalações sanitárias) sobre as zonas de parede intervencionadas.
16. A A. também mandou pintar a zona da parede não intervencionada com azulejo, no caso da dispensa, após a substituição da canalização.
17. Entretanto, técnicos da R., a mando e em serviço desta, deslocaram-se ao local no dia 19.08.2022, por forma a confirmar as causas e circunstâncias do evento participado, bem como ao apuramento dos danos resultantes do mesmo,
18. Tendo sido elaborado um Relatório de Serviço, o qual se mostra junto aos autos e cujo teor se dá aqui como reproduzido atento a sua extensão.
19. A tubagem existente no imóvel descrito em 1., corresponde ao que era utilizado na altura da sua construção (há mais de 50 anos), ou seja, era de ferro galvanizado, nunca tendo sido alvo de qualquer intervenção/manutenção.
20. Em 29 de Setembro de 2022, a Ré deu por encerrado o processo, tendo recusado indemnizar a A.
21. Nesse seguimento a A. remeteu reclamação ao Provedor do Cliente da Ré, o qual lhe respondeu nos seguintes termos:




 
 22. Nos meses seguintes a A., através do seu marido, trocou várias mensagens com o Millenium BCP, entidade que comercializa o seguro e directamente com a R..
23. Em 07.02.2023, a A., através do seu Mandatário, remeteu mensagem de correio electrónico à Ré com o seguinte teor:


24. Na data referida em 23., a A., através do seu Mandatário, remeteu ainda à R. carta registada com AR, com o seguinte teor:



25. Por mensagem de correio electrónico datada de 11.02.2023, a R. respondeu ao ilustre Mandatário da A., nos seguintes moldes:



26. Aquando da deslocação do perito averiguador ao imóvel, na data referida em 17., já havia sido substituída a tubagem de abastecimento de água, faltando apenas proceder aos trabalhos de tapagem dos roços abertos nas paredes do wc, cozinha e despensa.
27. Nesta deslocação, o perito averiguador foi acompanhado pelo marido da A., o senhor CC, que lhe transmitiu que em data que não foi possível apurar, mas anterior a 6 de Agosto de 2022, havia-se deparado com água no pavimento na zona do wc, despensa e cozinha.
28. A A. procedeu à substituição de toda a tubagem de abastecimento de água e não apenas naquela que se encontrava no wc, junto ao autoclismo, local de onde derivou a fuga.
29. A tubagem de água retirada do imóvel (de aço galvanizado), tem uma duração média de 20/30 anos,
30. Sendo que apresentava troços corroídos, apresentando uma camada avermelhada conhecida como ferrugem,
31. Permitindo a passagem de água da tubagem para o seu exterior,
32. Com consequente infiltrações de água nas paredes do imóvel.
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Factos Não provados:
A. A A. conseguiu encontrar a maior parte dos azulejos idênticos aos que tinha de forma a não ficar com divisões aos retalhos ou a ser obrigada a colocar novo azulejo em toda a divisão.
B. Pelo referido serviço, e pela urgência na realização do mesmo, a A. pagou ao técnico, o senhor BB, o valor de € 6.444,00.
C. A substituição da tubagem deveu-se ao facto de a ruptura não permitir que se fizesse apenas um “remendo”.
D. Nunca foi comunicado à A., na data da contratação do seguro, nem posteriormente, as respectivas condições gerais.
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3.2. Da Reapreciação da Matéria de Facto
Vem a apelante impugnar a decisão da matéria de facto.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo art.º 662º, nº 1, do CPCivil e o art.º 640º, nº 1 do mesmo diploma legal estabelece, a respeito, que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do CPCivil, a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto»; tal resulta também do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do CCivil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º).
A prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade1 «segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.».
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova «não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto»2.
Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a «livre apreciação da prova» não se traduz numa «arbitrária apreciação da prova», pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a «menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto»3 ; o «juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância ou seja quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto.
Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
O julgador procede ao exame crítico das provas e afere as mesmas recorrendo a critérios de razoabilidade.
É fundamental explicar o processo de decisão de modo a que se possa avaliar o processo lógico-formal que serviu de suporte ao seu conteúdo.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis4 , citando Chiovenda: «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar.»
A questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1ª instância quer no tribunal da Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
Tecidas as considerações teóricas que se impunham, vejamos o caso sob decisão.
Insurge-se a apelante contra a consideração da matéria não provada sob as als. B) e D).
Recordemos o seu teor.
Matéria de facto considerada não provada sob a al. B):
«B. Pelo referido serviço, e pela urgência na realização do mesmo, a A. pagou ao técnico, o senhor BB, o valor de € 6.444,00.»
Para considerar tal matéria como não provada, motivou a julgadora de 1ª instância: « Já no que toca à factualidade inserta nos pontos B. e C. há que atender ao acima exposto, sendo que, quanto ao valor despendido, acrescenta-se ainda que o suposto orçamento é vago no que respeita à descriminação dos eventuais serviços e obras efectuadas e prestadas, sendo certo que não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre todos os eventuais prejuízos emergentes da inundação e todas as obras realizadas. Aliás, cumpre ainda referir que as supostas obras levadas no exterior do imóvel nem sequer foram transmitidas ao funcionário da R. que ali se deslocou, razão pela qual nem sequer se encontram mencionadas no relatório de serviço.»
Com efeito, quanto à factualidade a que se refere a al. B) explicou a Sra. Juiz, em termos que não nos merecem qualquer censura já que revelam ponderação e acuidade na aquisição da prova: « Acresce ainda o facto de, no orçamento datado de 14.09.2022 (sem prejuízo daquilo que abaixo se debaterá quanto ao mesmo), não só se fazer alusão à tubagem e acessórios, mas também indicar electricidade (reparação) e torneiras, não se compreendendo como é que tais itens dizem respeito à fuga dos autos. Aliás, quanto a esta matéria, a testemunha CC apresentou um discurso evasivo e pouco conciso, nada esclarecendo quanto a tal factualidade. Aliás, a testemunha BB, quando confrontada com tal factualidade, referiu achar não ter feito qualquer trabalho de electricidade neste imóvel. No entanto, quanto a torneiras, já referiu ter colocado dois ou três, por os casquilhos estarem desgastados, ou seja, nada tinha a ver com o evento dos autos. Por fim, até no que diz respeito ao tempo que demorou a obra a ser concluída, os depoimentos não foram coincidentes, referindo uma que terá durado cerca de 15 dias, quando a outra afirmou que teria sido cerca de quatro semanas.»
E mais se ponderou: «Porém, mesmo que não se tivesse em consideração tais factores, não podemos deixar de aqui fazer algumas considerações quanto ao teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 5, conforme acima já havíamos alertado. Assim, e desde logo, temos o depoimento da testemunha BB, a qual confrontada com o denominado orçamento e que supostamente teria sido por si apresentado, foi peremptória ao referir não o reconhecer, afirmando inclusive que não era o seu orçamento.
Perante tal cenário, e aquando da inquirição da testemunha CC, também ficou patente que a mesma tentou mais uma vez se esquivar a tais questões. Porém, acabou por admitir a existência de um primeiro orçamento, o qual seria muito sumário e manuscrito, e como a R. lhe solicitou outro mais elaborado, fez o documento dos autos, em Excel, mas com a ajuda do senhor BB. Acontece que, nos presentes autos, não foi junto esse suposto documento manuscrito que consubstanciasse os itens que se mostram consignados no documento n.º 5. A ser assim, muitas dúvidas nos ficaram quanto ao teor de tal documento e a forma como o mesmo foi elaborado.
Nessa sequência, e por forma inclusive a tentar dissipar tais dúvidas, foi questionada a testemunha BB quanto ao paradeiro da factura respeitante ao pagamento efectuado pela A. relativo à obra em questão, tendo sido transmitido pela mesma que não o havia feito, pois naquela data tinha a actividade cessada junto dos serviços de Finanças, o que culminou com a emissão de certidão para dar conhecimento de tal factualidade aquela entidade.
E se tal não fosse suficiente, temos ainda que não foi possível apurar, com a certeza que se exige, qual o montante efectivamente pago pela A. à testemunha BB.
Assim, se temos um suposto orçamento no valor de € 6.444,00, o certo é que esta última afirmou ter recebido cerca de € 4.500,00/€5.000,00. Em que ficamos?
A ser assim, muitas dúvidas nos ficaram quanto a tal factualidade, nomeadamente que pagamentos foram efectuados pela A. à aludida testemunha e se os mesmos diziam respeito apenas e tão só ao evento dos autos.
Ora, estando a A. a reclamar o accionamento do seguro que havia contratado, não podemos deixar de estranhar que não só tenha contratado os serviços de um técnico sem cuidar que o mesmo emitisse a respectiva factura, como ainda tenha efectuado o(s) pagamento(s) em numerário, conforme referido pela testemunha CC.
Desta forma, quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal sedimentou-se na circunstância de não ter sido feita prova dos mesmos.»
Defende a apelante que o julgamento da matéria de facto no que diz respeito a esta matéria está em clara oposição com o depoimento testemunhal da testemunha BB (que se encontra, cfr. a acta da audiência de 08.05.2024, gravado de 14:31:30 a 15:10:25 no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal a quo), que declarou ter realizado obras no imóvel da recorrente, no seguimento das infiltrações ocorridas no imóvel da recorrente, e que afirmou (ao minuto 11 do seu depoimento, sensivelmente) não se recordar do valor, mas que terá sido entre 4 e 5 mil euros.
Defende que «A circunstância de se não ter provado, concretamente, o pagamento do valor de 6.444,00 €, não impediria a prova do facto de que havia sido pago um determinado valor, com o limite máximo de 5.000,00 €, cfr. declarou a testemunha. Isto, independentemente de a referida testemunha ter, ou não, reconhecido o orçamento dos autos, como sendo o “seu”.
O tribunal a quo até pode ter dúvidas quanto ao teor do orçamento que, de acordo com a douta sentença, não foi junto aos autos (dúvidas essas manifestadas em sede de motivação da matéria de facto); mas não pode haver dúvidas quanto à circunstância de, pelo serviço de reparação dos danos sofridos pela recorrente, esta ter pago um valor que, no máximo, foi de 5.000,00 €. E o tribunal a quo, não tendo dado como provado o pagamento de 6.444,00 €, não deveria deixar de dar como provado que houve um pagamento realizado pela recorrente, com o limite máximo de 5.000,00 €, com referência aos danos sofridos.»
Ora, nenhuma razão assiste à apelante.
Na verdade, e ponderada a prova produzida, entendem-se as dúvidas da 1ª instância. Na verdade, a testemunha BB, confrontada com o orçamento que teria apresentado, não o reconheceu tendo mesmo dito não o reconhecer e afirmado que não era o seu orçamento. Não foi junto o alegado documento que consubstanciasse os itens que se mostram consignados no documento n.º 5.
Invoca a apelante o depoimento desta testemunha na parte em que esta disse ter recebido cerca de € 4.500,00/€5.000,00 pelas obras que efectuou. Porém, que obras? Veja-se que no orçamento datado de 14.09.2022 se indica trabalhos de electricidade (reparação) e torneiras, o que não está relacionado com a fuga de água objecto da presente acção.
Veja-se que o depoimento desta testemunha que, concatenado com o depoimento de CC mostra acentuadas divergências designadamente no que diz respeito ao tempo que de duração das obras referindo uma que terá durado cerca de 15 dias, quando a outra afirmou que teria sido cerca de quatro semanas.
É óbvio, pois, que a matéria reclamada não pode ser dada como provada, como bem se decidiu em 1ª instância.
Matéria de facto considerada não provada sob a al. D):
«D. Nunca foi comunicado à A., na data da contratação do seguro, nem posteriormente, as respectivas condições gerais.»
Ora, só é de reapreciar a matéria de facto se essa análise for susceptível de desembocar em resultado útil para a acção, podendo a reapreciação ser meramente parcial.
Conforme se decidiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/20175, «o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir».
Ou seja, só deverá reapreciar-se a matéria de facto quando esteja em causa matéria com efectivo interesse para a decisão do recurso.
In casu, foi declarada improcedente a impugnação de facto da matéria dada como não provada sob a al. B), matéria essa que se revelava fulcral para a procedência do pedido indemnizatório.
Conforme se escreveu na sentença sob recurso, «uma vez que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, (cfr. artigo 563.º do C. Civil), sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (cfr. artigo 564.º n.º 1 do C. Civil) , neste âmbito considerado, importa ter em atenção que apesar de a A. ter alegado vários prejuízos, a verdade é que a mesma não logrou efectuar prova deles, conforme lhe incumbia, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do C. Civil.»
Assim, e como se decidiu em Ac. TRL 7.7.20226, «Se a reapreciação da matéria de facto surge, não como um fim, mas como um meio de obter a alteração da sentença recorrida, e se à questão de direito por que passa a visada alteração se torna indiferente determinada factualidade dada como provada, não carece o tribunal de recurso de reapreciar a factualidade em questão, para efeitos de a dar como não provada, por se tratar de um acto sem qualquer utilidade.».
Não se conhece, pois, da impugnação.
3.3. Fundamentação de Facto em 2ª instância
Mantém-se factualidade fixada em 1ª instância.
*
4. Fundamentação de Direito
Com o presente recurso pretendia a apelante a revogação da sentença recorrida e a procedência da acção com a condenação da Ré/Apelada no pedido.
Para a procedência do recurso, necessário seria a reversão da matéria dada como não provada sob a al. B), o que não logrou obter.
Como se adiantou acima, em consonância com o decidido em 1ª instância, falhando a Autora no cumprimento do ónus que sobre si recaía da prova dos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no art.342º, nº 1, do CCivil, já que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do disposto no art.º 563.º do C. Civil), mais não resta do que julgar a acção improcedente, confirmando o decidido em 1ª instância.
Improcede o recurso.
***
5. Decisão
Em face do exposto, acordam as juízes que compõem esta 8ª secção, julgar o presente recurso improcedente e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da apelante.
Notifique e registe.

Lisboa, 30-04-2025
(Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária)
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Maria Carlos Duarte do vale Calheiros
Carla Cristina Figueira Matos
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1. Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384
2. Cfr., neste sent. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436
3. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., p. 655
4. CPC. Anotado. vol. IV, págs. 566 e ss..
5. Ac. STJ, Rel.Fernanda Isabel Pereira in www.dgsi.pt
6. Ac. TRL, Rel. António Moreira