CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
CULPA DO DESTINATÁRIO
INDEMNIZAÇÃO
ATRASO NA ENTREGA DA COISA
Sumário

Sumário elaborado pelo Relator:
- Temos como certo o carácter receptício da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento; assim resulta das normas conjugadas do nº 1 do artigo 1097º do Código Civil – (…) mediante comunicação ao arrendatário (…) - e do nº 1 do art.º 9º da Lei 6/2006 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, (…) são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção;
- O regime contido no n.º 2 do art.º 224.º do CC atribui eficácia à declaração remetida nos casos em que a sua não recepção se deve a culpa exclusiva do destinatário/arrendatário;
- Discutindo as partes judicialmente a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, em acção destinada a reconhecer o direito do senhorio à entrega do locado e consequente condenação do inquilino a cumprir essa obrigação, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no n.º 2 do art.º 1045.º do CC, apenas será devida após o trânsito em julgado da sentença que condenou o inquilino definitivamente no despejo do locado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório
BRILHANTE CAPÍTULO – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.,
intentou contra
VONTADABSOLUTA, LDA.,
AA,
e BB,
a presente ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO COMUM, pedindo que o Tribunal:
a) decrete o despejo imediato do local arrendado, devendo o mesmo ser entregue à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens;
b) condene os Réus ao pagamento do valor correspondente ao dobro dos valores das rendas actualizado até à entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens;
c) condene a 1.ª Ré ao pagamento de indemnização a apurar em sede de execução de sentença, relativamente aos prejuízos decorrentes da impossibilidade de início da obra e da promoção das vendas;
d) condene a 1.ª Ré condenada no pagamento de custas, procuradoria condigna e honorários de advogado.
Para tanto, alegou, em resumo:
- Desde 2018, é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua A, números 80 - 40 – 42- 46 e Rua B, números 57 – 59 – 61, em Lisboa;
- Por contrato escrito, a anterior proprietária deu de arrendamento para fins não habitacionais à Ré as Lojas sitas nos n.ºs 57 e 59 da Rua B e nos n.ºs 38 e 40 da Rua A;
- O arrendamento foi celebrado pelo prazo de 10 anos, tenho tido o seu início em 3 de Maio de 2012 e sendo previsto o seu término em 3 de Maio de 2022, prevendo-se a sua renovação automática por iguais e sucessivos períodos de tempo se nenhuma das partes comunicasse a oposição à renovação mediante comunicação escrita à outra parte com antecedência não inferior a 90 dias;
- A Autora, no dia 26 de Janeiro de 2022, na referida qualidade de senhoria da Ré, com a devida antecedência de 90 dias, deduziu oposição à renovação do contrato de arrendamento, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção para a sede da Ré;
- Apesar do envio da missiva ter cumprido todos os requisitos legalmente previstos, a mesma não foi entregue à Ré, na data de 27 de Janeiro, com indicação de que a Ré se encontrava ausente, (sendo que a Ré é uma pessoa colectiva e a carta foi enviada para o locado onde a mesma se encontra a funcionar);
- Tendo a mesma sido depositada, no dia 28 de Janeiro, para levantamento num ponto de entrega dos CTT;
- A carta registada com a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento apenas foi levantada voluntariamente, no dia 4 de Fevereiro, ou seja, 9 dias após o envio da carta pela Autora;
- No dia 8 de Fevereiro, a Ré, por meio de carta registada com aviso de recepção, veio invocar a renovação automática do contrato de arrendamento, alegando que a missiva enviada pela Autora não respeitava a antecedência mínima de 90 dias; - Motivo pelo qual, a Ré recusa-se a entregar o imóvel;
- A Autora tem um projecto de licenciamento para o prédio e a não entrega do locado, após o deferimento da licença de construção, trará avultados prejuízos, ficando impedida de iniciar as obras e também de iniciar as vendas dos apartamentos que pretende construir no imóvel.
*
Regularmente citados, apenas os Réus VONTADABSOLUTA, LDA e AA apresentaram contestação.
A Ré VONTADABSOLUTA, LDA. impugnou em parte os factos alegados pela Autora, dizendo, em síntese, que:
▪ A denúncia do contrato não respeitou o prazo de 90 dias contratualmente estabelecido, para que pudesse produzir os efeitos que a Autora pretende, tendo-se assim o contrato de arrendamento renovado por mais dez anos, vigorando até 3 de Maio de 2032;
▪ A eficácia da comunicação tem-se a partir do dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, tendo chegado ao seu conhecimento, no dia 4 de Fevereiro de 2022;
▪ a Ré continua, na presente data, a pagar escrupulosamente as rendas e as moratórias que, foram concedidas pela Autora.
Por sua vez, o Réu AA aceitou que o contrato de arrendamento foi outorgado por si, como sócio e gerente da sociedade VONTADABSOLUTA, LDA., divergindo quanto à sua responsabilidade, dizendo, em síntese, que:
• após divergências com o seu sócio e após inúmeras acções judiciais resultantes dessas divergências, aceitou ceder a sua quota e renunciar à gerência, em 15 de Fevereiro de 2017;
• com a extinção do arrendamento extinguiu-se de igual forma a fiança por si prestada;
• ao longo de toda a sua petição inicial, a Autora não se refere às condições especificamente estipuladas quanto à fiança, omitindo assim a necessárias condições para que se concluísse pela sua responsabilidade enquanto fiador da sociedade, carecendo assim a demanda da necessária causa de pedir quanto a si;
• Aquando da denúncia do contrato de arrendamento pela Autora, não foi dela notificado, pelo que não lhe foi dada oportunidade para evitar o acumular da indemnização a que o senhorio tem legalmente direito;
• A Autora não procedeu a qualquer notificação ao Réu, não o tendo assim informado da denúncia do contrato de arrendamento por si operada;
• A Autora não lhe comunicou que a 1.ª Ré não havia cumprido a sua obrigação de proceder à entrega imediata do locado;
• A Autora não lhe comunicou a existência de mora por parte da 1.ª Ré.
* * *
Notificada das contestações e para se pronunciar sobre as excepções invocadas, veio a Autora dizer que:
• A Ré explora um estabelecimento aberto ao público, não se percebendo como é possível, em 27 de Janeiro de 2022, não ter sido conseguida a entrega por, alegadamente, o destinatário não ter atendido;
• Os Réus conheciam perfeitamente a intenção da Autora fazer cessar o contrato de arrendamento, por tal lhes ter sido comunicado por diversas vezes;
• Os Réus optaram deliberadamente por não recepcionar a comunicação em 27 de Janeiro de 2022 e apenas levantarem a mesma junto dos CTT no dia 4 de Fevereiro de 2022.
* * *
Realizou-se audiência prévia, na qual se facultou às partes a discussão de facto e de direito, prevendo-se o conhecimento imediato do mérito da causa.
***
Em 19/04/2024, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção improcedente e, em consequência absolve-se os Réus VONTADABSOLUTA, LDA., AA e BB dos pedidos formulados pela Autora BRILHANTE CAPÍTULO – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.
***
Inconformada, Brilhante Capítulo – Investimentos Imobiliários, Lda interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. Entendeu o Tribunal “a quo” que o thema decidendum dos presentes autos, resumia-se a uma questão de direito, pelo que, sem ouvir qualquer prova testemunhal, decidiu por despacho/saneador sentença sem audiência de julgamento,
II. O Tribunal “a quo” não considerou como sendo relevantes os factos invocados, pela ora recorrente, no seu requerimento de 6.11.2023, referente a resposta às exceções invocadas pelos recorridos.
III. Na verdade, o Tribunal “a quo” notificou a recorrente para responder, querendo, às exceções deduzidas pelos R.R. (ref.ª citius 429698617).
IV. A recorrente respondeu às mesmas por requerimento de 6.11.2023 (ref.ª citius 37497841)
V. No referido requerimento alegou a recorrente com interesse para a decisão do presente pleito, nomeadamente, para apurar a existência de abuso de direito por parte do arrendatário que:
“Os R.R. conheciam perfeitamente a intenção da A. fazer cessar o contrato de arrendamento até então vigente, por tal lhes ter sido comunicado por diversas vezes”. E “Afigura-se inquestionável que os Réus sabiam qual o teor da comunicação em apreço e, precisamente por ter consciência, optaram deliberadamente por não rececionar a mesma em 27.1.2022, e bem assim por apenas levantar a mesma junto dos CTT no dia 4.2.2022)”.
VI. A douta sentença em crise numa análise puramente simplista, e a nosso ver negligente, desconsiderou os factos alegados pela ora recorrente e indiciadores de abuso de direito, e sem audição de qualquer testemunha apenas considerou provados os factos constantes da p.i., olvidando o requerimento de resposta às exceções.
VII. Ora, os factos alegados pela recorrente no seu requerimento de resposta às exceções deduzidas deveriam ter sido sujeitos a prova, porque indiciadores de abuso de direito por parte da recorrida.
VIII. É Assim a sentença em crise nula porque violadora da alínea a) do n.º 1 do art.º 615º do C.P.C.
IX. Na verdade, caso o Tribunal “a quo” tivesse considerado provado os factos alegados em sede de resposta às exceções teria chegado a um resultado diferente, pois claramente se verificaria Abuso de Direito, isto, admitindo não assistir razão à recorrente quanto ao pré-aviso da notificação e à eficácia da oposição.
X. Deverá ser assim revogada a decisão e descer o processo à 1ª instância para serem ouvidas as testemunhas referentes aos factos supra alegados que necessariamente carecem de prova.
XI. A sentença em causa, delimitou a decisão ao apuramento se se produziu ou não oposição à renovação operada pela ora recorrente do contrato de arrendamento em causa, ou melhor, se a notificação enviada pelo ora recorrente produziu efeitos.
XII. Entendeu o Tribunal “a quo” que mesmo ficcionando-se que todos os factos alegados pela recorrente na p.i. se considerassem provados, aliás, na douta sentença em crise o Tribunal “a quo” não ficcionou, mas considerou os mesmos provados, a pretensão da recorrente não poderia ter acolhimento jurídico isto sem considerar os supra referidos factos alegados e que não foram vertidos na douta sentença porque carecem de prova, e que enfermam a douta sentença em crise no vício da nulidade.
XIII. Ora, antes de mais refira-se que existe um lapso na decisão em causa, pese embora, a sentença considere como provada (porque aceite por ambas as partes) que a carta se encontra disponível para entregar dia 28.1.2022 (ponto 10 da matéria de facto), certo é que na fundamentação de Direito o Tribunal “a quo” refere que estava disponível a 29.1.2022.
XIV. Apesar do lapso existente, a questão não afeta a decisão nem o recurso da mesma, uma vez que quer no dia 28, quer no dia 29, o pré-aviso de 90 dias estava observado.
XV. O contrato de arrendamento em causa, é um contrato de arrendamento não habitacional.
XVI. Podendo as partes livremente estipular os prazos e regras relativas à duração, denúncia e oposição.
XVII. Ora, nos termos da cláusula 5ª do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, recorrente e recorrida, acordou-se que se qualquer das partes pretender pôr termo ao presente contrato deverá notificar a outra parte por carta registada com aviso de receção, com antecedência mínima de 90 dias.
XVIII. A ora recorrente cumpriu escrupulosamente o envio da carta com o pré-aviso acordado e com as formalidades exigidas pela Lei 6/2006.
XIX. Ou seja, dispondo o legislador que as regras quanto à oposição do contrato de arrendamento são livremente estabelecidas pelas partes e tendo as partes estabelecido que tem de haver comunicação prévia com 90 dias, então, não há que aplicar a doutrina de declaração receptícia, nem tão pouco o regime vinculativo da Lei de arrendamento.
XX. Na verdade, a norma do n.º 1 do art.º 1110º do C.C. dá prioridade à autonomia das partes não existindo vínculo legal, neste sentido Maria Olinda Garcia in “Arrendamento para Comércio e Fins Equiparados, 2006, (68), bem como in “A Nova
Disciplina do Arrendamento Urbano, 2006, 42, Durval Ferreira in Duração dos Arrendamentos Urbanos no NRAU, 37, Jorge Pinto Furtado in Comentário ao Regime de Arrendamento Urbano.
XXI. Aliás, se o STJ já entendeu em anterior aresto, ser válida por parte da arrendatária a renúncia à denúncia de um contrato de arrendamento para fim não habitacional com prazo de três anos, entendendo que prevalece a autonomia privada, como é que se poderá entender que cumprindo a recorrente o pré-aviso acordado no âmbito da autonomia contratual, impõe-se a sua receção pela arrendatária com antecedência de 90 dias?
XXII. Foram observadas as formalidades previstas no art.º 9º, n.º 1 e 2º do NRAU.
XXIII. Apesar da douta sentença em crise referir que nos termos do art.º 224º e das doutrinas dominantes a declaração torna-se eficaz logo que entre na esfera jurídica do destinatário, o que aconteceu in casu no dia 28.1.2022, certo é que depois fundamenta a sua decisão na Lei 6/2006, i.é, que “prevê um regime complexo e especial para a eficácia da declaração de oposição”.
XXIV. Apesar da Lei 6/2006 prescrever um regime especial, no caso sub iudice não se aplica o regime vinculistico e imperativo da referida Lei.
XXV. Na verdade, no caso sub iudice a carta cumpriu as formalidades do n.º 1 e n.º 2 do art.º 9º da Lei 6/2006, sendo certo que não se verificam as vicissitudes previstas no art.º 10º da referida Lei, e que as partes apenas acordaram no envio.
XXVI. Ou seja, o Legislador previu as situações em que a carta é recusada pelo arrendatário ou em que o aviso de receção é assinado por pessoa diversa, prescrevendo a eficácia da declaração do senhorio.
XXVII.Contudo, o Legislador não previu que pese embora a carta esteja na disponibilidade do arrendatário o mesmo só a levantou após a data em que terminaria o pré-aviso necessário.
XXVIII. Ou seja, a situação em causa nos presentes autos, não se subsume no regime especial e complexo dos artigos 9º e 10º da Lei 6/2006, pelo que ter-se-á de aplicar o regime do art.º 224º do C.C.
XXIX. Ao considerar eficaz a notificação de oposição à renovação no dia em que a carta fica disponível para entrega ao arrendatário, sendo certo que estamos no âmbito do contrato de arrendamento não habitacional, que a carta foi enviada para a sede da arrendatária que tem um estabelecimento de porta aberta não afeta nem desequilibra as posições entre o senhorio e o arrendatário, aliás pelo contrário, ao não ser assim incorreríamos em total desequilíbrio a favor do arrendatário e em detrimento do senhorio que cumpriu com todas as formalidades de notificação e com o prazo de pré-aviso.
XXX. Na verdade, é perfeitamente abusivo configurando Abuso de Direito que sabendo a recorrida que era intenção da senhoria pôr fim ao contrato de arrendamento em vigor, apenas levante a carta após o decurso dos 90 dias, mesmo que a carta tenha sido enviada com esse pré-aviso, para assim invocar, como veio logo muito prontamente, que o contrato se renovou.
XXXI. A Lei no regime vinculístico, que não e o caso, refere que a carta tem de ser enviada com uma antecedência de 90 dias.
XXXII. E a declaração é eficaz logo que se encontre na disponibilidade de ser conhecida pelo arrendatário.
XXXIII. A não ser assim, não é seguro para a senhoria enviar qualquer carta independentemente da data do seu envio.
XXXIV. Ou seja, a Lei não indica que a carta tenha de ser recebida pelo arrendatário com pré-aviso de 90 dias.
XXXV. Ora, atendendo à teoria de declaração receptícia vertida na própria sentença em crise a que aderimos, a declaração de oposição à renovação é eficaz logo que esteja na disponibilidade do arrendatário.
XXXVI. A carta estava na disponibilidade da arrendatária desde o dia 28, dia em que foi deixado o postal na caixa de correio da Ré, arrendatária, data em que ainda faltavam mais de 90 dias para o término do contrato.
XXXVII. Sendo que a arrendatária só a levantou no dia 4.2.2022 data em que só faltavam 88 dias para o término do contrato.
XXXVIII. Adoptando a teoria das declarações receptícias e o disposto no art.º 224º do C.C. a eficácia da declaração de oposição à renovação operou-se em 28.1.2022.
XXXIX. Ainda que assim se não entenda o que só por mera cautela e excesso de zelo de patrocínio se admite sempre se deverá considerar um desequilíbrio entre os 2 dias em falta entre a data efetiva do conhecimento e a data do término do contrato e por outro lado, a renovação por mais de 10 anos do contrato.
XL. No caso em concreto verificamos sem sombra de dúvidas uma situação de desequilíbrio de exercício de posições jurídicas bem como violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.
AA, réu, contra alegou e deduziu as seguintes conclusões:
1. Insurge-se a Recorrente com o facto de a decisão ter sido proferida sem a realização da audiência de julgamento e a prova testemunhal.
2. As partes foram notificadas, por despacho datado de 21/12/2023, que a audiência prévia facultar às partes a discussão de facto e de direito, prevendo-se o conhecimento imediato do mérito da causa.
3. A Recorrente não recorreu do despacho em causa, conformando-se com o mesmo e com a decisão quanto ao conhecimento imediato do mérito da ação.
4. Foi realizada a audiência prévia para os fins expressamente notificados.
5. Tendo a Recorrente conformando-se com a decisão de apreciar do mérito da demanda e não tendo recorrido da mesma, apresentando-se nessa diligência e alegado sobre o mérito da ação, não pode, nesta fase, recorrer com esse fundamento.
6. O despacho em causa transitou em julgado, pelo que não pode ser admitido o recurso nessa parte e com esse fundamento.
7. A Recorrida foi notificada, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para exercer o contraditório com referência às exceções invocadas pelo ora Recorrido.
8. Assistia à Recorrente, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o direito de responder às aludidas exceções.
9. A Recorrente limitou-se, na sequência do douto despacho para se pronunciar sobre as exceções invocada pelas partes, a responder às exceções invocadas pela Ré Vontadeabsoluta, Lda..
10. A Recorrente não se pronunciou sobre as exceções invocadas pelo ora Recorrido, a primeira sobre a cessação do contrato de arrendamento e da respetiva confissão pela Recorrente e consequente falta de pedir (artigos 12º a 18º da contestação) e sobre a falta de notificação do ora Recorrido, pela Recorrente, nos termos dos números 5 e 6 do art.º 1041º do Código Civil (arigos 19º a 31º da contestação).
11. Estava a Recorrente onerada com a impugnação dos factos impeditivos, modificativos e extintivos alegados pelo Recorrente singular, bem como com a resposta às exceções arguidas na contestação, como mostram os arts. 572-c e 587-1.
12. Não o fazendo, os factos alegados pelo Recorrido têm-se necessariamente por provados, em termos idênticos e com as mesmas exceções do art.º 490º.
13. Retira-se da norma contida na al. c) do art.º 572º, a contrario, que a Recorrente não apenas podia responder às exceções, como devia, quando as exceções estejam devidamente descriminadas (o que se verifica), sob pena de se presumir haver acordo na sua admissão. (….), uma vez que o autor tem o ónus de impugnar a matéria de exceção que haja sido invocada pelo demandado.
14. A Recorrente, ao não impugnar e tomar posição quanto às exceções invocadas pelo ora Recorrido na sua contestação, devidamente alegadas e autonomizadas por este nessa peça processual, não cumpriu com o ónus de impugnar a matéria de exceção, e assim deverá considerar-se a existência de acordo quanto a essa matéria de exceção, o que tem como necessária e direta consequência concluir-se que a falta de causa de pedir com referência ao ora Recorrente, o que determina necessariamente a absolvição do ora Requerido da instância.
15. O mesmo sucede com a segunda exceção invocada, aqui com a cominação de absolvição do pedido, face à falta da necessária interpelação nos termos dos números 5 e 6 do art.º 1041º do Código Civil, o que expressa e atempadamente se requereu.
16. As alegações de recurso da Recorrente dirigem-se única e exclusivamente à questão da tempestividade ou intempestividade da comunicação enviada à Recorrida Vontadeabsoluta Lda., nada alegando quanto ao ora Recorrido nem ao que o mesmo alegou desde a sua contestação.
17. Não tendo a Recorrente alegado o que quer que seja quanto aos factos referentes ao ora Recorrido, o recurso naufraga de forma definitiva quanto ao mesmo.
18. Não obstante, e face à matéria provada, resulta que a Recorrente teve conhecimento da oposição à renovação no dia 4 de fevereiro de 2022, não tendo a Recorrente logrado provar que a comunicação da oposição teve lugar em data anterior, nomeadamente no dia 29 de janeiro de 2022.
19. Tendo a Recorrente Vontadeabsoluta, Lda. tomado conhecimento do conteúdo da carta logo que chegou ao seu poder no dia 4 de fevereiro de 2022, deve ser esta considerada como a data em que a declaração do senhorio, ou seja, a ora Recorrente, a comunicar oposição se tornou eficaz.
20. É inevitável concluir-se que a comunicação feita pela Recorrente à Recorrida Vontadeabsoluta Lda. se tornou-se eficaz em 4 de fevereiro de 2022, pelo que não tendo sido comunicada com a antecedência igual ou superior a 90 dias, não se pode considerar que a mesma foi notificada para a não renovação do prazo do contrato a 3 de Maio de 2022.
21. Não pode tal comunicação servir de base ao despejo, o que determinou, necessariamente, a improcedência da ação na sua totalidade e assim determina de igual forma a improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, as questões a resolver são as seguintes:
- eventual nulidade da sentença recorrida;
- apurar se, em sede de contrato de arrendamento, a oposição à renovação operada pela autora produziu, ou não, efeito, concretamente, se a comunicação feita por esta à 1.ª ré pode servir de base à cessação do contrato.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
*
III. Os factos
Recebeu-se da 1ª instância a seguinte factualidade dada como assente:
1.Por escritura publica outorgada a 31 Janeiro de 2018, a Autora adquiriu os prédios urbanos sito na Rua A, números 38-40-42 44 - 46 e Rua B, números 57 – 59 – 61, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob os artigos ....
2. Por contrato escrito de arrendamento, a anterior proprietária EMPANZOL – EMPREITEIROS ASSOCIADOS, LDA. deu de arrendamento para fins não habitacionais à Ré as lojas sitas nos n.ºs 57 e 59 da Rua B e nos n.ºs 38 e 40 da Rua A.
3. Assim tendo proporcionado à Ré o gozo temporário das aludidas lojas para o exercício do comércio, nomeadamente para instalar no local arrendado um estabelecimento comercial destinado a restauração e bebidas.
4. O arrendamento foi celebrado pelo prazo de 10 (dez) anos, tenho tido o seu início em 3 de Maio de 2012 e sendo previsto o seu término em 3 de Maio de 2022, prevendo-se a sua renovação automática por iguais e sucessivos períodos de tempo se nenhuma das partes comunicasse a oposição à renovação mediante comunicação escrita à outra parte com antecedência não inferior a 90 (noventa) dias.
5. A renda mensal foi fixada em 2012 em € 2.100,00 (dois mil e cem Euros), a pagar por transferência bancária no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar a renda.
6. Por carta datada de 25 de Janeiro de 2022, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
7. Esta carta registada foi aceite nos Correios em 26 de Janeiro de 2022.
8. No dia 27 de Janeiro de 2022, o envio saiu para entrega para o “centro de entrega 1300 – Lisboa”.
9. Nesse dia 27 de Janeiro, a entrega não foi conseguida por “Motivo: O destinatário não atendeu. Centro de entrega 1300 – Lisboa”.
10. No dia 28 de Janeiro de 2022, o envio saiu para o centro operacional PTCDLI – (CDP) 1300 – Lisboa, ficando nesta data disponível para levantamento no Ponto de Entrega. Loja CTT Chiado.
11. A Ré dispunha de seis dias úteis, a partir de 31 de Janeiro de 2022, para levantamento do objecto registado.
12. A Ré é uma pessoa colectiva e a carta foi enviada para o locado onde a mesma se encontra a funcionar e onde se situa a sua sede.
13. A carta foi reclamada e levantada pela Ré no dia 4 de Fevereiro de 2022.
14. No dia 8 de Fevereiro, a Ré, por meio de carta registada com aviso de recepção, veio invocar a renovação automática do contrato de arrendamento, alegando que a missiva enviada pela Autora não respeitava a antecedência mínima de 90 dias.
15. A Ré mantém-se no locado.
16. AA outorgou o contrato de arrendamento referido em 2 por si, como sócio e gerente da sociedade VONTADABSOLUTA, LDA. e como fiador.
17. AA cedeu a sua quota na sociedade Ré, facto registado em 25 de Maio de 2017.
18. Do contrato de arrendamento mencionado em 2, consta quanto ao 2.º e 3.º Réus: “Os 3º e 4º Outorgantes, na qualidade de fiadores do presente contrato, assumem solidariamente com a inquilina a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato”.
De harmonia com o disposto no art.º 662º nº 1 do CPC, entendemos ser de alterar a matéria de facto, no seguinte sentido:
No facto 9, deu-se como provado que “Nesse dia 27 de Janeiro, a entrega não foi conseguida por “Motivo: O destinatário não atendeu. Centro de entrega 1300 – Lisboa”.
Em face do teor do documento 6 junto com a p.i. (print do circuito CTT da carta expedida), cujo teor não foi impugnado, devemos aditar ao facto a hora em que se tentou a entrega da carta à 1ª ré, pelo que se altera o facto referido nos seguintes termos:
Facto 9- “Nesse dia 27 de Janeiro, pelas 11h, a entrega não foi conseguida por “Motivo: O destinatário não atendeu. Centro de entrega 1300 – Lisboa”.
*
IV. O mérito do recurso
O Direito
Cumpre apreciar:
Questão de Direito - Matéria de Facto dada como provada – Nulidade de Sentença
Alegou a recorrente, neste domínio, que:
Entendeu o Tribunal “a quo” que o thema decidendum dos presentes autos, resumia-se a uma questão de direito, pelo que, sem ouvir qualquer prova testemunhal, decidiu por despacho/saneador sentença sem audiência de julgamento,
O Tribunal “a quo” não considerou como sendo relevantes os factos invocados, pela ora recorrente, no seu requerimento de 6.11.2023, referente a resposta às exceções invocadas pelos recorridos.
Na verdade, o Tribunal “a quo” notificou a recorrente para responder, querendo, às exceções deduzidas pelos R.R. (ref.ª citius 429698617).
A recorrente respondeu às mesmas por requerimento de 6.11.2023 (ref.ª citius 37497841)
No referido requerimento alegou a recorrente com interesse para a decisão do presente pleito, nomeadamente, para apurar a existência de abuso de direito por parte do arrendatário que:
“Os R.R. conheciam perfeitamente a intenção da A. fazer cessar o contrato de arrendamento até então vigente, por tal lhes ter sido comunicado por diversas vezes”. E “Afigura-se inquestionável que os Réus sabiam qual o teor da comunicação em apreço e, precisamente por ter consciência, optaram deliberadamente por não rececionar a mesma em 27.1.2022, e bem assim por apenas levantar a mesma junto dos CTT no dia 4.2.2022)”.
A douta sentença em crise numa análise puramente simplista, e a nosso ver negligente, desconsiderou os factos alegados pela ora recorrente e indiciadores de abuso de direito, e sem audição de qualquer testemunha apenas considerou provados os factos constantes da p.i., olvidando o requerimento de resposta às exceções.
Ora, os factos alegados pela recorrente no seu requerimento de resposta às exceções deduzidas deveriam ter sido sujeitos a prova, porque indiciadores de abuso de direito por parte da recorrida.
É Assim a sentença em crise nula porque violadora da alínea a) do n.º 1 do art.º 615º do C.P.C. (sublinhados e negritos nossos)
Alegou o réu recorrido que:
1.Insurge-se a Recorrente com o facto de a decisão ter sido proferida sem a realização da audiência de julgamento e a prova testemunhal.
2. As partes foram notificadas, por despacho datado de 21/12/2023, que a audiência prévia facultar às partes a discussão de facto e de direito, prevendo-se o conhecimento imediato do mérito da causa.
3. A Recorrente não recorreu do despacho em causa, conformando-se com o mesmo e com a decisão quanto ao conhecimento imediato do mérito da ação.
4. Foi realizada a audiência prévia para os fins expressamente notificados.
5. Tendo a Recorrente conformado-se com a decisão de apreciar do mérito da demanda e não tendo recorrido da mesma, apresentando-se nessa diligência e alegado sobre o mérito da ação, não pode, nesta fase, recorrer com esse fundamento.
6. O despacho em causa transitou em julgado, pelo que não pode ser admitido o recurso nessa parte e com esse fundamento. (sublinhados e negritos nossos)
Analisemos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma será nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Ora, em sede de prolação de despacho saneador, não sendo caso de prolação de despacho de aperfeiçoamento e, considerando que os factos alegados pelo autor são inábeis a deles extrair o efeito jurídico por ele pretendido, o juiz deverá, ainda assim, em princípio, elencar os factos que considere provados.
Nesta linha, entendeu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 21172/16.7T8LSB.L1-2) que: “No saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados, muito menos devendo/podendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (isto é, apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto), nos termos do art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC”.
Nesta medida, “não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no art.º 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº 2 als. c) e d) do art.º 662º do CPC. Se o juiz diz que certos factos não se provaram por inexistir prova, tal não implica a nulidade da decisão factual, por infundamentada, ou a remessa dos autos para fundamentação, antes competindo ao insurgente, em sede de impugnação desta, convencer, perante a prova produzida, da ilegalidade do decidido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-02-2019, Pº 4603/16.3TBCBR.C1).
Divergindo nós tanto da recorrente, como do recorrido (quanto à irrecorribilidade da decisão proferida), o facto de o Tribunal a quo ter desatendido dois factos que a recorrente considera essenciais para a boa decisão da causa e ter proferido decisão final sem que se produzisse prova sobre os mesmos, não inquina a mesma de qualquer vício dos elencados no art.º 615º nº 1 do CPC (julgamos que a referência da recorrente à al. a), trata-se de um lapso), a hipotética procedência da posição da recorrente neste recurso conduzirá à anulação do saneador sentença, não porque este esteja viciado de nulidade nos termos daquele regime, mas sim porque existem outras soluções plausíveis da questão de direito, havendo que proferir despacho que faça prosseguir o processo para fases ulteriores, com produção de prova.
Nesta senda, refere-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-12-2020:
Se os elementos fornecidos pelo processo não justificavam a antecipação do juízo sobre o mérito – por existirem outras soluções plausíveis da questão de direito - é meramente consequencial a revogação desse despacho e a sua substituição por outra decisão, com a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo (Ac. proferido no proc. 4711/18.6T8LRS-A.L1-2, versão integral em www.dgsi.pt).
Em face do exposto, decide indeferir-se a nulidade arguida pela recorrente.
Apurar se produziu efeito a oposição à renovação operada pela autora, concretamente, se a comunicação feita por esta à 1.ª Ré pode servir de base à cessação do contrato de arrendamento.
Entende a recorrente que se operou validamente a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento em vigor com a 1.ª Ré.
A recorrente sustenta que a carta foi remetida com mais de 90 dias de antecedência sobre o dia da renovação e ficando a missiva disponível para levantamento desde o dia 28 de Janeiro, deve considerar-se que a mesma ficou na disponibilidade do destinatário nessa data.
Por seu turno, a 1ª ré invoca que tal oposição não foi efectuada com antecedência de 90 dias, pelo que o contrato de arrendamento se renovou no dia 3 de Maio de 2022, por mais 10 anos.
A questão a resolver é a de saber quando se tornou eficaz a comunicação da Autora de oposição à renovação do contrato comunicada à inquilina 1.ª Ré, VONTADABSOLUTA, LDA, enviada por carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, sede da sociedade inquilina, a qual foi remetido no dia 26 de Janeiro de 2022 e foi reclamada e levantada pela Ré no dia 4 de Fevereiro de 2022.
Eis os factos provados relevantes para dirimir a questão:
- Por carta datada de 25 de Janeiro de 2022, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
- Esta carta registada foi aceite nos Correios em 26 de Janeiro de 2022.
- No dia 27 de Janeiro de 2022, o envio saiu para entrega para o “centro de entrega 1300 – Lisboa”.
- Nesse dia 27 de Janeiro, a entrega não foi conseguida por “Motivo: O destinatário não atendeu. Centro de entrega 1300 – Lisboa”.
- No dia 28 de Janeiro de 2022, o envio saiu para o centro operacional PTCDLI – (CDP) 1300 – Lisboa, ficando nesta data disponível para levantamento no Ponto de Entrega. Loja CTT Chiado.
- A Ré dispunha de seis dias úteis, a partir de 31 de Janeiro de 2022, para levantamento do objecto registado.
- A carta foi reclamada e levantada pela Ré no dia 4 de Fevereiro de 2022.
- No dia 8 de Fevereiro, a Ré, por meio de carta registada com aviso de recepção, veio invocar a renovação automática do contrato de arrendamento, alegando que a missiva enviada pela Autora não respeitava a antecedência mínima de 90 dias.
Do que que fica dito, resulta claro que a ré teve conhecimento da oposição à renovação no dia 4 de Fevereiro de 2022.
Atentemos no regime legal aplicável.
Temos como certo o carácter receptício da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento; assim resulta das normas conjugadas do nº 1 do artigo 1097º do Código Civil – (…) mediante comunicação ao arrendatário (…) - e do nº 1 do art.º 9º da Lei 6/2006 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, (…) são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
O art.º 10º da Lei 6/2006, de 27/02 (NRAU), com a redacção que resulta da Lei 43/2017, de 14/06, relativa às vicissitudes das comunicações entre senhorio e inquilino, estabelece:
Artigo10.º
Vicissitudes
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
O carácter receptício da declaração do senhorio é reforçado no preceito em questão - art.º 10º nº 1 do NRAU – uma vez que a comunicação entre senhorio e inquilino considera-se realizada mesmo que o destinatário se recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.
Dos nums. 2 a 5 do art.º 10º da Lei 06/2006 (NRAU), ainda na redacção resultante da Lei 43/2017, decorrem algumas alterações ao regime geral da eficácia das comunicações entre as partes, estabelecendo que as comunicações por carta registada que constitua iniciativa do senhorio para:
(i)- a transição para o NRAU e actualização da renda (nº 2, al. a)); ou
(ii) integrem título para pagamento de rendas encargos ou despesas ou que possam servir de base a procedimento especial de despejo, (nº 2, al. b); ou
(iii) sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (nº 2, al. c)), não podem considerar-se realizadas se:
i)- A carta seja devolvida por o inquilino se ter recusado a recebê-la;
ii)- O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
Nesses casos, de acordo com o que estabelece o nº 3 do art.º 10º, o senhorio deve remeter nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. E, de acordo com o nº 4 do art.º 10º, se essa nova carta (segunda) voltar a ser devolvida, quer porque o destinatário se recusou a recebe-la (al. a) do nº 1) quer porque não foi levantada pelo destinatário no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (al. c) do nº 2) considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio.
Deste regime do art.º 10º decorre que, de acordo com o respectivo nº 1, as comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do CC: são eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1 do CC).
Porém, se o inquilino não receber a carta, ou não a levantar nos correios no prazo fixado permitindo a sua devolução ao destinatário, o mesmo não se considera notificado da oposição – artigo 10.º, n.º 2, alínea c), da referida lei. Como bem se refere na sentença recorrida, não é este o caso dos autos, já que a carta foi levantada pela ré no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (não tendo deixado passar esse prazo).
O contrato de arrendamento em causa é um contrato de arrendamento não habitacional.
In casu, a carta com vista à oposição da renovação do contrato, foi remetida com mais de 90 dias de antecedência sobre o dia da renovação (dentro do prazo contratualmente estabelecido entre as partes) e ficou disponível para levantamento em estação dos CTT desde o dia 28 de Janeiro, sendo que a recorrida teve conhecimento da oposição à renovação no dia 4 de Fevereiro de 2022.
Concluiu a sentença recorrida que a comunicação feita pela recorrente à 1.ª ré tornou-se eficaz em 4 de Fevereiro de 2022, pelo que não tendo sido comunicada com a antecedência igual ou superior a 90 dias, não se pode considerar que a 1.ª ré foi notificada para a não renovação do contrato a 3 de Maio de 2022, não podendo tal comunicação servir de base à extinção do vínculo locatício.
Para sustentar tal posição, escreveu-se na dita sentença:
Assim, não se concebe que caso a inquilina apenas levante a carta eventualmente no último dia disponível pelos serviços postais lhe seja desfavorável em termos de considerar-se eficaz essa comunicação logo no dia em que terá sido deixado o aviso para levantamento, devendo prevalecer o conhecimento da comunicação, não havendo qualquer presunção legal no sentido de se entender que a comunicação se considera realizada determinado dia após o envio da comunicação, ou no dia em que foi deixado o aviso de levantamento
e
Considerar a oposição eficaz no dia em que a carta se encontra disponível para levantamento no ponto de entrega dos CTT, numa situação em que a inquilina procede posteriormente ao seu levantamento ainda no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, seria contrariar frontalmente o regime legal, manifestamente determinado por razões de equilíbrio entre a protecção do arrendatário (em que se pretende que a oposição chegue efectivamente ao seu conhecimento) e a simplificação do regime de efectivação da cessação do contrato (sic).
Salvo o devido respeito, que é muito, discordamos da posição enunciada.
Quanto ao caso dos autos, o legislador na Lei 6/2006 não previu que, pese embora a carta esteja na disponibilidade do arrendatário, o mesmo só a levantou após a data em que terminaria o pré-aviso necessário.
Que o mesmo é dizer: a situação em causa nos presentes autos, não se subsume no regime especial e polifacetado dos arts. 9º e 10º da Lei 6/2006, pelo que ter-se-á de aplicar o regime do art.º 224º do CC, concretamente o nº 2 de tal preceito, que prescreve: É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
Estamos, pois, numa situação em que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, enviada pela senhoria, foi tardiamente recebida pelo inquilino.
Sobre a matéria escreve o Ac. do STJ de 16-12-2021:
(…)
d) a declaração negocial receptícia é ainda eficaz se a recepção na sua esfera de disponibilidade – ou recepção tardia – foi obstada por culpa exclusiva (acção ou por omissão) do declaratário-destinatário («só por culpa», diz a lei), em referência (seja para a não recepção definitiva como seja para a recepção tardia) ao momento e ao lugar em que deveria ter sido recebida não fosse o comportamento culposo[6], equivalendo esse momento e esse lugar ao momento e ao lugar de uma consumação efectiva da entrega («oportunamente recebida», diz a lei)[7];(Ac. proferido no proc. 4679/19.1T8CBR-C1.S1, versão integral em www.dgsi.pt).
Sobre a culpa do declaratário, escreve-se no citado aresto:
c) ao declarante incumbe o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário (antecipadamente conhecido e/ou acordado)[4] e, se for o caso, o conhecimento efectivo; incumbe ao declaratário-destinatário a contra-prova da falta de concretização da expedição (isto é, a recepção) no destino ou, se for o caso, do conhecimento efectivo (ou ainda a impossibilidade de conhecimento nos termos do art.º 224º, 3[5]);
(…)
e) a “culpa do destinatário” prevista no art.º 224º, 2, do CCiv. traduz um juízo de censura subjectiva para a falta de diligência devida, isto é, aquela que, de entre os cenários existentes em concreto após a expedição adequada da declaração, o levariam a actuar de maneira diferente – como se exigiria a um “bom pai de família”: art.º 487º, 2, CCiv. – e não o fez, merecendo que não possa opor-se à eficácia da declaração a si dirigida e não consumada por causa (dolosa ou negligente) que apenas a si é imputável no contexto das circunstâncias relevantes (por ex., “a natureza e o teor do contrato a que respeita a declaração”, “em contraposição com as regras de experiência”, sendo, nesta vertente, de diferenciar o “contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais” e “o facto de os devedores estarem cientes de que se encontravam em situação de incumprimento capaz de despoletar da parte do credor reacções tendentes à defesa dos seus direitos, designadamente a emissão de uma declaração resolutiva que no contrato ficou prevista”[8]);
f) nas situações de legítima expectativa de recepção efectiva e tempestiva das declarações expedidas, incumbe, em caso de não recepção ou recepção tardia, a quem pretende lograr o efeito impeditivo da eficácia (em rigor, do direito incorporado na declaração que se invoca eficaz e vinculativa) – isto é, ao declaratário-destinatário – o ónus de alegação e prova da falta de culpa ou, pelo menos, de falta de culpa exclusiva, ou seja, a demonstração de que a não recepção ou a recepção tardia se deveu, disjuntiva ou copulativamente, exclusivamente ou em concurso com a sua conduta, a facto culposo do declarante emissor ou de terceiro (nomeadamente factos respeitantes à tramitação da expedição postal) e/ou a factos tradutores de “caso fortuito” ou de “força maior” (nos termos do art.º 342º, 2, CCiv.)[9], sob pena de – como “medida de protecção do declarante”[10] – se considerar que houve recepção efectiva no momento e lugar da entrega frustrada ou não consumada[11] (em rigor, bastando nessas situações a prova da expedição correcta rumo ao destinatário a cargo do declarante[12]); (sublinhados e negrito nossos)
No caso sob sindicância, em que estamos (1) perante contrato escrito de arrendamento para fins não habitacionais e (2) a carta foi enviada para a sede da arrendatária, que tem um estabelecimento de porta aberta, mal se compreende a não recepção da carta pela locatária - a carta não foi recebida, porque a locatária «não atendeu», às 11 horas do dia 27/1-, ora, tal falta de recepção só pode explicar-se pela desorganização funcional da 1ª ré, desorganização essa à mesma imputável de forma culposa.
Por outro lado, estamos ante relação contratual escrita, na qual a recorrente/senhoria tinha a legítima expectativa de recepção efectiva e tempestiva da declaração expedida por parte da 1ª ré/inquilina, não sendo atribuído à 1ª qualquer comportamento do qual se possa extrair que a recepção tardia incumbia, em caso de recepção tardia, a quem pretende lograr o efeito impeditivo da eficácia (neste caso a recorrida) o ónus de alegação e prova da falta de culpa ou, pelo menos, de falta de culpa exclusiva, o que não foi feito pela recorrida.
Da factualidade provada, não se patenteia qualquer facto do qual se possa extrair que a não recepção da carta pela recorrida se deveu a terceiros, a “caso fortuito” ou de “força maior” (nos termos do art.º 342º, 2, CC), pelo que tal facto deverá, em conformidade com o regime do art.º 224º nº 2 do CC, ser imputado culposamente à recorrida, concluindo-se que, tal como propugnado pela recorrente, a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento tornou-se eficaz no momento e lugar da entrega frustrada ou não consumada, isto é, em 27/01/2022.
Assim, e contrariamente ao concluído na sentença recorrida, operou-se eficazmente a oposição à renovação do contrato de arrendamento pela senhoria/recorrente devendo proceder o 1º pedido formulado na petição inicial.
Análise dos demais pedidos formulados pela autora na petição inicial:
Peticionou a autora:
b. Serem os RR condenados ao pagamento do valor correspondente ao dobro dos valores das rendas atualizado até á entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens;
c. Ser a 1ª Ré condenada ao pagamento de indemnização a apurar em sede de execução de sentença, relativamente aos prejuízos decorrentes da impossibilidade de início da obra e da promoção das vendas
Para tanto, alegou a autora na petição inicial:
31.º Estando a Ré em mora na entrega do locado será devido o valor das rendas em dobro desde a data que operou a resolução (maio de 2022) até á entrega do locado, sendo os fiadores ora 2º e 3º Réus responsáveis solidariamente com a 1ª Ré pelo seu pagamento.
32.º O valor desta indemnização, segundo o disposto no artigo 1045.º nº 2 do CC, ascende até ao momento a quantia de 12600,00€, correspondente as rendas de junho de 2022, julho 2022 e agosto de 2022 em dobro, vencendo-se o valor de 4200,00€ até á entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens.
33.º Para além da referida indemnização legal, é também a 1ª Ré responsável por todos os prejuízos decorrentes do incumprimento na entrega do imóvel, nos termos gerais de direito.
34.º Na verdade, a Autora tem um projeto de licenciamento para o prédio,
35.º Que se encontra em fase final de apreciação na Câmara Municipal de Lisboa sob as referências: 1272/EDI/2018 e 4394/OTR/2022
Logo,
36.º A não entrega do locado, no prazo e de acordo com as condições contratuais, implicará, após a emissão da licença de construção, prejuízos para a Autora, que neste momento não são suscetíveis de quantificar, mas que se prendem com a impossibilidade de dar início às obras e subsequentes pré-vendas decorrentes do licenciamento aprovado.
37.º A não entrega do locado, após o deferimento da licença de construção, trará avultados prejuízos para a Autora, que ficará impedida de iniciar as obras e também de iniciar as vendas dos apartamentos que pretende construi no imóvel, uma vez que enquanto a Ré não desocupar o imóvel e não houver entrega judicial do mesmo, a Autora não se poderá comprometer com os prazos de entrega de apartamentos, já que desconhece quando poderá iniciar as obras.
38.º Neste momento torna-se impossível quantificar o valor dos prejuízos, pelo que se relegará para execução de sentença o valor indemnizatório.
Neste domínio, não podemos acompanhar a posição da recorrente, uma vez que discutindo-se a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, quer extrajudicialmente, quer na ação de despejo destinada a reconhecer o direito do senhorio à entrega do locado e consequente condenação do inquilino a cumprir essa obrigação, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no n.º 2 do art.º 1045.º do CC, apenas será devida após a trânsito em julgado da sentença que condenou o inquilino definitivamente no despejo do locado, solucionando desse modo o litígio entre as partes.
Desta forma, carecem de fundamento as exigências indemnizatórias que a autora recorrente fez a todos os réus (incluído os réus fiadores).
Com este entendimento, escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-02-2024:
No entanto, a mora no cumprimento da obrigação de restituição da coisa locada estava justificada pela pendência da ação onde se discutia o mérito dessa pretensão, não sendo de excluir a possibilidade de, segundo as várias soluções admissíveis em direito e por força das eventuais contingências do processo, a ação poder vir a ser julgada improcedente e, consequentemente, não fosse reconhecido o direito do A. à restituição do locado.
Nestas condições, a “não-entrega” imediata do locado por parte da inquilina, que pretendia exercer de forma legítima os seus direitos em tribunal, pode ser tida como lícita e a mora como justificada, afastando-se assim a aplicabilidade do n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C..
Até ao trânsito em julgado da sentença que julgue definitivamente o litígio entre as partes, reconhecendo a obrigação de restituição da coisa e condenando a devedora ao seu cumprimento, deve julgar-se como justificada a mora, ficando a R. apenas obrigada ao pagamento do valor da renda convencionada, nos termos do Art.º 1045.º n.º 1 do C.C..
A partir do trânsito em julgado dessa decisão, fixada que fica definitivamente a existência dessa obrigação em consequência da cessação do contrato de arrendamento, a mora deixa de estar justificada e a R. fica obrigada ao pagamento da indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 2 do C.C., correspondente ao dobro da renda convencionada.
São razões de segurança jurídica e de equilíbrio na tutela dos direitos de ambas as partes que justificam a justiça desta solução (Ac. proferido no proc. 18216/21.4T8SNT.L1-7, versão integral em www.dgsi.pt)
Dito isto, em face da procedência parcial da acção, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelo 2.º Réu (fiador) na contestação apresentada.
Em face do exposto, improcederão os 2º e 3º pedidos formulados pela autora e, por tal, só em parte procederá a presente apelação.
*
V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, determinando-se em sua substituição que:
a. Declarando-se cessado o contrato de arrendamento celebrado entre autora/recorrente e 1ª ré/recorrida, ordena-se a entrega do locado à primeira, devoluto de pessoas e bens;
b. Absolvem-se todos os réus dos 2º e 3º pedidos formulados na petição inicial.
Custas pela recorrente e recorridos, respectivamente, na proporção de 1/3 e 2/3.
Registe e notifique.

Lisboa, 08-05-2025
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Vera Antunes (com declaração de voto de vencida)
Nuno Lopes Ribeiro

Declaração de voto de vencida da Exmª Juiz Desembargadora Vera Antunes:
Voto vencida parcialmente, apenas quanto no que aos pedidos de indemnização se refere, concordando com o Acórdão proferido no restante.
Uma vez que é controvertida na jurisprudência a aplicação do art.º 1045º do Código Civil, nomeadamente quanto ao momento do início da mora e considerando que neste caso, de oposição à renovação do contrato, se tem de considerar o contrato findo nessa data e que a mora se pode ter por iniciada com a interpelação para a restituição do locado (neste caso, com a citação - veja-se a este respeito o Acórdão da Relação do Porto de 20/5/2024, Proc. n.º 8046/19.9T8VNG.P1); de igual modo podendo considerar-se que atendendo à data do fim contrato se pode considerar a atribuição de uma indemnização por danos ocorridos pela falta de entrega atempada do locado e, finalmente, atendendo a que a decisão foi proferida em sede de saneador sentença, entendo que se deveria mandar prosseguir o processo a fim de se produzir a prova a que houvesse lugar sobre os invocados danos e tomar posição quanto à questão em causa apenas na sentença final.
Vera Antunes