TERCEIRO
TITULAR INSCRITO
CITAÇÃO
REGISTO PREDIAL
PROVISORIEDADE
Sumário

I. A citação do terceiro titular inscrito ou dos respectivos herdeiros, prevista no art.º 119º do Código de Registo Predial, apresenta-se com cominação específica, decorrente da verificação de pressupostos determinados (ausência de resposta do citando ou declaração alternativa num ou noutro sentido) e não se compadece com interpretações jurídicos do sentido de declarações ambíguas e com análise jurídica do fenómeno sucessório.
II. Resultando inviabilizada a possibilidade de remoção da provisoriedade, ao abrigo desse mecanismo, resta aos interessados legítimos (os exequentes) o recurso aos meios comuns, mediante acção declarativa autónoma onde se reconheça a titularidade do direito de propriedade da fracção autónoma em questão, à data do registo da penhora.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
AA,
veio interpor recurso
da decisão proferida pela Senhora Conservadora da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, na qual foi decidido recusar o registo pretendido formulado sob apresentação n.º 1191 de 15/03/2022, referente ao prédio descrito sob o n.º ... da freguesia de Santarém (São Nicolau).
O despacho de recusa foi objecto de recurso hierárquico que manteve a decisão impugnada.
Foi proferido despacho de sustentação.
Foram os autos remetidos ao Ministério Público com vista a emissão de parecer, sustentando-se a manutenção da decisão proferida.
Em 30/9/2024, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, julgo improcedente o recurso de impugnação apresentado.
*
Inconformado, o impugnante interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da sentença da 1a Instância que julgou improcedente o recurso de impugnação da decisão da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, que recaiu sobre a Ap. 1191, de 15.03.2022, relativa ao pedido de conversão da penhora registada em 07.01.2021, sobre a fracção “C”, do prédio descrito sob o nº ..., da freguesia de S. Nicolau, Santarém;
II. Salvo melhor opinião, a Decisão ora recorrida é nula, por ter a Mma Juiz deixado de pronunciar-se sobre questões que devia, configurando condenação em objecto diverso do pedido - tendo em conta o objecto do processo e a decisão sob impugnação - nos termos das alíneas d) (1a parte) e e) (2a parte), do nº1, do art.º 615º, do CPC, constituindo mesmo decisão surpresa quanto a parte da fundamentação jurídica adoptada, com violação do princípio do contraditório;
III. Além disso, a Decisão incorre em manifesto erro do de julgamento, fazendo errada avaliação da matéria de facto aplicável e dos efeitos de declaração da executada/penhorada, por referência ao nº 3, do art.º 119º, do Código do Registo Predial (CRP);
IV. Acresce que, a Mma juiz “a quo” faz incorrecta aplicação do Direito e de princípios jurídicos fundamentais que, se devidamente ponderados, levariam a decisão diversa da ora recorrida;
V. No que se refere ao enquadramento da matéria de facto, não é verdade que, em sede de recurso hierárquico, tenha sido mantida, integralmente, a decisão referida em 11, uma vez que, parte da decisão inicial da Sr.ª Conservadora foi revogada, mantendo-se apenas a que foi objecto de impugnação; 
VI. Além disso, afigura-se que o ponto 9, da matéria da facto, deverá ser ampliado/modificado, nos termos do nº1, do art.º 662º, do CPC, passando a constar, por se mostrar pertinente, que a transmitente/vendedora foi BB, conforme resulta das certidões de teor juntas aos autos, onde consta (Ap.1647, de 02.09.2021), além do mais, que o sujeito passivo era a única herdeira de CC;
VII. Os presentes autos constituem Impugnação da Decisão de qualificação da recusa de registo, da Sr.ª Conservadora da 2a Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, na parte que foi mantida em sede recurso hierárquico, na qual se sustentou que foi “por se verificar que não foi junto à requisição de registo título suficiente para o registo de conversão pretendido, porquanto a certidão junta, embora certifique que o bem não pertence à executada. encontram-se anexos documentos referentes à notificação da mesma, em que através da sua mandatária informa o processo que o bem não lhe pertence desde 30 de agosto de 2021, pelo que à contrário se depreende que à data da penhora. o mesmo lhe pertencia, existindo por isso contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação”;
VIII. Nos termos do nº 1, do art.º 145º, do CRP, foi esta decisão de contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação e respectivos fundamentos, que foi objecto de impugnação;
IX. Como se infere da fundamentação da Sentença, a Mma Juiz entendeu sustentar a decisão da Sr.ª Conservadora, mas nada dizendo sobre as razões invocados por esta, resolveu optar por fundamentos diversos dos que constam na decisão impugnada, proferindo verdadeira “Decisão Surpresa”, uma vez que o R. não foi chamado a pronunciar-se sobre os mesmos, decidindo em violação do princípio do contraditório, tal como previsto no nº3, do art.º 3º, do CPC;
X. Como se constata, omitindo qualquer referência ou comentário à invocada contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação”, a Mma juiz entendeu que a boa decisão da Sr.ª Conservadora, tinha fundamentos diversos, a saber:
a) de tal inscrição (a favor da executada e do filho) se extrai que o bem em causa pertencia à herança - e não a qualquer dos herdeiros - por não ter ocorrido partilha. Só o registo da partilha determina a atribuição da titularidade do bem ao herdeiro; 
b) entendeu-se que da resposta da executada não era possível considerar que esta declarou que os bens lhe não pertenciam (enquanto titular da herança), nem que nada tenha declarado, para efeitos de possibilitar a conversão do registo em definitivo;
c) no caso, a executada veio apenas dizer que o bem deixou de lhe pertencer em 30/08/2021, o que não equivale a dizer que o bem não pertencia à herança em data anterior;
d) que o pedido de registo não se sustentava na documentação apresentada pelo recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 69º, n.º 1, al. b), do CRPredial, porquanto a documentação junta não evidenciava a declaração de que os bens não pertenciam a titular inscrito (a herança) para efeitos de possibilitar a conversão - até oficiosa - do registo provisório em definitivo;
e) sendo que à data da penhora - em 07/01/2021 - a titularidade do bem se encontrava registada a favor da herança, o que significa que, àquela data, a executada não era titular do mesmo bem, mas tão só do direito à sua partilha ou do direito a um quinhão no acervo hereditário do titular do bem;
f) E ainda que se pudesse considerar eventual falecimento do interessado CC ocorrido em 2020 (a avaliar pelo teor da escritura de habilitação de herdeiros), como facto que determinou o ingresso da totalidade do bem no património da executada, (bold nosso) o que é certo é que nem sequer foi junta no expediente destinado a sustentar o pedido de registo certidão de óbito daquele, documento idóneo a atestar o facto óbito, para daí se poder eventualmente extrair o pretendido pelo recorrente - que o bem em causa já não pertencia à herança e sim à executada à data de 07/ 01/2021 .
XI. Considera-se, assim, que a sentença viola o nº 3, do art.º 3º, bem como, as alíneas d) e e), do nº 1, do art.º 615º, ambos do CPC, o que determina a sua nulidade;
XII. Mas, também no que se refere aos argumentos aduzidos pela Mma Juiz, para sustentar a decisão de recusa da conversão do registo, se entende, salvo melhor opinião, que carecem do mais elementar fundamento;
XIII. De facto, no Despacho de Qualificação de recusa do registo, a Sr.ª Conservadora invocou a contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação porquanto, na certidão junta, allegadamente, se certifica que o bem não pertence à executada, mas encontram-se anexos documentos referentes à notificação da mesma, em 
XIV. que através da sua mandatária informa o processo que o bem não lhe pertence de 30 de agosto de 2021, pelo que à contrário se depreende que á data da penhora o bem lhe pertencia...
XV. A Mma Juiz, por seu turno, entendeu a posição da Sr.ª Conservadora como tendo considerado que a resposta da executada se limitava a afastar a sua propriedade (a título pessoal), desde 30/08/2021, mas nada respondia quanto ao período anterior. Ou seja, entendeu-se que da resposta da executada não era possível considerar que esta declarou que os bens lhe não pertenciam (enquanto titular da herança), nem que nada tenha declarado, para efeitos de possibilitar a conversão do registo em definitivo, afirmando também que o pedido de registo não se sustentava na documentação apresentada pelo recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 69º, n.º 1, al. b), do CRPredial, porquanto a documentação junta não evidenciava a declaração de que os bens não pertenciam a titular inscrito (a herança) para efeitos de possibilitar a conversão - até oficiosa - do registo provisório em definitivo.
XVI. Como bem se depreende, estamos perante fundamentação completamente divergente entre a decisão da Sr.ª Conservadora e o entendimento / interpretação da Mma juiz fez sobre o alcance da mesma;
XVII. Resulta, também evidente, que a Mma juiz estabelece evidente confusão entre a titularidade inscrita do bem objecto de penhora e a propriedade do mesmo, quando considera que a titularidade inscrita pertence à herança indivisa (do DD);
XVIII. De facto, o imóvel encontra-se inscrito, isso sim, a favor da executada e do seu filho, em comum e sem determinação de parte ou de direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, através da Ap. 3398, de 15.12.2009, enquanto detentores de um quinhão hereditário;
XIX. Acresce que, considerando que só o registo da partilha determina a atribuição da titularidade do bem ao herdeiro, entende a Mma Juiz que o registo predial é constitutivo de direitos, posição que contraria jurisprudência firmada e doutrina pacífica, na qual se ensina que o registo predial tem efeito meramente declarativo destinando-se, apenas a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, sendo oponível a terceiros os factos dele constantes;
XX. Pelo contrário, é sabido a transmissão da propriedade de bens imóveis dá-se por mero efeito do contrato (negócio jurídico), nos termos do nº 1, do art.º 408º, nº1, do CC que, no caso concreto em apreciação, se reporta aos efeitos da sucessão mortis causa do DD e do seu filho CC, na esfera jurídica da executada;
XXI. Nos termos previstos no art.º 1316º, do CC, o direito de propriedade adquire- se, entre outros, por sucessão por morte, dispondo-se na al. b), do art.º 1317º, que o direito é adquirido no momento da abertura da sucessão;
XXII. Sendo que, conforme previsão do art.º 2031º, também do CC, a sucessão abre- se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele, sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (2032º, nº1);
XXIII. Aplicados estes preceitos ao caso concreto, a executada BB e o seu filho CC adquiriram a titularidade do imóvel penhorado, na data do óbito do marido/pai DD;
XXIV. Subsequentemente, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros de 03.09.2020, outorgada no Cartório Notarial de Santarém, de fls. ...- junta aos autos, incorporada no processo administrativo remetido pela Conservatória do Registo Predial - a executada BB declarou-se única e universal herdeira do seu filho CC, falecido no dia ........2020, no estado de solteiro, maior;
XXV. Em consequência, face aos supra citados preceitos legais, a executada BB adquiriu, em 10.08.2020, o quinhão hereditário que o filho detinha na fracção penhorada, consolidando-se na sua titularidade a totalidade do referido imóvel, nesta data;
XXVI. Como parece lógico e entendível, face às regras notariais e de registo, só a circunstância de ser a única titular/proprietária do imóvel permitiu que a executada tivesse vendido o mesmo a EE, em 30.08.2021 (Ap. 1647, de 02.09.2021), conforme melhor consta do Contrato de Compra e Venda que ora se junta, nos termos da 2a parte, do nº 1, do art.º 651º, do CPC;
XXVII. Não obstante ter decidido pela improcedência da Impugnação, a Mma Juiz viria a considerar, já no final da sentença, que ainda que se pudesse considerar eventual falecimento do interessado CC ocorrido em 2020 (a avaliar pelo teor da escritura de habilitação de herdeiros), como facto que determinou o ingresso da totalidade do bem no património da executada, o que é certo é que nem sequer foi junta no expediente destinado a sustentar o pedido de registo certidão de óbito daquele, documento idóneo a atestar o facto óbito, para daí se poder eventualmente extrair o pretendido pelo recorrente - que o bem em causa já não pertencia à herança e sim à executada à data de 07/01/2021;
XXVIII. Resulta desta afirmação que, caso entendesse comprovado o óbito, a Mma juiz considera demonstrada a propriedade da totalidade imóvel, pela executada, lucidez que se regista;
XXIX. Não obstante, ao contrário do que afirma, existe certidão/assento de óbito a instruir o pedido de conversão do registo, constando da escritura de habilitação de herdeiros de 03.09.2020, outorgada no Cartório Notarial de Santarém, de ... - a instruir os autos, junta com o processo administrativo - como estando arquivada certidão do assento de óbito do autor da herança, com o nº..., do ano de 2020, da CRC de Santarém;
XXX. Tal como se exige no nº 1, do art.º 85º, do Código do Notariado, daqui decorrendo que, uma vez celebrada escritura de habilitação de herdeiros, a mesma serve para comprovar o óbito, enquanto documento autêntico, que faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público (nº2, do art.º 363º e no nº 1, do art.º 371º, ambos do CC);
XXXI. Pelo que, removido o pressuposto negativo erradamente considerado, não deveria a Mma Juiz ter julgado como o fez, mas sim pela procedência da impugnação;
XXXII. Face às circunstâncias em que foi julgada a improcedência da impugnação, entende o R. ser pertinente submeter a reavaliação os fundamentos de recusa da própria Decisão Impugnada,
a) Quer por não se verificar a previsão da norma invocada para fundamentar a recusa de conversão do registo;
b) Quer porque, a própria decisão resulta, no entender do R., de deficiente interpretação do disposto no nº 3, do art.º 119º, do CRP, enquanto norma de suprimento, por confronto com a resposta dada pela executada.
XXXIII. A Sr.ª Conservadora recusou a conversão do registo, com base no disposto na al. b), do nº1, do art.º 69º, do CRP, que determina que o registo deve ser recusado, quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados;
XXXIV. Mas invoca como situação de facto a contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação; Situação que, como se constata, nada tem a ver com não estar o facto requerido titulado nos documentos apresentados;
XXXV. Como melhor consta do processo administrativo que consta dos autos, a executada foi citada, como determina o nº 2, do art.º 119º, do CRP, na qualidade de única herdeira do outro titular inscrito;
XXXVI. À questão colocada na citação, se o imóvel objecto da penhora pertencia ao autor da herança, o seu filho (CC) em 07.01.2021, a citada e executada respondeu, através da sua mandatária que ...o presente imóvel já não pertence à própria desde 30.08.2021...
XXXVII. Só pode depreender-se que - a exemplo do que fez a Mma Juiz - anteriormente a 30.08.2021 o imóvel lhe pertencia (na totalidade, adiantamos), por ter adquirido o quinhão do filho, na data do falecimento do mesmo (........2020);
XXXVIII. O R. limitou-se a certificar na documentação da citação, que a executada afirmou que o prédio lhe não pertencia “à data da resposta”, como se infere e é verdade, uma vez que o tinha vendido em 30.08.2021;
XXXIX. Não se percebe como se consegue retirar daqui qualquer contradição relevante impeditiva da conversão do registo, uma vez que está assegurado que, à data de 07.01.2021, o imóvel não podia pertencer ao outro titular inscrito;
XL. Pelo contrário, como bem identificou a Sr.ª Conservadora, depreende-se da resposta da executada, de forma implícita, que na data do registo da penhora, o prédio lhe pertencia em exclusivo;
XLI. E mesmo que assim não se considerasse, por não ter sido respondido, concretamente, ao que se perguntou, a resposta apresentada não poderia deixar de se considerar como ausência de declaração, no âmbito da previsão do nº3, do referido art.º 119º;
XLIII. Quer em consequência do teor e sentido da resposta da executada, quer se considere a ausência da mesma, por não respeitar o padrão previsto na norma, não podia a conversão do registo ser recusada, face ao preceito supra citado;
XLIV. Porquanto, só na situação prevista no nº4, do art.º 119º (que não ocorreu), poderia a conversão ser recusada, caso em que seriam as partes remetidas para os meios comuns;
XLV. O que não pode acontecer é uma resposta desconforme com a previsão/tipo do nº3, do art.º 119º, cujo teor só o respondente pode controlar, possa resultar em prejuízo, manifestamente ilegal e intolerável, dos exequentes;
XLVI. Contexto em que, para além da suscitada nulidade da sentença, a mesma incorre em manifesto erro de julgamento, por violação da alínea b), do nº1, do art.º 69º e do nº3, do art.º 119º, ambos do CRP, ao não revogar a decisão impugnada, concedendo a conversão em definitivo do registo da penhora de 07.01.2021;
XLVII. Tanto mais que, como supra se afirmou, se infere da mesma que tal só não ocorreu em resultado de flagrante erro de avaliação, quanto à prova do óbito do filho da executada.
TERMOS EM QUER, REVOGANDO A DECISÃO ORA RECORRIDA, NOS TERMOS SUPRA ALEGADOS, FARÃO V.EXAS JUSTIÇA!!
*
O Ministério Público contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito suspensivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Da nulidade da decisão recorrida.
Da verificação dos pressupostos de eliminação da provisoriedade do registo da penhora.
*
III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados:
1. No âmbito dos autos de execução que correm termos sob o n.º 3455/20.3T8ENT, no Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz ..., do Tribunal da Comarca de Santarém, em que é executada BB, o recorrente penhorou fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a habitação, do prédio urbano sito em Santarém, freguesia de São Nicolau, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º ...-C.
2. Por ap. 1191 de 15/03/2022, o recorrente requereu junto da 2a Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira a conversão em definitivo do registo provisório da penhora (sob ap. 449, de 07/01/2021).
3. A instruir o pedido de conversão, o recorrente juntou a certidão de fls. 4 e ss.
4. No âmbito dos autos referidos em 1., o recorrente procedeu à citação de BB para:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 119º, do Código do Registo Predial, fica citada, na qualidade de única herdeira de CC (...) para, no prazo de 10 dias indicar se a fracção C, correspondente ao 1o andar direito, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº .../19881125-C (...) pertence/pertencia ao autor da herança, CC, à data de 07/01/2021."
5. Ao referido em 4., BB respondeu que “o presente imóvel já não pertence à própria desde o dia 30/08/2021, pelo que não consta qualquer bem em seu nome."
6. Encontra-se inscrita por ap. 6 de 2001/11/09 a aquisição, por compra, a favor de DD, da fracção C do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o n.º .../19881125.
7. Encontra-se inscrita por ap. 3398 de 2009/12/15, a aquisição por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, a favor de BB e de CC, do imóvel referido em 6.
8. Encontra-se inscrita como provisória por natureza, nos termos do art.º 92º, n.º 2, al. a), por ap. 448 de 2021/01/07, a penhora da fracção referida em 6, à ordem dos autos de execução referidos em 1.
9. Encontra-se inscrita por ap. 647 de 2021/09/02, a aquisição por compra, a favor de EE, do imóvel referido em 1.
10. Encontra-se inscrita, como provisória por natureza e por dúvidas, nos termos do art.º 92º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. d), do CRP, por ap. 1755 de 2022/03/31, acção proposta por FF e GG contra BB, com vista ao reconhecimento desta como proprietária da fracção id. em 1. à data de 07/01/2021.
11. Em 29/03/2022 foi proferido pelo(a) Sr.(a) Conservador(a) de Registo o seguinte despacho: “O ato requerido pela ap. 1191/20220315, que recai sobre a descrição n.º ..., fracção C, freguesia de Santarém (São Nicolau), concelho de Santarém, é recusado por se verificar que o ato foi requerido no decurso do prazo para interposição de recurso, decorrente de recusa efectuada, pelo que atendendo à natureza do ato solicitado o mesmo não pode ser efectuado provisoriamente.
Acresce que mesmo que não se verificasse a situação supra referida, sempre o ato seria recusado por se verificar que não foi junto à requisição de registo título suficiente para o registo de conversão pretendido, porquanto a certidão junta, embora certifique que o bem não pertence à executada, encontram-se anexos documentos referentes à notificação da mesma, em que através da sua mandatária informa o processo que o bem não lhe pertence desde 30 de agosto de 2021, pelo que à contrario se depreende que à data da penhora, o mesmo lhe pertencia, existindo por isso contradição entre os documentos que serviram de base à emissão da certidão e conteúdo da sua certificação. Artigo 68º, 69º n.º 1 al. b), 71º, n.º 1 e 3, 92º, n.º 2, al. d), e 69º, n.º 2, CRPredial.”
12. Em 19/05/2022, em sede de recurso hierárquico, foi mantida a decisão referida em 11.
*
IV. O Direito
i) Da nulidade da decisão recorrida
Invoca o recorrente, a este respeito:
II. Salvo melhor opinião, a Decisão ora recorrida é nula, por ter a Mma Juiz deixado de pronunciar-se sobre questões que devia, configurando condenação em objecto diverso do pedido - tendo em conta o objecto do processo e a decisão sob impugnação - nos termos das alíneas d) (1ª parte) e e) (2ª parte), do nº1, do art.º 615º, do CPC, constituindo mesmo decisão surpresa quanto a parte da fundamentação jurídica adoptada, com violação do princípio do contraditório;
Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença»:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Repare-se que, como nos recorda o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 3/3/2021 (Leonor Rodrigues), disponível em www.dgsi.pt:
I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124 e 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
No que tange à nulidade por omissão de pronúncia, o Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2020 (Maria do Rosário Morgado), disponível em www.dgsi.pt:
A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
Preceitua o art.º 608º, nº 2 do Código de Processo Civil que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Por conseguinte, a nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele preceito, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
Ora, no caso, a Exma. Juiz a quo apreciou todas as questões suscitadas pelo recorrente, consistindo a invocação do mesmo em mera discordância com a fundamentação de Direito aduzida na sentença sob recurso.
*
O excesso de pronúncia, enquanto fundamento da nulidade da decisão, incide apenas sobre as questões colocadas pelas partes e não sobre os fundamentos ou argumentos que tenham sido invocados pelo tribunal para sustentar a sua decisão.
A lei fala em «questões», isto é, em assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões.
Não devem ser abrangidos no objeto do processo, para o efeito de aferir da nulidade por excesso de pronúncia, razões ou argumentos usados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, nem a determinação da lei aplicável, que compete oficiosamente ao tribunal.
Neste sentido, vejam-se, por todos, o Acórdão do STJ de 14/7/2020 (Maria Clara Sottomayor), disponível em www.dgsi.pt.
Veja-se, ainda, o Acórdão do STJ de 8/2/2018 (Maria da Graça Trigo), disponível na mesma base de dados:
II - A nulidade por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia, prevista no art.º 615º, nº 1, alínea e), do CPC, a verificar-se, resultará do desrespeito pelo princípio do nº 1, do art.º 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido.
III - Tal nulidade deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art.º 3º, nº 1, do CPC).
Ora, não se vê como a sentença tenha excedido as questões suscitadas pelas partes nem condenado em objecto diverso do pedido, naquele referido enquadramento.
Sendo que, quanto a este último argumento, a decisão recorrida em nada condenou, antes julgou improcedente o pedido de impugnação da decisão registal.
Não padece, por isso e em nosso entendimento, a decisão proferida de nulidade.
*
ii) Da verificação dos pressupostos de eliminação da provisoriedade do registo da penhora.
Afastada a invocada nulidade da decisão, vejamos a sua adequação ao regime legal.
Em causa está o pedido de conversão em definitivo de um registo de penhora, incidente sobre fracção autónoma, que havia sido registada provisoriamente por natureza.
E bem, na medida em que, à data de apresentação da penhora ao registo (7/1/2021), o direito de propriedade da fracção encontrava-se inscrito, não apenas a favor da executada nos respectivos autos (BB) mas também a favor do seu filho, CC.
Registo esse vigente desde 15/12/2009, por sucessão e dissolução da comunhão conjugal, em virtude do falecimento do anterior proprietário, DD.
Pelo que, nos termos do disposto no art.º 92º, nº 2, a) do Código de Registo Predial, bem andou o Sr. Conservador em proceder ao registo da respectiva penhora, como provisória por natureza (2 - Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza: a) As inscrições de penhora, de declaração de insolvência e de arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido;).
Face a esse registo, cumpre chamar à colação do disposto no art.º 119º do mesmo Código, que ora se transcreve:
Artigo 119.º
Suprimento em caso de arresto, penhora ou declaração de insolvência
1 - Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence.
2 - No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição deve fazer-se a citação deste ou dos seus herdeiros, independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias, na sede da junta de freguesia da área da situação dos prédios.
3 - Se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo.
4 - Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo.
5 - O registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até que seja cancelado o registo da ação.
6 - No caso de procedência da ação, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.
O requerente (agente de execução peticionante do registo da penhora) recorreu a esse mecanismo simplificado e procedeu então à citação da única herdeira conhecida ao falecido terceiro inscrito, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do citado preceito e com as cominações previstas no mesmo.
Em termos que, desde logo, se mostram desconformes ao nº 2 do citado preceito, pois não se procedeu à citação, por editais, dos herdeiros do titular inscrito.
Mas, citou, sendo que essa herdeira (identificada na escritura de habilitação celebrada em 3/9/2020 e coincidente com a executada nos autos executivos em questão) respondeu nos seguintes termos:
5. Ao referido em 4., BB respondeu que “o presente imóvel já não pertence à própria desde o dia 30/08/2021, pelo que não consta qualquer bem em seu nome."
Ou seja, mostra-se evidente a confusão da declaração, que não permite a interpretação única que melhor serve os interesses do requerente, mas, antes, deve ser estritamente interpretada à luz do citado art.º 119º.
A BB, citada enquanto única herdeira da herança aberta por óbito do terceiro inscrito, não declarou que o bem pertence ou não pertence à referida herança, mas apenas que não pertence à própria desde 30/8/2021.
Sendo que já sabíamos e já sabia o Sr. Conservador, que, desde 15/12/2009, a fracção encontrava-se inscrita a favor da própria e de um terceiro.
A declaração da citanda não pode ser interpretada como afirmando que, antes de 30/8/2021, o bem pertencia ao terceiro ou que não pertencia.
Nem sequer pode ser entendida como nada tendo sido declarado.
Mostrando-se, assim, esgotadas as alternativas previstas naquele citado art.º 119º e precludida a possibilidade de eliminação da provisoriedade do registo da penhora, pois a citanda não se remeteu ao silêncio nem declarou que, à data dessa apresentação ao registo da penhora, o bem não pertencia à herança aberta por óbito do terceiro inscrito.
Repare-se que, na interpretação da declaração da citanda, propugnada pelo requerente, o resultado seria sempre o mesmo: se declarasse que o bem pertencia ao terceiro inscrito e sendo a declarante a sua única herdeira, seria possível a eliminação da provisoriedade; se declarasse que o bem não pertencia a esse terceiro ou à herança aberta pelo seu óbito, também seria possível essa eliminação…
Transmutando o cumprimento do mecanismo previsto no art.º 119º em mera formalidade, pois, face a qualquer das respostas possíveis, seria ultrapassada a provisoriedade por natureza.
Sucede que, para se dar o passo seguinte, teria o Sr. Conservador de ir mais além do que o simples mecanismo registal previsto no art.º 119º, interpretando a declaração ambígua da herdeira do terceiro titular inscrito e procedendo à análise jurídica do chamamento sucessório aberto por óbito do mesmo, no período entre 10/8/2020 (data do falecimento) e 7/1/2021 (data do registo da penhora).
Extravasando, assim, o simples mecanismo registal previsto no art.º 119º do Código Registo Predial.
Por isso, bem andaram os exequentes beneficiários da penhora em questão, em intentar acção comum com vista ao reconhecimento de que a executada seria a única proprietária do bem:
10. Encontra-se inscrita, como provisória por natureza e por dúvidas, nos termos do art.º 92º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. d), do CRP, por ap. 1755 de 2022/03/31, acção proposta por FF e GG contra BB, com vista ao reconhecimento desta como proprietária da fracção id. em 1. à data de 07/01/2021.
Na medida em que apenas com esse reconhecimento judicial será possível a conversão da provisoriedade do registo da penhora, mostrando-se esgotado o recurso ao mecanismo previsto no art.º 119º.
A citação do terceiro titular inscrito ou dos respectivos herdeiros, prevista no art.º 119º do Código de Registo Predial, apresenta-se com cominação específica, decorrente da verificação de pressupostos determinados (ausência de resposta do citando ou declaração alternativa num ou noutro sentido) e não se compadece com interpretações jurídicos do sentido de declarações ambíguas e com análise jurídica do fenómeno sucessório.
Resultando inviabilizada a possibilidade de remoção da provisoriedade, ao abrigo desse mecanismo, resta aos interessados legítimos (os exequentes) o recurso aos meios comuns, mediante acção declarativa autónoma onde se reconheça a titularidade do direito de propriedade da fracção autónoma em questão, à data do registo da penhora.
Faculdade essa que, no caso, foi exercida, mostrando-se registada essa acção.
Pelo que acompanhamos a decisão recorrida, no sentido da validade da recusa do Sr. Conservador do Registo Predial, de eliminação da provisoriedade do registo de penhora.
E resultando prejudicada, porque inútil, a apreciação do pretendido aditamento à matéria de facto provada (VI. Além disso, afigura-se que o ponto 9, da matéria da facto, deverá ser ampliado/modificado, nos termos do nº 1, do art.º 662º, do CPC, passando a constar, por se mostrar pertinente, que a transmitente/vendedora foi BB, conforme resulta das certidões de teor juntas aos autos, onde consta (Ap. 1647, de 02.09.2021), além do mais, que o sujeito passivo era a única herdeira de CC;).
Na medida em que tal factualidade, repete-se, pressupõe análise jurídica que extravasa o simples mecanismo previsto no art.º 119º do Código do Registo Predial.
Improcedendo a apelação.
*
V. A decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa e Tribunal da Relação, 8 de Maio de 2025
Nuno Lopes Ribeiro (relator)
António Santos
Eduardo Petersen Silva