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INCAPACIDADE ACIDENTAL
ANULABILIDADE
PEDIDO
Sumário
(da responsabilidade do relator) I- Nos termos do art.º 150º do CCivil, na redação anterior às alterações levadas a efeito pela Lei nº 49/2018, de 14.08, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental. II- O art.º 257º do CCivil rege a incapacidade acidental, estabelecendo que a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário, daqui decorrendo que o regime aplicável é o da anulabilidade. III- A nulidade verifica-se per se, não necessitando de declaração para existir; daí que, quando numa ação judicial se invoca a nulidade, a parte não tem de pedir expressamente que o tribunal a declare, podendo ela ser invocada apenas como causa de pedir; se for pedida, nessa parte trata-se de uma ação de simples apreciação, nos termos do art.º 10º/3, al. a) do CPC, limitando-se o tribunal a declarar a existência da nulidade. IV- Diferentemente se passam as coisas quando estamos perante a anulabilidade: a anulação do ato jurídico tem de ser expressamente pedida porque a eficácia do vício em causa não decorre diretamente da lei; é necessário que haja uma manifestação expressa de vontade no sentido de o querer anular, a qual tem de se manifestar no pedido formulado pois só dessa maneira é que se obtém uma sentença de anulação. V- As ações de anulação são ações constitutivas, pois delas resulta uma mudança na ordem jurídica existente (cfr. art.º 10º/3, al. c) do CPC). VI- Não sendo pedida a anulação, mesmo que dos factos provados resulte o vício suscetível de a fundamentar, o Tribunal está impedido de retirar quaisquer consequências dessa invalidade, pois não pode conhecer ex officio desse vício. VII- Fundando-se a causa de pedir na incapacidade de que a autora padecia e que a impedia de entender o sentido das declarações que emitiu perante as entidades bancárias rés, nomeadamente as que permitiram a terceiro movimentar as suas contas bancárias, não tendo autora efetuado qualquer pedido de anulação dessas declarações, elas produzem os seus efeitos, daí decorrente a licitude das condutas das rés.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora recorrente: AA, reformada, viúva, residente na Residência ...,, sida na Montijo, titular do cartão de cidadão n.º ......., contribuinte fiscal ..., interditada por sentença já transitada em julgado, representada pelo seu tutor, BB, casado, bancário, portador do cartão de cidadão n.º ........, contribuinte fiscal n.º ... e residente na Av. ..., Lisboa.
Rés recorridas:
1. Caixa Geral de Depósitos, SA, contribuinte n.º ..., com sede na Avenida ..., Lisboa
e
2. Banco Santander Totta, SA, contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., Lisboa,
A autora instaurou ação de condenação sob a forma comum de declaração, formulando o seguinte pedido:
“a) condenar a 1ª Ré no pagamento de uma indemnização à Autora pelos danos patrimoniais causados, no montante integral de 285.969,72€;
b) condenar a 2ª Ré no pagamento de uma indemnização à Autora pelos danos patrimoniais causados, no montante integral de 14.510,93€;
c) condenar ambas as Rés no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que as suas inaceitáveis e ilícitas condutas causaram, em virtude da grave violação da confiança depositada, relegando-se para execução de sentença a necessária quantificação que se impõe fazer a este título;
d) pagar uma sanção pecuniária compulsória, na base que doutamente for entendida ser a mais curial, expressando-se desde já uma irrestrita adesão ao critério que o Tribunal venha a cooptar”.
Para fundamentar o pedido alegou que foi interditada por sentença datada de 12.09.2018, já transitada em julgado, com efeitos a retroagirem a julho de 2017, data em que, já com a idade de 94 anos, foi internada numa residência sénior, já que é viúva, sem filhos e os seus familiares mais próximos vivem longe. Sucede que, apesar de, já nesta época, a autora se encontrar totalmente incapaz para dispor e gerir os seus bens, foram efetuadas várias operações bancárias nas rés, entre Setembro de 2017 e Fevereiro de 2018, das quais resultou a transferência de avultadas somas em dinheiro para duas pessoas particularmente próximas daquela, sem o conhecimento dos familiares. As rés falharam no cumprimento do seu dever de diligência, por terem permitido a movimentação indevida das contas da autora aí sediadas, já que era notório para qualquer pessoa que esta não reunia as condições psíquicas necessárias para compreender cabalmente o alcance das suas ações, o que causou à autora danos patrimoniais e danos morais nos termos que constam do pedido.
Ambas as rés contestaram.
A 1ª ré invocou a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria respeitante aos tribunais judiciais por violação do princípio de adesão obrigatória, previsto no artigo 71.º do Código de Processo Penal. Mais impugnou a generalidade da matéria factual alegada na p.i., nomeadamente o facto de a autora se encontrar totalmente incapacitada desde julho de 2017. Alegou que é do conhecimento dos funcionários da sua agência onde estava sediada a conta da autora que esta não mantinha nenhum relacionamento próximo com qualquer dos seus sobrinhos, o que não acontecia com o Sr. CC (uma das pessoas a favor de quem transferiu fundos), que conhecia desde a infância e tratava como um filho. Esta pessoa, aliás, era, à data dos factos, funcionário da 2ª Ré, pelo que é natural que, para além da proximidade, tivesse ajudado a Autora nas operações bancárias que realizou, todas por vontade própria e com total consciência do seu significado. Terminou pedindo a improcedência do pedido.
Também a 2ª ré pugnou pela improcedência da ação, tendo alegado, em suma, que os movimentos realizados nessa instituição bancária foram efetuados de forma adequada e correta e que, na altura em que a autora ordenou a realização de tais movimentos, evidenciava perfeita consciência do que estava a fazer, para além de se tratar de transferências em seu próprio benefício, porque se destinaram ao pagamento de despesas por si efetuadas.
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Na sequência de despacho proferido para o efeito, a autora veio ainda proceder à quantificação dos pedidos formulados sob as alíneas c) e d) da p.i., tendo peticionado a condenação, a título de “danos morais”, da 1ª ré a pagar quantia não inferior a € 27.500, e da 2ª ré em valor não inferior a € 2.500, num total de € 30.000,00, retificando o valor do pedido final para € 330.480,65.
*
Realizou-se a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a acima mencionada exceção de incompetência e, no demais, julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais.
Foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, tendo sido proferida sentença que culminou co o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve as Rés de todos os pedidos que contra si vinham formulados pela Autora. Custas pela Autora”.
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Inconformada com o decidido, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
1
- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos à margem identificados que julgou improcedentes os pedidos formulados pela A.,
2
- Não se conformando a A. com a mesma, na medida em que padece, não só do vicio do erro notório na apreciação da prova, como também de erro de julgamento.
3
- Fruto dum criterioso e inaudito exercício por parte do Tribunal a quo de truncagem de factos, relevação de argumentos a latere e deturpação clamorosa do teor de testemunhos e documentos objetivamente isentos e idóneos, absolutamente essenciais para a compreensão da real condição da A. à data da prática dos factos e da forma como estes na realidade se processaram,
4
- Valorizando outros, clamorosamente contraditórios e inconsistentes, prestados por quem manifestamente tem enorme interesse e muito direto no decaimento da presente ação,
5
- Exercício esse que, como se tem que, infelizmente concluir, visou ajustar a decisão final a uma pré concebida ideia da situação dos autos e das figuras em presença, no que resultou numa decisão contra a prova.
6
- O que está absolutamente vedado, em todo o caso, ao Julgador e, por isso, em tudo alheio aos critérios de livre apreciação da prova, valoração critica da prova e prudente convicção do Julgador, previstos nos números 4 e 5 do artigo 607º do CPC, que, foram assim, amplamente violados,
7
- Na verdade, os critérios adotados nos nºs 3 e 4 do artigo 607º CPC, quanto à “livre apreciação da prova”, “apreciação crítica da prova” e “prudente convicção do julgador” convocam para uma reflexão em torno da função da fundamentação das decisões judiciais no âmbito da matéria de facto, uma vez que o julgamento dos factos é o ponto nevrálgico do iter processual,
8
- Quanto ao depoimento do Tutor da A., BB: não se descortina onde é que no seu depoimento é “evidenciado grande envolvimento no presente litígio – quiçá, maior do que o que naturalmente ocorreria da mera circunstância de a este incumbir tal função” - pois que o Tribunal não explica porque razão é que conclui nestes termos e, designadamente, onde é que o envolvimento ultrapassa o ajustado à função do tutor e o que em concreto no seu depoimento demonstra esse maior envolvimento.
9
- De resto, também não explica a Meritíssima Juíza – e devia, salvo o devido respeito, fazê-lo - porque categoriza de “desdenhosa” a forma como o Tutor se referiu a CC, pois que ao longo de todo o seu depoimento, tal nunca se verificou!
10
- Não se entende, ainda, o fundamento para o Tribunal concluir que “foi notório o seu interesse na ação, misturando a factualidade de que teria conhecimento direto com considerações que entendeu por pertinentes devido ás habilitações académicas e/ou profissionais que possuía na área da atividade bancária, mas pouco ou nada apoiada em elementos objetivos”.
11
- Não devendo o Juiz orientar-se por uma preconcebida solução do caso, o que é facto que o Tribunal parte do princípio de que os bancos estão sujeitos a processos de auditoria, interna e externa, que dificilmente branqueariam uma situação de negligencia como a que bem alegada nos autos (!) – o que não tem qualquer adesão na realidade concreta e no mundo dos Tribunais.
12
- A sentença prossegue neste tom preconcebido, desta feita, relativamente ao testemunho de DD, quando infere que os Docs. 35 e 36 da p.i. foram elaborados “com vista à demonstração dessa suposta de debilidade da A.”.
13
- Utilizar a palavra “suposta” referindo-se à debilidade de que efetivamente a A. padecia à data em que a visita ocorreu - em fevereiro de 2019 - é fazer tábua rasa de toda a informação médica existente nos autos e contraria frontalmente até o que o Tribunal deu como provado no ponto 3 da douta sentença recorrida.
14
- Pois que era inequívoco e já desde julho de 2017, pelo menos, que a debilidade da A., a todos os níveis era real e efetivamente bastante grave e que o seu estado de demência irreversível e grave era imenso e objetivado
15
- Também não se descortina onde é que o testemunho de EE é “bastante mais opinativo e conclusivo e menos objetivado em factos e porque razão “é que o facto de ser um herdeiro” (categorização que é desajustada e francamente infeliz) condiciona o depoimento, pois que o Tribunal também não fundamenta essa sua asserção.
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- Quanto à surpreendentemente apontada “objetividade” e “distanciamento relativamente ao presente litigio” e à categorização como “seguras” e “convincentes” no relato dos factos” das duas testemunhas da C.G.D., Senhoras Funcionárias da 1ª Ré, o teor dos seus depoimentos, concatenado com a demais documentação com relevo carreada para os autos, infirma esta absurda asserção da Meritíssima Juíza.
17
- No entanto, não deixa desde já de se assinalar uma contradição flagrante – mais uma, das várias existentes ao longo da sentença – com o que é afirmado na página 14 da sentença, onde a A. é descrita entre setembro e outubro de 2017 como alguém que se apresentava “apesar da debilidade física associada à idade avançada, bem consciente dos seus atos e com a vontade bem definida”,
18
- Mas na página 17 da sentença é referido que o Médico do Lar, Sr. Dr. FF, confirma o estado demencial avançado, referindo erradamente, que o fez à data da saída do Lar, ou seja, adulterando o depoimento num sentido tal que faça convergir com a solução preconcebida do caso,
19
- E também, em segundo lugar, adultera a Mma Juíza “a quo” o que esta testemunha referiu quanto ao quadro denominado “diagnóstico neuropsiquiátrico” que foi, na realidade, ao contrário do que é referido na sentença, totalmente desqualificado por esta testemunha e com argumentos técnico-científicos!
20
- E essa adulteração é tanto mais grave quanto refere: “serviu para consideração como não provados dos factos constantes das alíneas d) e g) desse elenco, não esclarecendo de forma cabal o real estado psíquico e mental da A. à data dos factos”.
21
- Quando, na verdade, aquela afirmação é inequivocamente reportada, até por escrito, à data da entrada no Lar, ou seja, em julho de 2017, conforme transcrição do depoimento do Dr. FF.
22
- Não teve o Tribunal, como era suposto e devido, em consideração determinados documentos ou não os valorou como era suposto, atenta a reconhecida idoneidade dos mesmos, ou mais grave ainda, alguns serviram para valorar certas situações, embora com sentido desvirtuado, para dessa forma credibilizar a linha de pensamento/defesa traçada ab initio pelo tribunal e que é notória ao longo de toda a sentença – como adiante melhor se demonstrará.
23
- Desde logo, não foi devidamente valorada a informação trazida aos autos pela Residência B, na sequência do doutamente ordenado pelo Tribunal a quo, com a data de 08/06/2021, informação essa não impugnada pelas partes.
24
- Dessa documentação consta ainda – como é de Lei, de resto – os “registos da portaria da residente D. AA”, onde constam todas as saídas do Lar da A., no período em que os factos relatados nos autos se reportam – de agosto a outubro de 2017,
25
- Do Relatório Médico da Residência B, junto sob o Doc. nº 21 com a petição inicial, em cuja nota de entrada, em julho de 2017, é informado o seguinte pelo médico, Dr. FF, que foi arrolado como testemunha pela Ré C.G.D.:
“AA
Doente totalmente dependente. Não colaborante para colheita de história clínica, sendo o registo efetuado por informações clínicas fornecidas por familiares e documentos clínicos de outras instituições.
AP:
Demencial vascular estabelecida (FAST6d) com total dependência diária já estabelecida e prévia (aproximadamente 4 meses) a admissão na Residência B.
TC 2016: leucoencefalopatia isquémica e vias circulação LCR amplas, com diminuição de volume encefálico
HTA essencial JNC 7
ITUs repetição
Hérnia inguinal corrigida cirurgicamente Junho 2017
Med em anexo
Doente desorientada TE
Discurso escasso
Corada e hidrata.”
26
- Essa mesma informação volta a ser junta aos presentes autos em 10/05/2022, mas de que o Tribunal fez novamente tábua rasa na apreciação final que fez da documentação essencial à descoberta da verdade.
27
- Mais ainda: já em 15/12/2021 foi remetido aos autos uma Declaração de um outro médico do Lar, Senhor Dr. GG, datada de 10 de dezembro de 2021
– de que o Tribunal, a quo, surpreendentemente e sem qualquer justificação para tal, também fez tábua rasa – e que referia o seguinte:
“AA Data de nascimento: .../.../1922 SNS: ... n.-.......
Para os devidos efeitos, declara-se que a utente em epígrafe residiu no Residência B desde julho de 2017.
Tinha, como antecedentes pessoais, demência vascular, hipertensão arterial, cistites de repetição, dependência de terceiros em grau elevado, fractura do colo do fémur.
Pela demência tinha, com frequência, períodos de agitação psicomotora.
Por ser verdade e me ter sido pedido, emito esta declaração, que vai por mim datada e assinada.
Porto, 10 de dezembro de 2021
Dr. GG
Assistente Hospitalar de Medicina Interna (cédula ng..... da Ordem dos Médicos)”
28
- Finalmente, não teve o Tribunal em linha de conta a postura da R. C.G.D. quanto à obstaculização permanente à realização da perícia aos documentos, apesar do óbvio que resulta das diferenças abissais, à vista desarmada, das diversas assinaturas imputadas à A. – sendo que, quem não deve, não teme!
29
- Já a 2ª Ré, em abono da verdade, sempre assumiu a notória e evidente desconformidade existente nas assinaturas aquando da realização do relatório de inspeção e, nessa medida disponibilizou, ao contrário da R. CGD, os documentos para a realização da perícia, que mantinha em seu poder, ao contrário da R. CGD, que alegou já ter destruído precisa e cirurgicamente os documentos essenciais relativos ao apuramento sobre quem é que efetivamente assinou os documentos relativos às astronómicas transferências de 130 mil euros e que delapidaram o património pessoal da A..
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- Caso todos os documentos acima aludidos – oficiais, de entidades reconhecidamente isentas e cuja idoneidade não está colocada em causa – tivessem sido tidos em conta, coadjuvados com os testemunhos dos médicos que foram arrolados pela A. e pela 1ª Ré, a saber, Senhor Dr. HH e Senhor Dr. FF,
31
- Jamais o desfecho da ação teria sido o que foi e não teria ficado escrito o que consta da parte final da sentença:
“Não provou, desde logo, que a Autora estivesse, realmente, incapacitada de entender o sentido das suas acções, nomeadamente, aquelas junto das instituições bancárias Rés que sustentam os seus pedidos na acção. De facto, pese embora o processo demencial em que, provavelmente, já se encontraria à época (e que veio a culminar com a declaração de interdição), não se demonstrou – e o ónus da prova apenas à própria (ou ao tutor) cabia – que, efectivamente, para esses concretos actos que nesta acção foram postos em causa, a Autora não tivesse a devida consciência, quer do significado da sua prática, quer do seu alcance.”
32
- Os Pontos 7, 8, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 25, 34, 35, 37, 39, 40, 41 e 44, devem ser objeto de reapreciação e de reformulação,
33
- Devendo ser incluídos no elenco dos factos provados (e, assim, retirados da matéria não provada, o constante das alíneas c), d), e), f), g) e i),
34
- Assim sendo, o ponto 7 deverá ter a seguinte redação:
“7. Apesar disso, alguns destes sobrinhos da Autora (e seus únicos familiares) visitavam-na ou contactavam com a A. telefonicamente, ou contactavam quem, na altura, era a empregada doméstica da Autora – II – e com um ex-vizinho da Autora, CC.”
35
- Do mesmo modo, também o ponto 8 apresenta contradição com o ponto 27, porquanto CC não foi funcionário do Banco Santander, porque ainda é, tal como consta e, nesse ponto bem, no artigo 27º dos Factos Assentes.
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- Assim sendo, face ao teor da totalidade dos depoimentos transcritos nas presentes alegações e à totalidade das informações médicas atrás elencadas, que servem de suporte, de forma transversal à reapreciação da prova dos pontos abaixo assinalados, os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada, deverão ter a seguinte redação:
Ponto 14 – “Em 19.09.2017, foi efetuada uma alteração na conta da CGD, tendo sido constituída autorização de movimentação a favor de CC, tendo nesse dia sido feito um levantamento de € 10.000,00”, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.”
Ponto 15 - deverá ter a seguinte redação: “Nesse mesmo dia, foram dadas ordens de pagamentos a diversos serviços, como por exemplo da NOS e da MEO, bem como de fornecimento de água e eletricidade”, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
Ponto 16 - deverá ter a seguinte redação: “No dia 04.10.2017, foi ordenada a transferência de € 2.213,55 da conta da Autora junto da 1ª Ré para a conta da Residência B, tendo esta transferida sido ordenada pelo “autorizado” CC, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
Ponto 17 - deverá ter a seguinte redação: “No dia 24.10.2017, foi creditado o valor de € 65.000,00 na conta à ordem da Autora, na sequência de ordens emitidas pelo mesmo CC na qualidade de “autorizado”, para resgate de uma conta de títulos/valores mobiliários (EDP e BCP).” sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
Ponto 18 - deverá ter a seguinte redação: “Em 25.10.2017, ocorreu, na mesma conta, um resgate de fundos de investimento de liquidez, no montante de €197.891,12”, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
Ponto 19 - deverá ter a seguinte redação: “Em 26.10.2017, ocorreram duas transferências bancárias no valor de €130.000,00 cada uma: uma a favor de II e outra a favor de um número de conta bancária cujo titular é CC não conhecidas nem autorizadas pela A., tendo em conta o estado demencial avançado (Fast 6D), em que se encontrava pelo menos desde julho de 2017, sem intervalos lúcidos, mormente, para a compreensão de linguagem monetária/bancária, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), não tendo essas transferências sido ordenadas pela A., uma vez que não saiu da Residência B nesse dia, conforme comprovam os registos de entrada/saídas do lar, mas sim pelo autorizado, CC,
37
- Quanto ao Ponto 20, deverá ter a seguinte redação:
“Em 22/12/2017 e 01/02/2018, foram feitas duas transferências bancárias, respetivamente de 1.000 euros e 1.250 euros a favor de II, ambas ordenadas por CC, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
38
- Quanto ao Ponto 39, deverá ter a seguinte redação:”
“A autorização à conta prestada pela A. no mesmo dia 19/09/2017, foi assinada por esta pelo seu próprio punho e na presença da sua gestora de cliente – Doc.3 junto com a contestação da 1ª R. sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
39
- Quanto ao Ponto 40 deverá passar a ter a seguinte redação:
Tendo a Autora também assinado, na mesma ocasião e na presença da mesma gestora, a autorização para a sua conta ser debitada no montante de € 9,36 referente ao custo da operação – doc. 4 com a contestação da 1ª Ré, sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
40
- Quanto ao Ponto 41, deverá passar a ter a seguinte redação:
O levantamento de € 10.000,00 registado nesse mesmo dia foi efectuado em numerário e entregue em mão pelo tesoureiro da agência à Autora, tendo esta assinado, pelo seu próprio punho, o respectivo recibo (doc. 5 com a contestação da 1ª Ré), sendo que a A. foi diagnosticada com síndrome demencial avançado (Fast 6D na Escala de 7), pelo menos desde julho de 2017, com total dependência diária e prévia à admissão do lar (aproximadamente 4 meses, ou seja, desde, pelo menos, março de 2017), desorientada no espaço e no tempo e com discurso escasso e encontrando-se de modo geral e permanente incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar os seus bens.
41
- O artigo 23 deverá ter a seguinte redação: “Este documento encontra-se assinado pelo Senhor Dr. FF, do qual consta a menção manuscrita “OM 47440”, correspondente ao seu número de cédula profissional médica.”
42
- O Ponto 25 dos Factos Provados deverá ter a seguinte redação:
-As assinaturas da Autora constantes dos documentos que titulam as operações junto da 1ª Ré entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2018 diferem daquelas apostas nos documentos oficiais, nomeadamente cartão de cidadão e de contribuinte – e diferem também entre si”
43
- Tendo em conta também o depoimento da testemunha JJ – atrás transcrito – Cfr. artigo 187 destas alegações, para o qual se permite remeter por questões de economia processual, deverá ser aditado um artigo 26º A, com o seguinte teor:
-As assinaturas da Autora constantes dos documentos que titulam as operações junto da 2ª Ré entre agosto de 2017 e Fevereiro de 2018 diferem daquelas apostas nos documentos oficiais, nomeadamente cartão de cidadão e de contribuinte – e diferem também entre si”
44
- Face ao que vem de ser requerido, os Pontos 34, 35, 36, 37 e 44 devem deixar de fazer parte dos Factos Provados para passarem a fazer parte dos Factos Não Provados, tendo em conta toda a fundamentação constante do corpo destas alegações, para a qual se permite remeter.
45
- Não é humanamente possível que alguém com uma síndrome demencial Fast 6D, totalmente dependente de terceiros, incapaz de reger a sua vida e o seu património, razão pela qual foi internada num lar, em julho de 2017, se tenha apresentado (e já vimos que nos dias 25 e 26 de outubro não se pode ter apresentado porque, além do mais, não tem o dom da ubiquidade), nos termos em que são descritos pelas duas testemunhas da C.G.D., que apresentaram um discurso concertado na mentira, mas completamente inconsistente.
46
- Portanto, a doença mental de que a A. padecia – e padece – é caracterizada por quadro crónico e irreversível, quase no último estádio, com características tais que a incapacidade a tal doença associada se mantém contínua e permanentemente,
47
- E tais caraterísticas são determinantes para que a referida doença cause um estado permanente de incapacidade volitiva, e que é notória, tanto mais no âmbito duma agência bancária e a lidar com assuntos técnicos específicos, muitas e muitas vezes não sendo sequer apreensíveis, nem apreendidos por pessoas normais e com cultura, quanto mais por uma Senhora de 95 anos nestas condições absolutamente decrepitas!
48
- Só se pode concluir, perante toda a prova produzida, que a A. encontrava-se efetivamente numa situação de visível e notória incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração,
49
- Pelo que, salvo o devido respeito, caberia às rés, até perante a evidencia da desconformidade das assinaturas da A. constante dos documentos de suporte às operações em causa nos presentes autos,
50
- Demonstrar – o que os médicos ouvidos nos presentes autos, frisaram não ser possível – que, no momento em que as operações foram feitas, em concreto duas transferências de 130.000€ a A. não foi influenciada pelo concreto estado demencial irreversível, quase em último grau, em que se encontrava.
51
- Ora, a incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do Código Civil, exige, para a anulabilidade do ato, que, no momento da prática dos atos, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.
52
- A anulabilidade (dos negócios jurídicos levados a cabo pelos interditos anteriormente à publicidade da ação) tem, como condições necessárias e suficientes, os seguintes requisitos: 1) que, no momento do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; 2) que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (contraparte nos contratos, destinatário da declaração nos negócios unilaterais reptícios, destinatário dos efeitos da declaração nos negócios unilaterais não reptícios)…
53
- O nº 2 do art.º 257º esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar e para a anulabilidade destes atos não basta a prova da incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade.
54
- Face a toda a matéria provada é, por demais, óbvio, que ainda que as testemunhas – as três envolvidas neste triste episódio de 26 de outubro de 2017, onde a A. não esteve sequer presente, conheciam o estado demencial grave da A. por este ser por demais óbvio.
55
- Além disso, a ser verdade o que dizem no particular aspeto de razão de ser da constituição de autorizado [para fazer pagamentos do lar (onde ainda iria ingressar…], não tendo a A. estado presente no levantamento de 90% das suas economias feito pelo autorizado que tinha acabado de entrar na conta – unicamente para os ditos fins – conjugado com as notórias, à vista desarmada, discrepância de assinaturas,
56
- Deverá a 1ª Ré ser responsabilizada em termos civis pelo desvio dos dinheiros da A., no que se refere as pretensas “doações” de 130.000€ cada uma, indemnizando a A. nessa medida, em virtude de se ter verificado grave violação dos seus deveres de conduta enquanto entidades bancárias às quais estão confiados os depositados dos seus clientes,
57
- E deve a 2ª Ré, que admitiu, na sequência de inspeção realizada, existir desconformidade nas assinaturas, ser também responsabilizada pelos movimentos bancários abusivos, que embora, não tenham causado prejuízo direto à A. nessa concreta conta bancária, foram a “incubadora” para que o seu gestor de conta da 2ª R., investido no papel de “autorizado” na 1ª Ré, tivesse efetuado abusivamente os movimentos que fez nesta 1ª R. e que levaram à delapidação de 90% do património da A. aí depositado.
*
Foram apresentadas contra-alegações por ambas as rés, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Nos termos do art.º 3º/3 do CPC foi neste Tribunal da Relação proferido o seguinte despacho, no qual, na parte em que interessa, se disse o seguinte:
“Inconformada com o decidido, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões, nas quais, entre outros fundamentos (nomeadamente relativos à impugnação da decisão relativa à matéria de facto), disse o seguinte:
“48
- Só se pode concluir, perante toda a prova produzida, que a A. encontrava-se efetivamente numa situação de visível e notória incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração,
49
- Pelo que, salvo o devido respeito, caberia às rés, até perante a evidencia da desconformidade das assinaturas da A. constante dos documentos de suporte às operações em causa nos presentes autos,
50
- Demonstrar – o que os médicos ouvidos nos presentes autos, frisaram não ser possível – que, no momento em que as operações foram feitas, em concreto duas transferências de 130.000€ a A. não foi influenciada pelo concreto estado demencial irreversível, quase em último grau, em que se encontrava.
51
- Ora, a incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do Código Civil, exige, para a anulabilidade do ato, que, no momento da prática dos atos, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.
52
- A anulabilidade (dos negócios jurídicos levados a cabo pelos interditos anteriormente à publicidade da ação) tem, como condições necessárias e suficientes, os seguintes requisitos: 1) que, no momento do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; 2) que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (contraparte nos contratos, destinatário da declaração nos negócios unilaterais reptícios, destinatário dos efeitos da declaração nos negócios unilaterais não reptícios)…
53
- O nº 2 do art.º 257º esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar e para a anulabilidade destes atos não basta a prova da incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade.
54
- Face a toda a matéria provada é, por demais, óbvio, que ainda que as testemunhas – as três envolvidas neste triste episódio de 26 de outubro de 2017, onde a A. não esteve sequer presente, conheciam o estado demencial grave da A. por este ser por demais óbvio.
55
- Além disso, a ser verdade o que dizem no particular aspeto de razão de ser da constituição de autorizado [para fazer pagamentos do lar (onde ainda iria ingressar…], não tendo a A. estado presente no levantamento de 90% das suas economias feito pelo autorizado que tinha acabado de entrar na conta – unicamente para os ditos fins – conjugado com as notórias, à vista desarmada, discrepância de assinaturas,
56
- Deverá a 1ª Ré ser responsabilizada em termos civis pelo desvio dos dinheiros da A., no que se refere as pretensas “doações” de 130.000€ cada uma, indemnizando a A. nessa medida, em virtude de se ter verificado grave violação dos seus deveres de conduta enquanto entidades bancárias às quais estão confiados os depositados dos seus clientes,
57
- E deve a 2ª Ré, que admitiu, na sequência de inspeção realizada, existir desconformidade nas assinaturas, ser também responsabilizada pelos movimentos bancários abusivos, que embora, não tenham causado prejuízo direto à A. nessa concreta conta bancária, foram a “incubadora” para que o seu gestor de conta da 2ª R., investido no papel de “autorizado” na 1ª Ré, tivesse efetuado abusivamente os movimentos que fez nesta 1ª R. e que levaram à delapidação de 90% do património da A. aí depositado”.
Como resulta do teor destas conclusões, a autora-recorrente invoca que se encontrava numa situação de incapacidade acidental quando emitiu declarações de vontade que permitiram os movimentos bancários em questão, nomeadamente a autorização para a movimentação da conta por parte de CC.
Está assente nos autos, tendo, aliás, resultado do alegado pela própria autora-recorrente, que todos os atos através dos quais as rés efetuaram as movimentações nas contas bancárias tituladas por aquela, foram da sua autoria. O que vem invocado em sede de recurso é que a autora padecia de uma doença que a impedia de entender e de querer o sentido da declaração.
Na decisão recorrida considerou-se o pedido improcedente com fundamento na falta de prova da invocada incapacidade e, subsidiariamente, ainda que tal se provasse, que a mesma não era notória, dizendo-se o seguinte:
“Não provou, desde logo, que a Autora estivesse, realmente, incapacitada de entender o sentido das suas acções, nomeadamente, aquelas junto das instituições bancárias Rés que sustentam os seus pedidos na acção. De facto, pese embora o processo demencial em que, provavelmente, já se encontraria à época (e que veio a culminar com a declaração de interdição), não se demonstrou – e o ónus da prova apenas à própria (ou ao tutor) cabia – que, efectivamente, para esses concretos actos que nesta acção foram postos em causa, a Autora não tivesse a devida consciência, quer do significado da sua prática, quer do seu alcance.
Porém – ainda que assim não fosse – os autos reuniram prova (em nosso entender) mais do que suficiente no sentido em que tal incapacidade, a existir, estaria longe de constituir facto notório aos olhos de um declaratário normal, ou conhecido pelas pessoas que recepcionaram a(s) sua(s) declaração(ões) negocial(is) – no caso, os funcionários das Rés ou, mesmo, a testemunha CC. Pelo contrário: toda a prova, emergente das pessoas que directamente interagiram com a Autora no momento da emissão das suas declarações de vontade, foi em sentido oposto, isto é, que a própria revelou capacidade de discernimento necessária e adequada à cabal compreensão dos seus actos, apesar da patente debilidade física em que já se encontrava, necessariamente associada à sua idade avançada e às patologias de saúde que a afectavam já à data. Pelo que, ainda que já se encontrasse em alguma fase de fragilidade ou debilidade psíquica ou mental, tal estado não era de todo conhecido, ou notório, para quem com a Autora interagiu nessas ocasiões.
Este circunstancialismo é, em nossa perspectiva, mais do que suficiente para que a acção não proceda, por absoluta não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil de qualquer das instituições bancárias demandadas”.
A autora-recorrente pretende impugnar o decidido relativamente a ambos os fundamentos, ou seja, que a autora efetivamente padecia da invocada incapacidade e que a mesma era notória.
Acontece, porém, que consideramos que existe uma questão prévia que não foi suscitada nos autos e que, independentemente da procedência dos fundamentos do recurso, conduz à improcedência do recurso.
Nos termos do art.º 5º/3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Trata-se de um dos corolários do princípio da igualdade perante a lei, pois se o juiz estivesse limitado pelas alegações de direito das partes, elas podiam moldar o direito aplicável aos seus interesses, sendo a decisão produto dos limites que as próprias partes impunham e não das regras que imanam do sistema jurídico.
Como tal, mesmo em sede de recurso, o tribunal pode aplicar o direito que entende ser o que resulta das regras legais aplicáveis, dentro daquilo que lhe é lícito conhecer. Deve, no entanto, nos termos do art.º 3º/3 do CPC, evitar o proferimento de decisões surpresa, convidando as partes a pronunciar-se sobre qualquer entendimento que consubstancie uma questão relevante para a decisão da causa e que não tenha sido discutida pelas partes nos respetivos articulados, nem, quando estamos já em fase de recurso, tenha sido apreciada pelo tribunal recorrido.
Entendemos que, no caso concreto, se verifica uma situação como a descrita.
Em causa no recurso está a anulabilidade dos atos praticados pela autora, sendo correto o enquadramento jurídico efetuado pela recorrente nas suas alegações, na parte acima transcrita. Estando a recorrente numa situação de incapacidade acidental, tais atos são anuláveis. As rés não tiveram qualquer tipo de enriquecimento com os atos praticados nem veio alegado que estavam conluiadas com CC na prática desses atos alegadamente lesivos. E também não está alegado que não foi a recorrente que praticou tais atos, antes pelo contrário.
Como ensina o Prof. J. Dias Marques1 quanto à nulidade,
“a imperfeição de que o acto sofre é de tal modo grave que o Direito considera não dever, desde logo e actualmente, atribuir-lhe as consequências jurídicas que ao respectivo tipo correspondem. O acto, porque desconforme com o tipo legal, não vale como acto desse tipo; e essa ausência de valor jurídico é algo que resulta imediata e automaticamente da comparação do tipo (abstracto) com o acto (concreto). Comparação que pode ser feita por qualquer pessoa, não havendo da parte seja de quem for a obrigação de conformar-se com os comandos a cuja criação o acto nulo, no espírito dos seus autores, porventura se dirigia. A invalidade é, pois, neste caso, uma sanção que existe por mera e automática aplicação da lei. Daí resulta, portanto, que haja de ser invocável a todo o tempo e por todos quantos tenham interesse na sua invocação (art.º 286.º). Assim como, por outro lado, devem os tribunais, em face dos actos nulos de que tomem conhecimento em algum processo, abster-se de tirar deles quaisquer efeitos jurídicos próprios do respectivo tipo (efeitos típicos). Como se diz na parte final do art.º 286.º, a nulidade pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, o que significa, em outros termos, que o tribunal, ainda que as partes lho não requeiram, tem o poder (ou, mais exactamente, o dever, por isso que de um poder funcional se trata) de tomar conhecimento da nulidade, declarando-a por sua própria iniciativa”.
Quanto à anulabilidade, o mesmo Ilustre Professor ensina que
“algumas vezes, porém, o Direito mostra-se menos severo em face do negócio que não realiza o tipo legal. Então, em lugar de excluir actual e automaticamente a produção dos respectivos efeitos, vem pelo contrário a admitir que o acto dê origem à situação que tipicamente lhe corresponderia se houvera sido plenamente conforme com a lei, com a ressalva, porém, de que, verificado certo condicionalismo, possa ele vir a ser invalidado. Ou seja, que enquanto o acto nulo é inválido (invalidade actual), o acto anulável pode ser invalidado (invalidade potencial) produzindo, se nunca o for, os efeitos próprios do acto válido. Mas se o acto anulável produz os efeitos próprios do respectivo tipo, em que se distingue ele, afinal, do acto válido? A diferença, de importância fundamental, está em que, neste caso, a lei admite a possibilidade de ser requerida judicialmente a anulação do acto; e, assim, ao mesmo tempo que este surge e se produzem, em princípio, os efeitos que lhe corresponderiam se fosse válido, surge também o direito de obter a seu respeito uma sentença anulatória que não só o elimina in futurum da ordem jurídica como igualmente destrói os efeitos que medio tempore haja produzido… Assim se compreende como a anulabilidade é uma figura que se encontra a meio caminho entre a invalidade e a validade. Porque sobre o acto pende a ameaça de uma eventual anulação, os efeitos típicos que este origina sofrem da precariedade inerente àquela ameaça”.
Como se extrai destes doutos ensinamentos, a nulidade verifica-se per se, não necessitando de declaração para existir. Daí que, quando numa ação judicial se invoca a nulidade, a parte não tem de pedir expressamente que o tribunal a declare, podendo ela ser invocada apenas como causa de pedir. Se for pedida, nessa parte trata-se de uma ação de simples apreciação, nos termos do art.º 10º/3, al. a) do CPC, limitando-se o tribunal a declarar a existência da nulidade.
Diferentemente se passam as coisas quando estamos perante a anulabilidade. Como resulta do exposto supra, a anulação do ato jurídico tem de ser expressamente pedida porque o vício em causa não decorre diretamente da lei. É necessário que haja uma manifestação expressa de vontade no sentido de o querer anular, a qual tem de se manifestar no pedido formulado pois só dessa maneira é que se obtém uma sentença de anulação. E essas ações de anulação são ações constitutivas, pois delas resulta uma mudança na ordem jurídica existente (cfr. art.º 10º/3, al. c) do CPC).
Como resulta do relatório supra logo no seu início, a autora-recorrente não formulou qualquer pedido de anulação, nomeadamente dos atos aqui em causa. Aliás e ao contrário do que veio fazer em sede de recurso, nem sequer invocou a anulabilidade dos atos.
Ora, não tendo a autora pedido a anulação dos atos em questão (e nem sequer invocado tal invalidade), eles produzem os seus efeitos jurídicos enquanto atos praticados por aquela, pois a anulabilidade, ainda que possa resultar dos factos provados, não pode ser conhecida e decretada oficiosamente, e, por isso, tendo as rés agido em conformidade com a vontade da autora manifestada nesses atos, agiram licitamente, de acordo com as regras legais a que estavam adstritas, pelo que nenhuma ilicitude lhes pode ser assacada, nomeadamente aquela que fundamenta o pedido indemnizatório, o que conduz à improcedência do recurso, ainda que os fundamentos do recurso sejam procedentes.
A questão agora suscitada não foi discutida no decurso da causa, pelo que, nos termos do art.º 3º/3 do CPC, convidam-se as partes a sobre ela se pronunciarem no prazo de 10 dias.
A pronúncia será efetuada da seguinte forma: a recorrente tem 10 dias a contar da notificação deste despacho e as recorridas têm 10 dias a contar da notificação da pronúncia do recorrente (pois, uma vez que o exposto supra os favorece, só faz sentido pronunciarem-se sobre os argumentos que a recorrente vier invocar em resposta a este convite com vista a contrariar o entendimento que se expôs)”.
*
A recorrente e a recorrida CGD acederam ao convite. A recorrente pronunciou-se da seguinte forma:
1.
Salvo o devido respeito, o douto despacho a que ora se responde parte de uma asserção que não tem qualquer adesão à realidade processual,
2.
Qual seja a de “que todos os atos através dos quais as Rés efetuaram as movimentações nas contas bancárias tituladas por aquela, foram da sua autoria” e que,
3.
“Também não está alegado que não foi a recorrente que praticou tais atos, antes pelo contrário”
4.
Além de que, enquadra o Colendo Tribunal, no âmbito duma “ação de anulabilidade”, ao referir que “o que está em causa no recurso é a anulabilidade dos atos praticados pela Autora”.
5.
Quando o que, na realidade, está em presença e a ser julgado é, conforme resulta do pedido formulado na petição inicial, uma ação de responsabilidade do Banco perante o seu cliente face à violação grave dos seus deveres de conduta e diligência devidas no âmbito do contrato de depósito bancário existente e das convenções legalmente existentes entre o Banqueiro e o seu cliente.
6.
Tendo em conta a manifesta falta de diligência e cuidado exigido e exigíveis nas operações bancárias em que os clientes não estão presentes, têm idade avançada ou em que manifestam visível e mais que manifestas incapacidades a todos os níveis.
7.
Como tudo melhor resulta dos artigos 173º a 237º da p.i., para cujo teor se permite remeter,
8.
Tendo sido, aliás, dessa forma que foi configurada a relação controvertida pela A., através do seu Tutor (artigo 30º CPC),
9.
Doutra forma, ou seja, a ter sido intentada uma ação de anulabilidade [que não o foi, nem como tal foi configurada!] ou a dever ter sido, segundo se julga perceber do douto despacho a que se responde, teria que ter feito intervir também a pessoa que se constituiu autorizado na conta da A. da C.G.D. e que se auto-contemplou a posteriori com o dinheiro da Autora,
10.
No entanto e salvo melhor opinião, no caso concreto, de incapacidade total da A., essa ação de anulabilidade revelar-se-ia, exatamente por causa dessa sua incapacidade total, totalmente desadequada.
11.
De resto, em abono da verdade, a questão da incapacidade acidental só foi suscitada pela 1ª vez pelo Tribunal “a quo” e na fundamentação de direito que entendeu dever dar na sentença recorrida, sem que tal correspondesse a qualquer alegação da Autora,
12.
Limitando-se a A., em sede de alegações, a referir-se a essa questão, sem que tal signifique, obviamente, um novo enquadramento da ação que interpôs.
13.
Portanto, quem introduziu o tema – se a propósito ou a despropósito do que se discute nos presentes autos decidirá este Colendo Tribunal – foi o Tribunal “a quo”.
14.
E, como tal, deve ser lida essa situação, pois que totalmente desenquadrada do pedido formalizado pela A., da sua situação física e mental claramente evidenciada nos autos e também da relação controvertida tal como configurada na p.i. e de tudo quanto se encontra alegado, demonstrado e documentado pela A.
Concretizando,
Quanto à 1ª questão – da alegação de que “todos os atos através dos quais as RR. efetuaram as movimentações nas contas bancárias foram de sua Autoria.”:
15.
Nunca a A., através do seu Tutor, naturalmente, fez tal afirmação – como se pode comprovar pela leitura integral da p.i. e mesmo de todo o processo!
16.
De resto, não se compreende como é que este Colendo Tribunal pode retirar a conclusão que retira - quanto à assunção da autoria das assinaturas – quando nos artigos que o Tribunal cita das alegações da recorrente, está escrito precisamente o contrário!
17.
Como resulta meridianamente claro do teor dos artigos 54 e 56 das alegações, transcritos no douto despacho a que se responde.
18.
E, do mesmo modo, como também o facto de ter sido solicitado pelo Tutor da Autora uma Perícia nos termos em que o solicitou, revela que tal afirmação ou asserção nunca foi feita pelo Tutor, nem tal podia ser feito, de resto. Bem pelo contrário!
19.
E, de resto, o Douto Acórdão deste mesmo Tribunal que deferiu a Perícia (Acórdão de 13/10/2021 da 7ª Secção, para o qual se permite remeter) é muito claro:
“No presente caso, é verdade que a A. não alegou expressamente a falsidade das assinaturas dos documentos em questão.
Porém, em abono da verdade e do rigor, não poderia ter alegado tal situação, visto que, apesar de se tratar de factos pessoais da A., a sua condição de saúde psicofísica - que ditou, aliás, a tutela (sob o regime jurídico anterior ao atual) leva a que tenhamos de admitir que se trata de factos que ela na realidade, não dominava.
Portanto, dado o contexto de fragilidade da A., não é admissível a ilação pretendida pela R., no sentido de que, por se tratar de factos pessoais, aquela não podia ignorar se as questionadas assinaturas eram da sua autoria. Neste caso, o critério para aferir sobre a admissibilidade da perícia prende- se, outrossim, com a pertinência para a decisão em função do objeto do processo objetivado nos temas de prova, sendo certo que: “O que releva, fundamentalmente, para a admissão da perícia é que [não havendo quaisquer indícios de que constitua um expediente dilatório] a mesma se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas […]”.
Sob esse ponto de vista, é patente a pertinência da perícia para efeitos de prova da matéria alegada pela A. nomeadamente nos artigos 89º e seguintes da P.I..”
20.
Portanto, por aqui fica, salvo melhor opinião, bem definido e claro que a A., em circunstância alguma, assumiu a autoria das assinaturas.
21.
Até pelo simples e evidente facto de que a sua condição física e psíquica não o permitia.
22.
E tal perícia só não foi efetivamente realizada pela falta de colaboração da Caixa Geral de Depósitos na apresentação dos documentos necessários e essenciais à sua realização,
23.
Pois enquanto que o Banco Santander, que está adstrito às mesmas regras da C.G.D., juntou os documentos que lhe foram solicitados, contemporâneos dos que foram pedidos à C.G.D.
24.
A C.G.D. invocou sempre que já os tinha “destruído” ao abrigo da lei,
25.
O que deveria ter desencadeado o mecanismo previsto no nº2 do artigo 417º do CPC, ou seja, a inversão do ónus da prova.
Acresce ainda que,
26.
Nem mesmo na douta sentença recorrida, que nos mereceu as críticas já vertidas e cuja apreciação se requer, ficou a constar que a autoria das assinaturas constantes dos documentos em crise e que motivaram a presente ação, foi da A., como bem demonstra o teor das respostas dadas sob os pontos 13 a 20, para cujo teor se permite remeter,
27.
Pois não é nunca referido por quem é que, em concreto, as movimentações foram feitas: “a conta da A. foi sofrendo sucessivas movimentações”, “foi efetuada”, “foram dadas ordens”, “foi ordenada”, “ocorreu um resgate de fundos”,
28.
Omitindo-se ostensivamente a autoria de tais movimentos!
29.
De resto, as transferências cuja autoria está cabalmente identificada está imputada a CC e não à Autora.
30.
Da mesma forma, também os Ponto 28 a 31 dos Factos Provados da douta sentença recorrida, referem os movimentos que foram feitos na conta da Autora, mas nem o Tribunal “a quo” deu como provado que foram efetuados pela Autora.
31.
Por outro lado, ficou também provado nos Pontos 25 e 26 da douta sentença recorrida, que as assinaturas da Autora (ou, mais precisamente, indicando o nome da Autora) constantes de documentos diferem daquelas apostas nos documentos oficiais – essas sim, inequivocamente da A.
32.
E diferem também das constantes das fichas de abertura de contas em cada um dos Bancos.
33.
Aliás, só relativamente às situações constantes dos Pontos 39 a 41 da douta sentença recorrida, é que se encontra imputada/atribuída a autoria da assinatura à Autora.
34.
Em suma e frise-se: nem na matéria dada como provada na sentença recorrida se conclui que a recorrente foi a Autora das assinaturas das operações que levaram ao desencadeamento desta ação interposta nos moldes constantes da p.i.!
35.
Também nas Alegações de Recurso da sentença final, apresentadas pela A., cuja densidade se reconhece, mas a tal foi obrigada para demonstrar o óbvio enviesamento dos testemunhos e dos factos que norteou a sentença recorrida – cuja apreciação se requer para reposição da Justiça material -,
36.
Nem aí, dizia-se, consta em parte alguma que a Autora ou o seu Tutor em sua representação, assumiu a autoria das assinaturas pela Autora,
37.
E precisamente pela razão completamente evidente e tão sabiamente explicada no douto Acórdão da 7ª Secção deste Tribunal atrás citado (de 13/10/2021) e que se permite voltar a transcrever, na parte que importa a esta questão:
“… apesar de se tratar de factos pessoais da A., a sua condição de saúde psicofísica - que ditou, aliás, a tutela (sob o regime jurídico anterior ao atual) leva a que tenhamos de admitir que se trata de factos que ela na realidade, não dominava.
Portanto, dado o contexto de fragilidade da A., não é admissível a ilação
pretendida pela R., no sentido de que, por se tratar de factos pessoais, aquela não podia ignorar se as questionadas assinaturas eram da sua autoria.”
38.
Este mesmo sentido, vai o alegado nos artigos 117 a 124 das alegações da Recorrente.
39.
E também nos artigos 146 a 150 e 152 a 165 dessas mesmas alegações, para cujo teor se permite remeter.
40.
Chamando-se à colação, a propósito do depoimento de uma das testemunhas da C.G.D. (KK), relativamente à qual foi junto aos autos o seu depoimento na Polícia Judiciária no processo crime intentado por burla contra CC e II, pela mesma situação,
41.
Que o seu depoimento, perante os mesmos factos, foi em tudo contrário ao que prestou nos presentes autos,
42.
E onde afirmou de forma perentória que a A. não tinha estado presente nas transferências de 130 mil euros, que tinham sido ordenadas pelo CC!
43.
Como pode, pois, este Colendo Tribunal afirmar, como afirma, que a A., - totalmente incapacitada desde Julho de 2017!, registe-se – “assumiu” que as assinaturas são da sua autoria?,
44.
Quando até se encontra demonstrado que a Autora nem sequer esteve presente nas transferências de 130mil € - como resulta, entre outros, do depoimento prestado pela testemunha da C.G.D. que interveio nessa operação bancária??
45.
O que, por outro lado, demonstra também a gravíssima negligência do Banco nessa atuação,
46.
Negligencia essa, agravada pelo facto de não constar dos autos que o autorizado tenha poderes para fazer negócio consigo próprio! – o que explica e fundamenta a interposição da presente ação nos moldes em que o foi,
47.
E, portanto, também por aqui se pode concluir que nenhum sentido faria interpor uma ação de anulabilidade prévia ao que quer que fosse,
48.
Mas como atrás vai dito essa foi uma nota introduzida pelo Tribunal “a quo” na fundamentação de Direito da sentença recorrida que, face ao teor da relação controvertida nada acrescenta ou contribui para o fundo da questão e para o pedido formulado na p.i. e que também deverá ser escrutinada em sede de recurso: se faz sentido ou não essa fundamentação jurídica face ao pedido da A. e tendo em conta a relação controvertida tal como é configurada pela Autora.
49.
Aliás, como resulta patente dos autos, a Ré C.G.D. tudo fez para que o depoimento dessa sua testemunha (prestado na Polícia Judiciária, no âmbito desse outro processo), não fosse admitido,
50.
Mas o que é certo é que nos termos do douto Acórdão desta Relação (da 2ª Secção, datado de 23/05/2024) – para cujo teor se permite remeter – tal depoimento foi mesmo aceite e deve ser tido em conta na decisão final,
51.
E este depoimento desta testemunha da C.G.D. e subsequente douto Acórdão que incidiu sobre a respetiva admissibilidade, tem, mais uma vez, a virtualidade de demonstrar que nunca a Autora, ou melhor, o seu Tutor podia ter assumido a autoria das assinaturas da Autora nos documentos em crise.
52.
Também no sentido de que jamais a Autora, na pessoa do seu Tutor, assumiu ser a Recorrente a autora das assinaturas, vai o vertido pela recorrente nos artigos 215, 219, 233, 234 e 238 das alegações de recurso da sentença final, para cujo teor se permite remeter.
Aliás,
53.
A própria sentença recorrida, frise-se, refere que “sempre está em causa a prática de atos pela Autora ou por alguém em nome dela”
54.
O que revela que, nem para o Tribunal recorrido ficou claro se houve ou não intervenção pessoal da A.!
55.
E, finalmente, também bastante clarificador de que a A., através do seu Tutor, nunca assumiu a autoria das assinaturas,
56.
Pois que nunca seria possível fazer esse exercício aquando da propositura da ação, relativamente a quem tinha sido declarado interdito e com efeitos a retroagirem a Julho de 2017,
57.
É o que consta das alegações de recurso da sentença final, nos artigos 246 e 257 e, ainda, nos artigos 28, 29, 45 a 47 das conclusões dessas alegações, para cujo teor também se remete.
58.
Face ao exposto, considera a Recorrente, salvo o devido respeito, não estarem, de modo algum, reunidas as condições para não ser apreciado o recurso nos moldes em que ele vem apresentado,
59.
Uma vez que as premissas em que assenta o douto despacho a que se responde, não apresentam qualquer adesão à realidade, nem ao teor bem claro da relação controvertida tal como ela é configurada pela A.,
Termos em que se requer que o Colendo Tribunal da Relação de Lisboa aprecie o recurso apresentado oportunamente e tempestivamente pela Recorrente, tendo em conta, como já devidamente fixado, o teor dos doutos Acórdãos proferidos intercalarmente por este mesmo Tribunal.
* A recorrida CGD veio pronunciar-se no seguinte sentido:
1
O douto despacho de 16.12.2024 partiu do princípio de que não tendo a A. pedido a anulação dos atos em questão, i.e., das transferências bancárias operadas na CGD eles produzem os seus efeitos jurídicos enquanto atos praticados por aquela, pois a anulabilidade, ainda que possa resultar dos factos provados, não pode ser conhecida e decretada oficiosamente, o que determina a improcedência da ação.
2
E era sobre esta e apenas sobre esta questão que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) endereçou às partes convite para se pronunciarem, atendendo a que se trata de matéria que não foi objeto de prévia análise e debate na primeira instância.
3
Na perspetiva da CGD o entendimento do TRL afigura-se correto.
4
O tutor da A., seu legal representante, insurge-se, todavia, contra o facto de no citado douto despacho de 16.12.2024 o Tribunal ter afirmado que, e citamos:
“Em causa no recurso está a anulabilidade dos atos praticados pela autora, sendo correto o enquadramento jurídico efetuado pela recorrente nas suas alegações, na parte acima transcrita. Estando a recorrente numa situação de incapacidade acidental, tais atos são anuláveis. As rés não tiveram qualquer tipo de enriquecimento com os atos praticados nem veio alegado que estavam conluiadas com CC na prática desses atos alegadamente lesivos. E também não está alegado que não foi a recorrente que praticou tais atos, antes pelo contrário.”
5
E, insurge-se também quanto ao facto de neste mesmo douto despacho de afirmar que, e citamos:
“Está assente nos autos, tendo, aliás, resultado do alegado pela própria autora-recorrente, que todos os atos através dos quais as rés efetuaram as movimentações nas contas bancárias tituladas por aquela, foram da sua autoria. O que vem invocado em sede de recurso é que a autora padecia de uma doença que a impedia de entender e de querer o sentido da declaração.” (ambos os sublinhados são da responsabilidade do ora signatário).
6
Pretende a A. sublinhar na sua peça processual de 10.01.2025 que o que está em causa é a responsabilidade dos bancos por violação de deveres de conduta, por não se terem apercebido de que estavam a tratar com pessoa manifestamente incapaz, e, ainda, que só o Tribunal a quo é que suscitou, pela primeira vez na douta sentença recorrida a situação da incapacidade acidental, nunca a A. a tendo alegado (cfr. ponto 11 da peça processual da A.), e, ainda, que nunca alegou que os actos respeitantes às transferências bancárias operadas pela CGD tivessem sido ordenados por AA.
7
Mais, defende ainda a A. que não configurou a relação controvertida como sendo causal de anulação, por entender tal ação (de anulação) como “totalmente desadequada”.
8
Com o devido respeito a A. (através do seu indigitado tutor) não pode negar o que escreveu a respeito da alegação da situação de incapacidade de AA.
9
Com efeito, a A. alegou ex abundat na sua p.i. que se encontrava totalmente incapacitada já em julho de 2017, à data em que firam efetivadas as transferências bancárias, v.g. nos nºs 1, 2, 6, 24, 27, afirmando no nº 35 que a A. se encontrava em “estado de demência avançado”, e no nº 41 da p.i. que a A. se encontrava “incapaz de gerir a sua vida e de efetuar tais transferências e pagamentos” e no nº 37 que a A. se encontrava “com total incapacidade para dispor e gerir os seus bens”, 42, tendo nos nºs 92 e 93 afirmado que “dado, obviamente, o seu estado grave e irreversível de demência avançada, datado, pelo menos, de Julho de 2017, que lhe retirou qualquer capacidade de entendimento ou consciência de qualquer ação que eventualmente tenha praticado, pelo menos desde Julho de 2017”, 112 a 114, entre outros, para não sermos exaustivos.
10
E em sede de alegações de recurso da douta sentença veio a A. reafirmar essa alegação (cfr. nºs 51 a 57 das conclusões recursórias) alegando que se encontrava “numa situação de visível e notória incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração” invocando em seu favor o regime da “incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do Código Civil”.
11
A A. pretende chamar em seu benefício o estatuto da incapacidade acidental para efeitos de poder beneficiar da alegada violação dos deveres da CGD (que, em seu entendimento, deveria ter-se apercebido da mesma não permitindo a realização das operações) mas, apesar de expressamente alegar tal incapacidade, entende não ter de invocar a anulabilidade das ocorridas transferências porque, afinal, não pretende a anulação das mesmas mas sim o pagamento de uma indemnização pelo facto de ter permitido tais operações.
12
Ora, como bem raciocina o Tribunal no douto despacho de 16.12.2024, fundando-se a causa de pedir na violação de deveres do banco (por, alegadamente, não se ter apercebido da incapacidade acidental da A.) não se vislumbra como pode decretar-se o pagamento da pretendida indemnização sem concomitantemente ter sido peticionada pela A. e decidida pelo Tribunal a anulação das ocorridas transferências.
13
A alegação pelo tutor da A. do estado de incapacidade acidental desta como causa de pedir do pagamento de indemnizações determina que as transferências bancárias realizadas tinham de ser anuladas, e, tal pedido tinha de ser expressamente formulado pela A. na respetiva p.i., o que não sucedeu.
14
Não tendo sido invocada a respetiva anulação as transferências realizadas permanecem válidas e, permanecendo válidas não podem servir de fundamento à peticionada indemnização.
15
A declaração da anulação das transferências constitui, assim, uma condição sine qua non da pretendida condenação ao pagamento de indemnizações. Sem aquela ter sido peticionada e decidida a ação não pode proceder.
16
Relativamente à questão da autoria das assinaturas nas ordens de transferência a A. pretende beneficiar da situação de opacidade que criou.
17
Com efeito, pode ler-se a este respeito na p.i. o seguinte:
(…)
“58.º Da documentação que titula cada uma das operações acima indicadas, disponibilizada pela 1.ª Ré, constam assinaturas alegadamente apostas pela Autora.
59.º Desconhece-se se tais assinaturas foram efetivamente apostas pelo punho da Autora,
60.º Mas o que não se pode desconhecer é que as mesmas, a terem sido apostas pela Autora, foram-no numa altura em que esta estava já gravemente incapacitada,
61.º E sem perceção do conteúdo e consequências do que estava a assinar.
(…)
76.º Mas, mesmo ainda que tais movimentações tenham sido ordenadas após assinatura presencial da Autora (não se percebendo como!...) nos respetivos documentos de autorização, nas instalações da 1.ª Ré,
77.º Da análise das ditas assinaturas que constam dos documentos bancários ora juntos, resulta desde logo que as mesmas, a terem sido apostas pela Autora, foram-no de forma visivelmente deficitária,
78.º O que demonstra a enorme dificuldade que a Autora terá tido a fazê-las, o que evidencia bem o seu estado.
79.º E, na eventualidade de terem sido feitas presencialmente, tal dificuldade manifesta da Autora em assinar deveria, no imediato, ter chamado a atenção de qualquer funcionário da 1.ª Ré para uma mais que evidente incapacidade da Autora,
80.º Já que essa incapacidade, o estado de demência da Autora, era visível e claramente percetível já na data de 19 de Setembro/2017, por qualquer pessoa”
(…)
18
Ora, nunca a A. em momento algum do processo indica que não tenha sido ela própria a dar as ordens de transferência e a assinar os documentos inerentes às transferências – que aliás, ela própria juntou com a petição inicial - nem tão pouco indica qualquer outra pessoa como sendo autor/a de tais assinaturas e ordens de transferência. Pelo contrário admite que possa ter sido ela.
19
Com efeito, tal como a R. CGD referiu desde logo na sua contestação (cfr. nº 76 a 78 desse articulado) a A. não alegou nem invocou que as assinaturas que constam dos documentos nºs 11, 12, 14, 15, 16, 17 e 18 que juntou com a p.i. não são suas, limitando-se a expressar que não sabe se são ou não suas, o que é realidade bem distinta.
20
Daí a este respeito ter-se referido no douto despacho de 16.12.2024 que, e citamos, “resulta do alegado pela A.”, o que é realidade diversa de dizer que a A. alegou.
21
E, na realidade, outra conclusão não se pode tirar que não esta.
22
Com efeito, as ordens de transferência não foram “inventadas” pelo banco (situação que nem foi sequer alegada), nem o banco agiu a mando de outrem que não a A. (situação que também não foi alegada), pelo que quando a A. pretende demonstrar que se encontrava numa situação de incapacidade à data da ocorrência das mesmas está implicitamente a admitir que foi ela quem deu as ordens e assinou os impressos, situação esta que, aliás, nunca afastou.
23
A A. permite-se ainda na sua peça processual de 10.01.2025 trazer à colação matéria que nada tem que ver com a questão relativamente à qual foi chamada a pronunciar-se, como v.g. a alegada e pretendida inversão do ónus de prova (nºs 22 a 25 da peça em questão), a questão do depoimento da testemunha KK (cfr. nºs 40 a 44 e 49 a 51 da dita peça processual), questões estas que, todavia, ultrapassam o âmbito do convite dirigido pelo Tribunal às partes, pelo que não têm aqui qualquer cabimento.
24
Há, assim, que concluir que a A. não formulou pedido de anulação dos atos aqui em causa, e nem sequer invocou a anulabilidade dos mesmos, pelo que não tendo pedido a anulação dos atos em questão eles produzem os seus efeitos jurídicos e, por isso, tendo a CGD agido em conformidade com a vontade da A. manifestada nesses atos, agiu licitamente.
***
FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- apreciação da questão suscitada oficiosamente e acima exposta;
Em caso de a mesma não se revelar pertinente,
- alteração da matéria de facto nos termos expostos nas conclusões;
- apurar se existe responsabilidade das rés relativamente às movimentações efetuadas nas contas a titularidade da autora em virtude da sua incapacidade.
*** Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Por sentença datada de 12.09.2018, já transitada em julgado, proferida nos autos que correram termos com o n.º 4560/18.1T8PRT, no J3 do Juízo Local Cível do Porto, foi decretada a interdição definitiva da Autora, com efeitos a retroagirem a Julho de 2017 – cf. doc. 1 junto com a p.i.
2. É tutor da Autora, na sequência de tal processo, o seu sobrinho BB.
3. Nesse processo, foi efectuado exame pericial à ora Autora, aí interditanda, que, além do mais, consignou o seguinte: «1 - (…) mostrou à observação sintomatologia compatível com a existência de um quadro demencial de etiologia mista, vascular e neurodegenerativa, no estado grave; 2 – Por força desta afecção, progressiva e irreversível, estando a sua cura para além das possibilidades da medicina actual, está a Requerida, de um modo total e permanente, incapacitada para reger a sua pessoa e para administrar o seu património pelo que deve ser interdita do exercício dos seus direitos; 3 – De acordo com os elementos disponíveis, estima-se que o início deste grau de incapacidade tenha ocorrido em data não posterior a Julho de 2017, mês em que a Requerida foi admitida na Residência B».
4. Em Julho de 2017, a Autora, na altura com 94 anos de idade, foi admitida na “Residência B” (Residência B), lar de idosos sito na ...Porto, após um período de internamento no Hospital CUF, no Porto, entre 27 e 30 de Junho de 2017, onde foi sujeita a cirurgia ao fémur e à anca.
5. Tal cirurgia ocorreu sem o conhecimento imediato do tutor ou dos restantes familiares da Autora, que é viúva e não tem filhos.
6. Após a morte do marido, em 2012, a Autora ficou a residir sozinha no Porto, já que os únicos parentes que tem – os seus sobrinhos – residem no sul do país e estrangeiro, sendo que a Autora sempre se recusou a deixar a sua casa, no Porto.
7. Apesar disso, alguns destes sobrinhos da Autora (e seus únicos familiares) visitavam-na ou contactavam com a A. telefonicamente, ou contactavam quem, na altura, era a empregada doméstica da Autora – II – e com um vizinho da Autora, CC.
8. CC é conhecido de alguns sobrinhos da Autora por se tratar de uma pessoa muito próxima desta, em virtude de a conhecer desde a infância (uma vez que a Autora era vizinha dos pais deste) e de, por isso, se ter oferecido para apoiar a Autora, nos assuntos do dia-a-dia e, designadamente, junto de instituições bancárias, uma vez que ele próprio foi bancário na aqui 2.ª Ré, Banco Santander Totta, até há poucos anos.
9. Este auxílio era prestado, também, tendo em conta os problemas de saúde da Autora, que já a vinham limitando há vários anos, designadamente, ao nível da visão.
10. Tanto o internamento no lar como a celebração do contrato de prestação de serviços e pagamento das prestações mensais foram providenciados por CC.
11. Foi deduzida contra queixa crime contra CC e II (e também contra as Rés) à qual corresponde o processo n.º 4097/19.1T9PRT, na 6ª secção do DIAP do Porto. – doc. 6 com a p.i.
12. A Autora é titular junto da 1ª Ré da conta bancária n.º ...100 (agência Foz do Douro) e, junto da 2ª Ré, da conta bancária n.º 0003....020 (Balcão Damião de Gois).
13. Após o seu ingresso no Lar Residência B (em Julho de 2017), a conta da Autora na 1.ª Ré foi sofrendo sucessivas movimentações.
14. Em 19.09.2017, foi efectuada uma alteração na conta da CGD, tendo sido constituída autorização de movimentação a favor de CC, tendo nesse dia sido feito um levantamento de € 10.000,00.
15. Nesse mesmo dia, foram dadas ordens de pagamentos a diversos serviços, como por exemplo da NOS e da MEO, bem como de fornecimento de água e electricidade.
16. No dia 04.10.2017, foi ordenada a transferência de € 2.213,55 da conta da Autora junto da 1ª Ré para a conta da Residência B, tendo esta transferida sido ordenada pelo “autorizado” CC.
17. No dia 24.10.2017, foi creditado o valor de € 65.000,00 na conta à ordem da Autora, na sequência de ordens emitidas pelo mesmo CC na qualidade de “autorizado”, para resgate de uma conta de títulos/valores mobiliários (EDP e BCP).
18. Em 25.10.2017, ocorreu, na mesma conta, um resgate de fundos de investimento de liquidez, no montante de € 197.891,12.
19. Em 26.10.2017, ocorreram duas transferências bancárias no valor de € 130.000,00 cada uma: uma a favor de II e outra a favor de um número de conta bancária cujo titular é CC – cf. docs. 15 a 17 juntos com a p.i.
20. Em 22.12.2017 e 01.02.2018, foram feitas duas transferências bancárias, respectivamente, de € 1.000,00 e de € 1.250,00, a favor de II, ambas ordenadas por CC.
21. O documento que consta em cópia como doc. 21 junto com a p.i. tem o logotipo da Residência B, está identificado como “Nota de Entrada” e contém, na folha de rosto, os dados identificativos da Autora.
22. Do mesmo documento constam, além do mais, na segunda página, a data de entrada Julho 2017, bem como os seguintes comentários: «Doente totalmente dependente. Não colaborante para colheita de história clínica, sendo o registo efectuado por informações clínicas fornecidas por familiares e documentos clínicos de outras instituições. AP: Demencial vascular establecida (FAST6d) com total dependência diária já estabelecida e prévia (aproximadamente 4 meses) a admissão na Residência B. (…) Doente desorientada TE Discurso escasso (…)».
23. Este documento encontra-se assinado com nome não identificável, por baixo do qual consta a menção manuscrita “OM 47440”.
24. O tutor da Autora pediu justificações e esclarecimentos junto da 1ª Ré, presencialmente e por escrito, tendo também efectuado reclamações no livro respectivo (docs. 26-30 com a p.i.).
25. As assinaturas da Autora constantes dos documentos que titulam as operações junto da 1ª Ré entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2018 diferem daquelas apostas nos documentos oficiais, nomeadamente cartão de cidadão e de contribuinte – docs. 31-33 juntos com a p.i..
26. Tais assinaturas são também diferentes daquelas constantes das fichas de abertura de conta em cada um dos bancos Réus – doc. 34 com a p.i..
27. Para além de seu funcionário, CC era também, em 2017, gestor da conta sedeada na 2ª Ré.
28. Em 18.07.2017, foi debitada da conta na 2ª Ré a quantia de € 5.884,93 (doc. 37 com a p.i.).
29. Nessa conta, registaram-se também os seguintes movimentos nos depósitos à ordem: € 5000,00 (em 3 de Agosto e 4 de Setembro de 2017); € 6.500,00 (em 18 de Julho de 2017).
30. Através dessa mesma conta, foram feitos pagamentos ao Residência B (em 04.08.2017, € 2.069,39 e em 04.09.2017, € 2.157,57) e o internamento no Hospital CUF (em 21.08.2017, € 1.033,88).
31. Foi feita uma aplicação de € 500.000,00 na 2ª Ré, com dinheiro da Autora, a uma taxa de juro de 0,05%, o que originou a remuneração bruta de € 108,22, correspondente à remuneração líquida de € 77,92 (cf. doc. 41 com a p.i.).
32. Os funcionários da agência da 1ª Ré da Foz do Douro conheciam a Autora há longos anos, sendo do conhecimento daqueles que esta tratava o CC “como um filho”.
33. Foi o CC quem acompanhou e ajudou a Autora em vários momentos da vida desta, sobretudo desde a morte do seu marido.
34. Em 19.09.2017, a Autora dirigiu-se pessoalmente à agência da 1ª Ré da Foz do Douro, acompanhada de CC, e apresentava-se bem, com discurso coerente e orientada, embora com as limitações físicas/motoras próprias de uma pessoa com a sua idade.
35. Nessa ocasião, a Autora comunicou à sua gestora de cliente que era de sua vontade o Sr. CC ser constituído na qualidade de autorizado às suas contas, sem quaisquer restrições.
36. Foram-lhe então formuladas, pela sua gestora de cliente, várias questões, durante o atendimento, para se perceber quais os motivos de tal pedido e se a Autora tinha consciência/percepção dos poderes que estava a atribuir.
37. A Autora várias vezes manifestou desconforto com as questões que lhe estavam a ser colocadas pela gestora, tendo referido “o dinheiro é meu” e que não tinha de prestar contas ao banco.
38. O Sr. CC informou os funcionários da 1ª Ré, na mesma ocasião, que aceitou a sua constituição como autorizado em virtude de a Autora se encontrar a residir numa residência sénior na qual o mesmo tinha ficado como responsável pelos respectivos pagamentos.
39. A autorização à conta prestada pela Autora no mesmo dia 19.09.2017 foi assinada por esta pelo seu próprio punho e na presença da sua gestora de cliente – doc. 3 junto com a contestação da 1ª Ré.
40. Tendo a Autora também assinado, na mesma ocasião e na presença da mesma gestora, a autorização para a sua conta ser debitada no montante de € 9,36 referente ao custo da operação – doc. 4 com a contestação da 1ª Ré.
41. O levantamento de € 10.000,00 registado nesse mesmo dia foi efectuado em numerário e entregue em mão pelo tesoureiro da agência à Autora, tendo esta assinado, pelo seu próprio punho, o respectivo recibo (doc. 5 com a contestação da 1ª Ré).
42. Não era inusual a Autora apresentar-se na agência para proceder ao levantamento de quantias avultadas em dinheiro.
43. Os editais respeitantes ao processo de interdição da Autora foram publicados em 03.03.2018 e a 1ª Ré foi notificada pelo Tribunal, quanto ao decretamento da interdição da Autora, por ofício de 19.03.2018 – docs. 9 e 10 juntos com a contestação da 1ª Ré.
44. Na ocasião em que a Autora ordenou a realização dos movimentos na conta da 2ª Ré, evidenciava consciência quanto aos montantes abrangidos e ao respectivo destino, para pagamento de despesas da mesma.
45. A aplicação de 500.000,00 corresponde a um depósito a prazo que teve início em 17.12.2014 pelo prazo de 180 dias que foi renovado automaticamente por iguais períodos até 11.07.2018.
46. Esse depósito a prazo foi mobilizado antecipadamente em 30.11.2018 no seguimento de instruções escritas do tutor da Autora que importou numa penalização.
*
Foi considerado não provado que:
a) Que os familiares da Autora nunca foram avisados da vontade ou da necessidade de internamento desta num lar, sempre lhes tendo sido dito que “de momento a Tia não estava” ou “não podia falar, mas estava tudo bem” (art.º 23º p.i.);
b) Que os familiares da Autora a encontraram “refém” no lar Residência B (art.º 24º da p.i.);
c) Que o CC, para efeito do internamento no lar, acedeu sem autorização da Autora e contra a vontade desta às suas contas bancárias junto das ora Rés (artigos 27º e 28º da p.i.)
d) Que, aquando do seu internamento no lar, a Autora se encontrava num estado de demência avançado e de quase cegueira (arts. 35º e 36º da p.i.);
e) Que as transferências e pagamentos registados no dia 19.09.2017 não deveriam ter sido feitos, por a Autora residir no lar e já não usufruir de qualquer dos serviços que foram pagos através de tais operações (artigos 43º a 45º da p.i.);
f) Que todas as transferências bancárias ordenadas entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2018 foram efectuadas sem que a Autora tivesse percepção do conteúdo e consequências de tais operações (artigos 61º a 69º da p.i.);
g) Que, em 19.09.2017, o estado de demência da Autora era visível e perceptível por qualquer pessoa (artigo 80º da p.i.);
h) Que, quando os sobrinhos passaram a visitar a Autora no lar, esta, nos raros e curtos momentos de lucidez, afirmava que lhe “andavam a roubar o dinheiro” (art.º 108º da p.i.);
i) Que os movimentos efectuados na conta da 2ª Ré foram efectuados contra a vontade da Autora e sem o consentimento dos seus familiares (artigo 167º da p.i.);
j) Que a Autora afirmou junto dos funcionários da 1ª Ré que “os sobrinhos nunca quiseram saber” dela (artigo 36º da contestação da 1ª Ré);
k) Que, aquando das transferências datadas de 25.10.2017, a Autora informou que era a sua vontade e que fazia do dinheiro dela o que bem entendesse, pois não tinha filhos nem marido e que afirmou que os colaboradores da Ré que trabalhavam na agência da Foz “estavam fartos de saber” que o “CC” era considerado para ela “o filho que nunca tive” (artigo 64º da contestação da 1ª Ré);
l) Que a própria Autora referiu aos funcionários da agência que as únicas pessoas que cuidavam dela eram a família do CC, desde o tempo em que os pais destes eram seus vizinhos “porta com porta” (artigo 65º da contestação da 1ª Ré);
m) Que a Autora afirmou perante os funcionários da agência, a propósito da transferência a favor de II, que esta foi a pessoa que sempre cuidou dela e ainda se mantém presente e que fora esta quem sempre lhe cuidara da casa e lhe fazia companhia, devendo ter feito aquela transferência há mais tempo (artigo 67º da contestação da 1ª Ré).
*
Fundamentação jurídica
Como consta do relatório supra, este Tribunal teve um entendimento que plasmou no despacho de 16.12.2024 e sobre o qual se pronunciaram a autora e a 1ª ré, esta em resposta à exposição daquela.
Em face da pronúncia da autora mantemos na íntegra o entendimento aí exposto, que se dá aqui por reproduzido, integrando a fundamentação jurídica2.
A autora na sua pronúncia olvida completamente que a causa de pedir assenta exclusivamente na incapacidade da autora. Não foi invocada, de todo, a falsidade das assinaturas nos atos que permitiram os movimentos das contas, nomeadamente aqueles que foram efetuados por CC. Dizer que as assinaturas imputadas à autora são diferentes daquelas que constavam da ficha de assinaturas não é o mesmo que invocar a falsidade das mesmas. Essa falsidade tinha de ser expressamente invocada para integrar a causa de pedir e não o foi.
Mas quem afirma de forma absolutamente inequívoca que em causa está a incapacidade da autora de entender e de querer o sentido da declaração é ela própria nas alegações de recurso, nomeadamente nas seguintes conclusões:
“48 - Só se pode concluir, perante toda a prova produzida, que a A. encontrava-se efetivamente numa situação de visível e notória incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração, 49 - Pelo que, salvo o devido respeito, caberia às rés, até perante a evidencia da desconformidade das assinaturas da A. constante dos documentos de suporte às operações em causa nos presentes autos”.
E é isso também que resulta da p. i., como muito bem evidencia a 1ª ré na sua pronúncia, quando refere, no ponto 9, que
“Com efeito, a A. alegou ex abundat na sua p.i. que se encontrava totalmente incapacitada já em julho de 2017, à data em que firam efetivadas as transferências bancárias, v.g. nos nºs 1, 2, 6, 24, 27, afirmando no nº 35 que a A. se encontrava em “estado de demência avançado”, e no nº 41 da p.i. que a A. se encontrava “incapaz de gerir a sua vida e de efetuar tais transferências e pagamentos” e no nº 37 que a A. se encontrava “com total incapacidade para dispor e gerir os seus bens”, 42, tendo nos nºs 92 e 93 afirmado que “dado, obviamente, o seu estado grave e irreversível de demência avançada, datado, pelo menos, de Julho de 2017, que lhe retirou qualquer capacidade de entendimento ou consciência de qualquer ação que eventualmente tenha praticado, pelo menos desde Julho de 2017”, 112 a 114, entre outros, para não sermos exaustivos”.
À data em que foi decretada a interdição da autora estava em vigor o regime das interdições consagrado no Código Civil, artºs 138º a 151º, na redação anterior às alterações levadas a efeito pela Lei nº 49/2018, de 14.08. Nos termos do art.º 150º desse regime, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.
O art.º 257º do CCivil rege exatamente a incapacidade acidental, estabelecendo que a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
Como se constata, o regime aplicável é o da anulabilidade.
A afirmação que a autora faz de que tal regime não é o adequado à situação dos autos é manifestamente errada. Tal regime é o legalmente aplicável e não existe qualquer outro que o seja. Aliás, note-se que mesmo a declaração negocial obtida por coação segue o regime da anulabilidade (cfr. art.º 256º do CCivil), ou seja, se não for instaurada ação de anulação – isto é, ação em que seja formulado o pedido de anulação – a declaração negocial convalida-se e produz os seus efeitos. O mesmo acontece quando o autor da declaração estava incapacitado de entender o sentido e alcance da declaração negocial.
Como se referiu supra, depois das citações da obra do Prof. Dias Marques, a anulação do ato jurídico tem de ser expressamente pedida porque o vício em causa não decorre diretamente da lei. É necessário que haja uma manifestação expressa de vontade no sentido de o querer anular, a qual tem de se manifestar no pedido formulado pois só dessa maneira é que se obtém uma sentença de anulação. E essas ações de anulação são ações constitutivas, pois delas resulta uma mudança na ordem jurídica existente (cfr. art.º 10º/3, al. c) do CPC). Como resulta do relatório supra logo no seu início, a autora-recorrente não formulou qualquer pedido de anulação, nomeadamente dos atos aqui em causa. Aliás e ao contrário do que veio fazer em sede de recurso, nem sequer invocou a anulabilidade dos atos. Ora, não tendo a autora pedido a anulação dos atos em questão (e nem sequer invocado tal invalidade), eles produzem os seus efeitos jurídicos enquanto atos praticados por aquela, pois a anulabilidade, ainda que possa resultar dos factos provados, não pode ser conhecida e decretada oficiosamente, e, por isso, tendo as rés agido em conformidade com a vontade da autora manifestada nesses atos, agiram licitamente, de acordo com as regras legais a que estavam adstritas, pelo que nenhuma ilicitude lhes pode ser assacada, nomeadamente aquela que fundamenta o pedido indemnizatório, o que conduz à improcedência do recurso, ainda que os fundamentos do recurso sejam procedentes.
Na decisão recorrida entendeu-se que tal incapacidade, bem como a respetiva notoriedade, não se haviam provado, mas a recorrente pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto de forma a que, no seu entendimento, tal incapacidade resulte dos factos provados. Como se constata, não tendo a autora formulado qualquer pedido de anulação, é irrelevante apurar se, como pretende a recorrente por via deste recurso, a autora estava ou não incapacitada no momento em que praticou os atos que permitiram as movimentações das suas contas bancárias que fundamentam o pedido, uma vez que este Tribunal está impedido de retirar quaisquer consequências de tal incapacidade.
Neste sentido temos o acórdão do STJ de 14.01.19983, no qual se afirmou paradigmaticamente o seguinte, assim sumariado que parte que interessa:
“III - A anulabilidade faz nascer um direito potestativo na esfera jurídica daquele em favor do qual é instituída; processualmente, dá lugar a uma acção declarativa constitutiva. IV - Sem se pedir que o tribunal decrete a anulação de um negócio jurídico, não podem extrair-se quaisquer consequências dessa causa de invalidade, designadamente a restituição do que houver sido prestado”.
O recurso tem, pois, se ser julgado improcedente, se bem que com fundamentação distinta da decisão recorrida.
* Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Atento o valor da ação, é aplicável o disposto no art.º 6º/7 do RCP, segundo o qual nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Consideramos que estamos perante uma situação que justifica plenamente a dispensa total mencionada no preceito. A causa é de complexidade mediana, a conduta das partes foi exemplar, não foram suscitadas questões de natureza dilatória e a tramitação ocorreu dentro da normalidade processual.
Assim, há que dispensar integralmente as partes do pagamento do remanescente a que se reporta o preceito.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo, com fundamentação diferente, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (art.º 527º/1 e 2 do CPC).
Nos termos do art.º 6º/7 do RCP, dispensam-se integralmente as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
TRL, 08mai2025
Jorge Almeida Esteves (relator)
Eduardo Petersen Silva
Teresa Pardal
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1. In Noções Elementares de Direito Civil, Centro de Estudos de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1973, págs. 90 e seg.
2. Revela-se desnecessário estar a reproduzir nesta sede o que já consta deste acórdão na parte do relatório.
3. Proferido no proc. nº 97A860 (Ribeiro Coelho), in dgsi.pt. Apesar da sua antiguidade, o acórdão mantém plena atualidade. Tratam-se de matérias que constituem noções fundamentais de direito, as quais, infelizmente, são pouco abordadas e por isso também por vezes esquecidas.