I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. A discordância carreada para os autos respeita à forma de cálculo ou contagem dos dias de luto mencionados nos artigos 249.º, número 2, alínea b) e 251.º do CT/2009, a saber, se devem ser contados de forma consecutiva, independentemente de tal cálculo abranger dias de trabalho, dias feriados ou dias de descanso [posição da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA e das instâncias] ou se, ao invés, devem ser apenas considerados em termos coincidentes com os dias de efetivo trabalho que o trabalhador enlutado iria executar no período de nojo a que tem direto.
III. Se compulsarmos, quer o regime legal que regula, no âmbito do Código do Trabalho de 2009, as faltas justificadas e injustificadas, os respetivos prazos, procedimentos e consequências jurídicas, quer o Acordo de Empresa celebrado entre as partes e acima identificado, que se refere igualmente a tais matérias, facilmente constatamos que não existe nenhuma regra de contagem dos dias de faltas, para efeitos do preenchimento da estatuição legal aqui em causa.
IV. Dado que não nos deparamos aqui, verdadeiramente, com uma interpretação de regulamentações coletivas diferentes, por referência a setores de atividade totalmente distintos, torna-se irrelevante avançar aqui com tal argumento; mas, por outro lado, dado nos movermos no seio do Código do Trabalho de 2009, com a interpretação que se procura desse regime legal geral - que poderá [deverá?] mesmo ser feita no quadro de um recurso de revista ampliado -, é todo o mundo do trabalho, em que ocorre a aplicação das aludidas regras jurídicas quanto a faltas, que será abrangido e beneficiado pela mesma.
V. Parece-nos igualmente relevante quanto à dúvida acima levantada, realçar que a interpretação de um instrumento de regulamentação coletiva, ainda que se faça também nos termos do artigo 9.º do Código Civil, impõe ao intérprete e aplicador das respetivas regras uma abordagem diversa - por vezes, bastante diversa - da reclamada pelas disposições legais do CT/2009, pois que aquela é mais particularizada, concreta, porque necessariamente conjugada e contextualizada por outras cláusulas, pensadas não só para e no âmbito do texto em si, como em função do setor de atividade que lhe serve de pano de fundo e muitas vezes de fundamento e justificação, o que já não acontece com a leitura jurídica das normas do CT/2009.
VI. Defrontamo-nos assim com um sistema jurídico profundamente dividido, quer ao nível da doutrina que se debruçou sobre a questão suscitada neste recurso de revista excecional, quer no que respeita ao entendimento e à prática assumida pelos serviços da ACT e pela Administração Pública em geral, o que não pode deixar de ser equacionado positivamente, para efeitos do preenchimento do requisito previsto na alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
VII. O quadro factual e jurídico que deixámos traçado permite-nos afirmar que se mostra preenchido o requisito da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, dado nos depararmos com uma temática «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
VIII. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.
IX. Não se verifica a integração da questão dos autos no âmbito da alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º, por se nos afigurar, por um lado e não obstante a temática sensível envolvida, que a omissão de análise dessa problemática não é suscetível de causar um alarme, indignação ou sequer desagrado relevantes em termos comunitários, sendo certo, por outro lado, que, para a lei, não bastará estar em causa a contagem dos dias de faltas por nojo ou ver-se envolvida uma pessoa coletiva com renome público [como é caso da Ré] para se poder falar do preenchimento de interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica antes exposta.
Recorrente: STEC – SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
Recorrido: CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
(Processo n.º 8957/23.7T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa -Juízo do Trabalho de ... - Juiz...)
ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
1. STEC – SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, com os sinais de identificação constantes dos autos, intentou, em 04/04/2023, ação declarativa com processo comum laboral contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., igualmente com os sinais de identificação constantes dos autos, requerendo, a final, o seguinte:
«1 – A cumprir as normas reguladoras do direito dos trabalhadores a faltar justificadamente em caso de falecimento de parentes ou afins, nomeadamente as constantes do artigo 251.º do Código do Trabalho, à luz da interpretação segundo a qual o número de dias consecutivos em que o trabalhador pode faltar justificadamente, nesses casos, exclui os dias de descanso intercorrentes, isto é, não são contados no cômputo desses períodos os dias em que o trabalhador não está obrigado a comparecer ao trabalho, como acontece nos seus dias de descanso semanal e dias nos feriados;
2 – A divulgar por todos os trabalhadores a informação de que é essa a interpretação válida e que ela, a Ré, a cumpre.”
«Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julgo a acção improcedente, e, em consequência decido:
1. Absolver a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., dos pedidos.
2. Custas a cargo do Autor (artigo 527.º Código Processo de Trabalho).
Fixo à acção o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)
Notifique.
Registe.»
“Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declara-se que o Autor está isento de custas, confirmando-se a sentença quanto ao mais.”.
«1.ª - O objeto da presenta ação consiste na questão de saber se os períodos em que os trabalhadores podem faltar, justificadamente, ao trabalho com fundamento no falecimento de parentes ou afins, nos termos dos artigos 248.º e 251.º do Código do Trabalho, se contam como dias seguidos – incluindo os dias de descanso intercorrentes – ou se contam apenas os dias consecutivos em que os trabalhadores estavam obrigados a comparecer ao trabalho.
2.ª - Nos termos do artigo 248.º do Código do Trabalho, “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
3.ª - Segundo o elemento literal, parece fora de dúvida que serão consideradas faltas apenas as ausências do trabalho nos dias em que, no cumprimento do seu período normal de trabalho, o trabalhador deveria comparecer ao trabalho.
4.ª - A norma que, nos presentes autos, carece de interpretação é a do artigo 251.º do Código do Trabalho, no segmento em que afirma que o “O trabalhador pode faltar justificadamente até [X] dias consecutivos”.
5.ª - O Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de e 13-07-2022, processo 11379/21.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, de que se junta cópia, apreciou esta questão com base numa cláusula de convenção coletiva, tendo concluído e decidido que “os dias consecutivos têm de conter dias de trabalho para que se possa falar em falta e assim na contagem das faltas por motivo de falecimento, não podem ser contabilizados os dias de descanso e feriados intercorrentes por não existir ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”.
6.ª - Já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 19-04-2023, processo 11379/21.0T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, concluiu – também em ação em que estava em causa interpretação de cláusula de convenção coletiva cujo teor é, ipsis verbis igual ao do art.º 251.º do Código do Trabalho - que a expressão “dias consecutivos”, constante da referida cláusula, “deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso”.
7.ª - Importa referir, no entanto, que o STJ considerou que a interpretação da cláusula deve cingir-se unicamente ao elemento literal e, por conseguinte, dias “consecutivos” tem inequivocamente o mesmo significado que “dias seguidos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”, tendo ainda, para corroborar esta decisão, percorrido, a título exemplificativo, o texto de outras cláusulas.
8.ª - Ora, o que está em causa nestes autos é a interpretação das normas insertas no artigo 251.º do Código do Trabalho, ao contrário do que aconteceu nos acórdãos acima mencionados, em que se discutia a interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, tendo-se conferido especial relevância ao elemento literal de interpretação.
9.ª – Porém, mesmo que se confira especial relevância ao elemento literal, este não poderá deixar de buscar-se na conjugação das normas dos artigos 251.º e 248.º do Código do Trabalho - “considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”.
10.ª - Logo no art.º 251.º do citado Código, o legislador estabeleceu que “o trabalhador pode faltar justificadamente até [X] dias consecutivos”, e não manter-se ausente até [X] dias consecutivos. (S/N).
11.ª – E na norma, semelhante, do artigo 351.º, n.º 2, alínea g), do Código do Trabalho, o legislador estabeleceu que constituem justa causa de despedimento cinco faltas seguidas ou 10 interpoladas. Parecendo óbvio que nessas cinco faltas seguidas não estão incluídos os dias de descanso intercorrentes. Aliás,
12.ª - No art.º 256.º do mesmo Código, o legislador atribuiu especial censurabilidade às faltas injustificadas que ocorram imediatamente antes ou após os dias de descanso semanal ou feriados, estabelecendo, como consequência, que essas faltas constituem infração disciplinar grave, bem como a perda da retribuição correspondente a esses dias de descanso.
13.ª – Mais decisivo é o facto de o legislador do Código do Trabalho usar, em várias normas, a mesma expressão “faltar [X] dias consecutivos” – o que, segundo o elemento literal que emana do artigo 248.º significa efectivas faltas - e de apenas numa dessas normas afirmar expressamente que se trata de dias seguidos, incluindo os dias de descanso intercorrentes, o que significa que a citada norma do artigo 91.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho, constitui exceção à regra.
14.ª - Acresce que a redacção dos artigos 91.º e 251.º do Código do Trabalho, na parte que aqui interessa, constava já, nos mesmos termos, na versão primitiva do Código do Trabalho, pelo que se mostra injustificado o apelo à interpretação histórica feito no douto Acórdão recorrido.
15.ª - E, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil, temos de presumir que o legislador não se enganou, ao estabelecer coisas diferentes nos artigos 91.º, por um lado, e 251.º e outros, por outro lado.
16.ª - Importa notar que, não obstante o citado Acórdão do STJ, que tem por objecto a interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho, a Autoridade para as Condições de Trabalho mantém, no seu sítio da internet, a Norma Técnica nº 7, nos termos da qual as faltas por falecimento de parentes ou afins se contam apenas pelos dias em que o trabalhador tinha obrigação de comparecer ao trabalho, isto é, com exclusão dos dias de descanso intercorrentes.
17.ª - Nesse sítio da ACT na internet existe, aliás, um simulador que permite a qualquer cidadão calcular os dias concretos que pode faltar ao trabalho como esse fundamento: (https://portal.act.gov.pt/Pages/SimuladorFaltasFalecimentoFamiliar. aspx)
18.ª – Salvo o devido respeito, procedem, neste caso, as razões subjacentes à admissibilidade do presente recurso de revista excepcional. Com efeito:
19.ª - Por um lado, discute-se nos presentes autos uma questão de direito que envolve a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, isto é, todos os trabalhadores da Ré, sejam ou não sócios do Sindicato Recorrente, mas também a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, uma vez que se trata da fixação de uma interpretação de normas legais – modo de contagem dos dias de faltas justificadas por falecimento de parentes ou afins - que, potencialmente, afeta negativamente todos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho subordinado, pelo que se reveste de particular relevância social.
20.ª - Por outro lado, o douto Acórdão de que se recorre está em contradição com outro – Acórdão da Relação do Porto, de 13-07-2022, proferido no processo nº 11379/21.0T8PRT.P1, de que se junta cópia.
21.ª – E, quer à luz do elemento literal de interpretação que resulta das disposições conjugadas dos artigos 248.º e 251.º do Código do Trabalho, quer à luz da interpretação sistemática (arts. 91.º e 251.º do mesmo Código), parece evidente que se mostra aplicável também o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso de revista excepcional ser admitido e ser-lhe concedido provimento, com a consequente anulação do douto Acórdão recorrido. Assim se fazendo JUSTIÇA.»
«1. Vem a presente Revista Excepcional interposta do douto Acórdão que negou provimento à Apelação, confirmou a douta Sentença proferida em 1.ª Instância e, em consequência, absolveu a ora Recorrida de todos os pedidos.
2. O douto Acórdão recorrido concluiu com a absolvição da ora Recorrida por entender que o pedido não deve proceder.
3. O douto Acórdão recorrido não merece a censura que lhe faz o Recorrente, e deve, ao invés, ser confirmado por esse Venerando Supremo Tribunal.
4. A correcta interpretação da cláusula 82.ª do Acordo de Empresa (como sucede com o n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 251.º do Código do Trabalho) leva, salvo melhor opinião, à conclusão de que o trabalhador poderá faltar nos cinco dias (ou dois dias) consecutivos ao falecimento do familiar, tomando-se, para o efeito, os dias de calendário.
5. Isso resulta dos elementos clássicos da interpretação, a saber: elemento literal, elemento sistemático e elemento teleológico, deixando de parte o elemento histórico que, no caso, não parece trazer contributo relevante.
6. Quanto ao elemento literal, deve atentar-se, em primeiro lugar, a que o corpo do n.º 3 da cláusula se refere a uma possibilidade pois ali se usa a expressão “pode”, o que induz no intérprete a ideia de se tratar de uma faculdade com um limite superior máximo, não apenas por o trabalhador poder optar por exercer, ou não, esse direito, e pela medida desse exercício, mas também por esse direito poder ou não existir. Existirá se os cinco dias (ou dois dias) forem dias de trabalho; não existirá se esses dias não forem dias de trabalho; ou existirá parcialmente, se apenas parte desses dias forem dias de trabalho.
7. Ainda no que respeita à literalidade, a lei refere-se expressamente a “dias consecutivos”, não distinguindo nesses dias os dias de trabalho ou dias de não trabalho.
8. Como assinala ABÍLIO NETO, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 3.ª Ed., Setembro 2012, pág.ª 483: O apontado entendimento dificilmente se compagina com o sentido corrente do termo “consecutivos”, usado pelo legislador em ambas as alíneas do n.º 1, não havendo razão plausível para que o regime da primeira seja diferente da segunda.
9. Quanto ao elemento sistemático, note-se que para as faltas por motivo do casamento o legislador usou a expressão “dias seguidos” estabelecendo um limite de 15 para esses dias.
10. “Dias seguidos” ou “dias consecutivos” têm exactamente o mesmo significado.
11. Como muito bem se recorda no douto Acórdão recorrido o art.º 38.º-A do Código do Trabalho (Falta por luto gestacional) e o art.º 50.º do mesmo diploma usam a expressão “dias consecutivos” reportando-se a um período de dias seguidos de calendário, dentro do qual cabe aferir se ocorrem faltas nos termos do art.º 248.º.
12. Quanto ao elemento teleológico, deve atender-se a que as faltas por falecimento de familiar têm como razão de ser permitir ao trabalhador lidar com a morte do seu familiar, quer no seu luto quer no apoio aos seus familiares num momento que se antevê de dificuldade.
13. O luto do trabalhador e o apoio aos seus familiares não ocorre apenas nos dias de trabalho mas sim em quaisquer dias, designadamente de descanso ou de feriado.
14. Não há, pois, qualquer razão teleológica para que o período que a lei e o AE consideram para o efeito (5 dias ou 2 dias, actualmente 20 ou 5 dias) seja determinado em função dos dias de trabalho.
15. Neste sentido, seguiu o recentíssimo douto Acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2023, disponível em www.dgsi.pt
16. A doutrina deste douto Acórdão desse Venerando Supremo Tribunal vem, de certa forma, trazer a clarificação da interpretação das normas (legais ou convencionais) que regulam esta matéria, e tem plena aplicação ao caso dos autos.
17. A Revista deve, pois, improceder.
Termos em que deve negar-se provimento à Revista, confirmando-se o douto Acórdão recorrido e, em consequência, absolver-se a Recorrida de todos os pedidos, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!!.»
12. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] de 23/10/2024 e que correspondem aos já dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância, na sua sentença:
1 – Ré e Autor subscreveram o Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 10 de 15.03.2020.
2 – Por carta de 18.02.2019, junta a fls. 30, o Autor interpelou a Ré, assinaladamente, nos seguintes termos:
«1. A ACT – AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO – veio esclarecer, no seu site da Internet, que os dias consecutivos de faltas justificadas ao trabalho, nomeadamente por motivo de falecimento de parentes e afins, não incluem os dias de descanso intercorrentes, isto é, são contados como dias consecutivos de faltas justificadas ao trabalho apenas os dias em que o trabalhador estava obrigado a comparecer ao trabalho.
Em conformidade, aliás, com a definição constante do artigo 248.º do Código do Trabalho, segundo o qual “Considera-se falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”.
2. No mesmo sentido se têm pronunciado os tribunais.
3. Assim, tendo em vista prevenir conflitos desnecessários, vem este Sindicato solicitar a V. Exa. se digne informar qual é o entendimento e a prática pela CGD sobre esta matéria e, caso esse entendimento seja diverso do acima enunciado, se digne informar quais os respetivos fundamentos.”
3 – A Ré respondeu por escrito de 05.04.2019, junto a fls. 30 verso, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual reitera a sua posição.
4 – A Ré veio a publicar no seu sistema a informação interna, dirigida aos trabalhadores, em 14.10.2022, junta a fls. 31, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.»
13. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:
– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).
– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).
– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).
– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).
– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).
– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).
Uma primeira leitura dos termos em que tais matérias são suscitadas pelas partes parecem apontar para a interpretação da cláusula 80.ª do Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 10/2020 [3], de tal forma que chega a ser equacionada pelo tribunal da 1.ª instância que a presente ação se reconduz à ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, que se mostra prevista e regulada nos artigos 4.º e 183.º a 186.º do Código de Processo do Trabalho, cenário processual esse que é depois corrigido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
A divergência existente entre o Sindicato Autor e a Ré empregadora, ainda que, lateral ou acessoriamente, convoque também as correspondentes regras convencionais contidas no aludido Acordo de Empresa, radica verdadeiramente no regime legal constante do Código de Trabalho de 2009 e que se acha previsto nos artigos 248.º e seguintes de tal diploma legal.
A discordância carreada para os autos respeita à forma de cálculo ou contagem dos dias de luto mencionados nos artigos 249.º, número 2, alínea b) e 251.º do CT/2009 [4] devem ser contados de forma consecutiva, independentemente de tal cálculo abranger dias de trabalho, dias feriados ou dias de descanso [posição da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA e das instâncias] ou se, ao invés, devem ser apenas considerados em termos coincidentes com os dias de efetivo trabalho que o trabalhador enlutado iria executar no período de nojo a que tem direto, de acordo com o acima convencionado.
Diremos que a questão não é de resposta fácil e inequívoca, não obstante o conjunto de normas jurídicas que, no quadro do Código do Trabalho de 2009, regulam as faltas possuir praticamente em toda a sua extensão, uma natureza imperativa, conforme decorre do artigo 250.º desse diploma legal [5].
Tem, naturalmente, de se trazer aqui à colação o estatuído no artigo 251.º do Código de Trabalho de 2009, que possui atualmente e na sequência da redação introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que entrou em vigor no dia 1 de maio de 2023 e foi retificada pela Declaração de Retificação n.º 13/2023, de 29 de maio, o seguinte teor [6]:
Artigo 251.º
Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim
1 - O trabalhador pode faltar justificadamente:
a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho ou enteado;
b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de parente ou afim no 1.º grau na linha reta não incluídos na alínea anterior;
c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.
Se compulsarmos tal regime legal que regula, no âmbito do Código do Trabalho de 2009, as faltas justificadas e injustificadas, os respetivos prazos, procedimentos e consequências jurídicas, facilmente constatamos que não existe nenhuma regra de contagem dos dias de faltas, para efeitos do preenchimento da estatuição legal aqui em causa.
16. Importa realçar, contudo e quanto a essa problemática, que existe já jurisprudência uniformizada por parte deste Supremo Tribunal de Justiça acerca da mesma.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 19/04/2023, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, com o número de Processo n.º 11379/21.0T8PRT.P1.S1, já interpretou o termo “consecutivamente”, por referência à Cláusula 82.ª de uma convenção coletiva de trabalho, conforme resulta do Sumário de tal Aresto, que se acha publicado não apenas no Boletim de Trabalho e Emprego e no Diário da República, mas também em www.dgsi.pt:
«I - A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;
II - A expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82.ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal - AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.»
A dúvida que aqui se coloca é a de, face à natureza imperativa do regime legal em questão e, nessa medida, à obrigatoriedade dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho respeitarem o mesmo em quase toda a sua dimensão normativa, no quadro do clausulado que respeite à previsão e regulação das faltas ao trabalho [estando as faltas por luto abrangidas por tal limitação legal e, por tal razão, respondida já, ainda que de forma indireta, a questão que constitui o fundamento desta revista excecional] [7], se haverá justificação suficiente para apreciar de novo esta problemática, se bem que agora no plano do regime legal vigente [8].
Dado que não nos deparamos aqui, verdadeiramente, com uma interpretação de regulamentações coletivas diferentes, por referência a setores de atividade totalmente distintos, torna-se irrelevante avançar aqui com tal argumento; mas, por outro lado, dado nos movermos no seio do Código do Trabalho de 2009, com a interpretação que se procura desse regime legal geral - que poderá [deverá?] mesmo ser feita no quadro de um recurso de revista ampliado -, é todo o mundo do trabalho, em que ocorre a aplicação das aludidas regras jurídicas quanto a faltas, que será abrangido e beneficiado pela mesma.
Parece-nos igualmente relevante quanto à dúvida acima levantada, realçar que a interpretação de um instrumento de regulamentação coletiva, ainda que se faça também nos termos do artigo 9.º do Código Civil, impõe ao intérprete e aplicador das respetivas regras uma abordagem diversa - por vezes, bastante diversa - da reclamada pelas disposições legais do CT/2009, pois que aquela é mais particularizada, concreta, porque necessariamente conjugada e contextualizada por outras cláusulas, pensadas não só para e no âmbito do texto em si, como em função do setor de atividade que lhe serve de pano de fundo e muitas vezes de fundamento e justificação, o que já não acontece com a leitura jurídica das normas do CT/2009.
Não se poderá, por outro lado, ignorar a controvérsia que, antes e mesmo depois do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 19/04/2023, grassou e grassa, pelo menos, entre a nossa doutrina e que pode ser encontrada nos seguintes autores, obras e textos:
I - No sentido da contagem seguida dos dias de luto, aí se incluindo os dias de descanso e os feriados:
- ABÍLIO NETO, Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 5.ª Ed., EDIFORUM, Lisboa, 2019, p. 601.
- PAULA QUINTAS e HÉLDER QUINTAS, «Manual do Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho», 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2020, páginas 107 e 108.
- HÉLDER QUINTAS e PAULA QUINTAS, «Código do Trabalho – Anotado e Comentado», 6.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2021 – anotação ao artigo 251.º.
- PEDRO FURTADO MARTINS, “Faltas por falecimento de cônjuge, parentes ou afins: uma leitura alternativa do regime legal”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, janeiro-dezembro 2022, ano LXII (XXXVI da 2.ª Série) N.ºs 1-4, 2022, págs. 137 a 174.
- DAVID FALCÃO e SÉRGIO TENREIRO TOMÁS, «Lições de Direito do Trabalho», 11.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 237 a 238, Nota de Rodapé 337.
- LUÍS MIGUEL MONTEIRO, em anotação ao artigo 251.º - NOTA III – em «Código do Trabalho Anotado», Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Machado Dray e Luís Gonçalves da Silva, 14.ª Edição, Almedina, 2025, páginas 709 e 710.
II - No sentido da contagem seguida dos dias de luto, com exclusão dos dias de descanso e dos feriados [apenas dias de trabalho]:
- JOÃO LEAL AMADO e JOÃO REIS, “Nótulas sobre as faltas justificadas por motivo de falecimento de parentes ou afins (artigo 227.º do Código do Trabalho)”, Revista QUESTÕES LABORAIS, Ano XIII, 2006, págs. 129 a134.
- JOÃO LEAL AMADO e MILENA SILVA ROUXINOL, “Luto Parental, Faltas e Férias”, PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO - 2021, ano II, CEJ, Lisboa, 2021, págs. 135 a150.
- JOÃO LEAL AMADO e MILENA SILVA ROUXINOL, “O problema do cômputo dos dias de falta justificada por morte de familiar – a propósito do Acórdão da Relação do Porto, de 13 de julho de 2022”, PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO - 2022, ano II, CEJ, Lisboa, 2023, págs. 271 a 281.
- MENEZES LEITÃO, “Direito do Trabalho”, 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 345.
- DIOGO VAZ MARECOS, «Código do Trabalho Comentado», 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 755.
- MILENA SILVA ROUXINOL, texto denominado «As faltas ao trabalho», inserido na obra coletiva «Direito do Trabalho - Relação Individual», 2023, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, páginas 977 e seguintes, com particular incidência para as páginas 981 a 983.
- MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, em «Comentários ao regime de faltas por falecimento: o elemento teleológico, união de facto e economia comum, a problemática da contabilização e a sua aplicação no trabalho a tempo parcial», publicado em Revista Internacional de Direito do Trabalho, Ano III, dezembro de 2023, n.º 5, www.ridt.pt, páginas 331 e seguintes.
Este último autor faz uma análise do Acórdão do STJ de 19/04/2023 [publicado no Diário da República n.º 95 de 17/05/2023, como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2023 e no BTE n.º 20, de 29-05-2023] que importa reter [por não nos terem parecido relevantes, não reproduzimos as Notas de Rodapé do texto abaixo reproduzido]:
«O venerando Supremo Tribunal de Justiça foi interpelado a pronunciar-se em sede de recurso, tendo decidido que a expressão “dias consecutivos”, constante daquela cláusula, “deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso”, ora, o mesmo será de afirmar que aderiu à corrente doutrinal da tese interpretativa literal dos dias consecutivos.
A aludida decisão assentou em dois principais argumentos: por um lado, a interpretação de uma cláusula como conteúdo normativo ou regulativo face aos princípios gerais do direito e, por outro, a convenção ser aplicável a diversos trabalhadores com múltiplos horários de trabalho distintos.
No tocante ao primeiro argumento, estamos perante cláusulas que “consubstanciam verdadeiras normas jurídicas” e “provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”. Por assim ser, a letra das cláusulas da convenção é regulada pelas partes e “não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações”. Releva aqui referir que o Supremo Tribunal chamou à colação a redação do artigo 251.º, cujo teor, já se disse, é ipsis verbis igual à cláusula que foi objeto de interpretação – “dias consecutivos”. Contudo, também se lê no aresto que a interpretação da cláusula deve cingir-se unicamente ao elemento literal e, por conseguinte, dias “consecutivos” tem inequivocamente o mesmo significado que “dias seguidos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”, tendo ainda, para corroborar esta defesa, sido percorrido, a título exemplificativo, o texto de outras cláusulas.
Já o segundo argumento indica que se enveredássemos por “dias consecutivos” medidos apenas em dias de trabalho motivaria uma “uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais” abrangidos pela convenção. Lê-se, como exemplo, o caso de um trabalhador com horário a tempo parcial ou horário concentrado, em que acabaria por resultar “soluções absurdas, por isso mesmo inaceitáveis, e, principal e decisivamente, constituindo fator de discriminação injustificada dos trabalhadores”.
Em conclusão, com exceção das decisões da 1.ª instância de que se tem conhecimento pela aludida Nota Técnica da ACT, não existe qualquer decisão judicial relativamente à análise concreta das normas insertas no artigo 251.º, pois, como vimos, a matéria controvertida verteu sobre o domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho.»
Interessa também realçar aqui o regime praticado na Administração Pública, quanto a esta questão das faltas por luto e sua contabilização temporal.
O trabalhador em funções públicas tem direito a faltar justificadamente por motivo de falecimento do cônjuge, familiar, parentes ou afins, por um período consecutivo de 20, 5 ou 2 dias determinado consoante o grau de parentesco ou afinidade (artigo 134.º, n.º 2, alínea b) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), artigo 251.º do Código de Trabalho, aplicável por remissão do artigo 4.º da LTFP);
De acordo com o entendimento da DGAEP, as faltas por falecimento de familiar deverão ser contadas apenas em dias em que o trabalhador está obrigado ao cumprimento do seu período normal de trabalho diário, pelo que, em regra, não deverão ser contabilizados os dias de descanso complementar ou obrigatório e feriados (pontos 5 a 8 das FAQ constantes do site da DGAEP, disponíveis em DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público), em particular o ponto 7).
Este entendimento tem sido seguido pelas CCDR, nos pareceres elaborados a respeito das faltas por falecimento de um familiar (faltas-por-falecimento-de-familiar-forma-de-contagem.pdf; Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim|CCDR Algarve) e, bem assim, por outras entidades públicas (veja-se o caso da Direção-Geral da Administração Escolar: PRT06-...08). [9]
Refiram-se, finalmente, as Instruções dadas pelos serviços da inspeção do trabalho, que, segundo o mesmo autor, se reconduzem à sua «Nota Técnica n.º 7, da ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho [10] (doravante “ACT”), que «espoletou a consciencialização da problemática ao posicionar-se que não podem ser contabilizados os dias de descanso e feriados intercorrentes na contagem das faltas por motivo de falecimento de familiar (apresentando também algumas regras relativamente às mesmas) e que o falecimento de familiar adia ou suspende o gozo das férias – esta posição vem a suportar-se na doutrina que defende a tese interpretativa da contabilização em dias de trabalho.» [só a Nota que nos pareceu relevante foi reproduzida].
Defrontamo-nos assim com um sistema jurídico profundamente dividido, quer ao nível da doutrina que se debruçou sobre a questão suscitada neste recurso de revista excecional, quer no que respeita ao entendimento e à prática assumida pelos serviços da ACT e pela Administração Pública em geral, o que não pode deixar de ser equacionado positivamente, para efeitos do preenchimento do requisito previsto na alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
Este conjunto de fundamentos permite-nos afirmar assim, sem grande margem para dúvidas, que o quadro factual e jurídico que deixámos traçado integra suficientemente o requisito da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, dado nos depararmos com uma temática «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, [é] claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
18. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a) e b) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pelo Autor STEC – SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS quanto à questão suscitada [interpretação do regime legal das faltas por luto].
Custas do presente recurso pela parte vencida a final - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 30 de abril de 2025
José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator
Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto
Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto
__________________________________________________
1. Vindo depois, já no Supremo Tribunal da Justiça [STJ], o Sindicato recorrente a deixar cair a invocação da referida alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, que, nessa medida, foi desconsiderada pelo Juiz Conselheiro relator do respetivo recurso de revista neste STJ.↩︎
2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como dois dos pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎
3. E que, na parte que para aqui releva, estatui o seguinte:
Cláusula 80.ª
Tipos de faltas
1- As faltas podem ser justificadas ou injustificadas.
2- São consideradas faltas justificadas:
a) […]
b) As motivadas por falecimento do cônjuge, parentes ou afins, nos termos dos números 3 e 4;
c) […]
3 - Nos termos da alínea b) do número anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente:
a) Cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou parente ou afim no primeiro grau da linha reta (pais, filhos, pais e filhos adotivos, padrastos e madrastas, enteados, sogros e sogras, genros e noras);
b) Dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou em segundo grau da linha colateral (avós, bisavós, netos e bisnetos, do trabalhador ou do cônjuge, irmãos e cunhados).
4 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que viva em união de facto com o trabalhador nos termos previstos na lei aplicável.
5 - Se no dia do conhecimento dos eventos previstos nas alíneas a) e b) do número 3 e número 4 o trabalhador estiver ao serviço, esse dia não conta para o cômputo do número de dias a que o trabalhador tiver direito a faltar, iniciando-se, fora destes casos, a contagem dos dias de ausência a partir do dia do evento, inclusive.
6 - […]
8 - São consideradas injustificadas todas as faltas não previstas nos números anteriores.»
Importa ainda atentar, nesta matéria, noutras normas convencionais como a constante do número 9 da Cláusula 77.ª [Suspensão das férias] de tal A.E. e que reza o seguinte:
«9 - Nas situações de luto, por falecimento de pais, filhos, pais e filhos adotivos, cônjuge não separado de pessoas e bens, pessoa que viva em economia comum ou em união de facto há mais de dois anos, ou irmãos do trabalhador, pelos períodos estabelecidos nas alíneas a) e b) do número 3 da cláusula 80.ª, as férias não se iniciam ou, se iniciadas, interrompem-se, devendo o período correspondente aos dias não gozados ser marcado por acordo ou, na falta deste, pela empresa, sem sujeição ao disposto na cláusula 75.ª» [esta cláusula 75.ª refere-se à marcação de férias].↩︎
4. Dias de nojo previstos nos números 3 e 4 da Cláusula 80.ª antes reproduzida, na parte que para aqui releva, por referência às faltas justificadas previstas na alínea b) do número 1 da mesma Cláusula convencional.↩︎
5. Tal disposição legal possui o seguinte conteúdo, que resulta da redação da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, sendo, contudo, tal alteração do teor original desta regra meramente formal e sem influência alguma na temática em discussão:
Artigo 250.º
Imperatividade do regime de faltas
As disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo em relação a situação prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo anterior e desde que em sentido mais favorável ao trabalhador, ou por contrato de trabalho.↩︎
6. O seu texto sofreu duas alterações, possuindo, à data da propositura da presente ação, a redação original, constante da última versão abaixo transcrita:
Artigo 251.º
Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim
1 - O trabalhador pode faltar justificadamente:
a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de descendente ou afim no 1.º grau na linha reta;
b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim ascendente no 1.º grau na linha reta;
c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 - Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.
(Redação da Lei n.º 1/2022, de 3 de janeiro, com entrada em vigor em 4 de janeiro de 2022)
Artigo 251.º
Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim
1 - O trabalhador pode faltar justificadamente:
a) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1º grau na linha reta;
b) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.↩︎
7. Importando também compulsar aqui o artigo 3.º do CT/2009, quanto à hierarquia das fontes do direito do trabalho.
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em «Tratado de Direito do Trabalho – Parte II -Situações Laborais Individuais», 2021, 8.ª Edição, páginas 529 a 531, muito embora faça uma interpretação da parte final do artigo 250.º do mesmo texto legal que não acompanhamos, ao abrir a possibilidade de empregador e trabalhador poderem no âmbito do contrato de trabalho modificarem o regime legal imperativo, critica justificadamente esta proibição quase total de as convenções coletivas de trabalho não poderem regular autonomamente outros aspetos desse complexo regime, admitindo mesmo, no atual regime e quanto a algumas matérias, tal regulação.↩︎
8. Cf., neste sentido, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, em anotação ao artigo 251.º - NOTA III – em «Código do Trabalho Anotado», Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Machado Dray e Luís Gonçalves da Silva, 14.ª Edição, Almedina, 2025, páginas 709 e 710.↩︎
9. O autor antes transcrito - MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA – refere a este respeito, na obra e local citados, o seguinte [por não nos terem parecido relevantes, não reproduzimos as Notas de Rodapé do texto abaixo reproduzido]:
«No tocante aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), perfilhou esta mesma linha de interpretação. E, nesta decorrência, diversos serviços da Administração Pública emitiram pareceres e procedimentos a serem adotados, entre os disponíveis que publicamente se tenha conhecimento, a saber: o Parecer 2022/02924 da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve; a Circular n.º B20025464C de 20-02-202025 da Direção-Geral da Administração Escolar; e o entendimento da Direção-Geral da Administração da Justiça. No mesmo sentido, prescreveram posição idêntica a Provedoria de Justiça, na recomendação n.º 13/A/202127 e o Conselho Superior da Magistratura, vertido no Procedimento n.º 2021/DSQMJ/139928.»↩︎
10. «Disponível em https://portal.act.gov.pt/Pages/Notas_tecnicas.aspx - Faltas por motivo de falecimento de familiar e adiamento ou suspensão do gozo das férias por falecimento de familiar.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 21↩︎