CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO DE RENOVAÇÃO
NATUREZA SUPLETIVA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
VALIDADE E EFICÁCIA
TEMPESTIVIDADE
Sumário

1. A norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil não fixa prazos (ou períodos) mínimos (nem máximos) de duração da relação contratual – isto é, não fixa limites ou balizas para a convenção das partes.
2. A ressalva inicial do enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil vale para toda a sua estatuição, cunhando-a com a natureza supletiva.
3. A norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil regula um caso de diferimento da eficácia da primeira oposição à renovação comunicada pelo senhorio, não estabelecendo uma renovação do contrato nem alterando o prazo acordado para a sua duração.
4. Para os efeitos previstos no art. 1056.º do Cód. Civil, a circunstância de o senhorio ter deixado de emitir recibo de pagamento, com o recebimento das quantias entregues no valor correspondente ao da renda, para além de ter deixado de fazer as normais comunicações anuais de atualização da renda, impede a aquisição da confiança legítima pelo locatário de que é intenção do primeiro manter a relação contratual de arrendamento, valendo tal conduta como manifestação de oposição à subsistência do arrendamento.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório

A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

ENGATE 3 – Comércio e Indústria de Alumínio, L.da, instaurou o presente procedimento especial de despejo contra AA, pedindo:
“1.º) Deverá ser reconhecida e declarada a cessação do contrato de arrendamento, de 09/08/2013, por denúncia da senhoria de oposição à renovação, fundamentada nos termos do artigo 1097.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, comunicada por carta registada com aviso de receção, expedida em 06/10/2021, e recebida em 14/10/2021, que produziu efeitos a caducidade, em 14/08/2023 (ou eventualmente em 31/08/2023).
2.º) Deverá ainda a Ré/Requerida ser condenada a proceder ao pagamento de indemnização vincenda prevista no art. 1045.º, do Código Civil, no montante mensal de 468,66 € ou em caso de mora no pagamento, o dobro do valor, nos termos do art. 1045.º, n.º 2, do Código Civil, a até efetiva entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, a liquidar em sede de execução, se a Requerida deixasse de pagar mensalmente o valor da indemnização mensal de 468,66 €.
3.º) Deverá ser a Ré/Requerida, condenada a desocupar e entregar à Autora/Requerente, a fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio sito na Rua XX, n.º 0, na Freguesia, livre e devoluta de pessoas e bens”.

Para tanto, alegou que deu de arrendamento à ré uma fração autónoma, destinada a habitação, pelo prazo de cinco anos, renovável, sucessivamente, por períodos de um ano, podendo o senhorio opor-se à renovação mediante comunicação dirigida à contraparte com uma antecedência não inferior a um ano. A partir do termo da sua duração inicial, em 15 de agosto de 2018, o contrato renovou-se anualmente, ocorrendo a última renovação em 15 de agosto de 2022.
A autora comunicou à ré a “denúncia do contrato” em 6 de outubro de 2021, pelo que esta declaração produziu efeitos em 15 de agosto de 2023, no termo da renovação anual iniciada em 15 de agosto de 2022. A inquilina não desocupou o locado na data em que a declaração da senhoria produziu efeitos.

Citada a contraparte, ofereceu esta a sua contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. No essencial, alegou que:
a) em 15 de agosto de 2019, o contrato renovou-se por 3 anos (até 15 de agosto de 2022), por força do disposto no art. 1096.º do Cód. Civil, na redação vigente à data;
b) na data da comunicação da oposição à renovação, 6 de outubro de 2021, a renovação seguinte ocorreria em 15 de agosto de 2022;
c) a comunicação da oposição à renovação não observou a antecedência de um ano prevista no contrato;
d) sendo ineficaz a comunicação de 6 de outubro de 2021, em 15 de agosto de 2022, o contrato renovou-se por mais três anos, até 15 de agosto de 2025;
e) a comunicação de 6 de outubro de 2021 é ineficaz, à luz do art. 261.º do Cód. das Soc. Comerciais;
f) atendendo às condutas da requerente e da requerida, o contrato de arrendamento sempre se teria renovado, nos termos do art. 1056.º do Código Civil, pois continuou a ser cumprido por ambas as partes.

Na fase intermédia da ação, o tribunal a quo julgou a ação procedente, concluindo nos seguintes termos:
“Em face do exposto, decide-se (…) condenar a ré AA na entrega do locado (…) no prazo de 30 (…) dias, sem prejuízo de acordo diverso entre as partes, valendo a presente decisão como autorização de entrada imediata no domicílio”.

Inconformada, a ré apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
“II – A douta sentença é nula nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, porquanto omite total pronúncia e decisão acerca da última exceção deduzida pela recorrente em sede Oposição. (…)
III – A recorrente opôs-se à pretensão da autora recorrida alegando, para além do mais, matéria de exceção consistente na alegação da renovação do contrato de arrendamento nos termos do artigo 1056.º do Código Civil.
IV – Exceção deduzida ao longo dos artigos 31.º a 38.º da Oposição (Capítulo III) e aqui dados por integralmente reproduzidos. (…)
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XIV – A recorrida, por carta registada com aviso de receção datada de 6 de outubro de 2021 (…) comunicou-lhe o seguinte: “Exma. Senhora, (…) pretendemos denunciar o contrato (…) nada data da próxima renovação (…)”.
XV – À data da expedição/receção da referida carta “a data da próxima renovação” era (…) a data de 15 de agosto de 2022;
XVI – Nos termos da Cláusula Segunda do contrato (…): “O Senhorio poderá opor-se à renovação (…) mediante comunicação enviada (…) com uma antecedência não inferior a um ano do termo inicial do contrato ou das suas eventuais renovações”; (…)
XIV – Entre o dia 14 de outubro de 2021 (…) e o dia 15 de abril de 2022 (…), não decorreu aquele prazo mínimo (…).
XV – O incumprimento daquele prazo (…) tornou ineficaz a comunicação (…), pelo que o mesmo, nos termos do n.º 1 do artigo 1096.º, renovou-se automaticamente pelo prazo de três anos aí estabelecido.
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XVI – (…) [O] contrato de arrendamento, em agosto de 2022, renovou-se por três anos e não por um, estando atualmente em vigor. (…)
XXI – (…) [O] Senhorio com a comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º apenas pode opor-se à renovação imediatamente seguinte (…). (…)
XXIII – (…) [T]endo o contrato sido renovado em 15 de agosto de 2022 (…), então, atento o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil (…), renovou-se o contrato pelo período de três (3) anos, ou seja, até 15 de agosto de 2025.
A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

Neste tribunal, as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a aplicação do regime previsto no art. 1056.º do Cód. Civil ao caso, ao abrigo do disposto no art. 665.º, n.º 3, do Cód. Civil.

A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar

Pelas razões adiante desenvolvidas, não se enfrentarão as nulidades arguidas.
Não há questões de facto suscitadas pelas partes a decidir. É, no entanto, necessário ampliar a decisão sobre a matéria de facto, de modo a incluir a base factual necessária à apreciação da alegada renovação do contrato, nos termos previstos no art. 1056.º do Cód. Civil.
As questões de direito a tratar – em torno da validade e eficácia da comunicação de oposição à renovação emitida pela autora, bem como da aplicação do regime previsto no art. 1056.º do Cód. Civil – serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.

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B. Fundamentação

B.A. Factos julgados assentes pelo tribunal ‘a quo’

1. Celebração do contrato de arrendamento

1 – A autora é a única proprietária e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao segundo andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio (…) sito na rua XX, n.º 0, na Freguesia (…).
2 – No dia 9 de agosto de 2013, através de documento sobescrito pela autora e pela ré intitulado “Contrato de Arrendamento com Prazo Certo”, as partes acordaram que a autora dava de arrendamento a referida fração autónoma à ré, tendo tal documento, além do mais, o seguinte teor:
“Que, pelo presente contrato, a primeira outorgante dá de arrendamento a referida fracção autónoma aos segundos outorgantes e estes, reciprocamente, tomam esse arrendamento, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
1.ª
O presente contrato de arrendamento é inequivocamente feito com prazo certo de cinco anos, prorrogável sucessivamente por períodos de um ano, nos termos do disposto nos artigos 1.095.º e seguintes do Código Civil.
2.ª
O senhorio poderá opor-se à renovação automática do presente contrato de arrendamento mediante comunicação enviada nesse sentido aos arrendatários por carta registada com aviso de recepção com uma antecedência não inferior a um ano do termo inicial do contrato ou das suas eventuais renovações. (…)
4.ª
O arrendamento tem o seu início no dia 15 de Agosto de 2013.
5.ª
O locado destina-se exclusivamente à habitação dos segundos outorgantes e do seu agregado familiar (…). (…)
Este contrato foi feito em triplicado ao 09 dia do mês de Agosto de 2013 e exprime em concreto a vontade de todas as partes outorgantes que, por isso, o assinam com total e perfeito conhecimento do seu conteúdo e alcance”.
3 – Nos termos desse acordo, foi convencionado que o referido arrendamento “é inequivocamente feito com prazo certo de cinco anos, prorrogável sucessivamente por períodos de um ano nos termos do disposto nos artigos 1095.º e seguintes do Código Civil.”
4 – Mais se declarou nesse acordo que “O senhorio poderá opor-se à renovação automática do presente contrato de arrendamento mediante comunicação enviada nesse sentido aos arrendatários por carta registada com aviso de receção com uma antecedência não inferior a um ano do termo inicial do contrato ou das suas eventuais renovações.” sendo que “O arrendamento tem o seu início no dia 15 de agosto de 2013”. [retificando-se a data, 13 de setembro de 2013, constante da sentença]
5 – Foi estipulado que “A renda do locado é de € 400,00 mensais”.

2. Cessação do contrato de arrendamento

6 – A autora, por carta registada com aviso de receção datada de 6 de outubro de 2021, que foi recebida pela ré no dia 14 de outubro de 2021, comunicou-lhe o seguinte:
“Exma. Senhora, Vimos pela presente comunicar a V. Exa que pretendemos denunciar o contrato de arrendamento respeitante ao segundo andar esquerdo, sito na rua XX, n.º 0, Freguesia, nada data da próxima renovação (…)”.
7 – Com data de 14 de dezembro de 2021, a autora enviou outra carta à ré, que foi por esta recebida no dia 17 de dezembro de 2021, salientando:
“Temos presente a S/ carta de 10 de novembro último, em que V. Exa . refere que o termo do contrato de arrendamento entre nós celebrado terminará por denúncia da N/ parte somente no próximo dia 31 de agosto de 2024.
“Ora, tendo em vista o disposto no artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil, que refere claramente que ‘salvo disposição em contrário’, isto é, salvo distinta contratação entre o senhorio e inquilino, a duração e o termo do contrato podem claramente ser definidos livremente entre as partes.
“Assim, e tendo em vista o disposto nas cláusulas 1.ª e 2.ª do contrato de arrendamento, este terminará os seus efeitos no próximo dia 31 de agosto de 2023, para o que V. Exa . fica por este meio desde já notificada”.
8 – Por comunicação datada de 18 de novembro de 2022, enviada por correio registado com aviso de receção, e recebida pela inquilina em 23 de novembro de 2022, a autora reiterou à ré:
“Vimos também comunicar novamente que não pretendemos a renovação do contrato que termina para V. Exas em 31/08/2023”.

B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais)

Conforme se refere no Ac. do TRP de 25-03-2021 (59/21.7T8VCD.P1), “[p]or força da regra da substituição ao tribunal recorrido (artigo 665.º do Cód. Proc. Civil), quando a nulidade da sentença recorrida é apenas um dos vários fundamentos de impugnação dessa decisão, a arguição da nulidade é um ato inútil e não necessita sequer de ser apreciada pela Relação se a sentença puder ser confirmada ou revogada por outras razões”. Devendo o tribunal da Relação julgar o restante objeto da apelação (art. 665.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), abrangendo este julgamento a questão alegadamente omitida pelo tribunal a quo, o conhecimento da também alegada nulidade da sentença é um ato inútil.
Em face do exposto, não se tomará conhecimento da reclamação de nulidade da decisão recorrida, por constituir uma pronúncia inútil (art. 130.º do Cód. Proc. Civil).

B.C. Alteração oficiosa da decisão respeitante à matéria de facto

A autora alegou que “[a] renda mensal inicialmente ajustada foi de 400,00 € (…), sendo que com a última atualização em 2022, o valor da renda passou a ser de 468,66 €”.
A ré, na oposição, aceitou esta alegação. Alegou, ainda, que “[n]ão só a requerida se manteve no gozo da coisa locada após a data de 15 de agosto de 2023 e por prazo superior a um ano, o que a requerente confessa, como, por outro lado, não expressou esta qualquer oposição acerca dessa circunstância (…)”. Durante este período, a ré pagou “pontualmente a renda convencionada”.
A autora, não impugnado estas afirmações de facto, respondeu que “entendia que o contrato de arrendamento havia cessado em 14/08/2023 e [que] deixou de passar os recibos de renda após essa data”. Acrescentou que “apenas avançou com o processo de despejo, na data em que o fez, (…) [porque] considerava que, consoante fosse entendido, como data de cessação (agosto de 2023 ou agosto de 2024), o contrato sempre teria cessado (…)”.
Já na instância de recurso, no exercício do contraditório proporcionado por este tribunal, as partes reiteraram as posições inicialmente assumidas.
Os factos em questão não foram objeto de pronúncia pelo tribunal a quo. No entanto, a sua relevância é ostensiva, à luz de uma das soluções plausíveis para a questão de direito. Apenas a explicação dada pela autora para não ter instaurado a ação de despejo no prazo de um ano é irrelevante, dado que não se traduz numa causa de força maior nem numa causa imputável à ré.
Impõe-se, pois, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do mesmo artigo, alterar a decisão de facto – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.

Não se coloca, no caso dos autos, um problema de distribuição do ónus da prova da falta de oposição do senhorio, para os efeitos previstos no art. 1056.º do Cód. Civil Cfr. Ana Raquel Pessoa, em anotação ao art. 1056.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 453, e o Ac. do STJ de 11-04-1991 (079780).. As partes alegaram e, ou, admitiram que a autora nada fez durante um ano, salvo deixar de emitir recibos de pagamento de renda, perante a entrega pela ré de um valor correspondente.
O mesmo se diga dos restantes factos relevantes acima enunciados: encontram-se admitidos por falta de impugnação (quanto à sua ocorrência).

Em face do exposto, adita-se a seguinte factualidade ao leque dos factos provados:
9 – Entre agosto de 2023 e a data da instauração do procedimento especial de despejo, em 10 de novembro de 2024, a ré continuou a habitar na fração referida no ponto 1 – factos assentes – com o seu agregado familiar.
10 – Entre agosto de 2023 e a data da instauração do procedimento especial de despejo, a ré transferiu mensalmente a quantia de € 468,66 para uma conta bancária titulada pela autora.
11 – Entre agosto de 2023 e a data da instauração do procedimento especial de despejo, a autora não contactou a ré, não praticando nenhum ato conhecido ou levado ao conhecimento desta, sem prejuízo do referido no ponto 12 – factos assentes.
12 – Entre agosto de 2023 e a data da instauração do procedimento especial de despejo, a autora não entregou à ré nem emitiu recibos pelo recebimento das quantias referidas no ponto 10 – factos assentes.
13 – No ano de 2022, a autora comunicou o aumento da renda para o ano de 2023, passando esta de € 459,47 para € 468,66, emitindo os recibos do pagamento das rendas até ao momento referido no ponto 12 – factos assentes.

No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo. Esta decisão original é acima reproduzida, embora com uma sistematização distinta, mais ajustada à crónica dos factos essenciais, e transcrevendo-se o teor de documentos já considerados assentes.

B.D. Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Prazo da renovação do contrato de arrendamento para habitação
2. Lei aplicável ao caso dos autos
2.1. Dúvida sobre a aplicação da lei no tempo
2.2. Regulação do conteúdo, abstraindo do facto que originou a relação
3. Alcance da duração legal da renovação do contrato
3.1. Elemento literal
3.2. Elemento teleológico
3.3. Elemento histórico
3.4. Outros fatores hermenêuticos
3.5. Resultado da interpretação
4. Natureza da norma: o alcance da ressalva inicial
4.1. Elemento gramatical
4.1.1. Em defesa da tese da supletividade
4.1.2. Em defesa da tese da imperatividade
4.2. Da letra da lei para o elemento teleológico
4.3. Elemento sistemático
4.3.1. Inserção sistemática
4.3.2. Contexto da lei: o n.º 2 do art. 1094.º do Cód. Civil
4.3.3. Contexto da lei: a norma necessária para completar o regime
4.3.4. Contexto da lei: o n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil
4.3.5. Contexto da lei: o n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil (continuação)
4.4. Elemento histórico
4.4.1. Processo legislativo
4.4.2. História do instituto
4.5. Argumentos desenvolvidos
5. Conclusão: supletividade do regime previsto no art. 1096.º, n.º 1 do Cód. Civil
6. Análise da posição defendida pela apelante
6.1. Duração das renovações do contrato
6.2. Tempestividade da oposição à renovação
6.3. Renovação do contrato pelo silêncio do senhorio
6.3.1. Fundamento da renovação de facto, em geral
6.3.2. Renovação de facto do contrato de arrendamento
7. Responsabilidade pelas custas

1. Prazo da renovação do contrato de arrendamento para habitação

A autora, na qualidade de senhoria, e a ré, na qualidade de inquilina, celebraram um contrato de arrendamento urbano, destinado à habitação da segunda, com início no dia 15 de agosto de 2013. O prazo inicial acordado foi de cinco anos, prorrogável sucessivamente por períodos de um ano.
O termo do prazo inicial ocorreu no dia 15 de agosto de 2018, sem que tenha sido eficazmente manifestada uma oposição à renovação. É, pois, incontestável que o arrendamento se renovou, uma primeira vez, pelo período de um ano.
No dia 15 de agosto de 2019, o contrato renovou-se pela segunda vez. Aqui começa o dissenso entre as partes, entendendo a autora que esta renovação teve a duração de um ano (até 14 de agosto de 2020, inclusive), tal como as renovações subsequentes; a ré sustenta que a renovação teve a duração de três anos (até 14 de agosto de 2022, inclusive). Vejamos de que lado está a razão.

2. Lei aplicável ao caso dos autos

É jurisprudencial e doutrinalmente controvertida a possibilidade de as partes fixarem livremente a duração do período de renovação do contrato de arrendamento urbano para habitação. Discute-se se as regras previstas no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil têm natureza imperativa ou, diferentemente, supletiva e, por consequência, se o período (dito mínimo) de três anos de cada renovação afasta a convenção das partes que fixe um período inferior.
A redação da lei que nos interessa é a que resulta das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro – por ser a lei em vigor na data em que é comunicada a oposição à renovação em discussão. No entanto, o contrato dos autos foi celebrado antes da entrada em vigor deste diploma. Pode, pois, questionar-se se as normas por este introduzidas lhe são aplicáveis. É por aqui que começaremos.

2.1. Dúvida sobre a aplicação da lei no tempo

Dispõe o art. 12.º do Cód. Civil [os sublinhados (itálicos) dos enunciados legais transcritos neste aresto são nossos]:
Artigo 12.º
(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
1 – A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2 – Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

No caso dos autos, não se discutem factos ocorridos totalmente antes do início de vigência da Lei n.º 13/2019, pelo que nos interessam, em especial, as regras previstas no n.º 2 deste artigo – referentes às “relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”. Logo na primeira parte deste enunciado, destaca-se a locução “em caso de dúvida”. Importa, pois, perceber se há alguma dúvida fundada sobre a aplicação no tempo das alterações ao Cód. Civil introduzidos pelo referido diploma.
O proémio do art. 1.º da Lei n.º 13/2019, oferece-nos um subsídio decisivo na fixação do âmbito da aplicação deste ato normativo:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade (…).

O enunciado legal inculca claramente a ideia de que a lei se dirige à correção de desequilíbrios de situações jurídicas já existentes, e não prevenir o surgimento de relações jurídicas desequilibradas. Parece, pois, que se deve ter por incontroverso que foi intenção do legislador a aplicação da lei nova às ocorrências futuras respeitantes a arrendamentos já existentes na data da sua entrada em vigor. Esta conclusão é reforçada pela norma enunciada no n.º 2 do art. 14.º da Lei n.º 13/2019, a qual prescreve a aplicação imediata da lei nova mesmo num caso em que, por força da primeira parte do n.º 2 do art. 12.º do Cód. Civil, seria de excluir a sua aplicação.
Devemos, no entanto, por um lado, admitir que os concretos enunciados normativos adotados podem, na sua letra, contrariar o propósito anunciado nas disposições iniciais da lei. Por outro lado, na referida lei de alteração do Cód. Civil, não existe um artigo que disponha expressamente sobre a aplicação no tempo da norma que resulta da nova redação dada ao n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil. Justifica-se, pois, analisar o enunciado do qual se extrai a norma convocada para a resolução do caso.

2.2. Regulação do conteúdo, abstraindo do facto que originou a relação

O preceito legal cujo âmbito de aplicação no tempo importa fixar é o n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, na redação que lhe foi dada pelo art. 2.º da Lei n.º 13/2019. É a seguinte a redação deste último artigo, na parte em que altera a redação do primeiro:
Artigo 2.º
Alteração ao Código Civil
Os artigos (…) 1096.º (…) do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, passam a ter a seguinte redação:
(…)
Artigo 1096.º
[...]
1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…).
(…)

À luz destes preceitos e do disposto no n.º 2 do art. 12.º do Cód. Civil, e na falta de outra disposição clarificadora, a aplicação da lei nova à situação jurídica que constitui a relação material controvertida resolve-se nesta questão: a lei nova (i) dispõe diretamente sobre o conteúdo da relação locatícia, (ii) abstraindo da fonte (contratual) que lhe deu origem?
Em geral, “[o] primeiro pressuposto [previsto no n.º 2 do art. 12.º do Cód. Civil] significa que a lei nova pretende dispor sobre os direitos e deveres das partes em certo tipo de relação jurídica. A lei nova não visa modelar o facto jurídico constitutivo mas os direitos e deveres das partes emergentes desse facto jurídico. Por exemplo, a lei nova (…) restringe as causas de despejo do inquilino, modifica o direito de preferência do inquilino urbano, retira ao senhorio o direito de preferência no espaço do estabelecimento comercial (…)” Cfr. António Agostinho Guedes, Cadernos de Direito Privado, 79, julho-setembro 2022, pp. 14 e 15..
No nosso caso, afigura-se-nos claro que a lei nova (introduzida pela Lei n.º 13/2019) vem ocupar o espaço da disciplina da relação contratual duradoura (isto é, vem dispor sobre o conteúdo da relação jurídica), regulando o feixe de direitos e deveres das partes – em concreto, em matéria de duração da relação contratual e de direitos com efeitos mediatos sobre a extinção desta. Mostra-se, pois, satisfeito este primeiro pressuposto.
O requisito inicial é absolutamente indissociável do segundo: abstração da fonte da relação jurídica. Nas palavras de Baptista Machado, “a aplicação ou não aplicação imediata das disposições da LN [lei nova] ao conteúdo e efeitos dos contratos anteriores depende fundamentalmente duma qualificação dessas disposições: referirem-se elas a um estatuto legal ou a um estatuto contratual; ou então, na fórmula do n.º 2 do art. 12.º do nosso Código: depende fundamentalmente do ângulo de incidência dessas disposições sobre as SsJs [situações jurídicas] visadas nas suas hipóteses legais, isto é, depende da resposta à questão de saber se elas abstraem ou não dos factos constitutivos das mesmas SsJs. Podem na verdade tais disposições referir-se a contratos e, todavia, não terem a natureza de regras próprias dum estatuto contratual: basta, por exemplo, que não encarem as partes, ou uma das partes, enquanto contratantes mas enquanto membros duma determinada classe ou enquanto pessoas que se encontram em dada situação (v.g., como operário, e não como contratante, isto é, como simples contraparte num contrato de prestação de serviços)” Cfr. João Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil: Casos de aplicação imediata; Critérios fundamentais, Coimbra, Almedina, 1968, p. 122..
Ora, a Lei n.º 13/2019 não se interessa pelo modo como a situação jurídica nasce – por exemplo, não distingue se a relação locatícia é o resultado de um acordo de vontades ou, diferentemente, de uma decisão judicial (cfr. os arts. 1707.º-A, n.os 7 e 8, e 1793.º do Cód. Civil). Os seus destinatários não são os contratantes – sabendo-se bem que senhorio e inquilino podem não ter celebrado o contrato que os vincula. É a relação locatícia institucionalizada que é objeto da atenção do legislador – o estatuto do senhorio e o estatuto do inquilino –, ainda que esta tenha, tipicamente, uma fonte contratual. Rigorosamente, o legislador não regulou a celebração de um contrato, dispondo, sim, sobre o estatuto dos sujeitos de uma relação jurídica, ainda que já constituída.
Retomando as palavras de Baptista Machado, “a disposição legislativa qualificar-se-á como pertinente a um ‘estatuto legal’, ou – o que é o mesmo – abstrairá dos factos constitutivos da SJ contratual, quando for dirigida à tutela dos interesses duma generalidade de pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação jurídica (p. ex., por uma relação jurídica de trabalho, por uma relação jurídica de arrendamento, etc.) – de modo a poder dizer-se que tal disposição atinge essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo tipo de vínculo contratual (enquanto patrões e operários, enquanto senhorios e inquilinos, etc.)” Cfr. João Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil: Casos de aplicação imediata; Critérios fundamentais, Coimbra, Almedina, 1968, p. 122..
Transpondo esta lição para a questão que nos ocupa, não podemos deixar de concluir que o regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 é de aplicação imediata. É este, de resto, o âmbito de aplicação temporal aceite de modo praticamente Em sentido não concordante, cfr. os Acs. do TRE de 12-07-2023 (786/22.1T8PTM.E1) e 07-03-2024 (780/23.5YLPRT.E1), e do TRC de 08-10-2024 (77/24.3YLPRT.C1), na esteira de Ana Isabel Afonso, «O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo?», comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T(LRS.L1-6, in Cadernos de Direito Privado, 78, abril-junho 2022, p. 70. unânime pela jurisprudência dos tribunais superiores, e que acompanhamos.

É certo que, por força desta ulterior interferência legal na disciplina do contrato, as expectativas das partes podem resultar frustradas, mas tal não significa que a lei não se abstrai do facto que gerou a relação locativa. Pelo contrário, poder-se-á dizer que essa frustração revela, sim, a sua indiferença pela fonte da relação jurídica. Não vale, pois, aqui dizer que, se a parte soubesse, teria acordado coisa diferente ou que nem sequer teria contratado. Sendo correta esta observação, em nada afasta a conclusão de que a lei abstrai dos factos que deram origem à situação jurídica.
Também não temos por concludente o argumento de acordo com o qual a lei aqui “não se reporta ao (…) direito à renovação”, mas sim ao “facto que define e (…) é condição da sua atribuição”: “o período de tempo (…) pelo qual a renovação se estenderá” Cfr. o TRC de 08-10-2024 (77/24.3YLPRT.C1).. Afigura-se-nos que, neste raciocínio, se toma o efeito por causa.
A duração do contrato – ou dos períodos de renovação – não é causa da relação jurídica; esta é, no essencial, a normação contratual que a institui. É do contrato – isto é, do enunciado formalizado que traduz o acordo de vontades – que nasce a normação que rege a sua duração. A lei intervém sobre esta normação, ora respeitando a sua fonte assente na autonomia privada (integrando-a supletivamente), ora dela se abstraindo, impondo às partes uma diferente normação (dispondo diretamente sobre a relação locatícia).
Em suma, no caso que nos ocupa, e contrariamente ao sustentado no argumento agora enfrentado, a lei, efetivamente, intervém sobre a disciplina da relação jurídica (o “direito à renovação”), isto é, sobre o seu conteúdo, abstraindo da sua fonte (sendo que esta não é “o período de tempo” da renovação, mas sim, tipicamente, o contrato).

Na tutela da autonomia privada que justifica o “estatuto contratual”, e no concurso entre a lei antiga e a lei nova, esta cederá quando a regulamentação anterior não lhe repugne. O mesmo é dizer que só se colocará um verdadeiramente relevante problema de aplicação da lei no tempo se a lei nova for proibitiva ou imperativa. Já se dispuser supletivamente sobre o conteúdo já pré-ocupado pela lex privata – quer diretamente acordado, quer por integração da lei antiga –, a aplicação (imediata) da lei nova compreende o respeito pela referida lex privata. “Na verdade, sempre se entendeu, com inteira razão, que as normas da LA cujos preceitos sejam modificados por normas supletivas da LN devem ter-se como incorporadas nos contratos celebrados sob aquela lei, tal como se fossem outras tantas cláusulas contratuais: lex transit in contractum” Cfr. João Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil: Casos de aplicação imediata; Critérios fundamentais, Coimbra, Almedina, 1968, p. 103..
Se se chegar à conclusão de que a lei nova tem natureza imperativa, a sua aplicação imediata às relações locatícias já constituídas, subsistentes na data da sua entrada em vigor, tem um alcance modificativo (para o futuro) da disciplina da relação locatícia. A “LN (proibitiva ou imperativa) que incida sobre um determinado efeito contratual tomado em si mesmo (sem se reportar à formação do contrato) obsta in futurum a produção do efeito em causa” Cfr. João Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil: Casos de aplicação imediata; Critérios fundamentais, Coimbra, Almedina, 1968, pp. 343 e 344..
Em conclusão, repisa-se, o regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 é de aplicação imediata. Resta apurar se a sua natureza é supletiva, sendo respeitada (mantida) a disciplina do contrato vigente, ou, diferentemente, imperativa, sendo esta alterada (para o futuro).

3. Alcance da duração legal da renovação do contrato

A possibilidade de um contrato com prazo certo estar sujeito a renovações traz consigo algumas questões: em especial, “como” e “por que prazo”. Sendo o contrato de arrendamento, tipicamente, um contrato de duração temporária (arts. 1022.º e 1023.º do Cód. Civil), e estando legalmente prevista a sua renovação, estas perguntas terão de merecer uma resposta, seja assente na vontade partes, seja proporcionada ou imposta pela lei.
A resposta legal é-nos oferecida pelo art. 1054.º do Cód. Civil:
Artigo 1054.º
Renovação do contrato
1 – Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.
2 – O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.

A primeira questão acima destacada é, assim, resolvida estabelecendo-se que o contrato se renova sucessiva e automaticamente, salvo oposição de uma das partes. Já o problema do prazo da renovação é resolvido estabelecendo-se que é ele decalcado do prazo inicial do contrato, sendo, no entanto, de um ano, se aquele for mais longo.

3.1. Elemento literal

O regime geral da renovação do contrato de arrendamento descrito é aplicável ao arrendamento urbano para habitação (art. 1079.º do Cód. Civil), sem prejuízo, claro está, da existência de norma especial que o afaste. Neste âmbito, as duas mais impressivas alterações ao regime geral previstas para o arrendamento urbano para habitação são a possibilidade de inexistência de um prazo certo para a duração do contrato (art. 1094.º do Cód. Civil) e a possibilidade de convenção da não renovação do arrendamento nos contratos com prazo certo (art. 1096.º, n.º 1, ressalva inicial, do Cód. Civil). Estas especialidades não afastam, no entanto, por si só, o regime acima descrito na sua totalidade: na falta de (outra) norma especial, também o contrato (renovável) de arrendamento para habitação se renova, automática e sucessivamente, por períodos até um ano (inclusive), se nenhuma das partes se opuser à renovação.
A (outra) norma especial que, no regime do arrendamento urbano para habitação, se contrapõe ao regime geral previsto no art. 1054.º do Cód. Civil é aquela que também se encontra enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, já acima mencionada. Tem este artigo o seguinte teor (na parte que agora importa):
Artigo 1096.º
Renovação automática
1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – (…).
3 – Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Do confronto entre estes enunciados e os constantes do art. 1054.º do Cód. Civil, extrai-se que, não tendo sido contratualmente afastada a possibilidade de renovação, o contrato de arrendamento urbano para habitação renova-se “automaticamente no seu termo”. Fica, assim, respondida a pergunta “como?”.
À pergunta “por que prazo?”, a norma especial responde: “por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”. Este segmento do enunciado merece uma análise mais demorada, por poder encerrar a norma que dita a sorte desta ação.

Começamos por notar que o valor semântico da conjunção disjuntiva “ou” é aqui inequívoco. Tem esta um valor exclusivo, separando dois termos de uma solução dicotómica, que se contrapõem. Os casos contemplados na lei são: a duração igual (ao prazo do contrato) e; a duração de três anos.
Centrando-nos na previsão do segundo caso, nela notamos a presença do pronome demonstrativo “esta”. Como é sabido, é este um determinante designativo (substitutivo) de um nome (antecedente) mais próximo, evitando a repetição. Aceitando-se esta premissa, suprimindo-se parcialmente a elipse e substituindo-se o pronome demonstrativo “esta” pelo seu equivalente menos elegante, o segundo caso previsto no enunciado legal pode ser lido do seguinte modo: “…o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou por períodos sucessivos de três anos[,] se [esta] a duração de três anos for inferior…”. A utilização deste determinante e desta conjunção tem como exemplo didático, por ser mais sincopado, o enunciado do n.º 2 do art. 1300.º do Cód. Civil: “(…) pode o interessado adquirir direitos sobre ela passados quatro anos desde a constituição da sua posse, se esta for titulada, ou sete, na falta de título”.

O resultado desta exegese do texto legal é o oposto do ponto de que, em geral, partem os autores e os tribunais na interpretação do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil. O ponto de partida pacificamente aceite é este: o contrato renova-se por períodos sucessivos de três anos ou por períodos sucessivos de duração igual à sua duração inicial, se esta for superior (àquela duração de três anos). Ou seja, o período menos longo previsto na lei para cada renovação é de três anos.
De acordo com a leitura que fizemos do enunciado legal, o contrato renova-se por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta (duração de três anos) for inferior (àquela duração inicial do contrato). Ou seja, no silêncio das partes, a maior duração de cada renovação é de três anos.
Pacificamente se tem entendido que o pronome demonstrativo “esta” se refere ao caso oposto, isto é, ao que se encontra do outro lado da conjunção disjuntiva “ou”: à duração igual (à do contrato). Reveladora das dificuldades experimentadas pelos intérpretes – ou do equívoco sobre o qual podem ter laborado – é a circunstância de alguns autores reproduzirem o enunciado legal colocando uma vírgula antes da conjunção, o que reforça a ideia de que o pronome acompanha a duração de três anos – “igual duração, ou de três anos se esta for inferior” Cfr. Maria João Vasconcelos, em anotação ao art. 1096.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 531, e Luís Menezes Leitão – Arrendamento Urbano, 11.ª edição, 2022, Coimbra, Almedina, p. 179.. Outros, em sentido oposto, tendem a reescrever a lei, substituindo o pronome esta pelos determinantes essa ou aquela Cfr. Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2022 (4 edição), p. 655., legendando o pronome Cfr. Ana Isabel Afonso, «O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo?», comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T(LRS.L1-6, in Cadernos de Direito Privado, 78, abril-junho 2022, p. 66, primeira coluna. ou, simplesmente, suprimindo-o Cfr. António Barroso Rodrigues, «O arrendamento urbano habitacional e não habitacional: o prazo e a sua renovação», Revista de Direito Comercial, 04-09-2023, p. 1206..
No entanto, a duração que antecede o pronome demonstrativo é a de três anos. É à duração de três anos que “esta” se refere, de acordo com a leitura agora apresentada. O mesmo é dizer que três anos é a mais longa duração de cada renovação prevista na lei, no silêncio das partes, e não o seu limite mínimo – na verdade, não é, sequer, um limite, nem mesmo máximo, como veremos.

3.2. Elemento teleológico

Afigura-se-nos que não tem sido dada a devida atenção à circunstância de, atualmente, a maior duração da renovação do contrato poder ser prejudicial para o arrendatário. De acordo com redação do n.º 2 do art. 1098.º do Cód. Civil introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, a denúncia pelo arrendatário era livre (desde que satisfeita a antecedência de 120 dias):
Artigo 1098.º
Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário
1 – (…).
2 – Após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias (…).
3 – (…).

O pressuposto temporal – “após seis meses de duração efetiva do contrato” – não tinha relevância prática significativa, pelo menos no que respeita à denúncia no decurso do período de renovação – já que a duração inicial do contrato não era inferior a cinco anos (art. 1095.º, n.º 1, do Cód. Civil, na sua redação à data), o que significa que, no início da primeira renovação, há muito aquele pressupostos temporal se encontrava satisfeito. Neste contexto legal, o legislador bem podia estabelecer que o prazo de renovação é de 30 anos, que daqui nenhum mal viria para o inquilino.
Com a alteração dada ao n.º 3 do art. 1098.º do Cód. Civil pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, a denúncia pelo arrendatário (sem as penalizações previstas no n.º 6 do mesmo artigo) passou a ser livre apenas depois de “decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”:
Artigo 1098.º
Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário
1 – (…).
2 – (…).
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte: (…).
4 – (…).
5 – (…).
6 – (…).

Isto significa que, no exemplo caricatural dado, se o legislador impuser um período de renovação mínimo de 30 anos, o arrendatário que, pouco tempo depois da renovação, queira denunciar o contrato, terá de pagar ao senhorio uma pena de perto de uma década de rendas (n.º 6 do art. 1098.º do Cód. Civil). Claro que, no equilíbrio do regime resultante da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, este problema não se colocava com tal amplitude, dado ser incontroverso não existir qualquer duração mínima imperativa para as renovações contratuais (art. 1096.º, n.º 1, do Cód. Civil, na redação então vigente).
Ora, se se entender que a Lei n.º 13/2019 veio introduzir um prazo mínimo e imperativo de duração das renovações – e considerando que a limitação temporal à denúncia pelo arrendatário se manteve intocada desde 2012 (não sendo admitida antes de decorrido o primeiro terço da renovação: art. 1098.º, n.º 3, do Cód. Civil) –, tal significa que o inquilino ficará obrigado a manter o contrato no primeiro ano subsequente a uma renovação trienal (salvo se satisfizer a penalização prevista na lei), ainda que, por exemplo, tenha celebrado um contrato por um ano, renovável por igual período.
Neste caso, se o inquilino denunciar o contrato logo após ocorrer a renovação, terá de suportar o valor das rendas até ao fim do primeiro ano da renovação em curso. Se o objetivo da Lei n.º 13/2019 era eliminar desequilíbrios, favorecendo o arrendatário, o mínimo que se poderá dizer é que o legislador falhou o alvo: criou um desequilíbrio que prejudica o inquilino (e que nem este nem o senhorio desejam).

O resultado a que a leitura acima proposta – tome-se como hipótese de trabalho, se se quiser – conduz é racionalmente justificável. Mais, é totalmente conciliável com o propósito anunciado no n.º 1 da Lei n.º 13/2019.
Na origem da Lei n.º 13/2019 – que deu ao n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil a sua atual redação – esteve a Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª), a qual visava, designadamente, estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio na posição dos arrendatários e dos senhorios”. Afirmava-se na sua exposição de motivos que “é fundamental equilibrar o setor da habitação em termos de regimes de ocupação, fortalecendo e promovendo o arrendamento habitacional permanente”, sendo, consequentemente, “necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva”.
Até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, os regimes previstos nos arts. 1095.º e 1096.º do Cód. Civil podiam conduzir a duas situações de desequilíbrio, de sinal oposto. Por um lado, a inexistência de uma duração mínima para o arrendamento comprometia a estabilidade de vida do arrendatário habitacional (nos mercados onde a procura excede muito a oferta). Por outro lado, o regime de renovação dos contratos, podendo levar a renovações de décadas – iguais à duração do período inicial –, era um (contraproducente) poderoso incentivo à estipulação da inadmissibilidade da renovação do contrato e um não menos poderoso desincentivo à celebração de contratos de longa duração. (Para além de, como vimos, este regime também se poder revelar iníquo em prejuízo do inquilino, por limitar por tempo excessivo o seu direito de denúncia – cfr. o art. 1098.º, n.º 3, do Cód. Civil).
Aceitando-se a leitura da lei acima apresentada, estes dois problemas foram enfrentados com dois remédios distintos. A estabilidade inicial do arrendamento foi procurada através da fixação do limite mínimo de um ano para a duração do arrendamento (art. 1095.º, n.º 2, do Cód. Civil) e, supõe-se, da consagração do regime hoje previsto no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil. O incentivo à celebração de contratos de longa duração renováveis foi procurado com o novo regime previsto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil – considerando a interpretação acima apresentada. As intervenções legislativas são, pois, racionais e dotam o regime legal de maior coerência e equilíbrio.

3.3. Elemento histórico

Contra a conclusão de que não estamos perante a previsão de um limite e mínimo, poder-se-ia invocar um argumento decorrente do elemento histórico.
O prazo de três anos reportado à renovação automática do contrato já esteve previsto na lei, no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006: “(…) o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos (…)”. Esta norma foi substituída pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, deixando de constar no enunciado legal “por períodos mínimos sucessivos de três anos”: “(…) o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração (…)”.
Anos mais tarde, afirmava-se na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª) – que deu início ao processo legislativo que culminou na aprovação da Lei n.º 13/2019 – que “é essencial promover um conjunto de alterações (…) visando corrigir situações de desequilíbrio (…) resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto” – itálico nosso. Podemos, pois, admitir que do texto desta exposição de motivos resulta o propósito e o alcance da iniciativa legislativa de 2019: reestabelecer, na medida do possível, o regime primitivo do NRAU, isto é, recuperar as soluções legais adotadas em 2006. Ora, se assim é, então parece que temos de concluir que foi intenção do legislador de 2019 reestabelecer a renovação automática “por períodos mínimos (…) de três anos”.
No entanto, se foi exatamente esta a sua intenção, temos de nos perguntar por que razão deixou cair (ou manteve de fora) o adjetivo “mínimos”. A resposta lógica é a de que não pretendeu fixar novamente um limite mínimo. Ou seja, a objeção fundada no elemento histórico facilmente se converte num argumento de sentido oposto.

3.4. Outros fatores hermenêuticos

Podemos aqui invocar outros argumentos históricos e sistemáticos, mas temos de reconhecer que todos eles são invertíveis, não nos levando muito longe. Por exemplo, (e independentemente do teor da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª)) podemos dizer que o texto do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, na sua redação introduzida pelo NRAU – o contrato renova-se “por períodos mínimos sucessivos de três anos” –, sugere que (historicamente) o legislador trata neste artigo apenas do estabelecimento de um limite mínimo para a duração da renovação. Mas também podemos dizer, repisa-se, que, quando é isto que pretende, di-lo claramente.
Do mesmo modo, a norma enunciada no n.º 1 do art. 26.º do NRAU (redação original), estabelecendo um regime transitório, consente duas leituras (como não podia deixar de ser): ora esclarecendo o sentido idêntico da norma congénere do Cód. Civil, ora, num argumento a contrario, revelando o seu sentido oposto. Dispunha o texto legal: “Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto (…)”.
Também o n.º 3 do art. 9.º do Novo Regime do Arrendamento Rural é inequívoco: “Os arrendamentos agrícolas são renováveis automaticamente por sucessivos períodos de, pelo menos, sete anos, enquanto o mesmo não seja denunciado nos termos do presente decreto-lei”.
Perante estes enunciados, temos de reconhecer que a segunda presunção prevista no n.º 3 do art. 9.º do Cód. Civil não favorece a interpretação do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil de acordo com a qual o legislador fixou em três anos o limite mínimo das renovações. Quando é isto que pretende, sabe dizê-lo.

3.5. Resultado da interpretação

Tal como na “ilusão do pato-coelho” de Joseph Jastrow, a predisposição do intérprete condiciona o resultado da interpretação. Este sabe que o legislador afirma pretender corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, e logo presume que a lei se dirige a casos que, supostamente, desfavorecem os primeiros – apesar de saber que os desequilíbrios também podem prejudicar senhorio, também sendo estas iniquidades combatidas pela lei – cfr., por exemplo, o art. 1097.º, n.º 4, do Cód. Civil.
Sabe que o legislador, um ano e meio antes, havia aumentado o prazo supletivo de duração do contrato (de dois para cinco anos) – cfr. o art. 5.º da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho –, e logo conclui que a intervenção de 2019 se destinou a agravar a posição do senhorio, e não a corrigir a (esquecida) repercussão que esta alteração teve sobre o prazo supletivo de renovação. Recorde-se que, se, em 2012 (Lei n.º 31/2012), no silêncio das partes, o contrato deixou de ter “duração indeterminada”, para passar a ser por “prazo certo, pelo período de dois anos”, com a subida deste prazo certo supletivo para “cinco anos” (Lei n.º 43/2017), o prazo de renovação “de igual duração” (art. 1096.º, n.º 1 do Cód. Civil) passou de dois para cinco anos – e a vinculação do inquilino (art. 1098.º, n.º 3, do Cód. Civil) de 8 meses para 20 meses.
Neste círculo vicioso interpretativo, o enviesamento originário impede mesmo o intérprete de admitir que o favorecimento dos inquilinos é conseguido através do incentivo à adoção das soluções supletivas predispostas pelo legislador – o incentivo ao silêncio contratual. E se estas soluções conduzem a resultados inaceitáveis para uma das partes – como poderá ser a existência de prazos (não convencionados) de renovação de cinco anos –, o modo de se reforçar a sua adoção é prevenir tais resultados. Ao estabelecer o prazo (mais longo) de três anos para a renovação, no silêncio das partes, o legislador transmite uma mensagem clara ao senhorio: pode não fixar o prazo do contrato (valendo o prazo de cinco anos), pois a renovação será equilibrada (pelo período de três anos). Se, na aparência, está a tutelar da posição do senhorio, na essência está a promoção da adoção de relações locatícias que protegem o inquilinato.
Com esta inversão de perspetiva, não se nega nenhum movimento legiferante de promoção da estabilidade da relação locatícia, a partir do ano 2014; apenas se aceita que esta é conseguida incentivando a adoção das soluções supletivas oferecidas pela lei, e não tornando-as inaceitáveis para um dos contraentes.

A interpretação proposta empresta à norma analisada, quanto a este ponto, a qualificação de especial, e não de excecional. Relaciona-se ela harmoniosamente com o regime geral previsto no n.º 2 do art. 1054.º do Cód. Civil. A especialidade (ser o prazo de renovação mais longo) é justificada com a desejada estabilidade da relação locatícia, perseguida pelo legislador – mas não sacrificando a autonomia privada nem adotando soluções contraproducentes.
Surpreende-se aqui uma comum normação mediante a adoção de soluções supletivas que, no entender do legislador, correspondem ao modelo que este tem por mais útil ao sucesso da sua política (de habitação, no caso) – é o muito estudado pela Economia Comportamental default effect. Esta técnica pode ser encontrada, por exemplo, na norma enunciada no n.º 3 do art. 1094.º do Cód. Civil – no silêncio das partes, “o contrato considera-se celebrado por prazo certo”, e não por tempo indeterminado. Este preceito revela, de resto, que o legislador não procura a celebração de contratos de arrendamento para habitação por tempo indeterminado nem por períodos absurdamente longos, o que é totalmente conciliável com a conclusão de que a duração de três anos referida no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil é o período mais elevado de renovação, no silêncio das partes, e não um limite (mínimo)
Assim se chega àquele que será o contrato paradigmático ou ideal na satisfação dos interesses visados pelo legislador, seja de política de habitação, seja de mobilidade no mercado de trabalho, designadamente: um contrato de arrendamento com um prazo inicial de cinco anos, prorrogável por períodos de três anos. Não são desejados pelo legislador, nem contratos com a duração inicial de um ano, insolitamente renováveis por três anos, nem contratos com a duração de 30 anos, renováveis por outros 30 anos – tudo sem prejuízo da solução prevista no art. 1097.º, n.º 3, do Cód. Civil (que, onerando apenas o senhorio, procura, supõe-se, promover o equilíbrio entre a estabilidade do arrendamento e a mobilidade do trabalhador, gerido ou interpretado pelo inquilino).

Esta é, no mínimo, uma solução interpretativa ‘ultraminorirária’. Entendemos, no entanto, que a sua principal premissa é sólida: o enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil não fixa prazos (ou períodos) mínimos (nem máximos) de duração da relação contratual – isto é, não fixa limites ou balizas para a convenção das partes.
Na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, o legislador considera dois cenários, destes resultando outros tantos períodos de duração da renovação. No primeiro cenário, o contrato renova-se por períodos “de igual duração” (à inicial); no segundo, por períodos com a duração “de três anos”. Isto significa que a duração “de três anos” é o segundo termo de uma solução dicotómica (sendo a hipótese “se esta for inferior” o pressuposto da sua efetivação), contrapondo-se ao outro período previsto na lei (“de igual duração”). Nenhuma relação é estabelecida com o período de renovação fixado pelos contraentes. Não é dito, por exemplo, “ou de três anos, se o prazo inicial e o prazo acordado forem inferiores/superiores”. (Mais adiante voltaremos a esta questão – cfr. o ponto 4.3.3).
Em suma, não é necessário que se adote a referida interpretação ‘ultraminoritária’ para se poder concluir (apenas) que três anos é a duração legalmente prevista para as renovações contratuais – verificando-se a hipótese “se esta for inferior” –, e não um prazo consentido – isto é, não é um limite mínimo (nem máximo). Podemos prosseguir sem que seja necessário aceitar que tal duração é a mais longa ou, pelo contrário, a mais breve prevista na lei, mas apenas que é uma de duas durações da solução dicotómica nela prevista.
Serve esta conclusão, no essencial, para pavimentar o caminho sobre o qual caminharemos no apuramento da natureza da norma que se extrai deste enunciado – sem que, repisa-se, tenha de se aceitar que três anos é o prazo mais longo previsto na lei, e não o mais curto. Será usada para questionar a principal premissa na qual assenta a defesa da imperatividade da previsão de um limite mínimo (!) de três anos para a duração das renovações contratuais.

4. Natureza da norma: o alcance da ressalva inicial

A natureza da norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil tem sido alvo, nos últimos anos, de um aceso debate doutrinal e jurisprudencial, pautado por intervenções e decisões assertivas e irredutíveis. De um lado – a corrente maioritariamente sufragada –, temos aqueles que entendem que o prazo de três anos previsto neste preceito constitui o período mínimo de cada renovação, imperativamente imposto pela lei. Apelidaremos esta posição de tese da imperatividade.
Contra este entendimento, e por outro lado, surgiram vozes autorizadas que defendem que tal prazo de três anos tem natureza supletiva, podendo as partes acordar que as renovações contratuais terão uma duração inferior. Apelidaremos esta posição de tese da supletividade.
À face da ressalva inicial do enunciado legal – “salvo estipulação em contrário” –, não existe relevante controvérsia, nem jurisprudencial, nem dogmática, sobre a faculdade das partes de afastarem expressamente a renovabilidade do contrato. Existe também um largo consenso sobre a interpretação deste texto, quando os contraentes nada estipulam sobre a renovação do contrato. Entende-se que, neste caso, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo, por períodos sucessivos de três anos ou por períodos sucessivos de duração igual à sua duração inicial, se esta for superior (àquela duração de três anos).
Já quando as partes acordam que o contrato se renovará periodicamente por determinados períodos, é vincada a diferença de posições sobre a natureza, imperativa ou não, da solução prevista na lei. Para a boa decisão da causa, temos de tomar parte nesta discussão.

Como vimos, a segunda asserção (comum às duas teses) não vai sem discussão – isto é, ser a duração de três anos o prazo mínimo da renovação legalmente previsto. De acordo com a interpretação acima adotada, o contrato renova-se por períodos sucessivos de duração igual ao seu prazo inicial ou, se esta duração inicial for superior, por períodos com a duração de três anos. Esta leitura retira praticamente toda a relevância prática à discussão em torno da natureza imperativa (ou não) da norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil. No entanto, porque admitimos que esta interpretação não será facilmente aceite, podemos tentar fixar a referida natureza trabalhando no pressuposto de que três anos é a menor duração prevista na lei para os períodos de renovação contratual.
Desde já advertimos que não nos ocuparemos da cor política dos Governos nem das maiorias parlamentares presentes na occasio legis. Para outros deixamos as dissertações em torno de supostas opções políticas maniqueístas ortodoxas, convertendo a produção normativa (no arrendamento urbano para habitação) num “jogo de soma zero”, no qual o benefício de uma parte é sempre conseguido à custa de igual prejuízo sofrido pela contraparte. Privilegiaremos, assumidamente, as soluções interpretativas que resultam num benefício para as duas partes no contrato (art. 9.º, n.º 3, do Cód. Civil).

4.1. Elemento gramatical

A interpretação de um enunciado visa revelar o seu sentido. Esta atividade não pode deixar de assentar no valor semântico comum e (atendendo ao contexto) técnico dos seus termos. Assim é pacificamente entendido.
Sendo o objeto desta atividade um enunciado legal, a interpretação visa o apuramento do “pensamento legislativo”, partindo e tendo como limite o texto da lei. Entre os diferentes subsídios interpretativos a ter em consideração na fixação do sentido e alcance da lei, contam-se a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não sendo o resultado da exegese unívoco, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. É o que estabelece o art. 9.º do Cód. Civil.
Na interpretação da norma que dispõe sobre a renovação automática do contrato de arrendamento urbano para habitação, devemos, pois, começar por analisar a sua letra.

4.1.1. Em defesa da tese da supletividade

O texto do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil é de uma clareza desconcertante, no que à supletividade do regime estabelecido diz respeito: vale o que aqui se estatui, salvo se as partes acordarem coisa diferente. “Salvo” funciona neste enunciado legal como preposição (assim comummente considerada) que introduz um constituinte que descreve uma hipótese de facto – “estipulação em contrário” – excluída do constituinte que se segue – “o contrato celebrado com prazo certo renova‑se…”. Todo este constituinte, unido pela conjunção copulativa “e”, é condicionado pela ressalva inicial Cfr. a declaração de voto de vencida lavrada no Ac. do TRP de 20-02-2025 (692/23.2T8ETR.P1)..
Na interpretação da lei, basta-nos a clareza do enunciado legal e a racionalidade da solução que dele imediatamente se extrai. Todavia, vincando que o brocardo in claris non fit interpretatio está hoje ultrapassado, onde no enunciado legal se diz, por outras palavras, “este regime não prejudica o acordo das partes”, uma forte corrente jurisprudencial Cfr. os Acs. do STJ de 13-03-2025 (1395/24.6YLPRT.L1.S1), de 13-02-2025 (907/24.0YLPRT.L1.S1), de 12-12-2024 (138/20.8T8MDL.G1.S1), de 20-09-2023 (3966/21.3T8GDM.P1.S1) e de 17-01-2023 (7135/20.1T8LSB.L1.S1).
Aparentemente em sentido oposto, cfr. o Ac. do STJ de 12-12-2023 (19506/21.1T8PRT-A.P1.S1), sumariado no Boletim Anual de 2023 – Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis, pp. 836 e 837.
Na jurisprudência das Relações, cfr. os Acs. do TRL de 16-05-2024 (1282/23.5YLPRT.L1-8) e 26-09-2024 (907/24.0YLPRT.L1-8), do TRP de 04-05-2023 (1598/22.8YLPRT.P1), 15-06-2023 (944/22.9T8VCD.P1), 12-10-2023 (328/23.1YLPRT.P1), 25-10-2023 (1998/22.3T8PRD.P1), 25-01-2024 (8357/23.9T8PRT.P1), 08-02-2024 (840/23.2YLPRT.P1), 20-05-2024 (1686/23.3YLPRT.P1) [embora como “obiter dictum”, já que o contrato em causa tinha um fim não habitacional], 23-05-2024 (38/23.0T8BAO.P1), 23-05-2024 (1818/23.1YLPRT.P1), 23-09-2024 (63/23.0T8MTS.P1), 11-11-2024 (4235/23.0T8PRT.P1) [embora como “obiter dictum”, já que o contrato em causa tinha um fim não habitacional], 21-11-2024 (5650/24.7T8PRT.P1) e 20-02-2025 (692/23.2T8ETR.P1), do TRE de 10-11-2022 (126/21.7T8ABF.E1), 10-11-2022 (983/22.0YLPRT.E1), 25-01-2023 (3934/21.5T8STB.E1), TRE de 18-12-2023 (607/22.5YLPRT.E1), 23-11-2023 (1182/23.9YLPRT.E1), 23-04-2024 (8576/18.0T8STB.E1), 11-07-2024 (39/24.0YLPRT.E1) e 16-01-2025 (78/24.1T8LAG.E1), e do do TRG de 11-02-2021 (1423/20.4T8GMR.G1), 08-04-2021 (795/20.5T8VNF.G1), 10-07-2023 (1627/21.2YLPRT.G1), 26-10-2023 (1231/23.0YLPRT.G1), 14-03-2024 (1951/23.0YLPRT.G1) e 20-02-2025 (1234/23.5T8VCT.G1).
Em sentido oposto (adotando a tese da supletividade), cfr. os Acs. TRL de 17-03-2022 (8851/21.6T8LRS.L1-6), 24-05-2022 (7855/20.0T8LRS.L1-7), 10-01-2023 (1278/22.4YLPRT.L1-7), 27-04-2023 (1390/22.0YLPRT.L1-6), 22-06-2023 (50/23.9T8SXL.L1-2), 06-07-2023 (2959/22.8T8SXL.L1-2), 21-12-2023 (5933/20.5T8LSB.L1-6), 22-02-2024 (1425/23.9YLPRT.L1-6), 18-04-2024 (2197/23.2YLPRT.L1-6), 07-05-2024 (2363/23.0YLPRT.L1-7), 16-05-2024 (2807/22.9T8CSC.L1-8), 11-07-2024 (10489/23.4T8SNT.L1-7), 10-09-2024 (814/24.6YLPRT.L1-7), 21-01-2025 (205/24.9YLPRT.L1-7), 13-02-2025 (1581/24.9YLPRT.L1-8) e 25-03-2025 (18108/21.7T8LSB.L1-7), do TRP de 23-03-2023 (3966/21.3T8GDM.P1), 12-07-2023 (19506/21.1T8PRT-A,.P1), 14-09-2023 (1394/22.2YLPRT.P1), 09-10-2023 (1467/22.1YLPRT.P1), 16-01-2024 (3223/23.0T8VNG.P1), 09-04-2024 (3179/23.0T8VNG.P1), 21-10-2024 (5746/22.0T8MTS.P1), 21-11-2024 (1064/24.7YLPRT.P1) e 14-01-2025 (6409/23.4T8PRT.P1) [embora como “obiter dictum”, já que o contrato em causa tinha um fim não habitacional], do TRC de 11-03-2025 (318/24.7T8PMG.C1) e 08-10-2024 (77/24.3YLPRT.C1) [embora como “obiter dictum”, já que não se aplicou a lei atual], e do do TRE de 27-06-2024 (7/24.2YLPRT.E1) [o sumário deste aresto induz em erro sobre o seu conteúdo]. e doutrinal Cfr. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado: Dos Contratos em Especial, Vol. III, Coimbra, Almedina, 2024, p. 566, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues, «Denúncia e oposição á renovação do contrato de arrendamento urbano», Revista de Direito Civil, ano 4 (2019), p. 303, Márcia Passos, «A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo», BOA, setembro de 2019, p. 21, Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», Julgar Online, março de 2019, pp. 11 e 12, Ana Isabel Afonso, «Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano», in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pp. 26 e 27, e «O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo?», comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T(LRS.L1-6, in Cadernos de Direito Privado, 78, abril-junho 2022, p. 53 e ses., Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 11.ª edição, 2022, Coimbra, Almedina, p. 179, Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo, Novo Regime do Arrendamento Urbano: Comentários e Breves Notas, Vida Económica, 2019, pág. 183, e José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 3.ª Ed., Quid Iuris, 2019, p. 390.
Em sentido oposto, cfr. Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2022 (4 edição), p. 656 (adotando, no entanto, uma posição sui generis), Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», Revista Eletrónica de Direito, ano 2020, n.º 1, pp. 82 e 83, André Mena Hüsgen, «As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano», in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pp. 86 e 87, Maria João Vasconcelos, anotação ao art. 1096.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 531, Edgar Alexandre Martins Valente, Arrendamento Urbano: Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Almedina, 2019, p. 31, Isabel Rocha e Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano: Notas Práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, p. 286, António Barroso Rodrigues, «O arrendamento urbano habitacional e não habitacional: o prazo e a sua renovação», Revista de Direito Comercial, 04-09-2023, pp. 1193 e segs., e Francisco Silva Carvalho, “O termo dos contratos não habitacionais”, Out of the Box, 27 de janeiro de 2020. lê “este regime não é prejudicado pelo acordo das partes” – exceto quanto ao acordo expresso sobre a não renovabilidade, pois este prevalece sempre (para a maioria dos autores). De acordo com esta corrente, o enxerto do segmento “ou de três anos se esta for inferior”, operado pela Lei n.º 13/2019 no enunciado preexistente, altera mesmo a natureza de uma parte da norma que se manteve intocada – havendo dúvidas, por exemplo, se, num contrato com o prazo de dez anos, as partes podem convencionar o prazo de renovação de quatro anos ou, ainda, se podem acordar que o contrato se renovará apenas por uma vez.
Não é evidente a razão de ser desta leitura parcialmente ab-rogatória da ressalva inicial. O diploma que, em 2019, introduziu a alteração que resultou no atual enunciado legal é uma lei parlamentar, pelo que não contém exposição de motivos que imponha tal leitura. Os elementos do processo legislativo também não a sustentam – não se desconhecendo que o enunciado atual resulta de uma proposta de alteração à Proposta de Lei n.º 129/XIII apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, datada de 18 de setembro de 2018.
Dir-se-ia que estamos perante o que parece ser uma tentativa de encontrar uma solução para um problema interpretativo que não existe.

4.1.2. Em defesa da tese da imperatividade

Contra a clareza da letra da lei, é dito que, a considerar-se que o prazo é supletivo, não existe utilidade na previsão de um mínimo de três anos de renovação automática. Para nós, o efeito útil de uma disposição supletiva – ainda que se entenda que três anos é a menor duração prevista na lei, contra o que entendemos – é claro.
A relativa estabilidade do arrendamento para habitação é um valor estimado pelo legislador, mas não com sacrifício (contraproducente) da autonomia privada. É este um exemplo, tal como já referimos acima, de normação mediante a adoção da solução supletiva que, no entender do legislador, corresponde ao modelo que este tem por mais útil ao sucesso da sua política e, ou, que corresponde à sua “conceção de justiça da comunidade jurídica” Cfr. João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1989, p. 98. – o mencionado default effect (cfr. acima o ponto 3.5). “Isto não basta para que a valoração da lei se superiorize à valoração contrária das partes; mas leva a que, nada tendo as partes declarado, a valoração legal retome a primazia” Cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito, Coimbra, Almedina, 2010, 13.ª ed., p. 527..

Uma perspicaz crítica à tese da supletividade assenta na admissão de que “não se vislumbra como uma norma poderá ser supletiva e ao mesmo tempo impor um prazo mínimo” Cfr. o Ac. do TRP de 25-10-2023 (1998/22.3T8PRD.P1). – sublinhado nosso. Pensamos que podemos desenvolver e enriquecer um pouco este argumento, sem trair o pensamento do tribunal que o desenvolveu.
Uma norma puramente supletiva não fixa prazos (ou períodos) mínimos (nem máximos) de duração da relação contratual – isto é, não fixa limites ou balizas para a convenção das partes. É que a previsão legal de um prazo mínimo admite a hipótese de uma estipulação das partes de diferente prazo (mais elevado), com a qual se concilia. No entanto, se a norma supletiva apenas intervém quando as partes nada estipulam sobre a duração do contrato, o adjetivo “mínimo” está a mais no texto legal. Aliás, é por esta razão que não consta ele, por exemplo, no n.º 3 do art. 1094.º do Cód. Civil – “No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos”. Sendo esta uma norma puramente supletiva, não faria sentido estabelecer-se: “No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período (limite) mínimo de cinco anos”.
O argumento é impressivo, mas não procede.
O silogismo apresentado é circular, tomando por premissa aquilo que se pretende demonstrar: que a concreta norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil impõe um prazo (limite); que este prazo é mínimo. Na verdade, o enunciado legal não compreende o termo “limite” nem o termo “mínimo” (nem termos com valor semântico idêntico), pelo que afirmar que a norma impõe um prazo mínimo (pelo que não pode ser supletiva) é formular uma proposição que resolve o problema da sua própria validade afirmando-a. Este paradoxo resulta da ofensa da “regra do sentido semântico” enunciada por Józef Maria Bocheński, de acordo com a qual toda a proposição que se refere a si mesma carece de sentido, já que pertence simultaneamente a dois graus semânticos Cfr. Los Metodos Actuales del Pensamiento, Madrid, Ediciones RIALP, 16.ª ed., 1988, p. 107.. Temos de encontrar fora da tese a sua validação.

4.2. Da letra da lei para o elemento teleológico

Ainda contra a clareza do enunciado legal, é invocado o objetivo anunciado no art. 1.º da Lei n.º 13/2019: “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. Afirma-se que o arrendatário beneficia invariavelmente com a imposição de prazos alargados de duração da relação locatícia. Conclui-se, assim, que a norma que prevê o prazo, dito mínimo, de duração da renovação de três anos é imperativa.
Antes de avançarmos, sublinhamos que dizer que “[t]odas as normas que se ocupam dos períodos de duração do contrato e/ou das suas renovações, do direito de oposição à renovação, dos prazos para o exercício desse direito e dos prazos em que o contrato se extingue são normas que visam proteger a posição do inquilino e a estabilidade do arrendamento, conforme pretendia a Lei nº 13/2019” Cfr. o 15-06-2023 (944/22.9T8VCD.P1). – sublinhado nosso – é formular uma generalização (logo, uma falácia). Parece-nos ser claro que o estabelecimento de antecedências mínimas para a oposição à renovação por parte do arrendatário ou a inadmissibilidade de denúncia (sem penalizações) no primeiro terço de duração do contrato com prazo tutelam, sim, a posição do senhorio (art. 1098.º do Cód. Civil). Não pode, pois, este putativo argumento ser usado na interpretação do texto do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil.
A referida objeção assenta num pressuposto não demonstrado: a imperatividade beneficia o inquilino; a supletividade prejudica-o – e é esta a visão maniqueísta que o legislador tem do problema. No entanto, estas asserções não são exatas.
Tomemos como exemplo um contrato com o prazo de um ano, renovável por igual período, por vontade declarada das partes. Nas suas formulações mais comuns, quer os defensores da tese da imperatividade, quer os defensores da tese da supletividade, aceitam que, na falta de oposição do arrendatário, o contrato se renova no fim do primeiro ano – ainda que o senhorio declare opor-se à renovação, por ser a sua declaração desprovida de efeitos imediatos (art. 1097.º, n.º 3, do Cód. Civil). Para os primeiros, no entanto, a renovação ocorre pelo período de três anos.
Este resultado (renovação por três anos) é prejudicial para ambas as partes. O inquilino perde o direito de se opor à renovação para o fim do segundo ano do contrato – dado que a segunda renovação só ocorrerá no fim do quarto ano –, tendo de aguardar mais um ano (o terço inicial da renovação) antes de poder denunciar o contrato sem penalizações (n.º 3 do art. 1098.º do Cód. Civil) e, para quem entenda que o senhorio não tem o direito de se opor à renovação durante o primeiro triénio Cfr. António Barroso Rodrigues, «O arrendamento urbano habitacional e não habitacional: o prazo e a sua renovação», Revista de Direito Comercial, 04-09-2023, p. 1206. – e não apenas que o principal efeito do exercício do direito de oposição à primeira renovação é diferido –, não poderá invocar a prerrogativa prevista no n.º 4 do art. 1098.º do Cód. Civil.
A incoerência é ostensiva: nas datas acordadas, o inquilino pode opor-se à primeira renovação anual, mas não à segunda; respeita-se a autonomia privada inicialmente, mas não subsequentemente. Mas mais do que uma inconsistência, há aqui uma efetiva colisão valorativa com a norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil, da qual parece resultar que o inquilino não fica privado de nenhum dos seus direitos no primeiro triénio de duração do contrato.
Este exemplo serve para revelar um efeito que o transcende. Da adoção da tese da imperatividade resulta que o inquilino, contra a sua vontade contratual, não pode pôr fim ao contrato antes de decorrido o primeiro ano da cada renovação trienal, por força do disposto no n.º 3 do art. 1098.º do Cód. Civil.
Já se se aceitar que as partes podem estipular eficazmente um prazo de renovação de um ano, por exemplo, o inquilino só ficará obrigado à manutenção do arrendamento (sem penalizações) nos primeiros quatro meses de cada renovação – no respeito pela sua vontade contratual.
Em suma, a tese da imperatividade, ao restringir o seu direito de oposição à renovação, prejudica o inquilino. Impõe-se, pois, fazer aqui a correção de uma afirmação anteriormente proferida: não estamos apenas perante uma tentativa de encontrar uma solução para um problema interpretativo que não existe. É bem mais grave do que isto. Na verdade, com a adoção da tese da imperatividade, está-se a criar um problema que não existia.

Adotando uma perspetiva mais ampla, podemos aceitar, sem conceder, que a intervenção do legislador no enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil visou tutelar apenas a posição do arrendatário. O que já não podemos aceitar é a afirmação de que o legislador, ao regular uma matéria que tem como terreno de aplicação privilegiado os novos contratos, pretendeu consagrar uma norma que, sendo imperativa, irá necessariamente dificultar a posição do arrendatário (novo inquilinato), promovendo a celebração de contratos de curta duração e, ou, não renováveis (e, tendencialmente, como veremos mais adiante, com rendas mais elevadas).
Bem sabemos que, tradicionalmente, se tem procurado identificar o inquilinato com o inquilinato instalado, isto é, os sujeitos que já são inquilinos. Mas, quando está em causa desenvolver uma política de promoção do arrendamento, é nos novos arrendamentos que o legislador tem a sua atenção centrada – o novo inquilinato. Revelando bem a intenção do Estado de promover (aumentar) o arrendamento para habitação disponível, o texto constitucional relevante respeitante à “habitação e urbanismo” – art. 65.º, n.º 2, al. c), da Con. Rep. Portuguesa – passou de “Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado (…) Estimular a construção privada” (1977), para “(…) incumbe ao Estado (…) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria” (1989) e, finalmente, para “(…) incumbe ao Estado (…) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada” (1997).
Portugal foi palco de uma experiência de décadas de regime vinculístico – com efeitos desastrosos, seja no atrofiamento do mercado de arrendamento, seja na degradação do imobiliário urbano. O omnisciente legislador não o ignora. Não podemos aqui acompanhar aqueles que estão sempre prontos a aceitar o pior do poder legislativo, admitindo que sacrificará as soluções mais racionais no altar da ortodoxia política ou, pior, admitindo um estado de oclocracia – postura que, não raramente, apenas serve para ratificar o enviesamento do próprio intérprete. Não é este cenário que se extrai, por exemplo, nem da Resolução do Conselho de Ministros de 4 de outubro de 2017 (que aprovou “o sentido estratégico, objetivos e instrumentos de atuação para uma Nova Geração de Políticas de Habitação”), nem do relatório do Grupo Parlamentar do Partido Socialista intitulado “Política de habitação – dar voz aos cidadãos”, produzidos na occasio legis, nos quais é referida, sim, a necessidade de promover o incentivo ao novo arrendamento de média e longa duração – designadamente, pela via fiscal (cfr. a Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro) –, e não a sua imposição.
Não se pode afirmar que uma determinada solução legal desincentiva o arrendamento urbano, contrariando as políticas de promoção do aumento da disponibilidade de habitação, impedindo o incremento do inquilinato – sem trazer relevante vantagem para o inquilinato instalado – para, no passo seguinte, perante a dúvida sobre a natureza do preceito, se afirmar que a norma que consagra é imperativa, porque se destina a favorecer o arrendamento urbano e o inquilinato. A menos que se considere que a suposta fixação imperativa de um limite mínimo de três anos para a duração da renovação promove o arrendamento para habitação – e não vemos como se possa defender tal ideia –, não se pode sustentar que foi esta a solução que o legislador pretendeu consagrar com a alteração de 2019 da redação do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil.

4.3. Elemento sistemático

Na fixação do sentido e alcance de um enunciado legal, impõe o n.º 1 do art. 9.º do Cód. Civil que seja respeitada a unidade e a coerência (axiológica) do sistema jurídico. Temos, pois, de dedicar a devida atenção à inserção sistemática do art. 1096.º do Cód. Civil, bem como às restantes disposições do instituto mais abrangente no qual se inscreve (a duração do contrato) e as soluções adotadas nos ‘lugares paralelos’.

4.3.1. Inserção sistemática

Não subescrevemos o entendimento de acordo com o qual, «“no momento” do art. 1096.º já está ultrapassada a fase da decisão dos contratantes por um prazo certo ou por um indeterminado» Cfr. o Ac. do TRP de 20-02-2025 (692/23.2T8ETR.P1).. Se bem percebemos o argumento, o conteúdo do art. 1096.º do Cód. Civil, considerando a sua inserção sistemática, dirigir-se-ia à fase executiva da relação obrigacional, e não à sua fase estipulativa, razão pela qual não poderia dispor no sentido de reconhecer às partes a faculdade de acordarem os termos das renovações contratuais – ou a própria não renovabilidade do contrato. (Não parece ter sido intenção do autor deste argumento afirmar que existe uma regra de legística que, insolitamente, impõe que, na codificação, existam secções (divisões) dedicadas à tutela da vontade das partes, apartadas das secções que estabelecem regimes imperativos).
Reconhecemos que as regras da legística formal aconselhariam uma codificação distinta, dedicando-se um enunciado apenas à previsão da faculdade de estipulação da não renovabilidade do contrato (como exceção à regra revista no n.º 1 do art. 1054.º do Cód. Civil). No entanto, a previsão de tal faculdade no art. 1096.º do Cód. Civil não é incorreta, dado que neste artigo se regulam, precisamente, os termos em que se dá a renovação do contrato – estando já regulada, nos artigos anteriores, a faculdade de estipulação de um prazo certo. Ou seja, nada obsta a que “no momento” do art. 1096.º do Cód. Civil – isto é, mantendo-se a sua inserção sistemática – se preveja a possibilidade de inexistência de renovação nem, por maioria de razão, que se disponha sobre a hipótese de as partes nada terem estipulado sobre os períodos de renovação. Aliás, como vimos no ponto 2.2, em rigor, a norma que nos ocupa – dispondo sobre o prazo de renovação “de igual duração ou de três anos se esta for inferior” – não se dirige ao momento da contratação, estabelecendo, sim, o regime que vigorará se as partes não tiverem (anteriormente) convencionado o prazo da renovação contratual.
Em qualquer caso, quando a lei manda ter em conta a “unidade do sistema jurídico” (art. 9.º, n.º 1, do Cód. Civil), não se está a referir às regras de legística de arrumação das normas, mas sim à coerência axiológica de tal sistema. O mesmo é dizer que nenhum argumento contra a natureza supletiva de uma das normas que encerra no seu n.º 1 se pode retirar da inserção sistemática do art. 1096.º do Cód. Civil.

4.3.2. Contexto da lei: o n.º 2 do art. 1094.º do Cód. Civil

Também não aceitamos a ideia de que a “estipulação” à qual se refere a ressalva inicial – “salvo estipulação em contrário” – é (apenas) a prevista no n.º 2 do art. 1094.º do Cód. Civil: as partes podem acordar que, “após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada” Cfr. o Ac. do TRP de 20-02-2025 (692/23.2T8ETR.P1).. No mesmo sentido, também é dito que “o art. 1096.º expressamente incluiu apenas o prazo indeterminado do seu âmbito de aplicação, pelo que, pode se entender como permitindo apenas a liberdade contratual nessa situação” Cfr. o Ac. do TRP de 25-10-2023 (1998/22.3T8PRD.P1).. De acordo com este entendimento, a mera convenção de não renovação está excluída da referida ressalva, sendo, pois, todos os contratos renováveis – negando o âmbito da supletividade atualmente (quase) consensualmente aceite –, para além de não ser permitido às partes estipular a duração (ainda que superior a três anos) dos períodos de renovação – afastando o âmbito da supletividade que, pacificamente, era reconhecido no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006.
Na refutação desta posição, para além de notarmos que nenhum fator hermenêutico a sustenta, diremos apenas que, com tal sentido – isto é, que a estipulação consentida é (apenas) a prevista no n.º 2 do art. 1094.º do Cód. Civil –, a ressalva inicial é absolutamente inútil. Trata-se de um conteúdo normativo permissivo especial, pelo que, na sua ausência, sempre valeria a regra geral prevista no art. 1080.º do Cód. Civil, dispensando a articulação entre o n.º 2 do art. 1094.º do Cód. Civil e o n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil qualquer ressalva expressa (com o referido sentido) – como, aliás, sucedeu até à entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 (que introduziu a parte inicial do atual enunciado legal).

4.3.3. Contexto da lei: a norma necessária para completar o regime

Na divisão do Código Civil dedicada à duração do contrato de arrendamento para habitação, não há uma norma que estabeleça que as partes podem estipular o período de renovação do contrato. Se nos abstrairmos do disposto no art. 1096.º do Cód. Civil (e da polémica que o envolve), podemos, com absoluta segurança, dizer que uma tal norma permissiva é desnecessária, pois resulta claramente dos arts. 405.º, n.º 1, 1094.º, n.º 1, e 1095.º, n.º 2, do Cód. Civil que os contraentes podem regular a duração das renovações do contrato – apenas se podendo discutir se o podem fazer por períodos inferiores a um ano. Aliás, mesmo os defensores da tese da imperatividade o reconhecem, ao admitirem que as partes são livres de fixar um prazo de renovação superior a três anos e superior ao prazo de duração inicial do contrato, apesar de adjudicarem a ressalva inicial do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil apenas ao segmento inicial – “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente”.
Em face do disposto naqueles artigos, necessária seria, sim, uma norma que proibisse o acordo das partes sobre a duração das renovações, se fosse intenção do legislador impor uma tal limitação à autonomia privada. E necessária é, em qualquer caso, uma norma que, com o mesmo propósito visado pela norma enunciada no n.º 3 do art. 1094.º do Cód. Civil, quanto à duração do prazo inicial, estabeleça que, no silêncio das partes, a renovação terá determinada duração. É neste contexto legal que surge o enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, isto é, num contexto em que, por um lado, nada impede que as partes regulem a duração das renovações, em que, por outro lado, inexiste uma norma que as proíba de o fazerem e, finalmente, em que é necessária uma norma que estabeleça a duração das renovações, no silêncio das partes.
Parece-nos que podemos dar por assente que o n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil não vem dispor diretamente sobre a regulação convencional dos prazos de renovação: nem a permitindo, nem a proibindo, nem mesmo fixando aos prazos convencionais limites mínimos ou máximos Cfr. o Ac. do TRL de 18-04-2024 (2197/23.2YLPRT.L1-6). – como, por exemplo, o n.º 2 do art. 1095.º do Cód. Civil dispõe sobre a duração inicial do contrato. O mesmo é dizer que nos parece claro que a norma em causa, no que aos prazos de renovação diz respeito, veio satisfazer a necessidade existente de regulação da sua duração, no silêncio das partes. Esta conclusão é indiscutível, no que respeita à redação introduzida pela Lei n.º 31/2012 (ainda sem o segmento “ou de três anos se esta for inferior”).
Conforme já sublinhámos acima, com a redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, o legislador considera dois cenários, destes resultando outros tantos períodos legais de duração da renovação. A duração “de três anos” é aqui o segundo termo de uma solução dicotómica (que toma o lugar do primeiro, verificando-se o pressuposto “se esta for inferior”), isto é, é apenas uma alternativa (hoc sensu) ao outro período previsto na lei (“de igual duração”).
Nenhuma relação é estabelecida com o período de renovação fixado pelos contraentes. Não é dito, por exemplo, “ou de três anos, se o prazo inicial e o prazo acordado forem inferiores/superiores”. Isto significa que, não permitindo a letra da lei concluir (pelo contrário) que o período “de igual duração” tenha sido imposto às partes (pelo legislador de 2012), também não serão os elementos sistemático ou histórico que caucionarão tal conclusão.
Ora, a circunstância de, repisa-se, aquando do enxerto do segmento “ou de três anos se esta for inferior”, não ser incluída nenhuma comparação expressa com a duração dos prazos de renovação eventualmente acordados pelas partes Cfr. o Ac. do TRL de 18-04-2024 (2197/23.2YLPRT.L1-6)., sugere fortemente que estamos perante uma norma prevista para o caso de as partes nada terem acordado, isto é, perante uma norma supletiva.
Em suma, o contexto da lei, aparentemente, sustenta a tese da supletividade, tendo o legislador por propósito colocar a (necessária) pedra de fecho da abóbada da regulamentação da renovação do contrato, dispondo sobre o cenário de inexistência de convenção das partes sobre o prazo de renovação, e apenas sobre este cenário.

4.3.4. Contexto da lei: o n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil

A lei extrai do silêncio das partes a vontade de renovação do contrato de arrendamento, quer no momento da sua conclusão, quer no termo do seu prazo acordado. Havendo uma inicial declaração contrária das partes (presente e formalizada no contrato escrito), nunca se poderá ficcionar que a sua vontade negocial se renova no termo do prazo acordado – com base no seu inexistente silêncio (art. 218.º do Cód. Civil). O mesmo se diga quando uma das partes, tempestivamente, declara não pretender manter a vinculação contratual. Neste caso, nunca se pode entender existir uma vontade de renovação do contrato – isto é, um silente acordo de vontades (uma convergência de vontades) nesse sentido.
Dispõe o art. 1097.º do Cód. Civil sobre a “oposição à renovação deduzida pelo senhorio”, conforme anunciado pelo n.º 3 do art. 1096.º do Cód. Civil. É o seguinte texto daquele artigo, na parte relevante para o caso:
Artigo 1097.º
Oposição à renovação deduzida pelo senhorio
1 – O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) (…);
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) (…);
d) (…).
2 – A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 – A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 – (…).

A norma enunciada no n.º 3 reconhece ao senhorio o direito de, válida e eficazmente, se opor à renovação do contrato, embora o principal efeito (pelo menos) da sua declaração de oposição – a definição da duração máxima efetiva do contrato (já que o efeito extintivo do vínculo contratual não decorre da declaração, mas sim da caducidade, isto é, do decurso do prazo acordado) – seja, eventualmente, diferido – veja-se, a propósito, a diferente redação do n,.º 4 do art. 1110.º do Cód. Civil. Não se estabelece aqui, em si mesma, uma imposição de renovação do contrato de arrendamento – não há nenhuma ficcionada renovação da vontade contratual. Apenas de um mero eventual diferimento, repisa-se, se trata. Dizemos eventual, pois a duração inicial do contrato pode ser igual ou superior a três anos, caso em que da aplicação da norma não resultam efeitos práticos.
Não produzindo a declaração de oposição efeitos imediatos, o contrato (com prazo certo inferior a três anos) renova-se automaticamente – sem prejuízo de o direito do inquilino se opor à renovação se manter intacto. Se o arrendatário permitir esta renovação, ficará condicionado no exercício dos seus direitos durante o prazo de renovação, designadamente para os efeitos previstos no art. 1098.º, n.º 3, do Cód. Civil. Podemos, no entanto, aceitar, porque a oposição do senhorio é válida e eficaz (embora de eficácia diferida) que, depois de recebida, o inquilino, no período remanescente, possa denunciar o contrato com uma antecedência de apenas 30 dias (art. 1098.º, n.º 4, do Cód. Civil) – dado que nada neste último artigo permite concluir que este efeito reflexo da comunicação de oposição varia em função do momento em que a declaração produz efeitos (isto é, da antecedência desta). Pela mesma razão – ser a declaração válida e eficaz – também podemos aceitar que o senhorio não terá de efetuar nova comunicação de oposição, valendo a já efetuada para a primeira renovação a partir (inclusive) da data da sua eficácia. Não é esta, no entanto, uma questão que se coloque no caso dos autos, pelo que não temos de sobre ela tomar posição.
Importa deixar claro que a eficácia da declaração de oposição à renovação não é, em si mesma, extintiva, mas apenas definidora da duração (máxima) efetiva do contrato. A extinção do contrato ocorre por efeito do decurso do tempo, isto é, por caducidade. Isto significa que, se o contrato cessar no fim do primeiro triénio, tal ocorrerá por ter atingido o termo de uma das suas renovações; não diretamente por força da oposição há renovação. Exemplificando, aceitando-se a tese da supletividade, um contrato com um prazo de dois anos, renovável por igual período, cessará ao fim de quatro anos. Por força da suspensão da eficácia da declaração de oposição à primeira renovação emitida pelo senhorio, o contrato renovar-se-á no fim do segundo ano de vigência, por um novo período de dois anos. A declaração de oposição à renovação ganhará eficácia a meio desta primeira renovação, levando à extinção do contrato no seu termo.
Recapitulando, no caso previsto no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil, o senhorio tem o direito de se opor à renovação e pode exercê-lo eficazmente, apenas estabelecendo a lei que este efeito é, eventualmente, diferido. Não sendo a oposição eficaz no termo do prazo inicial do contrato (renovável), ocorre a primeira renovação.

Na compreensão do regime legal, em especial, da hipotética articulação entre esta norma e aquela que se encontra prevista no n.º 1 do artigo anterior, já objeto da nossa análise, é essencial que se tenha presente que a limitação ao exercício do direito de oposição à primeira renovação apenas é imposta ao senhorio. Esta parte no contrato, à qual também interessa a segurança da relação locatícia – o que nos parece ser evidente –, continua sujeita à eficaz oposição à renovação do contrato pelo inquilino logo na primeira renovação.
Considere-se o exemplo de um inquilino que deseja celebrar um contrato de arrendamento com uma duração relativamente flexível. Por força da norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil, este inquilino pode celebrar um contrato de arrendamento com a duração de um ano, renovável por iguais períodos, sabendo que, se necessitar, terá o seu arrendamento garantido para além do seu prazo inicial; mas também que, em conformidade com a tese da supletividade, se pode opor a qualquer uma das suas renovações nas datas contratadas.
O regime previsto no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil relaciona-se em perfeita harmonia com a norma prevista no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil – com o conteúdo que lhe atribuímos –, sendo o resultado do respeito do legislador pela autonomia privada: admite o acordo das partes que estabeleça períodos de renovação inferiores a três anos e, em simultâneo, impõe ao senhorio uma limitação ao seu direito de se opor à primeira renovação (sem ficcionar a renovação do contrato por três anos).
Assim se evidencia que apenas a supletividade do regime previsto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil está em linha com o objetivo anunciado no art.º 1.º da Lei n.º 13/2019 de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, sem comprometer o objetivo também perseguido de “corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios”, e sem provocar desequilíbrios de sinal oposto.

Contra a supletividade do regime previsto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, já vimos defendido que a norma imperativa contida no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil retira sentido à existência de prazos de renovação de um ano. É objetado ser contraditório que a lei imponha nesta norma uma duração mínima de três anos, se antes tiver permitido prazos contratuais de renovação de um ano. Daqui decorreria a conclusão de que a norma prevista no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil estabelece imperativamente que o prazo (mínimo) das renovações é de três anos.
Esta incoerência não existe. A objeção resulta de uma deficiente compreensão do sentido do enunciado legal (art. 1097.º, n.º 3, do Cód. Civil), desconsiderando que só limita ele o direito do senhorio – sendo que o inquilino tem interesse no prazo de renovação de um ano, tal como declarou no contrato escrito – e que não se prevê nele uma renovação forçada por mais dois anos, mas sim uma suspensão da eficácia da declaração de oposição à renovação emitida pelo senhorio.
Em qualquer caso, da norma contida no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil poder-se-ia retirar, quando muito, que é imperativamente de três anos o prazo (dito mínimo) da primeira renovação; nunca que é imperativo tal triénio para todas as renovações Cfr. Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2022 (4 edição), pp. 656 e 657.. Note-se que reza o texto legal: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo (…)”. Não dispõe, por exemplo: “A oposição à renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo ou da data da sua renovação (…)”.
Repisa-se, ad nauseam: a lei não impõe uma primeira renovação compulsória do contrato (nem, a ambas as partes, uma duração inicial mínima de três anos); apenas difere a eficácia da declaração emitida pelo senhorio.

4.3.5. Contexto da lei: o n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil (continuação)

Numa variante, quer da tese da imperatividade, quer da tese da supletividade, e por força da declaração de oposição à renovação (ineficaz, note-se), o contrato não se renova, passando a duração total do arrendamento a ser de três anos – um ano inicial mais dois anos de extensão ope legis, até perfazer o triénio referido no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil. Não acompanhamos tal entendimento. Oferece ele uma solução artificiosa na interpretação do enunciado legal, pois retira efeitos imediatos de uma declaração de oposição que não os tem, ao recusar a ocorrência de renovações na pendência da suspensão da sua eficácia. Esta perspetiva transforma uma norma prevendo o diferimento da eficácia (da declaração de oposição à renovação) numa norma que altera o prazo inicial do contrato – mas só para uma das partes –, passando a ser de três anos, a este seu novo termo adjudicando a declaração de oposição à renovação (inicialmente emitida para produzir efeitos no fim do primeiro ano).

Retomemos o exemplo do contrato com o prazo de um ano, renovável por igual período, tendo o senhorio declarado a sua oposição (apenas) à primeira renovação. De acordo com a tese da imperatividade, a duração total do arrendamento é de quatro anos – um ano inicial mais três anos de renovação. Temos, pois, de concluir que, ao estabelecer que a oposição à primeira renovação, por parte do senhorio, “produz efeitos decorridos três anos”, o legislador se esqueceu de que, algumas linhas antes, havia estabelecido que o prazo mínimo da renovação é (supostamente) de três anos, pelo que os efeitos mediato (extintivo) e imediato (fixação da duração do contrato) nunca se produzem “decorridos três anos”. O efeito mediato da oposição à renovação só se produzirá ao fim de quatro anos; o efeito imediato produz-se imediatamente (fixando a duração efetiva do contrato em quatro anos, salvo iniciativa do inquilino).
E se se tivesse lembrado, não lhe bastaria determinar que a oposição em questão apenas produz efeitos “decorridos quatro anos da celebração do contrato”. A contradição teleológica com a norma prevista no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil manter-se-ia.
Se o propósito da norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil é limitar apenas a possibilidade de o senhorio se opor à primeira renovação (nos contratos com prazo inferior a três anos), preservando o direito do inquilino de se opor à renovação, a adoção da tese da imperatividade, contraditoriamente, privá-lo-á do direito de oposição àquela que seria a segunda renovação, por ter sido eliminada e substituída pelo prazo de renovação de três anos.

Já sinalizámos uma inconsistência resultante da adoção da tese da imperatividade: tendo sido acordadas renovações pelo prazo de um ano, o inquilino pode opor-se à primeira renovação anual, mas não à segunda (na data acordada). Sublinhamos agora uma incoerência simétrica resultante da adoção da tese da supletividade: o senhorio não se pode opor à primeira renovação (com efeitos imediatos), mas pode opor-se à segundatenha, ou não, comunicado a sua oposição à primeira.
É esta uma incongruência intrínseca, pelo que não se deve buscar no afeiçoamento da interpretação do artigo anterior a sua redenção. O que podemos retirar da existência destes “ângulos mortos” é que o enunciado do n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil – de redação inquestionavelmente pouco cuidada – não tem préstimo para a fixação do sentido e alcance na norma prevista no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil. E o inverso também é verdade. Ter-se-á, porventura, de interpretar extensivamente aquele primeiro enunciado, de modo a respeitar a ideia de que, no primeiro triénio de duração do contrato, o arrendamento não pode cessar por efeito da oposição à renovação comunicada pelo senhorio (seja a primeira, seja a segunda). Na resolução do nosso caso, não temos, no entanto, de avançar na análise desta questão, pelo que não o faremos.
Em suma, afigura-se-nos ser claro que, no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil, o legislador não quis regular, nem mesmo indiretamente, a duração das renovações contratuais. A norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, que regula, designadamente, o “como” e o “por que prazo” respeitantes à renovação do contrato, não se relaciona com a norma prevista naquele n.º 3, que regula o eventual diferimento da eficácia da oposição à primeira renovação comunicada pelo senhorio, em termos de ser necessário constranger a interpretação de uma delas, de modo a acomodar a melhor interpretação da outra.

4.4. Elemento histórico

Parece haver algum consenso sobre a ideia de que o elemento histórico tem escassa utilidade no apuramento do “pensamento legislativo” (art. 9.º, n.º 1, do Cód. Civil). Quanto a nós, à semelhança do que afirmámos sobre o elemento gramatical, parece-nos que este fator hermenêutico é absolutamente concludente na total sustentação da tese da supletividade.
Para podermos convocar o argumento histórico, temos primeiro de descrever a evolução recente do regime da renovação automática do contrato de arrendamento urbano para habitação. Este regime encontra-se descrito, desde o ano 2006, no art. 1096.º do Cód. Civil.
Nas suas três redações no império do NRAU, teve ele as seguintes configurações, na parte que agora releva [como sempre, os itálicos e os negritos são nossos]:
1.ª – Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro: “Exceto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos”;
2.ª – Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte”; e
3.ª – Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

4.4.1. Processo legislativo

Afirma-se na Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª) – que deu início ao processo legislativo que culminou na aprovação da Lei n.º 13/2019 – que “é essencial promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento” – itálico e negrito nossos. Surpreende-se facilmente no texto da exposição de motivos o propósito e o alcance da iniciativa legislativa: reestabelecer, na medida do possível, o regime primitivo do NRAU, isto é, “regressar” a 2006, mas não retroceder para além disso.
Este propósito não causa espanto, dado que os Governos de 2006 e de 2019 tinham uma constituição de origem partidária comum, interrompida em 2012 por um Governo com diferente sustentação partidária, conforme transparece do respetivo processo legislativo. Mas, claramente, não estamos perante um ato de contrição. O proponente (da Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª)) não afirma que quer “emendar a mão”, que já em 2006 foi “longe de mais”, que quer regressar a tempos anteriores ao NRAU…
Ora, tal como claramente resulta da letra da lei, em 2006 (Lei n.º 6/2006), a norma que fixava o período de duração da renovação em três anos, prevista no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, tinha natureza supletiva. Parece-nos clara a conclusão a retirar deste encadeamento de atos normativos: foi intenção do legislador de 2019 enxertar o regime supletivo de 2006 – “por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos” – na norma de 2012 – “Salvo estipulação em contrário, (…) por períodos sucessivos de igual duração” –, e o fraco resultado foi esta redação: “Salvo estipulação em contrário, (…) por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
Não vale aqui dizer que a atual redação da lei resulta de uma proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista – não constando da Proposta de Lei n.º 129/XIII do Governo –, pelo que não existiria nenhuma contradição política, se a alteração visasse recuar para além do ano 2006 – e não apenas recuperar as soluções originais do NRAU. O raciocínio é o mesmo. Este grupo parlamentar, nada tendo objetado no decurso da iniciativa parlamentar de 2006, na votação final global, votou favoravelmente a Proposta de Lei n.º 34/X, que esteve na origem do NRAU (Lei n.º 6/2006), conforme se pode ler no DAR I Série de 22 de dezembro de 200, número 71, p. 3408. Sendo coerente com a posição assumida em 2006, o grupo parlamentar proponente da alteração à Proposta de Lei n.º 129/XIII não pode ter querido aprovar uma norma que representa o abandono das soluções de mitigação do regime vinculístico que havia aprovado em 2006.
Escusado seria dizê-lo, não se recuperou integralmente a ressalva final do enunciado de 2006, porque esse espaço já se encontrava ocupado por uma ressalva que o legislador entendeu manter – seria absurdo o enunciado com três ressalvas, duas delas redundantes – , valendo-se da ressalva inicial – “Salvo estipulação em contrário” – que rege todo o enunciado.
Em suma, do elemento histórico resulta, claramente, que, em 2019, o legislador procurou enxertar na norma de 2012 a solução de 2006, isto é, pretendeu estabelecer (no pressuposto que enuncia) que a renovação ocorre por períodos “de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos”.

4.4.2. História do instituto

Numa judiciosa linha de raciocínio já acima mencionada Cfr. o Ac. do TRP de 25-10-2023 (1998/22.3T8PRD.P1)., e na crítica da tese da supletividade, também se nota que, na redação inicial do n.º 1 do 1096.º do Cód. Civil saída da reforma de 2006, “a natureza supletiva do prazo era literalmente evidente, ao contrário da atual redação”. Assevera-se que, “se a letra da lei mudou, em bom ou mau português, alguma coisa se pretendeu mudar face a um dos diplomais estruturais do instituto de arrendamento (NRAU) que não poderia ser desconhecido do legislador” (sic).
É este um argumento que prova de mais. É que no enunciado convocado também constava “por períodos mínimos”, “ao contrário da atual redação”. Sendo consequente com aquela argumentação, deve o interprete concluir que o prazo de três anos não é hoje um prazo mínimo, isto é, não é um limite imposto por lei ao acordo das partes sobre a matéria.
De todo o modo, a explicação para a diferente redação da ressalva que confere natureza supletiva à norma deve ser encontrada nas condicionantes que analisámos acima no ponto 4.4.1, e não numa qualquer intenção do legislador de, por esta via, alterar a natureza da norma.
Acrescente-se que, historicamente, a ressalva que estabelece a supletividade da norma sempre esteve mais ligada à liberdade de conformação dos prazos, do que à própria possibilidade de afastamento da renovabilidade. Seria, pois, surpreendente que a ressalva ainda presente da norma não se referisse (também) à possibilidade de as partes acordarem no prazo de renovação.
Somos, pois, levados a concluir que o elemento histórico consente que se entenda que o legislador de 2019 pretendeu recuperar algumas das soluções preconizadas pelo legislador de 2006, entretanto afastadas pelo legislador de 2012. No entanto, o mesmo elemento, conjugado com o elemento gramatical, obriga-nos a concluir que, sendo coerente e consequente com o seu propósito de conferir natureza supletiva à norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, não recuperou a adjetivação (“mínimos”) do prazo de renovação previsto.

4.5. Argumentos desenvolvidos

Na defesa da supletividade do regime previsto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, é invocado um argumento a maiori ad minus, desenvolvido a partir da norma que se extrai da primeira parte do enunciado legal: “[s]alvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se”. Estamos perante uma norma permissiva, pelo que vale a ideia de que, se a lei permite o mais – afastar a renovação –, também permite (a fortiori) o menos – modelar os períodos de renovação Cfr. os Acs. do TRL de 10-01-2023 (1278/22.4YLPRT.L1-7) e do TRP de 09-10-2023 (1467/22.1YLPRT.P1)..
Ao lado deste argumento, um outro é extraído das normas previstas no n.º 1 do art. 1094.º do Cód. Civil e no n.º 2 do art. 1095.º do Cód. Civil, já que resulta da sua articulação que o contrato de arrendamento urbano para habitação pode ser celebrado com o prazo certo de um ano. Por identidade de razão (a pari), entende-se que, se a lei permite que as partes fixem a duração inicial de um ano para o contrato, não se vê porque haveria de proibir que fixem convencionalmente prazos de renovação com duração entre um e três anos Cfr. o Ac. TRL de 17-03-2022 (8851/21.6T8LRS.L1-6).. É manifestamente incongruente conferir esta putativa proteção de três anos na renovação do contrato, e não a conferir no momento da estipulação do prazo inicial. Está por demonstrar que a posição do inquilino fica mais carecida de proteção depois de concluído o contrato – e isto sem se conceder que a imposição de um prazo mínimo de renovação, efetivamente, beneficia a posição do arrendatário. Se as partes podem celebrar contratos com a duração de um ano – sem ofensa à proteção devida ao inquilino –, por identidade de razão também podem acordar em períodos de renovação de um ano – sem ofensa a tal proteção devida.

Contra estes argumentos, já se disse que, na tutela da estabilidade da relação locativa, não é o mesmo o arrendatário saber que o contrato não se renova do que desconhecer se o senhorio exercerá o direito de oposição à renovação Cfr. os Acs. do TRP de 15-06-2023 (944/22.9T8VCD.P1), 20-05-2024 (1686/23.3YLPRT.P1) e 25-10-2023 (1998/22.3T8PRD.P1).. No primeiro caso, o inquilino já sabe que terá de procurar nova habitação; no segundo, pode ser surpreendido com uma oposição que lhe deixa pouco tempo para encontrar nova morada. Assim se explicaria, com a necessidade de garantir estabilidade ao arrendamento, uma espécie de imperatividade dentro da supletividade.
Liminarmente, recusamos a não provada afirmação de que um curto prazo não renovável oferece maior segurança habitacional do que um prazo renovável. Confunde-se (in)segurança com (in)certeza. Por apodítica, poder-nos-íamos bastar com a constatação de que um inquilino que está certo de que será despejado não tem nenhuma segurança habitacional. Ainda assim, desenvolveremos uma hipótese de trabalho demonstrativa do desacerto da objeção.
Tome-se como exemplo um contrato de arrendamento que entrou no terceiro ano de duração de uma renovação trienal. O inquilino não sabe se o senhorio irá, tempestivamente, oferecer oposição à renovação. Esta incerteza é totalmente estranha à duração do período de renovação que se segue, seja ele de um ano, seja de três anos, seja de dez. Seja este qual for, a incerteza do inquilino (cumpridor) quanto à futura atuação do senhorio é exatamente a mesma, não sendo a duração da renovação que a vai atenuar. Aliás, num certo sentido, a maior duração da renovação que se segue até pode aumentar a potencial insegurança, pois aumenta o risco de o senhorio, mesmo sem queixas quanto à conduta da contraparte, comunicar a oposição à renovação, prevenindo novas alterações legislativas ou o surgimento de correntes jurisprudenciais que limitem a sua faculdade de fruir ou dispor do que é seu.
Dito isto, não podemos confundir os escopos das normas. No segmento do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil analisado apenas se resolve o problema da duração da renovação. Não se dispõe sobre os requisitos da oposição à renovação. Se a oposição à renovação causa instabilidade, é sobre esta – isto é, sobre os seus pressupostos – que o legislador tem de dispor – ou seja, é sobre os prazos e requisitos previstos no art. 1097.º do Cód. Civil.
A segurança decorrente da duração e a insegurança decorrente da renovação situam-se em planos distintos, reclamando intervenções normativas diferentes.

Contra o que defendemos, poder-se-á ensaiar uma resposta, dizendo-se que, sendo a duração trienal, o arrendatário terá dois anos (iniciais) de segurança no gozo do locado, sabendo que no fim de cada um destes anos, em princípio, o contrato não cessará por iniciativa do senhorio: é aritmética elementar. Esta réplica é bem-vinda, pois evidencia ela a validade do argumento a pari: se o legislador entende que o inquilino é merecedor da segurança de dois anos (iniciais) no gozo do locado, não se percebe por que razão não lhe concedeu esse benefício no prazo inicial do contrato renovável. Aliás, agora a benefício do argumento a maiori ad minus, não se alcança a razão pela qual não estabeleceu, em geral, o limite mínimo de três anos para o contrato de arrendamento urbano para habitação. O princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica – a unidade do sistema jurídico referida no n.º 1 do art. 9.º do Cód. Civil – impede uma tal incoerência.
De nada servirá replicar que o legislador acaba por estabelecer um prazo mínimo (apenas) para os contratos renováveis, ao consagrar a norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil. Também este argumento é bem-vindo, pois demonstra que a ferramenta jurídica apropriada para enfrentar a incerteza privativa da renovação deve ser procurada no art. 1097.º do Cód. Civil, e não no artigo que o antecede.
Em suma, afigura-se-nos que com a crítica dirigida contra os argumentos lógicos se tenta “pregar um prego com um formão”: escolhe-se a ferramenta jurídica errada para o fim visado. A segurança contra a instabilidade provocada pela oposição à renovação consegue-se aumentando o prazo mínimo de antecedência para a sua comunicação. Aliás, é este o efeito que, na prática, resulta do n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil – uma moratória para a cessação das relações contratuais. E foi exatamente isto que as partes fizeram no caso dos autos, estabelecendo uma antecedência não inferior a um ano para a comunicação de oposição à renovação pelo senhorio (cfr. o art. 2.º do contrato).
O único efeito que se consegue com a imposição de prazos (alargados) de renovação é incentivar a estipulação da inadmissibilidade da renovação do contrato e desincentivar a celebração de contratos de longa duração – sendo, ainda, seguro que, aumentando o risco para o senhorio, decorrente da maior duração do contrato, aumentará o valor da renda praticado.

Ainda na sustentação da tese da imperatividade, é desenvolvido o seguinte argumento: “[s]e as partes afastam a renovação, a questão não se coloca; se as partes preveem a renovação, não a podem prever por período inferior a cinco [três] anos, pois (…) é de cinco [três] anos a duração ‘se esta for inferior’” Cfr. o Ac. do TRP de 20-05-2024 (1686/23.3YLPRT.P1). – sublinhado nosso, reportando-se o argumento à norma enunciada no n.º 3 do art. 1110.º do Cód. Civil. Já tendo o n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil por objeto, é afirmado que “o período da renovação já teria sido considerado pelas partes”, pelo que “não havia qualquer necessidade de referir os 3 anos” Cfr. o Ac. do TRP de 20-02-2025 (692/23.2T8ETR.P1).. Parece-nos que o raciocínio está contaminado pela ideia de que “as partes preveem a renovação” – acabando por se cair numa petição de princípio (quod erat demonstrandum).
Os contraentes não têm de prever a renovação, para ela ocorrer; têm, sim, de prever a não renovação, se não querem que ela tenha lugar (arts. 1054.º, n.º 1, 1096.º, n.º 1, e 1110.º, n.º 1, do Cód. Civil). Como é da natureza das normas supletivas, operam estas na falta de disposição das partes, pelo que é este caso que deve ser procurado. E só se não for encontrado se poderá recusar concludentemente a natureza supletiva da norma. Isto significa que a regra em discussão não se dirige aos casos em que as partes acordam no prazo do contrato e no período das renovações; não se dirige aos casos em que as partes não acordam no prazo do contrato nem no período das renovações (isto se se entender que a duração de três anos é a menor, pois aqui a renovação “por igual prazo” já é de cinco anos); e não se dirige aos casos em que as partes não acordam no prazo do contrato (por pretenderem um prazo igual ao supletivo), mas acordam no período das renovações. Dirige-se, sim, aos normais casos em que as partes acordam no prazo do contrato, mas não no período das renovações.

5. Conclusão: supletividade do regime previsto no art. 1096.º, n.º 1 do Cód. Civil

De todo o raciocínio expendido, extraímos as conclusões que se seguem.
A norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil não fixa prazos (ou períodos) mínimos (nem máximos) de duração da relação contratual – isto é, não fixa limites ou balizas para a convenção das partes.
As duas presunções previstas no art. 9.º do Cód. Civil levam à conclusão de que a ressalva inicial do enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil vale para toda a sua estatuição, cunhando-a com a natureza supletiva.
A norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil regula um caso de diferimento da eficácia da primeira oposição à renovação comunicada pelo senhorio, não estabelecendo uma renovação do contrato nem alterando o prazo acordado para a sua duração; se, na data da renovação, a declaração ainda for ineficaz, também não a impedirá.

6. Análise da posição defendida pela apelante

Sustenta a apelante a improcedência da ação (e a procedência da apelação) em três ordens de razões:
a) na data visada pela autora, ainda decorria um dos períodos de renovação, por ser o regime previsto no art. 1096.º, n.º 1, do Cód. Civil imperativo, não podendo, como tal ser eficaz a oposição à renovação;
b) a comunicação de oposição à renovação é intempestiva (seja por extemporaneidade, seja por prematuridade);
c) o contrato renovou-se por um ano após a sua suposta caducidade, nos termos previstos no artigo 1056.º do Código Civil.
Analisado o regime legal pertinente, estamos agora em condições de enfrentar as razões de direito aduzidas pela ré..

6.1. Duração das renovações do contrato

Sustenta a apelante que o contrato se renovou em 15 de agosto de 2022, pelo período de três anos, por força do disposto no art. 1096.º, n.º 1, do Cód. Civil. Para tanto, defende que o contrato se renovou, primeiro, por um ano, em 15 de agosto de 2018 e, ulteriormente, por três anos, em 15 de agosto de 2019 – já depois da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019.
O mesmo é dizer que a apelante entende que a norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil passou de supletiva a imperativa pela mera adição, em 2019, do segmento (grafado em itálico) “…de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo…”. Se entendesse que já antes este regime era imperativo, o contrato ter-se-ia renovado em 15 de agosto de 2018 por um período de igual duração, isto é, por cinco anos. A renovação seguinte só se daria em 15 de agosto de 2023, o que levaria à conclusão de que a comunicação de 6 de outubro de 2021 respeitou a antecedência de um ano contratualmente prevista.
A posição sustentada pela apelante, assente na imperatividade do regime previsto no art. 1096.º do Cód. Civil, não procede.
Conforme resulta do raciocínio acima expendido, o termo do prazo inicial do contrato de arrendamento celebrado entre as partes ocorreu, efetivamente, no dia 15 de agosto de 2018, sem que tenha sido eficazmente manifestada uma oposição à renovação. No entanto, a partir dessa data, o contrato esteve sujeito a renovações (prorrogações) anuais, no respeito pelo acordo das partes referido no ponto 3 – factos assentes.

6.2. Tempestividade da oposição à renovação

A autora, por carta registada com aviso de receção datada de 6 de outubro de 2021, declarou à ré “denunciar o contrato de arrendamento (…), nada data da próxima renovação”, conforme consta do ponto 6 – factos assentes. O teor desta comunicação foi desenvolvido e esclarecido pela comunicação de 14 de dezembro de 2021, descrita no ponto 7 – factos assentes –, ficando, pois, a ré devidamente inteirada do direito potestativo (definidor da duração efetiva máxima da relação contratual) exercido pela autora, mais de um ano antes de produzir os seus efeitos mediatos.
O sentido da posição assumida pela senhoria é cristalino – não pretende a renovação do contrato –, sendo irrelevante que qualifique a sua declaração como sendo uma denúncia. O direito potestativo invocado pela autora foi válida e eficazmente exercido, tendo o contrato dos autos cessado, por caducidade, em 14 de agosto de 2023 (às 24 horas) – embora a senhoria só tenha exigido a entrega do locado no fim desse mês.

As partes acordaram que a comunicação de oposição à renovação pelo senhorio deveria ter “uma antecedência não inferior a um ano do termo (…) das suas eventuais renovações”. Ou seja, sendo a duração das renovações também de um ano, a comunicação de oposição à renovação teria de ser efetuada não para o termo da renovação corrente, mas sim para o termo da renovação subsequente.
Nada obsta à estipulação desta cláusula – aqui afastamo-nos da posição adotada pelo tribunal a quo. As normas enunciadas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 1097.º do Cód. Civil têm natureza imperativa – considerando o seu escopo protetor da contraparte (cfr., a propósito, o art. 1080.º do Cód. Civil) –, mas o estabelecimento de prazos superiores aos previstos na lei não contende em nada com o âmbito da sua imperatividade, pois não frustra a tutela concedida – antes pelo contrário. O texto do proémio deste número é claro: “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte (…)”. O mesmo é dizer que nada obsta a que as partes acordem numa antecedência para a comunicação superior.

A defesa da apelante raia a litigância de má-fé, quando sustenta que o “senhorio, com a comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º, apenas pode opor-se à renovação imediatamente seguinte” (conclusão XXI) – agindo num claro venire contra factum proprium. É que a apelante afirma que a antecedência desta comunicação não pode ser inferior a um ano, por força de uma estipulação contratual – que invoca a seu favor. Mas também confessa que acordou que o contrato se renovaria por períodos de um ano.
Isto significa que a apelante acordou num regime contratual de acordo com o qual a comunicação do senhorio nunca poderia ser feita para produzir efeitos na “renovação imediatamente seguinte”. Atuando de boa-fé, na data da celebração do contrato, a arrendatária não podia deixar de entender ser possível a oposição à renovação para produzir efeitos na renovação subsequente à “imediatamente seguinte”. Se assim entendeu e acordou em 2013, assim também deverá entender em 2021, dado que, durante toda a vigência do contrato, a redação do n.º 1 do artigo 1097.º do Cód. Civil foi a mesma.

6.3. Renovação do contrato pelo silêncio do senhorio

Afirmou a apelante, que, atendendo às condutas da senhoria e da inquilina, o contrato de arrendamento se renovou, nos termos do art. 1056.º do Código Civil, pois continuou a ser cumprido por ambas as partes. No que aos factos diz respeito, as alegações das partes sobre esta matéria foram reciprocamente admitidas. Cabe agora aplicar o direito.

6.3.1. Fundamento da renovação de facto, em geral

Dispõe o art. 1056.º do Cód. Civil o seguinte:
Artigo 1056.º
(Outra causa de renovação)
Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054.º

Podemos ver nesta norma, por um lado, um efeito do tempo sobre a relação jurídica (arts. 296.º e segs. do Cód. Civil), seja sancionando o desleixo do credor no exercício do seu direito, seja procurando a clarificação e a segurança das relações jurídicas. Também se poderá entender que estamos perante um mero mecanismo de tutela da vontade (conjetural) e da confiança que o outro contraente (em especial, o inquilino) deposita no significado declaratório do comportamento da contraparte – indistinto do respeito pelo direito ao gozo decorrente da existência de uma relação contratual –, por se ter mantido durante um largo período de tempo.
A mais qualificada doutrina adota este último entendimento: “[a] exigência da falta de oposição do locador, para que se verifique a renovação do contrato, mostra que este artigo se funda numa presunção – a presunção de que as partes acordaram tacitamente na renovação” Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 423. Cfr., ainda, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil: Contratos em Especial, Vol. XI, Coimbra, Almedina, 2018, p. 847, e Ana Raquel Pessoa, em anotação ao art. 1056.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 453..
A norma tutela o interesse do inquilino, como se pode concluir da circunstância de não exigir uma atuação correspondente ao cumprimento do contrato – nada é dito sobre o pagamento de uma quantia a título de renda – e do facto de apenas configurar a hipótese de “oposição do locador”. Em qualquer caso, a entrega de uma quantia correspondente ao valor da renda não é tida por concludente, pois o seu significado é ambivalente – cfr. o art. 1045.º, n.º 1, do Cód. Civil. O mesmo se diga do seu recebimento (não tem valor declarativo unívoco): “[a] circunstância de o locador continuar a receber as rendas (sic) após a verificação da caducidade, não é, por si só, indicador do seu consentimento na continuação do contrato” Cfr., Ana Raquel Pessoa, em anotação ao art. 1056.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, pp. 453 e 454. Cfr., ainda, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil: Contratos em Especial, Vol. XI, Coimbra, Almedina, 2018, p. 848, e os Acs. do STJ de 31-10-2006 (06A2231) e de 11-04-1991 (079780), na esteira de Vaz Serra, e do TRL de 09-01-2024 (2126/22.0YLPRT.L1-7)..
“Na falta de fixação de requisitos especiais, valerá como oposição do locador qualquer comportamento que demonstre a sua intenção na não renovação do contrato” Cfr., ainda, Ana Raquel Pessoa, em anotação ao art. 1056.º do Cód. Civil, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Lisboa, UCP Editora, 2023, p. 453.. Apenas se exige que esta atuação seja conhecida pelo inquilino, pois só assim se poderá falar de uma “oposição”. Neste sentido, é, com propriedade, defendido que a oposição tem de ocorrer no prazo enunciado, “manifestando-se física ou intelectualmente, de modo a ser percetível pelo locatário: só assim obsta à formação da confiança que, atingindo a duração de um ano, obtém a tutela legal” Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil: Contratos em Especial, Vol. XI, Coimbra, Almedina, 2018, p. 849..

6.3.2. Renovação de facto do contrato de arrendamento

São três os pressupostos previstos no art. 1056.º do Cód. Civil cuja verificação no caso dos autos temos de enfrentar: manutenção do gozo do locado pelo locatário após a caducidade do contrato de arrendamento; duração deste gozo por um ano; inexistência de oposição do locador. A verificação dos dois primeiros requisitos resulta claramente da fundamentação de facto, conforme decorre do ponto 9 – factos provados. Resta-nos confirmar se o mesmo sucede com o terceiro pressuposto.
Sabemos que a autora se manteve totalmente silente durante o ano que se seguiu à caducidade do contrato. Nada declarou expressamente à locatária nem a terceiros sobre a sua oposição à continuação da ocupação do locado pela apelante. No entanto, o seu comportamento, enquanto suposta parte num contrato de arrendamento, sofreu uma alteração conhecida pela inquilina: não mais emitiu recibos respeitantes a ditas rendas pagas.
A emissão do recibo de pagamento da renda, após a extinção do arredamento, representa um inequívoco indício de que senhorio pretende manter ou estabelecer uma relação locatícia. Veja-se, a propósito, a norma próxima prevista no art. 1090.º, n.º 2, do Cód. Civil: “Se o senhorio receber alguma renda do subarrendatário e lhe passar recibo depois da extinção do arrendamento, é o subarrendatário havido como arrendatário direto”.
Simetricamente, o facto de o senhorio, que vinha emitindo recibos de pagamento da renda, deixar de o fazer, após a data da caducidade, é portador de inequívoco significado. É este o caso dos autos. Acresce que não houve nenhuma comunicação de atualização da renda em 2023 (para valer em 2024), contrariamente ao que vinha ocorrendo, conforme resulta do ponto 11 – factos provados. Esta atitude é especialmente anómala – isto é, imprópria de um senhorio comerciante que se dedica à locação de imóveis –, pois o fator de atualização da renda nesse ano (1,0694) foi o maior desde 1993 – cfr. o Aviso n.º 20980-A/2023, de 30 de outubro.
Em suma, a circunstância de a autora ter deixado de emitir recibo de pagamento, com o recebimento das quantias entregues no valor correspondente ao da renda, para além de ter deixado de fazer as normais comunicações anuais de atualização desta, impede a aquisição da confiança legítima pela locatária de que é intenção da locadora manter a relação locatícia, valendo tal conduta como manifestação de oposição. Isto significa que o contrato dos autos não se “renovou” nos termos previstos no art. 1056.º do Cód. Civil.
Não pode a apelação proceder.
7. Responsabilidade pelas custas
A responsabilidade pelas custas cabe à apelante (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), por ter ficado vencido.

C. Dispositivo
C.A. Do mérito do recurso
Em face do exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em manter a decisão recorrida.
C.B. Das custas
Custas a cargo da apelante.
*
Notifique.
Lisboa, 29-04-2025,
Paulo Ramos de Faria
José Capacete (com declaração de voto)
Luís Lameiras

Declaração
Subscrevo na integra o presente acórdão, assim revendo a posição que assumi nos acórdãos desta Relação e Secção, datados de 13.07.23, Proc. n.º 1798/22.0YLPRT.L1, de 21.01.2025, Proc. n.º 205/24.9YLPRT.L1 (em ambos como relator) e de 10.01.2023, Proc. n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7 (aqui como adjunto), onde, sufragando embora a tese da supletividade do art. 1096.º, n.º 1, do CC, expressei, no entanto, diferente entendimento quanto à relação entre este normativo e o consagrado no art. 1097.º, n.º 3, do mesmo diploma.
José Capacete