CONTRATO PROMESSA
INSOLVÊNCIA
DIREITO DE RETENÇÃO
CONSUMIDOR
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário

Da responsabilidade da relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC.

No âmbito do processo de insolvência do promitente vendedor com recusa de cumprimento do contrato promessa pelo AI, não goza de direito de retenção o promitente-comprador que afetou a fração prometida vender a sede e instalações de sociedade comercial.

Texto Integral

Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. Por apenso ao processo de insolvência de Gold Tech-Gestão de Empreendimentos, S.A., em 10.04.2023 A. instaurou ação a que alude o art.º 146º do CIRE com fundamento em contrato promessa de compra e venda de imóvel que celebrou na qualidade de promitente comprador. Deduziu os seguintes pedidos:
 a) notificação do Sr. administrador da insolvência (AI) para realização da escritura de compra e venda; caso assim não se entenda,
b)  reconhecimento do seu crédito pelo montante de €85.000,00, acrescido de todas as rubricas especificadas na petição e a quantificar em momento posterior, graduando-se o crédito no lugar que por lei lhe competir.
Alegou que em 11.07.2000 celebrou contrato promessa de compra e venda de fração (‘CA’) de prédio destinado a indústria, correspondente à verba nº 46 do auto de apreensão elaborado pelo AI, contrato que celebrou com o proprietário do parque industrial onde se integra aquela fração, B., ao qual como sinal e princípio de pagamento entregou a quantia de Esc: 5.120.000$00 aquando da celebração do contrato, Esc: 1.700.000,00 aquando da entrega do armazém ao autor em 14.10.2000, Esc: 1.700.000$00 em 14.02.2001 ao filho e herdeiro do proprietário, C., que estava a gerir as obras que decorriam naquele período, e acordaram no pagamento do restante preço, Esc: 8.520.000,00, no ato da escritura; após o falecimento do proprietário o imóvel foi adquirido à herança pela insolvente (então com outra designação) e a escritura publica de compra e venda não foi celebrada por carecer de uma declaração da Câmara Municipal de Valongo; o autor tem a posse do imóvel desde 14.10.2000, no qual foram realizadas obras e desenvolvida atividade comercial; nunca teve conhecimento da insolvência nem foi notificado pelo AI nos termos e para os efeitos o art.º 102º do CIRE, não podendo aquele recusar o cumprimento do contrato por ter havido tradição da coisa, invocando em defesa dessa tese o AUJ nº4/2014 do Supremo Tribunal de Justiça e o acórdão do STJ de 13.11.2014. Em fundamento do pedido de verificação do crédito mais alegou que não foi possível celebrar a escritura pública de compra e venda por motivos que se imputam ao promitente vendedor, que o seu crédito por incumprimento corresponde ao dobro de tudo quanto foi prestado, o valor das obras que realizou no imóvel, correspondente ao potencial de rentabilização do capital ou custo de imobilização do capital, e ainda indemnização ao abrigo do art.º 102º, nº 3, al. d) do CIRE, e é garantido por direito de retenção; havendo cumprimento do contrato promessa, o seu crédito corresponde ao potencial de rentabilização do capital ou custo de imobilização do capital, ao valor da indemnização emergente do não cumprimento atempado do contrato nos termos do art.º 806º, nº 3 do Código Civil, e ao valor correspondente por redução do preço correspondente a 20% do preço pela desvalorização do valor da fração. Mais alegou que tem o uso pleno e exclusivo da fração, que é por si usada de forma pública e pacífica sem oposição da insolvente nem do AI, e invocou os arts. 755º, nº 1, al. f) e 759º do Código Civil e o AUJ nº4/2014 de 19.05.
2. Contestou o credor hipotecário Caixa Geral de Depósitos. Por exceção, invocou: a ilegitimidade passiva da massa insolvente e dos credores com fundamento no facto de o CPCV não ter sido celebrado com a insolvente e porque a aquisição por usucapião impunha a demanda do promitente vendedor por ser titular da fração inscrita no registo predial no período de 20 anos em causa; a ineptidão da petição inicial por nela serem alegados direitos incompatíveis – a propriedade e a retenção sobre a fração prometida vender – e porque não vem peticionada a restituição e separação da fração da massa insolvente; a ilicitude do pedido de notificação do AI para cumprir o contrato promessa posto ser uma faculdade que a este assiste; a caducidade do direito de instaurar ação nos termos do art.º 146º, nº 2 do CIRE. Por impugnação invocou desconhecimento dos factos alegados pelo autor e mais rejeitou a aquisição por usucapião porque de acordo com os factos que alega e as penhoras que desde 2009 e 2010 incidem sobre a fração apenas pode ser considerado seu detentor, rejeitou o direito de retenção sobre a fração porque esta corresponde a armazém que destinou a atividade profissional e por isso não tem a qualidade de consumidor (cfr. AUJ nº4/2019 que invocou), e quanto ao crédito, a existir seria correspondente apenas ao sinal em singelo. Concluiu pedindo sejam julgadas procedentes as exceções que invocou e, assim não se entendendo, seja a ação julgada improcedente. Requereu declarações do AI e juntou documento.
3. Contestou a massa insolvente de Gold Tech. Alegou desconhecer os factos alegados pelo autor, qualificou de incompatíveis e infundados os pedidos por ele deduzidos, invocou a extemporaneidade da ação para verificação de crédito e a ausência de fundamentação do direito à separação e restituição da fração da massa insolvente, alegou que da contabilidade da insolvente não consta qualquer referência ao contrato promessa e às entregas de dinheiro alegadas pelo autor, que não há falta de requisitos para a celebração de escrituras de compra e venda das frações (já foram realizadas várias), que ao invocar direito de retenção o autor reconhece que a fração pertence a terceiro e tem apenas a posse precária da mesma, que o contrato promessa invocado não foi celebrado com a insolvente e não a vincula, e que apesar de ser público que a proprietária do imóvel foi declarada insolvente em julho de 2012 o autor nunca dirigiu qualquer requerimento ao processo nem abordou o AI e que este, só ao celebrar as escrituras de venda das frações, descobriu que o autor estava a ocupar um imóvel da massa sem título. Concluiu pela sua absolvição do pedido.
4. Foi designada e realizada audiência prévia no âmbito da qual o tribunal consignou entender que o estado dos autos permitem conhecer de mérito.
5. Após vicissitudes atinentes com a falta do autor à audiência prévia e com o contraditório pelo mesmo às exceções deduzidas pelos réus, que o autor veio a exercer, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção da ineptidão da petição inicial e absolveu os réus da instância quanto aos pedidos de separação e restituição da fração e de acessão industrial imobiliária, julgou improcedente a exceção da ilegitimidade dos réus, consignou não existirem outras exceções ou questões que obste ao conhecimento de mérito, fixou o valor da ação, enunciou o objeto do litígio e os temas da provas e admitiu os meios de prova.
6. O credor Caixa Geral de Depósitos reclamou do despacho saneador arguindo falta de pronúncia sobre a exceção perentória da caducidade arguida nos termos do art.º 146º, nº 2 do CIRE, que foi suprida por despacho que a julgou improcedente[1] e mais aditou matéria aos temas da prova.
7. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e reconheceu ao autor um crédito sobre a insolvente no montante de €34.018,60, de natureza comum, absolvendo os réus do demais peticionado, e condenou as partes nas custas na proporção de ¾ para o autor e ¼ para as rés.
8. Inconformado, o autor apresentou o presente recurso pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra “que reconheça ao recorrente o crédito sobre a insolvência, tendo em conta o seu direito de retenção, graduado à frente do credor hipotecário, no montante peticionado de €85.000,00, acrescido de todas as quantias com rubricas especificadas e documentadas pelos documentos juntos na petição inicial.
Após despacho da relatora de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, formulou as seguintes:  
A. Não se conformando o aqui Recorrente com o conteúdo da douta Sentença (…)
B. Salvo o devido respeito que nos merece a opinião e a ciência jurídica da(o) M.ma(o) Juiz "a quo”, afigura-se ao Recorrente que a Douta Sentença proferida, e que versa sobre a qualificação do crédito a reconhecer no âmbito do processo em discussão, apresenta efeitos nefastos sobre a graduação da relação de créditos, a que alude o artigo 129º do CIRE, tendo já sido a questão em discussão uniformizada na jurisprudência, por via de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que a mesma não poderá manter-se.
C. No dia 11.07.2000 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de um prédio designado de "Polo Industrial Mirita", ex-CIFA, situado na Rua S. João do Sobrado, n.º 1280, freguesia de Sobrado, concelho de Valongo - o promitente comprador/Recorrente foi uma pessoa singular que adquiriu o bem imóvel para fins próprios e não de indústria.
D. O Recorrente entregou a quantia de cinco milhões e cento e vinte mil escudos, tendo sido, ainda, acordado que o remanescente do preço seria pago como segue: a) um milhão e setecentos mil escudos, na altura da entrega do armazém ao segundo outorgante; b) um milhão e setecentos mil escudos três meses a partir da data de entrega do armazém referido anteriormente e; c) o restante do preço, ou seja, oito milhões quinhentos e vinte mil escudos, pago no ato da escritura, logo que toda a documentação necessária à sua feitura estivesse pronta - o pagamento dos valores ficaram demonstrados com a prova documental junta, tudo com os devidos efeitos do artigo 362.º do Código Civil.
E. O Recorrente promoveu os 3 primeiros pagamentos à exceção do último (por causa não imputável ao mesmo), estando na posse do imóvel desde 14.10.2000, usando e fruindo do mesmo aos olhos de toda a gente, com atos equivalentes à de um regular proprietário, aguardando sempre a notificação do agendamento da escritura.
F. O Recorrente tomou posse do Imóvel em 14.10.2000 (completando o pagamento de 50% do valor total em 14.02.2001), e, em virtude do falecimento do promitente-vendedor, a herança foi adquirida em 03.10.2001 pela sociedade MIRITA PARK, S.A., em pleno desempenho das suas funções. Esta empresa apresentou-se com diversas designações, entre as quais MIRITA PARK, S.A., SALVAGIO, S.A. E GOLD TECH, S.A., mantendo sempre o número de contribuinte.
G. A insolvência da GOLD TECH S.A. foi requerida no ano 2012, mas nunca existiu qualquer notificação ao aqui Recorrente em todo o decorrer dos autos de insolvência, quer pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência, quer por qualquer outra entidade.
H. O imóvel sempre esteve (está) na posse do promitente comprador, aqui Recorrente, sendo por este utilizado há mais de 20 anos.
I. À Luz da interpretação a ser dada ao plasmado na Lei da Defesa do Consumidor, está em causa saber se, em contrato promessa incumprido pela promitente vendedora insolvente, o Recorrente, que seja consumidor e a quem foram transmitidos os imóveis objeto do contrato meramente obrigacional, goza do "direito de retenção” sobre os mesmos para pagamento dos seus créditos, prevalecendo assim sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos que sobre eles incidia.
J. O direito de retenção regulado nos artigos 754º e seguintes, do Código Civil, "consiste na faculdade que o devedor de uma coisa possui de a não entregar enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste".
K. Assim se compreende que a alínea f), do artigo 755º nº 1, seja entendida restritamente de modo que se encontre a coberto da prevalência conferida pelo "direito de retenção”, o promissário da transmissão de imóvel que, obtendo a tradição da coisa, seja simultaneamente um consumidor.
L. O normativo que no CIRE trata desta matéria é o artigo 106º, esclarecendo, no seu nº 2, que "no caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente -comprador”. No entanto, o artigo não menciona a situação relativamente vulgar em que o contrato-promessa, de natureza obrigacional, foi acompanhado de tradição da coisa para o promitente-comprador - é desta situação que se ocupam os presentes autos.
M. Havendo tradição da coisa, a norma não esclarece qual a consequência daí resultante; todavia tal omissão é ultrapassada fazendo apelo ao "lugar paralelo", resultante da conjugação dos artigos 106º, nº 2, e 104º, nº 1, do CIRE (respeitante à venda com reserva de propriedade) aplicável no caso em análise, já que as razões determinantes do que ali vem exposto quanto ao que lá se regula (compra e venda a prestações) são idênticas às que aqui estão em causa.
N. Subjacente a esta tomada de posição está a forte expectativa que a traditio criou no "promitente-comprador" quanto à solidez do vínculo. Cimentada esta confiança, e "corporizada" destarte a posse, existe, na prática, do lado do adquirente um verdadeiro animus de agir como possuidor, não já nomine alieno mas antes em nome próprio; a partir do momento em que o promitente-vendedor entregou as chaves dos prédios ao promitente-comprador, materializou a intenção de transferir para este os poderes sobre a coisa, faltando apenas legalizar uma situação de facto consolidada.
O. Face ao incumprimento do Administrador, o crédito do Recorrente/Reclamante sobre a insolvência tem a sua proteção assegurada no artigo 102º, nº 3, alínea c), do CIRE.
P. A norma do artigo 102º do CIRE acima transcrito aplica-se, como se vê do próprio texto, "sem prejuízo do estatuído nos artigos seguintes", conferindo autonomia ao estatuído no artigo 106º; e aqui a lei é expressa ao referir que "no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador".
Q. O crédito do Recorrente compõe-se do valor em singelo no montante de Eur. 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), acrescidas de todas as rubricas já suportadas pelo credor/recorrente durante todos os mais de 20 anos volvidos, mantém a prevalência que lhe é conferida pelo "direito de retenção".
R. Não se argumente que os princípios da previsibilidade e segurança seriam afetados pela concessão e prevalência do direito de retenção; trata -se de mais uma escolha do legislador, à semelhança de outras — v. g. créditos de trabalhadores — que evidência claramente uma ponderação de interesses em atenção à parte mais fraca no âmbito da relação contratual: implica necessariamente compressão de alguns direitos com vista à busca de uma solução mais equitativa; é o que sucede quanto à prevalência excecional do crédito emergente de contrato promessa, ainda que de natureza obrigacional, sobre a hipoteca, desde que se tenha verificado a tradição do respetivo objeto acompanhada pelo pagamento total ou parcial do preço.
S. Urge complementar o que até aqui vem dito com outra decisão uniformizadora que esclarece e aprimora o conceito de consumidor, talqualmente veio o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 212/11.1T2AVR-B.P1.S1., da 6.- secção, Relator Júlio Gomes.
T. Posto isto, o conceito de consumidor não é unívoco, podendo, mesmo do ponto de vista do direito serem-lhe atribuídos diferentes sentidos.
U. Em suma, se consumidor é um conceito que só se compreende por referência a outro que se lhe contrapõe, como é entendimento de uma parte da doutrina, então ora parece contrapor-se a consumidor o profissional, ora o produtor. O conceito de consumidor no Direito da União Europeia parece ser, no essencial, aquele conceito absoluto.
V. Este conceito absoluto de consumidor, na classificação de LAGARDE, aparece também na legislação portuguesa, mormente em diplomas que, por exemplo, transpõem Diretivas referentes à tutela do consumidor para o ordenamento interno: sirvam de exemplo a Lei n.º 24/96 e o Decreto-Lei n.º 24/2014 (este último, no seu artigo 2.º, define consumidor como "qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional").
W. Analisando o AUJ n.º 4/2014 encontram-se elementos que permitem concluir que o referido AUJ não adotou a conceção de consumidor intermédio, mas antes a de consumidor final.
X. Em suma, remete-se para o sentido comum da expressão utilizador final e destaca-se que não será consumidor quem compra (ou promete comprar) com escopo de revenda.
Y. Ora esse sentido comum é compatível com a noção de que é consumidor o não profissional do ramo, isto é, aquele cuja atividade profissional não consiste propriamente na compra e venda de imóveis ou na compra visando outro escopo lucrativo que terá por objeto imediato o prédio ou fração (por exemplo, para arrendamento) e que vai ser, assim, o utilizador final do bem.
Z. Aderimos, por conseguinte, ao Acórdão do STJ de 29/05/2014 (JOÃO BERNARDO) quando conclui que do conceito de "consumidor" inserto no texto da uniformização só está excluído aquele "que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis”.
AA. E, linkando tudo quanto vem decidido nos dois acórdãos de uniformização que se citaram, resultou amplamente provado que o Recorrente não é uma sociedade com escopo de revenda e adquiriu o imóvel a título pessoal, não obstante lá ter instalado, mais tarde, uma sociedade comercial, denominada de "RF- Caixas de Transporte, Lda." cuja atividade se transcreve: "Fabrico, comércio, importação, exportação e representações de uma grande variedade de produtos, nomeadamente caixas, malas e embalagens para transporte de materiais diversos; trabalhos em carpintaria, montagem de expositores e stands; Atividades recreativas e de animação nomeadamente para crianças; Organização e realização de eventos".
BB. O Recorrente não agiu como profissional do ramo imobiliário, mas sim, no sentido atrás exposto, como consumidor, na aceção de utilizador final.
12. Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta e, no âmbito deste, pelo teor das conclusões do recorrente, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, não estando o tribunal de recurso adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, não estando cobertas pela força do caso julgado, se apresentem relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC).
No contexto das alegações de recurso, as conclusões, como síntese conclusiva que são, devem ter correspondência lógica com o alegado em sede de motivação do recurso e com o que por ele vem concretamente censurado e requerido, pelo que se exige que a matéria reconduzida às conclusões e ao pedido deduzido a final constituam proposições sintéticas logicamente decorrentes das premissas do silogismo, assente este nos fundamentos do recurso alegados em sede de motivação e na pretensão recursiva nele expressamente enunciada[2]. Conexão que não existe relativamente ao pedido de substituição da sentença recorrida por outra que julgue verificado “crédito no montante peticionado de €85.000,00, acrescido de todas as quantias com rubricas especificadas e documentadas pelos documentos juntos na petição inicial” na medida em que as alegações não contêm qualquer censura ao montante do crédito reconhecido pela sentença recorrida e fundamentos que o suportam, nem qualquer fundamento para a sua alteração. Com efeito, da conjugação do segmento do pedido recursivo - que reconheça ao recorrente o crédito sobre a insolvência, tendo em conta o seu direito de retenção, graduado à frente do credor hipotecário – com o teor das alegações resulta que pelo presente recurso o recorrente impugna ‘apenas’ a qualificação do crédito que lhe foi reconhecido pela decisão recorrida, conforme expressamente sintetizou no início das alegações de direito ao definir a questão que pretende submeter a apreciação nos seguintes termos: “Está em causa saber se, em contrato promessa incumprido pela promitente vendedora insolvente, o promitente-comprador, que seja consumidor e a quem foram transmitidos os imóveis objeto do contrato meramente obrigacional, goza do “direito de retenção” sobre os mesmos para pagamento dos seus créditos, prevalecendo assim sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos que sobre eles incidia.
Assim sendo, afastada que foi do objeto do processo a apreciação de uma pretensão de separação e restituição da fração industrial objeto do contrato promessa documentado nestes autos e, assim, afastada a apreciação da questão da aquisição da propriedade da mesma pelo recorrente por decisão que nessa matéria concluiu pela ineptidão da petição inicial e não foi objeto de recurso, e não tendo sido impugnada por qualquer credor a decisão de verificação de crédito em benefício do recorrente com fundamento nesse mesmo contrato e nos pagamentos que efetuou ao promitente vendedor (que corresponde a pessoa singular e, por isso, pessoa jurídica distinta da aqui insolvente[3]), pelo presente recurso apenas cumpre apreciar se o crédito reconhecido ao recorrente é comum, conforme decidiu o tribunal a quo, ou se é garantido por direito de retenção, conforme pretende o recorrente.

III - Fundamentação de Facto
 Na ausência de impugnação à decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, os factos relevantes para apreciação do recurso correspondem aos que por aquela foram julgados assentes e demonstrados, e que aqui se opta por reproduzir para facilidade de apreensão e compreensão da subsequente apreciação:
1. Factos provados
Atenta a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em audiência, julgo provados os seguintes factos:
1. Por acordo escrito denominado «Contrato de Promessa de Compra e Venda», datado de 11.07.2000, junto com a petição inicial como doc. 2 e cujo teor integral se dá por reproduzido, subscrito por A., casado, no regime de comunhão de adquiridos com AA., e o autor, com o teor seguinte:
«1.º “O primeiro outorgante é dono e legitimo proprietário de um prédio destinado a industria, designado por “Polo Industrial Mirita”, ex Cifa, situado na Rua S. João do Sobrado, n.º 1280, freguesia de Sobrado, concelho de Valongo e por este contrato-promessa, promete vender ao segundo outorgante ou a quem ele designar, uma fração daquele prédio, que se encontram identificadas e devidamente assinaladas na planta anexa a este contrato e que fará parte integrante, com cerca de 274 m2, pelo preço de 17.040.000§00, prometendo o segundo, como promitente comprador, comprar.
2.º Como sinal e princípio de pagamento, o segundo outorgante entrega ao primeiro a quantia de Esc. 5.120.000$00.
3.º O restante preço será pago da seguinte forma:
a) 1.700.000$00 na altura de entrega do armazém ao segundo outorgante;
b) 1.700.000$00 três meses a partir da entrega do armazém referido na alínea anterior;
c) o restante preço, ou seja, Esc. 8.520.000$00, será pago no acto da escritura, logo que toda a documentação necessária à sua feitura esteja pronta e, do dia e local da sua realização, o primeiro outorgante avisará o segundo outorgante com antecedência mínima de quinze dias.
4.º Todas as obras das frações aqui prometidas vender serão da responsabilidade e a expensas do primeiro outorgante, promitente vendedor, com excepção da parte eléctrica.
6.º A água e electricidade, enquanto não houver redes definitivas serão cedidas a título precário pelo primeiro outorgante.
7.º Os outorgantes prescindem mutuamente do reconhecimento notarial das assinaturas e, pela ausência deste formalismo não poderá ser invocada a anulação deste contrato.» - cfr. Contrato de Promessa de Compra e Venda junto com a petição inicial como doc. 2
2. Dos extractos bancários da conta à ordem, n.º 266 08 0012713, verificam-se os seguintes movimentos a débito:
- a 14.07.00, do valor de 5.120.000$00 cheque 0994438;
- a 22.11.00, do valor de 1.700.000§00 cheque 0876848;
- a 23.02.01, do valor 1.700.000§00 cheque 2647341591; - cfr. doc. 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial.
3. Com data de 21.11.2000, foi subscrita a declaração denominada de quitação, junta com a petição inicial, cujo teor integral se dá por reproduzido, que se reproduz, em parte, «B, […] declara ter recebido do Exm.o Senhor A. […] a quantia de Esc. 1 700 000§00 (um milhão e setecentos mil escudos), como reforço de sinal, referente ao contrato promessa de compra e venda celebrado em 11 de Julho de 2000.» - cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.
4. Como doc. 7 junta o autor cópia do cheque n.º 360.0876848, do Banco Pinto & Sotto Mayor, com data de 21.11.2000, no valor de 1 700 000§00, à ordem de Joaquim Fernandes da Silva, cujo teor integral se dá por reproduzido. – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial.
5. Com data de 02.12.2002, a sociedade comercial Mirita Park – Gestão de Emp. Imobiliários, S.A. emitiu uma nota de débito, em nome de RF Caixas de Transportes, Lda., no valor de 1 207,14€ - doc. 8 junto com a petição inicial.
6. Com data de registo postal de 22.12.2003 – doc. 13 e com o remetente de RF Caixas de Transportes, Lda., o autor enviou à sociedade comercial Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A. a comunicação junta com doc. 11 (Assunto: Pagamento de luz) e o cheque emitido pela RF Caixas de Transportes, Lda. à ordem daquela sociedade – doc. 12 e 13, cujo teor integral se dá por reproduzido - doc. 11, 12 e 13 juntos com a petição inicial.
7. Com a mesma data e remetente – doc. 16, o autor enviou àquela mesma sociedade a comunicação junta como doc. 14 (Assunto: Pag. De segurança/condomínio) e o cheque emitido pela RF Caixas de Transportes, Lda. à ordem daquela sociedade – doc. 15, cujo teor integral se dá por reproduzido - doc. 14, 15 e 16 juntos com a petição inicial.
8. Com data de 02.09.2004, a sociedade comercial Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A. emitiu uma factura referente a condomínio e cedência de energia elétrica, em nome de RF Caixas de Transportes, Lda., no valor de 622,35€ - doc. 7 junto com a petição inicial.
9. Com data de 04.12.2004 emitiu recibo daquele montante - doc. 18 junto com a petição inicial.
10. Com data de 06.06.2005, a sociedade comercial Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A. emitiu uma factura referente a condomínio e cedência de energia elétrica, em nome de RF Caixas de Transportes, Lda., no valor de 567,98€ - doc. 19 junto com a petição inicial.
11. Com data de 06.06.2006, a sociedade comercial Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A. emitiu uma factura referente a cedência de energia elétrica, em nome de RF Caixas de Transportes, Lda., no valor de 574,10€ - cfr. doc. 20 junto com a petição inicial.
12. Com data de 0602.2023, o Administrador da insolvência enviou a comunicação junta como doc. 1, cujo teor integral se dá por reproduzido e infra se transcreve:
(……)
13. O prédio urbano sito na Rua de São João de Sobrado, n.º 1280, freguesia de Sobrado, concelho de Valongo encontra-se descrito sob o n.º 2495/20030407 e inscrito na matriz sob o artigo 9702, a favor de Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A., por aquisição a C. e a CC. pela ap. 32 de 2011/10/03 - cfr. doc. 1 junto com a contestação da massa insolvente.
14. O imóvel encontra-se onerado com hipotecas a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. – ap. 13 de 2001/11/15, ap. 14 de 2002/12/26, ap. 15 de 2002/12/26 e ap. 1 de 2003/04/01 - cfr. doc. 1 junto com a contestação da massa insolvente.
15. A 07.04.2003 foi inscrita a constituição da propriedade horizontal – frações de “A” a “FZ” - cfr. doc. 1 junto com a contestação da massa insolvente.
16. A fração “CA” corresponde a um estabelecimento para indústria e/ou armazém, no piso um – localizado interiormente na R. Particular C., 100 e 124 – artigo 2706 cfr. doc. 1 junto com a contestação da massa insolvente.
17. Fração que foi apreendida para a massa insolvente da devedora Golg Tech – Gestão de Empreendimentos, S.A. – cfr. doc. 1 junto com a contestação da massa insolvente e auto de apreensão.
18. A sociedade comercial Gold Tech – Gestão de Empreendimentos, S.A., pessoa colectiva n.º 505587149, com sede na Av. Duque de Loulé, n.º 106, 10.º, 1050-087 Lisboa foi declarada insolvente por sentença proferida a 23.07.2012, transitada em julgado - cfr. sentença proferida anos autos principais.
19. A insolvente teve anteriormente a denominação de Salvagio – Gestão de Empreendimentos Imobiliários, S.A., com sede na Rua S. João de Sobrado, 1280, Sobrado, Valongo, com o mesmo objecto social, sendo o seu Administrador único C., que renunciou a 26.06.2006 – ap. 4 de 2006.09.06 – certidão de matrícula junta ao processo principal, com o requerimento de 22.05.2012.
20. O autor entregou para pagamento de sinal e princípio de pagamento o valor de cinco milhões e cento e vinte mil escudos, a 11.07.2000 e, a 21.11.2000, um milhão e setecentos mil escudos.
2. Factos não provados
a. O autor entregou a quantia de um milhão e setecentos mil escudos, a 23.02.2001, para reforço de sinal.
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

IV – Fundamentação de Direito
1. Conforme se relatou, a decisão recorrida reconheceu ao autor direito de crédito sobre a insolvência no montante de €34.018,60 com fundamento em contrato promessa de compra e venda com convenção de sinal em vigor à data da declaração da insolvência e cujo cumprimento foi (pelo menos tacitamente) recusado pelo AI, tendo por objeto fração destinada a atividade industrial, sobre a qual o recorrente pretende seja reconhecido direito de retenção em garantia de cumprimento do crédito que lhe foi reconhecido.
2. Ainda que não esteja em causa o montante do crédito fixado, afigura-se-nos pertinente uma breve contextualização do regime geral legal das consequências do incumprimento (lato senso) do contrato promessa. Deste decorre que a situação de mora no seu cumprimento gera para o promitente não faltoso a possibilidade de optar: ou pelo seu cumprimento coercivo, através da ação declarativa comum (constitutiva) para execução específica do contrato promessa a que alude o art.º 830º do CC, com a qual obtém a produção dos efeitos positivos do contrato promessa, que pressupõe a manutenção do interesse do promitente não faltoso na celebração do contrato definitivo; ou pela resolução do contrato nos termos dos arts. 432º e ss. do CC, através da convolação da mora em incumprimento definitivo, o que pressupõe, ou a impossibilidade de celebrar o contrato prometido, nos termos do art.º 801º do CC, ou a perda de interesse do promitente não faltoso na sua celebração que, nos termos do art.º 808º do CC, é apreciada objetivamente. O cumprimento coercivo do contrato promessa (a execução específica) pressupõe, em regra, uma situação de mora, conforme prevista pelo art.º 804º, nº 2 do CC, e a manutenção do interesse contratual positivo do promitente cumpridor[4]. No contexto oposto, do interesse contratual negativo, o direito à restituição das quantias pagas e/ou à indemnização corresponde a direito de crédito que, ante de mais, pressupõe o efetivo pagamento de quantias pelo promitente não faltoso, e só tem lugar com o incumprimento definitivo do contrato promessa, designadamente, através do exercício do direito potestativo de resolução do contrato[5] ou em caso de recusa ou de impossibilidade de celebração do contrato pelo promitente faltoso. Nos termos dos arts. 433º, 434º, 289º, nº 1, 801º, nº 2 e 808º do CC, só o incumprimento definitivo do contrato investe o promitente adimplente no direito à repetição do que prestou, e na medida em que o prestou, e/ou à indemnização circunscrita ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, assistindo-lhe o direito de se ver colocado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado[6]. De acordo com o regime legal geral, o efeito típico da resolução do contrato é a restituição de tudo o que foi prestado. Desta regra excetuam-se as situações em que existe sinal, por força do estatuído pelo art.º 442º, nº 2 do Cód. Civil. Estabelece o art.º 441º que No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. A constituição de sinal acarreta importantes consequências ao nível do incumprimento da promessa, como decorre do estatuído pelo nº 2 do art.º 442º do Código Civil. Assim, nos termos deste preceito legal, se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou.
3. Com a declaração da insolvência de pelo menos uma das partes no contrato decorrem efeitos sobre os negócios bilaterais do insolvente que a essa data se encontrem em situação de mora no cumprimento total ou parcial das prestações que do mesmo emerge para cada uma das partes (e já não sobre os contratos já resolvidos/extintos à data da declaração[7]), os quais passam a ficar sob a alçada de regime legal especial falimentar previsto nos arts. 102º e ss., designadamente, do princípio geral da suspensão do cumprimento dos negócios em curso até que o AI declare optar pela execução ou pela recusa do seu cumprimento (nº 1 do art.º 102º), faculdade unilateral e potestativa que o legislador atribuiu expressamente ao AI. Exceto na situação prevista pelo art.º 106º, nº 1 do CIRE – contrato promessa com eficácia real, que não se verifica no caso –, à contraparte a lei concedeu apenas a faculdade de [f]ixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento (cfr. nº 2 do art.º 102º). Na ausência de interpelação do AI pelo promitente não faltoso, a recusa de cumprimento pode ser por aquele manifestada, quer expressa quer tacitamente, como sucede quando prossegue e/ou consuma a venda dos bens a terceiro no âmbito da liquidação da massa insolvente, assim como quando reconhece o crédito emergente desse contrato sem o sujeitar à condição do seu cumprimento, na medida em que o reconhecimento do direito de crédito não é compatível/cumulável com o cumprimento do contrato posto aquele pressupor o seu incumprimento definitivo. Condutas “em que se torna certo que o administrador da insolvência não cumprirá o contrato (…)[8], e que determinam a extinção do contrato e a constituição do direito de crédito que do mesmo decorra.
Na definição e apuramento do direito de crédito a reconhecer à contra-parte de contrato promessa no âmbito do processo de insolvência, o art.º 106º do CIRE remete para o disposto no nº 5 do art.º 104º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente vendedor. Dispõe o art.º 104º, nº 5 que Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no nº 3 do artigo 102º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objeto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, atualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no nº 2 do artigo 91º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário.
Resulta patente que, optando o AI pela recusa de cumprimento do contrato, o legislador quis afastar como efeitos indemnizatórios os previsto pelo art.º 442º do CC, remetendo nessa matéria expressamente e apenas para o art.º 104º, nº 5 do CIRE (e já não para o nº 1 ou 2 desta norma) a determinação dos efeitos da recusa de cumprimento do contrato pelo AI e, por via indireta, para o art.º 102º, nº 3 do CIRE[9]. Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 18.09.2018, assim sumariado: I - A opção do administrador da insolvência pelo não cumprimento da promessa de venda feita pelo insolvente, dotada de eficácia meramente obrigacional, constituiu um ato lícito e não culposo.//II - Sendo assim, não é adequado trazer à discussão o n.º 2 do art.º 442.º do CC (seja por aplicação direta seja por analogia), pois que a atuação do regime do sinal ali prevista pressupõe um incumprimento definitivo, ilícito e culposo dos próprios contratantes (anteriormente à declaração da insolvência), não se podendo fazer equivaler a opção lícita de não cumprimento do administrador da insolvência a esse incumprimento ilícito e culposo.//III - O direito do credor promissário deve ser encontrado exclusivamente no CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos respetivos arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, al. c).[10] Assim, da conjugação das normas citadas resulta que em caso de recusa de cumprimento do contrato de promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência, a outra parte, sendo o promitente comprador, tem direito, como crédito sobre a insolvência, à diferença entre o valor da coisa na data da recusa e o montante do preço acordado mas ainda não pago, atualizado para a data da declaração de insolvência nos termos do nº 2 do art.º 91º.
Como consignado na sentença recorrida, no caso não existem elementos que permitam o apuramento do valor de mercado do imóvel à data da recusa pelo AI. Porém, nesta matéria, por acórdão nº 3/2021 de 27.04.2021 o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a seguinte jurisprudência: “Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º2, 104.º, n.º5, e 102.º, n.º3, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março.” Sendo que foi precisamente nesse sentido que a sentença recorrida decidiu, e bem, fixando o crédito do recorrente no montante correspondente ao que entregou ao promitente vendedor a título de sinal e princípio de pagamento.
5. Pelo presente recurso o recorrente pretende seja também reconhecido direito de retenção em benefício do seu crédito, direito que a sentença recorrida negou com fundamento na ausência de verificação de um dos pressupostos cumulativos de que depende, a qualidade de consumidor final do recorrente, qualidade que julgou não verificada pelo facto de o imóvel não se destinar a utilização para fins pessoais, mas ao exercício de uma atividade económica ou uso profissional (armazém industrial).
Numa amálgama de considerações atinentes com os pressupostos da proibição de recusa de cumprimento do contrato promessa pelo AI, natureza e efeitos do não cumprimento do contrato promessa pelo  AI, pressupostos do direito de retenção e relação deste com o direito de hipoteca, pretende o recorrente que: a análise da ‘questão’ deve ser feita “à luz do ordenamento civil vigente e do direito constitucional”; que o art.º 106º, nº 2 do CIRE não prevê o contrato promessa de natureza obrigacional que tenha sido acompanhado da tradição ao promitente comprador e é aplicável apenas ao contrato promessa dessa natureza desacompanhado da tradição da coisa; que com a declaração da insolvência mantêm-se os efeitos do incumprimento previstos pelo art.º 442º, nº 2 do Código Civil; que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo nº 212/11.1T2AVR-B.P1.S1 da 6ª secção proferiu decisão uniformizadora que esclareceu e aprimorou o conceito de consumidor (no sentido de dele excluir apenas “aquele que adquire o bem no exercício da sua actividade profissional de comerciante de imóveis.”); que o conceito de consumidor comporta vários sentidos jurídicos e o adotado pelo Direito da União parece ser o de ‘consumidor absoluto’, como sucede na Diretiva referente à tutela do consumidor transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei nº24/96 e o DL 24/2014, que define consumidor  como “qualquer pessoa singular que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.[11]; que no AUJ n.º 4/2014 encontram-se elementos que permitem concluir que não adotou a conceção de consumidor intermédio mas antes a de consumidor final; e que o sentido comum de consumidor é compatível com a noção de que é consumidor aquele cuja atividade profissional não consiste na compra e venda de imóveis ou na compra com outro escopo lucrativo, como por exemplo, para arrendamento. Com base nestas considerações concluiu que, uma vez que instalou na fração prometida comprar “uma sociedade comercial, denominada de RF – Caixas de Transporte, Lda. Cuja atividade se transcreve: “Fabrico, comércio, importação, exportação e representações de uma grande variedade de produtos, nomeadamente caixas, malas e embalagens para transporte de materiais diversos; trabalhos em carpintaria, montagem de expositores e stands; Atividades recreativas e de animação nomeadamente para crianças; Organização e realização de eventos” - não agiu o AUTOR como profissional do ramo imobiliário, mas sim, no sentido atrás exposto, como consumidores, na aceção de utilizadores finais.
Estabelece o art.º 755º, al. f) do Código Civil que o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição[12] da coisa prometida vender goza de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, direito que lhe confere preferência de pagamento sobre outros créditos, incluindo os garantidos por hipoteca constituída sobre o imóvel dele objeto, independentemente da data da constituição do direito de retenção e do registo da hipoteca (cfr. art.º 759º, nº 2 do Cód. Civil). Como se referiu, o contrato promessa de compra e venda em questão é gerador de efeitos meramente obrigacionais e dele também não decorre a transmissão da posse, que apenas tem lugar quando o proprietário entrega efetivamente ao promitente comprador a coisa por ele prometida vender, mais se exigindo que essa transmissão corresponda à vontade das partes, a valorar com acuidade em função da motivação, circunstâncias ou alcance do acordo relativo à entrega[13]. Conforme acórdão do STJ de 04.12.2007[14], “A entrega antecipada do imóvel, traditio, na vigência do contrato-promessa, não é um efeito do contrato, resulta apenas de uma convenção de natureza obrigacional entre o promitente-vendedor [dono da coisa] e o promitente-comprador.” A designada traditio que, perante o incumprimento do contrato pelo promitente vendedor, e nas condições e termos previstos pelo art.º 754º do CC, é constitutivo do direito de retenção que a lei reconhece ao promitente comprador para garantia de pagamento do seu crédito, conforme finalidade que lhe é legalmente reconhecida.
Revertendo ao caso, não está em causa a existência de tradição do imóvel juridicamente relevante em benefício do recorrente, posto corresponder a entrega voluntária da fração pelo promitente vendedor no contexto da prestação de reforço de sinal cumprida pelo recorrente e em concretização do que foi expressamente acordado e previsto no contrato promessa. Sem pôr em causa que na dita fração foi instalada a sede e a atividade de sociedade comercial, insiste o recorrente que ainda assim assume a qualidade de consumidor que a jurisprudência dos tribunais superiores exige para reconhecimento do direito de retenção ao credor promitente comprador e, com esse sentido, invoca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência (AUJ) nº 4/2014, e mais invoca acórdão do mesmo tribunal proferido no processo nº 212/11.1T2AVR-B.P1.S1, que reputa igualmente como acórdão uniformizador do conceito de consumidor pressuposto para reconhecimento do direito de retenção do promitente comprador no âmbito do processo de insolvência do promitente vendedor.
Ora, em matéria de direitos do promitente comprador não faltoso suscetíveis de serem reconhecidos em sede de insolvência do promitente vendedor com recusa de cumprimento do contrato pelo AI foram proferidos três AUJ’s (sendo que nenhum deles coincide com o acórdão proferido no processo nº 212/11 indicado pelo recorrente) que solucionaram questões até aí objeto de divergência e dispersão de decisões dos tribunais superiores; a saber:
AUJ nº 4/2014 de 19.05 - No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.
AUJ nº4/2019 de 25.07 - Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa.
AUJ nº 3/2021 de 16.08 - Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março.
Resumindo o âmbito de cada um dos referidos AUJ com os termos magistralmente sintetizados por acórdão desta secção de 26.04.2022:
“1. Nos contratos promessa com eficácia meramente obrigacional em que ocorreu a traditio da coisa e o promitente comprador entregou sinal, em caso de insolvência do promitente vendedor, optando o administrador da insolvência por não celebrar o contrato prometido:
a) O crédito reclamado pelo promitente comprador consumidor, goza do direito de retenção (art.º 755º nº 1 alínea f) do Cód. Civil), o que significa, no âmbito da insolvência, que deve ser graduado antes do crédito garantido por hipoteca, conforme fixado no acórdão de 20-03-2014 (AUJ nº 4/2014); este AUJ (apenas) refletiu sobre o confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, e razões da atribuição de prevalência;
b) Promitente comprador consumidor é aquele que destina a coisa, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa, conforme fixado no acórdão de 12-02-2019 (AUJ nº 4/2019); este AUJ limitou-se a fixar o conceito juridicamente relevante, para o efeito em apreço, da qualidade de promitente comprador consumidor;
c) O valor do crédito a que o promitente comprador consumidor tem direito a ser ressarcido é o valor correspondente à prestação que efetuou (arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE), conforme fixado pelo acórdão de 27-04-2021 (AUJ nº 3/2021); este AUJ, partindo da uniformização de jurisprudência feita pelos acórdãos anteriores, apreciou exclusivamente sobre o montante do crédito devido ao promitente comprador (crédito sobre a insolvência).
 Relativamente ao ‘peso’ dos AUJ’s na jurisprudência a produzir sobre questões correspondentes ao objeto dos mesmos, como o próprio recorrente alega nos arts. 56º e 57º da petição inicial, “O Supremo Tribunal de Justiça vem seguindo jurisprudência uniforme no sentido que “Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, já que o STJ não “faz lei”, parece estultice tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada.//Ora, o não acatamento da jurisprudência fixada em Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência (AUJ), e dos seus argumentos jurídicos, além de poder “representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, pode provocar graves danos na celeridade processual e na eficácia (e prestígio acrescentaremos nós) dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso”- RECURSOS NO NOVO CPC, CONS.º ABRANTES GERALDES, ALMEDINA, 2013, P. 380 - adiantando o autor que, obviamente, tal não se repercute nas sentenças ou acórdãos que, antes da publicação do AUJ no Diário da República, tenham sido proferidos.
Por referência ao AUJ nº4/2019, anota-se que os argumentos e doutrina que o recorrente invoca em defesa do conceito de consumidor mais amplo do que o por aquele adotado - no sentido de o não restringir ao uso particular, pessoal do promitente comprador - correspondem aos argumentos e doutrina invocados na jurisprudência contraditória que motivou a uniformização objeto do AUJ nº4/2019, e que por este foram abordados, escalpelizados e rebatidos, adotando um conceito restrito de consumidor[15], no sentido de corresponder a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços, ou transmitidos direitos destinados a uso não profissional. Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.04.2022Atenta a formulação legal que consagra o conceito restrito de consumidor (sendo o mesmo definido, para efeitos de reconhecimento do direito de retenção, como a pessoa que destina o imóvel a uso particular – pessoal, familiar ou doméstico – no sentido de não o comprar para revenda, nem o afetar a uma atividade profissional ou lucrativa, destinando-o a satisfazer as necessidades pessoais e familiares), fácil é concluir que não se mostram provados factos suficientes para considerar o recorrido como consumidor.”
Ora, a afetação do imóvel a sede e instalações de uma sociedade comercial deixa imediatamente confirmada a finalidade comercial da fração prometida comprar, de resto, em conformidade com a natureza da mesma, de pavilhão ou armazém integrado em parque industrial. Acresce que nenhum elemento de facto sobressai do alegado e documentado nos autos que revele uma situação de debilidade, fraqueza ou vulnerabilidade do recorrente aquando da negociação e celebração do contrato promessa[16]. Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2019 que, conforme sumariado, concluiu que “(…)//III- Na esteira deste Acórdão [AUJ nº4/2019], goza do direito de retenção, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação.//IV- De fora do conceito de “consumidor” ficam os promitentes-compradores que pretendem adquirir o bem para revenda, para o exercício de uma actividade profissional, ou lucrativa, como a locação, bem como, em princípio, as pessoas colectivas.//V- No caso dos autos, uma das fracções prometidas destinou-se ao arrendamento e a outra ficou afectada à residência do representante da sociedade autora.//VI- Estas finalidades não são identificáveis com o uso privado, pessoal, familiar ou doméstico subjacente ao conceito restrito de consumidor.
Em síntese, assente a definição de consumidor para efeitos de tutela legal do promitente comprador não faltoso, e sendo essa qualidade condição essencial da atribuição do direito de retenção, dele não goza o promitente-comprador que destina o bem prometido vender a sede e instalações de sociedade comercial.
Termos em que se conclui pelo acerto da sentença recorrida, com consequente improcedência do recurso.

V - Decisão:
Em conformidade com o exposto, os juízes desta secção acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, na manutenção da sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.

Lisboa, 29.04.2025
Amélia Sofia Rebelo
Susana Santos Silva
Nuno Teixeira

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[1] Assente no entendimento de que o crédito correspondente à indemnização devida pelo não cumprimento do contrato promessa em curso à data da declaração da insolvência só se constitui com a recusa do cumprimento do mesmo pelo AI e que no caso essa recusa não tinha ocorrido até à instauração da ação.
[2]A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.//Rigorosamente, as conclusões devem corresponder a fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida. Fundamentos esses traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação. (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 124).
[3] Conforme consta da sentença proferida no apenso de reclamação de créditos, “A insolvente Gold Tech – Gestão de Empreendimentos, S.A. não contratou com os credores: A) ….; B) …; C) …; D) …; E) …; F) …; G) Herdeiros de …; H) …, pelo que não lhe cabe a responsabilidade pelo incumprimento dos contratos-promessa celebrados por B.
[4] Nesse sentido, entre outros, Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, ed. Almedina, 2000, p. 223, e Calvão da Silva, Sinal e Contrato promessa, ed. Almedina, 2010, p. 161-163.
[5] Vd., por todos, Calvão da Silva, ob. cit., pag. 82 e ss., e em especial a resenha do problema na doutrina e na jurisprudência a p. 87 e ss.
[6] Vd. Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed. p. 104 e ss. e Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed. p. 420
[7] Nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 08.02.2022 e de 05.04.2022, proc. nº 1559/12.5TBBRG-R.G1.S1 e 2949/15.7T8VFX-B.L1.S1, disponíveis na página da dgsi.
[8] Acórdão do STJ de 12.02.2019.
[9] Vd. Catarina Serra, ob. cit. p. 235, e Gisela César, ob. cit. p. 226 e ss.
[10] Proferido no processo nº1210/11.0TYVNG-D.P1.S1. No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 09.04.2019, proferido no processo nº 872/10.0TYVNG-8P1.S1, ambos disponíveis na página da dgsi e que naquela questão se distanciaram da posição contrária adotada pelo STJ no acórdão de 20.10.2011, proferido no processo nº 273/05.2TBVGA.C1.S. No mesmo sentido, acórdão da RP de 07.02.2022, proc. nº 4183/16.0T8VNG-E.P1.
[11] No sentido de o Direito da União que define o conceito de consumidor não ter aplicação no âmbito do processo de insolvência, acórdão do STJ de 10.11.2020.
[12] A tradição da coisa, na lição do Prof. Calvão da Silva, “é entrega ou transmissão da detenção material ou simbólica, v. g. entrega das chaves (artigo 1263, al. b)), prática de actos materiais que estabeleçam uma relação de facto do promitente-comprador com a coisa (art. 1263, al. a)), numa palavra, «abandono» da coisa pelo promitente-vendedor e correspondente «apprehensio» ou tomada de poder sobre ela pelo promitente-comprador.” (ob. cit., 11ª ed., pág. 108).
[13] Vd. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 650.
[14] Proc. 07A4070, dgsi.
[15] O sentido/âmbito preconizado pelo AUJ é bem revelado pelo teor da fundamentação do acórdão:
” I - Aplicando um conceito restrito de “consumidor”, o corte valorativo será estabelecido entre, por um lado, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação; e do outro lado todos os demais, ou seja, os promitentes-compradores de bens destinados a revenda, a uso comercial ou a qualquer outra finalidade lucrativa ou profissional. Apenas ao primeiro tipo de contratantes seria reconhecido o direito de retenção.
II - Aplicando um conceito amplo de “consumidor”, colocar-se-ão de um lado tanto os promitentes-compradores que destinem o bem a um fim particular (maxime habitação), como os que o destinem a um fim profissional (em sentido amplo), exceto aqueles que pretendem adquirir o bem para revenda ou para o destinarem a locação. Apenas a esta última categoria de promitentes-compradores não seria reconhecido o direito de retenção.
(…)
Se a função primordial de um acórdão de uniformização de jurisprudência é a de conferir segurança à jurisprudência, dando expressão à previsibilidade decisória enquanto valor relevante do sistema judicial, então a opção que melhor serve este desiderato é a que defende um conceito restrito de “consumidor” que incorpore as notas tipológicas consagradas no art.2 º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07).” (…).”
[16] Ao invés, conforme documentos que juntou nos autos, os pedidos de informação que dirigiu à Câmara Municipal de Valongo e a outras entidades públicas com o propósito de aferir da legalidade da construção e da sua afetação a atividade comercial revela experiência, conhecimento institucional e postura empresarial incompatível com a fragilidade ou vulnerabilidade que a tutela legal especial do consumidor pretende tutelar.