Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULABILIDADE
CABEÇA DE CASAL
REPRESENTANTE
Sumário
Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC). 1 - Nos termos do art.º 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, o recurso, nesta parte, deve ser imediatamente rejeitado, quando o recorrente não cumpra a especificação do referido na alínea b, do nº 1) e a), do n.º 2, do citado artigo. 2 - Não se pode, sem mais, desde logo face ao princípio da autorresponsabilização das partes e o respeito pelo princípio do contraditório da parte contrária, permitir que, por uma questão claramente de pura inércia, a recorrente não tenha tido o “trabalho” imposto pelo art.º 640º, do CPC, de delimitar, “com exatidão”, como lhe é exigido, as passagens da gravação do julgamento que lhe permitem fundar a impugnação da matéria de facto, limitando-se a indicar, na impugnação, toda a prova produzida relativamente aos depoimentos que enuncia. 3 - Comina a lei, com nulidade, as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios estiverem presentes ou representados, embora se trate de uma nulidade atípica ou invalidade mista, pois o vício pode ser sanado posteriormente, considerando o disposto no n.º 3, do art.º 56º, do CSC. 4 - Não resulta de nenhum preceito do CSC, que quando a sociedade pretende convocar as suas assembleias gerais se tenha que assegurar que todos os seus sócios estão disponíveis naquela data, assim como não resulta do mesmo diploma que as assembleias gerais das sociedades tenham que ser adiadas por impedimento de qualquer um dos sócios, independentemente da natureza desse impedimento, sob pena de se inviabilizar a “vida” das sociedades e de se colocar um mecanismo fácil nas mãos dos sócios de dificultar as decisões a tomar pela sociedade. 5 - Os sócios têm mecanismos legais de se fazer representar nas assembleias gerais e, no caso em concreto, da sociedade em apreço, ainda mais alargados com a possibilidade de representação por advogado. 6 - Cabia à sócia, dentro dos seus possíveis representantes, fazer comparecer aquele que entendesse mais “adequado” para o efeito, se não podia comparecer pessoalmente na assembleia geral, independentemente do motivo pelo qual não podia comparecer e independentemente de ter feito saber desse motivo à sociedade, não excedendo, de forma manifesta, os limites impostos pela boa-fé, a realização da assembleia geral da sociedade em data em que a sócia não podia estar pessoalmente presente. 7 - Tendo sido cumprido um prazo mínimo, no que respeita à comunicação das alterações propostas dos artigos do pacto social da sociedade, que permitiria ao sócio considerar-se devidamente informado, de forma a ter uma participação livre e esclarecida na assembleia, não deve ser motivo de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral em crise, relativamente a esta matéria, o não cumprimento rigoroso do prazo de quinze dias previsto no art.º 248º, n.º 3, do CSC. 8 - Para a situação de contitularidade de quota social, prevê o CSC normas reguladoras do exercício dos direitos sociais nos art.ºs 222º a 224º, do citado diploma. 9 - O nº 5, do art.º 223º, do CSC, constitui a regra, relativamente aos poderes do representante comum perante a sociedade, e o n.º 6, a exceção, norma de caráter imperativo (“não é lícito.”), em que o representante comum necessita que lhe sejam conferidos poderes de disposição, por lei, testamento, pelos contitulares ou pelo tribunal. 10 - Não estando em causa qualquer uma das outras situações referidas no n.º 6, do art.º 223º, do CSC, poderia a representante comum das quotas votar nos termos em que o fez, sem necessidade de consentimento de todos os contitulares da quota, não se verificando a anulabilidade das deliberações em apreço por esta via (art.º 58º, n.º 1, al. a), do CSC.). 11 – Obsoletas, ou não, as disposições dos art.ºs 263º, n.º 1 e 214º, n.º 4, do CSC estão em vigor e são aplicáveis, sendo que a sócia da sociedade podia e devia ter consultado, caso o desejasse, os elementos pretendidos na sede social da sociedade como vinha expressamente indicado na convocatória da assembleia geral.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa
Junção de documentos
Veio a recorrida juntar com as contra-alegações um documento referente a uma ata de julgamento datada de 02.12.2019, respeitante ao Proc. 19559/17.7T8LSB, do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 5.
Não requer a junção do mencionado documento, nem indica a razão pela qual pretende a sua junção neste momento.
Dispõe o art.º 651º, n.º 1, do CPC, que:
“1 – As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
No caso, não indicando a recorrida que a junção do documento apenas tenha sido possível até ao momento do recurso, ou qual o motivo pelo qual se tornou necessária a sua junção, nem tal se vislumbrando do teor do documento em si, nomeadamente face à data do mesmo ou da alegação da recorrida em sede de recurso, importa não admitir a junção do documento em referência.
Decisão
Pelo exposto, não se admite o documento junto com as contra-alegações de recurso pela recorrida.
1. Relatório
AA veio, em 02.12.2019, intentar ação declarativa contra Veifer – Sociedade Imobiliária de Construções, Lda. pedindo, a final, que seja declarada a nulidade ou anulação de todas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 06.11.2019 da Ré, com a consequente condenação desta última a reconhecê-lo.
Alegou para o efeito, em síntese, que é sócia da Ré por ser titular de uma quota com o valor nominal de 2.493,99 € e contitular em regime de comunhão, sem determinação de parte ou direito, de duas quotas com o valor nominal de 18.704,92 €, cada uma delas; que a gerência da Ré convocou, em 21.10.2019, uma Assembleia Geral da sociedade, a ter lugar em 06.11.2019, tendo a Autora enviado missivas à Ré solicitando o reagendamento da mencionada assembleia geral que, no entanto, se realizou na data agendada; que a convocatória enviada se encontrava inquinada não tendo sido indicados quais os artigos em concreto dos estatutos da sociedade que iriam ser alterados, nem tendo sido junto à mesma a proposta a que nela se faz referência; que à referida assembleia geral só compareceram advogados em representação dos três sócios, em clara contravenção do que a esse propósito dispõe o art.º 249º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), já que os estatutos originais são omissos quanto a essa questão e a deliberação que aprova o novo artigo 14º do pacto social encontra-se judicialmente impugnada por via da ação, a qual se mostra registada na competente Conservatória. Acrescentou que a deliberação de alteração dos estatutos em causa só perfez a maioria legal de 75% do capital social exigida pelo art.º 265º nº 1 do CSC, porque a cabeça-de-casal, BB, representante comum de duas quotas com o valor nominal de € 18.704,99, cada uma delas, votou favoravelmente essa proposta através da sua advogada presente no ato; que a deliberação de alteração dos estatutos da Ré importa uma renúncia e redução dos direitos dos sócios, não sendo lícito ao cabeça-de-casal, com simples poderes de administração, agir, enquanto representante comum dos contitulares de quotas indivisas, em deliberações sociais desta natureza e alcance. Disse ainda que o CD Rom que a Ré enviou à Autora, com a convocatória da assembleia geral de 06.11.2019, estava corrompido em 90% da respetiva capacidade, encontrando-se os documentos de suporte que serviram de base à elaboração do relatório de gestão, à demonstração individual de fluxos de caixa, ao anexo às demonstrações financeiras e ao balanço do exercício de 2018 ilegíveis, por inacessíveis, tendo a Ré tentado obter esses elementos junto da Autora sem que o tenha logrado e que embora o contabilista certificado da sociedade tenha estado presente na assembleia geral, o certo é que o mesmo não prestou quaisquer declarações ou esclarecimentos e ou exibiu as contas e os documentos contabilísticos do exercício de 2018, já que os representantes das três sócias se bastaram com a prévia entrega destes últimos elementos.
Citada a Ré apresentou contestação, pedindo, a final, que seja julgada totalmente improcedente, por não provada, a ação; seja julgado procedente, sem prejuízo dos montantes a liquidar, o pedido indemnizatório formulado no que respeita à litigância de má-fé da Autora.
Alegou, em síntese, que o escritório da Autora e a sede da Ré são “paredes meias” e, como sociedade familiar que é, a Autora, (tal como os demais sócios e a sócia gerente), sempre acederam livremente à sede da sociedade e puderam consultar toda a documentação, incluindo os relatórios existentes; que a data em que se realizou a Assembleia Geral foi a única em que o Cartório Notarial tinha disponibilidade de agenda.
Relativamente ao Ponto 4 da Ordem de Trabalhos, a aprovação do mesmo não padece de nenhuma invalidade; a possibilidade de qualquer um dos sócios se poder fazer representar em assembleia geral por cônjuge, por ascendente, por descendente, por outro sócio ou por advogado não é contrária à natureza e estrutura familiar da sociedade Ré e não viola o contrato de sociedade; que a ação intentada pela Autora com vista a anular a deliberação que aprovou o artigo 14º foi considerada totalmente improcedente; que é de considerar regularmente representada a herança do sócio falecido, na Assembleia geral, pelo cabeça-de-casal, sem a presença dos demais herdeiros. Disse ainda que relativamente à documentação contabilística da sociedade, a Ré remeteu à Autora o Relatório e as contas relativas ao exercício de 2018, bem como o CD Rom contendo os documentos de suporte, sendo falsa a afirmação da Autora de que o CD Rom estivesse parcialmente corrompido, encontrando-se legíveis todos os documentos inseridos no mesmo; que são falsas as alegações da petição inicial, no sentido de que a Ré não facultou, em momento prévio à deliberação em assembleia Geral, a documentação de suporte aos documentos contabilísticos remetidos. Acrescentou ainda factualidade referente à alegada má-fé da Autora, pedindo a condenação da mesma numa indemnização a fixar pelo Tribunal, nunca inferior àquilo que a Ré tem, designadamente, e entre outras despesas, de suportar com o patrocínio judiciário a que se vê obrigada a recorrer em virtude da presente ação, pendente de liquidação, mas que se fixa em valor nunca inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros).
*
Foi efetuado o registo da ação.
*
Foi realizada audiência prévia nos autos.
*
Foi realizada audiência de discussão e julgamento.
*
Em 27.11.2024, foi proferida sentença nos autos, com o seguinte dispositivo:
“V. CONCLUSÃO – DECISÃO FINAL DO LITÍGIO
Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, não anulo as deliberações aprovadas na assembleia geral da ré de 6 de novembro de 2019.
Mais julgo improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.
DAS CUSTAS
A decisão que julgue a ação condenará em custas a parte que a elas tenha dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Termos em que condeno a autora ao pagamento das custas por força do seu decaimento.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com esta decisão veio a Autora, em 27.01.2025, apresentar recurso da mesma, pedindo, a final, no que ora nos interessa, que seja concedido total provimento ao recurso de apelação com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra decisão que confira total procedência à ação.
Apresentou a recorrente as seguintes conclusões:
A – Da impugnação parcial do segmento da sentença recorrida proferida sobre a matéria de facto
1ª No ponto nº 6 dos factos provados e com fundamento no teor dos nº 8 a 11 das alegações que antecedem deve ser corrigido o erro material de que o mesmo padece no sentido de que BB não compareceu à audiência final a que aí se faz referência.
2ª Com fundamento no teor dos números 12 a 26 das alegações que antecedem, deve ser suprimida da matéria de facto provada a factualidade subjacente ao respectivo ponto nº 25.
3ª Com fundamento no teor dos números 28 a 48 das alegações que antecedem, deve ser suprimida da matéria de facto provada a factualidade subjacente ao respectivo ponto nº 27 e incluída nos factos provados a factualidade a que se refere a alínea i) dos factos não provados.
4ª Com fundamento no teor dos números 50 a 69 das alegações que antecedem, deve ser integrada na matéria de facto provada a factualidade a que se refere a alínea iii) dos factos provados.
5ª Com fundamento no teor dos números 71 a 74 das alegações que antecedem, deve ser integrada na matéria de facto provada a factualidade a que se refere a alínea vi) dos factos provados.
6ª Com fundamento no teor dos números 75 a 81 das alegações que antecedem, deve ser integrada na matéria de facto provada a factualidade a que se refere a alínea vii) dos factos provados.
7ª Com fundamento no teor dos números 82 a 85 das alegações que antecedem, deve ser integrada na matéria de facto provada a factualidade alegada no artigo 71º da petição inicial.
B – Da impugnação da decisão proferida na sentença recorrida sobre a matéria de Direito
8ª Sabendo de antemão a Ré que em 06/01/2019 pelas 10h teria igualmente lugar a realização da audiência final de julgamento do processo nº 19.559/7T8LSB então pendente no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Lisboa, onde a A. pretendia prestar declarações de parte, privou-a consciente e intencionalmente de àquele acto societário comparecer, por esta última não dispor do dom da ubiquidade e de aí se não poder fazer representar pelos motivos constantes dos números 95 a 104 das alegações que antecedem, pelo que a gerência da Ré ao ter agendado para a mesma data e hora no Cartório Notarial de Oeiras a AG dos autos e tendo-se abstido de a reagendar para outra data, manifestamente ofendeu com essa sua conduta os princípios da boa-fé, exercendo abusivamente o direito à expedição e agendamento do aviso convocatório, o que equivale à neutralização desse direito convocatório e à consequente anulação das deliberações ali indevidamente tomadas, pelo que ao decidir-se diversamente na sentença recorrida violou-se o disposto no artigo 334º do Código Civil e no artigo 58º nº 1 a) do Código das Sociedades Comerciais, pelo que deve essa decisão ser com estes fundamentos revogada.
9ª Não constando do aviso convocatório da AG dos autos expedido com a antecedência mínima legal de 15 dias relativamente à data da sua realização a indicação expressa dos artigos do pacto social da Ré a ser objecto de alterações, nem tão pouco cópia da proposta da sua nova redacção, o mesmo peca de vício de forma que é insanável, pois é totalmente ineficaz a sua posterior correcção com expedição em prazo inferior ao mínimo legalmente consagrado, o que determina a anulação do que nesse acto societário tenha sido a esse propósito deliberado, pelo que ao se ter diversamente decidido na sentença recorrida violou-se o disposto nos artigos 58º nº 1 c) e nº 4 al. a), 248º nº 1 e nº 3 e 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que com estes fundamentos deve semelhante decisão ser revogada.
10ª Reduzindo sensivelmente os anteriores direitos da A., as novas redacções dos artigos 6º e 8º aprovadas na AG dos autos conforme melhor consta dos nº 128 a 135 das alegações que antecedem, carecia BB, enquanto representante comum das quotas maioritárias indivisas, do prévio acordo nesse sentido a prestar pelos restantes contitulares, pelo que não constando da correspondente acta ou destes autos qualquer evidência desse acordo, não poderia aquela representante ter deliberado semelhante alteração estatutária, o que inquina de anulabilidade essa deliberação, pelo que ao se ter decidido diversamente na sentença recorrida violou-se o disposto nos artigos 58º nº 1 a) e 223º nº 6 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que com esses fundamentos deve a dita decisão ser revogada.
11ª Os elementos mínimos que a Ré deveria ter colocado à disposição dos sócios corporizam-se por todos os documentos de prestação de contas do exercício económico de 2018, pelo que ao ter a esse título remetido para a A. CD Rom corrompido em cerca de 90% do respectivo conteúdo, os ditos documentos de suporte dessas contas que não eram por esse motivo legíveis e ao se ter abstido de disponibilizar novo CD totalmente legível, quando, para tanto, dessa ocorrência foi avisada pela A., a qual igualmente lhe solicitou que sanasse a referida situação, para além de não ter facultado a respectiva consulta na sede social, privou-a do inerente direito à prévia informação, pelo que a deliberação de aprovação dessas contas e seu resultado na AG dos autos é anulável ao abrigo do disposto nos artigos 58º nº 1 c) e nº 4 b), 214º nº 4 e 263º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, devendo, por conseguinte e com base em semelhantes fundamentos, ser revogado o segmento da sentença ora recorrida que decidiu diversamente.”
*
Foram apresentadas contra-alegações pela Ré., ora recorrida pedindo, a final, no que ora nos interessa, que: o recurso seja liminarmente rejeitado e que caso assim não se entenda seja negado provimento ao recurso, por não provado, confirmando-se a sentença recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
“I. A Apelante incumpriu os ónus processuais de alegação recursiva relativos à impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no art.º 640º, 1 e 2, do CPC;
II. A Apelante também não cumpriu com o ónus de formulação de conclusões do seu recurso que lhe competia;
III. Nas suas alegações a Apelante viola o disposto nos artigos 635º nº 2 e nº4, 639º, 1, 641º, 2, b) do Código de Processo Civil;
IV. Razão pela qual o presente recurso deve ser liminarmente rejeitado;
V. Rejeição liminar do presente recurso que desde já aqui se requer; Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e aqui apenas por mera cautela de patrocínio aqui se refere, sempre diria a ora Apelada em sua defesa que:
VI. No que respeita à indicação constante do ponto nº 6 dos factos provados de que na audiência de julgamento que teve lugar a 06-11-2019, no processo 19559/17.7T8LSB, do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 5, esteve presente a legal representante da ré, BB, confirma-se que, efetivamente, existe um lapso na indicação da presença nessa audiência da legal representante da ré, BB, lapso esse que, apesar de não ter qualquer relevância ou influência na decisão do mérito da presente causa, deverá ser corrigido;
VII. Contrariamente ao que a Apelante pretende fazer crer nos presentes autos, foi produzida prova suficiente no processo sobre o facto de que a data em que a Assembleia Geral dos autos se realizou (o dia 06-11-2029) foi a única data para a qual o Cartório Notarial onde esse acto societário se realizou tinha disponibilidade de agenda;
VIII. Tudo conforme se retira das declarações de BB (declarações registadas e gravadas no sistema digital deste Tribunal de Comércio (J7, com início: 09:56:53 e fim: 10:35:00), mais concretamente nas passagens: dos minutos 4.27; 4.35; 5.00 e do depoimento da testemunha CC (declarações registadas e gravadas no sistema digital deste Tribunal de Comércio (J7, com início: 15:28:09 e fim: 16:03:36) mais concretamente nos minutos 8.15; 8.35 e 10:01 e do depoimento da testemunha DD quando afirmou ser muito difícil alterar as datas das assembleias em notário; 8.05: Testemunha – “O primeiro cartório só fez uma assembleia”
IX. Ao contrário do que é invocado pela Apelante, ficou claramente demonstrado nos autos que a ré remeteu para a autora e ora Apelante a proposta de alteração dos estatutos juntamente com a carta aludida no facto provado 17;
X. Tal como se extrai das declarações de BB (declarações registadas e gravadas no sistema digital deste Tribunal de Comércio ( J7, com início: 09:56:53 e fim: 10:35:00), mais concretamente nos minutos 20:40; 21:00 e 21:12 e do depoimento da testemunha EE (J7, com início: 14:50: e fim: 15:26), mais concretamente no minuto 13.35;
XI. A Apelante também não logrou fazer prova nos autos, como lhe competia, de que a sociedade ré sabia que a autora queria estar presente em juízo a fim de aí prestar declarações de parte, e comparecer pessoalmente à assembleia geral;
XII. A circunstância de ter ficado provada a existência da comunicação da autora datada de 29/10/2019, não é suficiente para que a factualidade subjacente à alínea vi) dos factos não assentes nos autos seja considerada como provada;
XIII. A Apelante também não logrou fazer prova nos autos, como lhe competia, e que por diversas vezes e no período temporal compreendido entre a recção da convocatória da assembleia geral e a data da realização desta, a autora, pessoalmente ou por intermédio da sua secretária e da sua colega de escritório, se deslocou diariamente às horas de expediente à sede social da ré, a fim de aí tentar consultar a documentação de suporte em causa e entregar-lhe em mão a carta datada de 29-10-2019, sem qualquer êxito, nunca ninguém tendo disponibilizado o acesso ao local;
XIV. Tendo o depoimento das testemunhas sido muito claro para demonstrar que a Autora e ora Apelante não se deslocou à sede da Ré, conforme se retira do depoimento da testemunha CC (sessão de julgamento realizada no dia 4 de outubro, declarações registadas e gravadas no sistema digital deste Tribunal de Comércio (J7, com início: 15:28:09 e fim: 16:03:36), mais concretamente dos minutos 13:57 e 14:14 e as declarações de BB (sessão de julgamento realizada no dia 14 de outubro, declarações registadas e gravadas no sistema digital deste Tribunal de Comércio J7, com início: 09:56:53 e fim: 10:35:00), mais concretamente nos minutos 9:02 , 9.55; 11:05; 11:45;
XV. Ficou claramente demonstrado nos autos que juntamente com a convocatória para a assembleia geral de 06-11-2019, a autora recebeu os documentos de prestação de contas essenciais para que pudesse participar na assembleia geral de forma informada, mais precisamente, o Relatório e Contas do ano de 2018 (incluindo a demonstração individual de fluxos de caixa), o anexo às demonstrações financeiras em 31/12/2018 e o balanço, documentos esses que a autora, inclusivamente, juntou aos autos como Doc. 17 da petição inicial, o que a própria admite no artigo 123º da petição inicial, do qual resulta que apenas os documentos de suporte contido no CD Rom se encontravam parcialmente inacessíveis (cfr. facto provado 20).
XVI. Razão pela qual muito bem esteve a Mma Juiz a quo quando considerou terem sido fornecidos à autora e ora Apelante os elementos mínimos de informação para efeitos do disposto no artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais;
XVII. Também não assiste qualquer razão à Apelante no que respeita à inclusão
do ponto vii) dos factos não provados na matéria dada como provada, na medida em que, não foi produzida qualquer prova nos autos de que « vii. Inexistiu acordo dos contitulares das quotas comuns quanto ao sentido de voto do representante comum na deliberação sobre a alteração dos estatutos»;
XVIII. Conforme consta do ponto 12) dos factos dados como provados nos autos,
relativamente ao ponto 4 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré realizada em 06-11-2019, a Presidente leu aos presentes a proposta subscrita pela sua representada, BB, quanto a este ponto, propondo que seja alterado o pacto social da sociedade relativamente aos artigos 6º, 7º e 8º, e lendo o teor da nova redação proposta para cada um dos referidos artigos, tendo a alteração do pacto social sido aprovada por unanimidade dos presentes (aprovação pelos sócios presentes e representados que são titulares de quotas representativas de mais de cinquenta por cento do capital social da sociedade);
XIX. Mesmo que o ponto vii) dos factos não provados viesse a ser considerado provado – o que não se aceita e apenas por mera cautela de patrocínio aqui se refere - tal facto seria inócuo e não teria nenhuma influência / impacto na sentença proferida uma vez que, a alteração do pacto social foi validamente aprovada por unanimidade dos presentes na referida assembleia geral de 06-11-2019;
XX. O facto do ponto vii) dos factos não provados é um facto sem relevância para a decisão da causa;
XXI. A factualidade alegada pela Autora e ora Apelante no artigo 71º da sua petição inicial não deve ser incluída na matéria de facto provada;
XXII. Como consta dos pontos 3), 12) e 20) dos factos provados com relevância para a decisão da causa, conjuntamente com a convocatória da assembleia geral de 6 de novembro de 2019, a ré informou os sócios de que a documentação se encontrava disponível para consulta na sede da Ré e remeteu o Relatório e Contas referente ao exercício de 2018 e um CD Rom contendo documentos de suporte (com 1993 ficheiros);
XXIII. Conforme provado nos autos os documentos estiveram disponíveis para consulta na sede da Ré;
XXIV. A Apelante não esteve presente na assembleia geral da Ré de 06-11-2019.
XXV. A Apelante, ao contrário do que fizeram outros sócios da Ré e ora Apelada, optou por não comparecer e por não se fazer representar na assembleia geral da Ré de 06-11-2019;
XXVI. O relatório de contas e gestão da sociedade de 2018 seria sempre aprovado pela maioria dos sócios da Ré na assembleia geral objeto dos presentes autos, sendo a presença da Apelante por isso irrelevante para os seus objetivos (impedir a aprovação do relatório e contas de 2018 da sociedade Ré e ora Apelada);
XXVII. A Apelante não foi previamente à sede da Ré consultar os documentos referentes ao relatório e contas de 2018;
XXVIII. A Apelante não compareceu nem se fez representar na assembleia geral
da Ré de 06-11-2019;
XXIX. A matéria referente à essencialidade da documentação de suporte ao relatório de gestão e contas não foi objeto de prova, sendo à Autora e ora Apelante que cabia o ónus de prova desse facto por si alegado;
XXX. No entanto, a Autora e ora Apelante não logrou fazer prova em juízo do alegado no artigo 71º da petição inicial;
XXXI. Termos em que, uma vez mais, muito bem esteve a Mma. Juiz a quo ao não considerar o alegado pela Ré e ora Apelante no artigo 71º da sua petição inicial como um facto provado relevante para decisão da causa;
XXXII. O relatório e contas de 2018 foi validamente discutido e colocado à votação na assembleia geral da Ré de 06-11-2019, tendo sido aprovados por unanimidade dos presentes e representados;
XXXIII. A Mma. Juiz a quo não violou com a sentença proferida o princípio da boa
fé; o artigo 334º do Código Civil nem violou o artigo 58º nº 1 a) do Código das Sociedades Comerciais;
XXXIV. Razão pela qual a sentença recorrida não padece de nenhuma ilegalidade
e deve ser integralmente mantida;
XXXV. O representante comum apenas precisa do consentimento de todos os contitulares quando esteja em causa a prática de atos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento das obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios – cfr. nº 1 do artigo 224º do Código das Sociedades Comerciais;
XXXVI. O que não se verifica no caso dos presentes autos;
XXXVII. A irregularidade do aviso convocatório (por violação do nº 8 do artigo 377º do Código das Sociedades Comerciais, ex vi artigo 248º, nº 1, do mesmo diploma legal), não pode acarretar a invalidade da deliberação, por não ter prejudicado o direito de participação do sócio na assembleia geral.;
XXXVIII. Foram fornecidos à Autora e ora Apelante os elementos mínimos de Informação para efeitos do disposto no artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais;
XXXIX. O Douto Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova;
XL. O Douto Tribunal a quo fez um correto julgamento da matéria de facto;
XLI. O Douto Tribunal a quo fez uma correta aplicação do direito aos factos
provados;
XLII. O Douto Tribunal a quo fez um correto julgamento da matéria de direito;
XLIII. O julgamento da matéria de facto não merece qualquer reparo quanto aos
pontos da matéria de facto colocados em causa pela Apelante, tendo o Tribunal recorrido apreciado de forma correta os meios probatórios;
XLIV. A Douta sentença recorrida não merece por isso qualquer reparo;
XLV. As deliberações sociais de alteração dos estatutos e de aprovação das contas do exercício de 2018 tomadas na assembleia geral da Ré de 06-11-2019 não padecem de qualquer vício suscetível de determinar a sua nulidade ou anulação;
XLVI. Razão pela qual o recurso de Apelação deve ser rejeitado!”
*
O juiz do tribunal a quo proferiu, em 03.09.2024, despacho de admissão de recurso interposto, nos seguintes termos:
“I. Retificação da sentença
Nos presentes autos de Anulação de Deliberações Sociais foi proferida sentença a 27-11-2024.
Nas suas alegações de recurso vem a Autora requerer a retificação do lapso material constante do ponto 6 dos factos provados, alegando que aí se considera provado que BB esteve presente na audiência de julgamento aí melhor identificada, sendo certo resultar da ata para a qual se remete que a mesma não compareceu a tal audiência.
Ora, sem necessidade de maiores considerações, indefiro o requerido, inexistindo fundamento para a retificação do alegado lapso material nos termos dos artigos 613º e 614º do Código de Processo Civil, porquanto do facto provado 6 da sentença consta que a indicada BB esteve ausente da aludida audiência de julgamento.
Notifique.
I. Admissão de Recurso, com pedido de reapreciação de prova gravada
Por ser admissível, estar em tempo e a recorrente ter legitimidade, admito o recurso interposto da sentença de 27-11-2024 pela autora AA, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo [artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1 e nº 7, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil].
A ré recorrida VEIFER-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DE CONSTRUÇÕES, LDA. apresentou contra-alegações no prazo legal.
Sem embargo de tal vir a ser entendido de forma diversa pelos Venerandos Desembargadores, entende-se que a Recorrente cumpriu minimamente as exigências decorrentes do artigo 640º do Código de Processo Civil, não se verificando o fundamento pelo qual a Recorrida pugna dever ser rejeitado o recurso.
Notifique.
Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
2. Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do Código de Processo Civil (CPC), sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3 do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
1 - Saber se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada na sentença.
2 - Saber se estão verificados os vícios invocados pela Autora, ora apelante, quanto às deliberações aprovadas na assembleia geral da sociedade apelada, do dia 06.11.2019, passando o conhecimento dessa questão pela apreciação dos invocados fundamentos de nulidade e anulabilidade das deliberações aprovadas.
3. Fundamentos de facto
Os constantes do Relatório supra, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
e ainda os elencados da decisão proferida, pelo Tribunal a quo, sem prejuízo da apreciação que se fará infra sobre a impugnação da matéria de facto:
Factos provados:
1. A ré VEIFER – SOCIEDADE IMOBILIARIA DE CONSTRUÇÕES, LDA., é uma
sociedade por quotas, com sede na Avenida de ...Lisboa, e com o capital social de € 49.879,79, tendo como objeto social a construção de casas para venda e a aquisição de prédios para revenda – cfr. certidão permanente da sociedade ré junta aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo a mais recente obtida nos autos de 07-05-2024 (certidão obtida oficiosamente nessa data pela Secção, em conformidade com o ordenado por despacho de 06-05-2024).
1. São gerentes da sociedade Ré:
Nome: BB
NIF/NIPC: ...03
Nome: BB
NIF/NIPC: ...90
Nome: FF
NIF/NIPC: ...52,
obrigando-se a mesma com a assinatura de qualquer das gerentes
– cfr. certidão permanente da sociedade ré junta aos autos a 07-05-2024 e cujo teor
aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. A convocatória para a assembleia geral da ré de 6 de novembro de 2019, datada de 21 de outubro de 2019, tem o seguinte teor: “Ao abrigo do disposto no artigo 248º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais e, nos termos legais e estatutários, convoco a Assembleia Geral da Sociedade para reunir no próximo dia 6 de novembro de 2019, às 9h30m, no ... GG, na Alameda ... Oeiras, em virtude da sede social não dispor de instalações que permitam a reunião em condições satisfatórias, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2018;
2. Relatório de gestão e contas do exercício de 2018;
3. Proposta de aplicação de resultados;
4. Deliberar sobre uma proposta de alteração do pacto social;
5. Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse para a Sociedade.
INFORMAÇÃO AOS SÓCIOS:
Os documentos de gestão e de prestação e contas, bem como as informações a que se refere o artigo 263º do Código das Sociedades Comerciais, encontrar-se-ão à disposição dos sócios na sede social, com quinze dias de antecedência sobre a data fixada para a realização da Assembleia Geral e seguem, em anexo, numa cópia no CD Rom, bem como o Relatório e Contas do ano de 2018, para consulta os Sócios. Lisboa, 21 de outubro de 2019” – cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em sede de audiência prévia que teve lugar em 12 de setembro de 2019, no processo nº 19559/17.7T8LSB, do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 5, em que figura como autora a aqui também autora AA e como ré a aqui também ré Veifer – Sociedade Imobiliária de Construções, Lda., em que ambas estiveram devidamente representadas por mandatário, foi designado, para realização da audiência de julgamento, o dia 6 de novembro de 2019, pelas 10h00 para produção de prova da Autora, com continuação pelas 14h00 para produção de prova da Ré – cfr. Ata junta como Doc. 3 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Por notificação lavrada no indicado processo 19559/17.7T8LSB, a 18-09-2019, foi dirigida carta de notificação a BB para, na qualidade de legal representante, comparecer no tribunal (Juízo de Comércio de Lisboa, à data, sito na Av. D. João II, nº 1.08.01 Edifício G, 1990-097 Lisboa) no dia 06-11-2019, às 10:00 horas, a fim de prestar depoimento de parte na audiência de discussão e julgamento – cfr. termo de notificação junto como Doc. 4 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. A 06-11-2019, teve lugar a audiência de julgamento no processo 19559/17.7T8LSB, do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 5, a qual teve início às 10h13m e fim pelas 16h33m, tendo estado presentes a autora, AA; o seu ilustre mandatário, Dr. HH; o ilustre mandatário da ré Veifer – Sociedade Imobiliária de Construções, Lda., Dr. II; as testemunhas arroladas pela autora: JJ, KK e LL; as testemunhas arroladas pela ré: CC, DD, MM e NN; e ausentes: as testemunhas arroladas pela ré, BB, EE, OO, PP e QQ, e a legal representante da ré, BB – cfr. Ata junta como Doc. 5 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. A autora dirigiu à ré carta registada com aviso de receção, datada de 29 de outubro de 2019, do seguinte teor:
“Assunto: Assembleia Geral de 06/11/2019 a realizar às 09h30 desse mesmo dia
1. Com reporte à v/ convocatória de 21 do corrente para a Assembleia em epígrafe, cumpre-me formular-vos os seguintes comentários:
a) não se encontra minimamente explicitado e discriminado qual é a alteração que se pretende introduzir ao pacto social dessa empresa, logo os sócios desconhecem qual o seu teor e consequências, não podendo, face à total ausência de informação nesse sentido, saber de antemão quais as alterações que serão objeto de deliberação e prepararem-se em conformidade.
b) O CD que me foi remetido, supostamente contendo cópia de toda a documentação de suporte, está corrompido, já que apenas se encontra acessível em cerca de 10% da sua capacidade, logo não me considero devidamente pré-informada sobre os resultados do exercício económico de 2018, porquanto não me é possível cruzar dados entre o relatório de gestão, a demonstração individual de fluxos de caixa, o anexo às demonstrações financeiras em 31/12/2018 e o balanço com os respetivos documentos de suporte, com base nos quais aqueles documentos foram elaborados, sendo certo que desde a receção da convocatória até à presente data, não foi possível consultar quaisquer documentos, não obstante as diversas tentativas para o efeito.
c) No que respeita à data escolhida para a realização da A.G. em epígrafe, a mesma não podia ser a mais desadequada para o efeito, dado que nesse mesmo dia pelas 10h e como é do v/ inteiro conhecimento terá lugar a audiência final no processo nº 19.559/17 pendente no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Lisboa que nos opõe e onde é minha intenção prestar declarações de parte, pelo que não poderei comparecer ao dito acto social, privando-me, desse modo, de exercer o meu legítimo direito a deliberar, enquanto sócia, sobre os pontos da ordem de trabalhos.
2. Nesta conformidade e em face de todo o exposto, desde já vos solicito que reagendem para outra data a Assembleia Geral em epígrafe, corrigindo as deficiências apontadas nas alíneas a) e b) do precedente nº 1 e permitindo-me a minha comparência pessoal ao referido acto social. (…).” - cfr. Doc. 6 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Esta carta foi registada, com aviso de receção, a 30-10-2019, pelas 17h49, não tendo sido entregue porquanto o destinatário se encontrava ausente no dia 31-10-2019, tendo estado disponível para levantamento até ao dia 13-11-2019, data. em que foi devolvida – cfr. Doc. 6 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. A autora enviou à ré outra carta de idêntico teor à aludida em 7., registada a 30-10-2019, pelas 17h51, mediante registo simples, a qual foi entregue no dia 31-10-2019, pelas 09h59 – cfr. Doc. 7 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. A autora elaborou outras duas cartas dirigidas à ré, de idêntico teor à aludida em 7., uma “Por protocolo” e outra “em mão” – cfr. Docs. 8 e 9 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. A autora enviou, a 5 de novembro de 2019, pelas 20:51, um E-Mail para o destinatário ...@notarios.pt, sob o Assunto: Assembleia Geral da Sociedade por quotas Veifer, Lda., com Importância: Alta, do seguinte teor:
Exmª Senhora Dra. GG
Ilustre Notária
Por este meio venho dar o necessário conhecimento a V.Exa. e para os efeitos tidos por convenientes que não posso estar presente na Assembleia Geral ordinária da sociedade Veifer – Soc. de Construções, Lda. convocada para o cartório de V.Exa. para amanhã dia 6 de Novembro às 09h30m, uma vez que esta colide com o dia e hora designado anteriormente à data da convocatória, para o julgamento da acção de anulação das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral daquela sociedade do dia 7 de Agosto de 2017 (devidamente registada na CRC) que me vi obrigada a instaurar contra a Ré Veifer – Soc. de Construções, Lda. (nº 19559/17.7T8LSB, d0 5º juízo de Comércio de Lisboa).
Chamo a especial atenção de V.Exa., para o facto de estar impugnanda a deliberação que aprovou a alteração do pacto social no sentido de os sócios poderem fazer-se representar em assembleia geral nos termos previstos no artigo 249º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais e ainda por advogado.
Com os melhores cumprimentos
AA”
- cfr. Doc. 10 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. A assembleia geral em apreço teve lugar no dia 6 de novembro de 2019, sendo do seguinte teor a ata respetiva:
“INSTRUMENTO DE ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
Aos seis de novembro de dois mil e dezanove, pelas dez horas, em Oeiras na Alameda ..., no Cartório Notarial da Licenciada GG, perante mim, respetiva Notária, reuniu a Assembleia Geral extraordinária, convocada para as nove horas e trinta minutos, da sociedade comercial por quotas com a firma “VEIFER – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DE CONSTRUÇÕES LIMITADA”, com sede em Lisboa, na Avenida de ..., matriculada sob o número de matrícula e de identificação fiscal ...95, com o capital social de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos, conforme certidão da sociedade que fica anexa à presente ata, com a seguinte Ordem de Trabalhos, constante da convocatória, que se anexa à presente, dirigida aos sócios:
1. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2018;
2. Relatório de gestão e contas do exercício de 2018;
3. Proposta de aplicação de resultados;
4. Deliberar sobre uma proposta de alteração do pacto social;
5. Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse para a Sociedade.
Meia hora depois da hora marcada, estavam representados, os seguintes sócios:
- BB, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de SS, herança que integra duas quotas no valor nominal de dezoito mil setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos, cada uma, representada pela Dra. TT, advogada, conforme procuração que se anexa à presente;
- BB, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, representada pelo Dr. MM, advogado, conforme procuração, que se anexa à presente;
- FF, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, representada pelo Dr. QQ, advogado, conforme procuração, que se anexa à presente;
Estando ausentes os sócios UU, VV que também usa VV, titulares de uma quota do valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, cada um, e a sócia AA, titular de uma quota do valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, a qual por email remetido a este Cartório Notarial em 05/11/2019, que se anexa ao presente instrumento e que foi mim Notária lido em voz alta aos presentes, justificou, pelas razões ali explanadas, a sua ausência na presente Assembleia Geral extraordinária.
Por acordo entre os presentes, assumiu a presidência da presente assembleia geral a Dra. TT, a qual considerou estar esta Assembleia Geral em condições de validamente deliberar, por estarem representados sócios titulares de quotas representativas de mais de cinquenta por cento do capital social da sociedade existindo, portanto, quórum constitutivo e bem assim quórum deliberativo, pelo que deu início aos trabalhos.
Foi admitida a presença na presente assembleia do contabilista certificado da sociedade Sr. CC.
Após o que a Presidente, Dra. TT, deu início à presente Assembleia, lendo o ponto 1 da Convocatória, e dando a palavra aos presentes para querendo se pronunciarem sobre as contas relativas ao exercício de 2018, tendo nessa sequência o dr. MM, em nome da sua representada, informado que as contas e os documentos contabilísticos, são do conhecimento dos sócios, nomeadamente da sócia sua representada e que porque dos mesmos não resulta para aquela quaisquer dúvidas sobre as contas que se encontram consubstanciadas nos documentos que foram entregues aos sócios, a sua representada aprova as contas relativas ao exercício findo em dezembro de 2018.
Usando da palavra o Dr. QQ informou que também a sua representada aprova as contas consubstanciadas nos documentos que foram entregues aos sócios.
Colocado, pela Presidente, este ponto a votação, deliberaram os presentes, em nome das suas representadas, aprovar por unanimidade as contas relativas ao exercício findo em dezembro de 2018.
Após foi pela Presidente lido o ponto 2 da ordem de trabalhos, e colocado a discussão dos presentes este ponto informou o Dr. MM que a sua representada não tem quaisquer questões relativamente ao relatório de gestão e contas do exercício de 2018, e porque mais nenhum dos presentes quis usar da palavra quanto a este ponto foi o mesmo colocado a votação, tendo os presentes por unanimidade aprovado o relatório de gestão e contas do exercício de 2018.
Prosseguindo com a presente Assembleia a Presidente leu o ponto 3 da ordem de trabalhos, dando ao contabilista certificado a palavra para dar conhecimento aos presentes da proposta de aplicação dos resultados, tendo o sr. CC informado que tal como consta do relatório de gestão apresentado pela gerência a proposta é de que o resultado positivo obtido no ano de 2018 no montante de € 67.435,75, seja transferido para a conta de resultados transitados.
A Presidente transmitiu ainda aos presentes que a sua representada, BB, propõe que o resultado líquido do exercício de 2018 no valor de € 67.435,75, seja transferido para a conta de resultados transitados, conforme consta do relatório de gestão.
Dada a palavra aos restantes, quer o Dr. QQ quer o Dr. MM, informaram que as suas representadas concordam com proposta de aplicação dos resultados líquidos do exercício, pelo que, colocada pela Presidente a votação a proposta da sua representada quanto à aplicação dos resultados do exercício foi tal proposta aprovada por unanimidade dos presentes.
Entrando no ponto 4 da convocatória a Presidente leu aos presentes a proposta subscrita pela sua representada, BB, quanto a este ponto, propondo que seja alterado o pacto social da sociedade relativamente aos artigos 6º, 7º e 8º, passando os referidos artigos a ter a seguinte redação:
Artigo Sexto
1. A cessão gratuita ou onerosa, total ou parcial de quotas, a estranhos, fica dependente de prévio consentimento da sociedade dado por deliberação aprovada em Assembleia Geral, que obtenha a maioria de pelo menos cinquenta e um por cento do capital social.
2. A cessão gratuita ou onerosa, total ou parcial de quotas a outros sócios, a descendentes até segundo grau, a ascendentes e cônjuges, não fica dependente do prévio consentimento da sociedade.
Artigo Sétimo
O regime previsto no artigo anterior não se aplica a cessões efetuadas pela sócia BB, quando efetuadas a outros sócios ou a descendentes até ao segundo grau.
Artigo Oitavo
Em caso de falecimento do sócio, a sua quota transmite-se apenas aos seus herdeiros, legais ou testamentários, incluindo descendentes até segundo grau ou colaterais de 4º grau.
Explicando a Presidente aos presentes que esta proposta de alteração de estatutos, se justifica como forma de os adequar às disposições legais para a transmissão de quotas, pretendendo agilizar o que consta dos atuais estatutos da sociedade, aproximando-os do regime legal constante do Código das Sociedades Comerciais.
Dada a palavra aos presentes, foi referido, quer pelo representante da sócia FF, quer pelo representante da sócia BB, que atentas as razões invocadas as suas representadas votam favoravelmente a proposta de alteração dos estatutos nos termos propostos pela sócia BB, e colocada, pela Presidente, a votação a presente proposta de alteração de estatutos foi tal proposta aprovada por unanimidade dos presentes.
Aprovada por unanimidade dos presentes a alteração do pacto social, a Presidente perguntou se mais alguém queria deliberar sobre outro assunto que considere de interesse para a sociedade, conforme consta do ponto 5 da ordem de trabalhos, e porque nenhum dos presentes propôs qualquer outro assunto que deva ser sujeito a deliberação, a Presidente deu por encerrada a presente Assembleia Geral pelas onze horas, dela se lavrando a presente ata, que depois de lida e aprovada, vai ser assinada, pelos presentes nas invocadas qualidades.” – cfr. Doc. 11 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. A relação familiar de pais e filhos presidiu à elaboração e estrutura dos primitivos estatutos da ré, por via dos quais se blindou a referida estrutura do capital social que visava evitar a entrada de “estranhos” nessa composição, designadamente por via de cessões ou transmissões “inter vivos” ou “mortis causa” das respetivas quotas sociais, sendo então do seguinte teor os artigos sexto a oitavo:
Artigo Sexto
A cessão gratuita ou onerosa, total ou parcial de quotas, a estranhos, a cônjuges, descendentes, ascendentes ou entre sócios, fica dependente de prévio consentimento da sociedade dado por deliberação aprovada em Assembleia Geral que obtenha pelo menos a maioria de setenta e cinco por cento do capital social.
Parágrafo primeiro: Nos casos em que a sociedade dê o consentimento à cessão, o direito de preferência na aquisição deferir-se-á da seguinte forma:
a) Em primeiro lugar aos sócios SS e BB;
b) Caso estes não queiram preferir, aos restantes sócios em igualdade de circunstâncias e na proporção das respetivas quotas;
c) Por último, à sociedade.
Parágrafo segundo: A sociedade não reconhecerá para nenhum efeito, qualquer cessão de quotas realizada em infração ao preceituado no presente artigo, ficando o transmitente infrator sujeito a indemnizar o preferente ou preferentes pelo montante correspondente ao dobro do valor contabilístico da transação efetuada.
Artigo Sétimo
O regime previsto no artigo anterior não se aplica a cessões efetuadas pelos sócios SS e BB, quando efetuadas a outros sócios.
Artigo Oitavo
Primeiro – Em caso de falecimento de sócio, a sua quota transmite-se apenas aos seus ascendentes, descendentes ou irmão.
Segundo – Sem prejuízo do disposto no número anterior, todas as outras transmissões de quotas de sócios falecidos ficam dependentes do consentimento da sociedade, por deliberação tomada por maioria não inferior a setenta e cinco por cento do capital social.
Terceiro – Quando a quota não for transmitida, a sociedade deverá amortizá-la, adquiri-la ou fá-la adquirir por sócio ou terceiro conforme e nas condições que forem deliberadas na mesma Assembleia Geral.
Parágrafo único – excetuam-se do disposto neste artigo as quotas dos sócios SS e BB, que serão sempre transmitidas aos seus sucessores.
- cfr. Doc. 12 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. No dia 7 de agosto de 2017, realizou-se uma assembleia geral da ré, cuja ata respetiva tem o seguinte teor:
INSTRUMENTO DE ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
Aos sete de agosto de dois mil e dezassete, pelas quinze horas e vinte minutos, em Oeiras na Alameda ..., no Cartório Notarial da licenciada GG, perante mim, respetiva Notária, reuniu a assembleia geral extraordinária, da sociedade comercial por quotas com a firma “VEIFER – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DE CONSTRUÇÕES LIMITADA”, com sede em Lisboa, na Avenida de ... matriculada sob o número de matrícula e de identificação fiscal ...95, com o capital social de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos, conforme certidão da sociedade que fica anexa à presente ata, com a seguinte Ordem de Trabalhos, constante da convocatória dirigida aos sócios:
1. Ratificar a decisão da sociedade de propor uma ação judicial contra a sócia AA, tendente a obter a desocupação da fração autónoma identificada pelas letras “BI”, correspondente ao terceiro andar letra do prédio da Rua ..., em Lisboa, imóvel esse que é propriedade da sociedade e está ocupado pela sócia em causa sem qualquer título;
2. Autorização para a sociedade propor uma ação judicial contra a sócia AA, tendente a obter a desocupação da fração autónoma identificada pelas letras “BI”, correspondente ao terceiro andar letra do prédio da Rua ..., em Lisboa, imóvel esse que é propriedade da sociedade e está ocupado pela sócia em causa sem qualquer título;
3. Discussão e análise da situação da loja nº 48 do Centro Comercial Roma;
4. Relatório de gestão e contas do exercício de 2015;
5. Proposta de aplicação de resultados;
6. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2015;
7. Relatório de gestão e contas do exercício de 2016;
8. Proposta de aplicação de resultados;
9. Discussão e aprovação das contas relativas ao exercício findo em 31 de dezembro de 2016;
10. Deliberar sobre alterações ao pacto social, nomeadamente o artigo décimo, passando o mesmo a ter a seguinte redação: “A alienação ou oneração de bens imóveis carece de deliberação dos sócios” e a criação do artigo décimo quarto com a seguinte redação: “Os sócios podem fazer-se representar em assembleia geral nos termos previstos no artigo 249º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais e ainda por advogado”;
11. Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse para a Sociedade.
À hora marcada, estavam presentes os seguintes sócios:
- BB, na qualidade de representante comum dos contitulares, em comum e sem determinação de parte ou direito, de duas quotas no valor nominal de dezoito mil setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos, cada uma;
- BB, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos;
- FF, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos;
- AA, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, e em representação dos sócios: VV, que também usa VV, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, e UU, titular de uma quota no valor nominal de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, conforme duas cartas mandadeiras que arquivo a instruir a presente ata – que representam a totalidade do capital social.
Estando em condições de validamente deliberar, assumiu a presidência a sócia BB, que deu início aos trabalhos, passando a ser analisados e discutidos pela ordem indicada os pontos constantes da convocatória.
Foi também admitida pela presidente a presença na presente assembleia dos advogados Dr. II, Dr. MM, Dra. KK, Dr. QQ e OO e EE.
Ponto 1 – (…)
(…)
Ponto 10 – A presidente leu esse ponto da convocatória, tendo a sócia BB, esclarecido os presentes de que a presente alteração aos estatutos se justificava atento o falecimento do sócio SS, o que se pretende é que sempre que se pretenda alienar ou onerar bens os restantes sócios saibam o que se pretende fazer.
A sócia AA leu então a declaração de voto do sócio UU quanto a este ponto dizendo que o mesmo vota contra tal proposta de alteração de estatutos, sendo a sociedade de cariz familiar, não são bem-vindas terceiras pessoas às assembleias gerais, pelo que vota contra as alterações propostas.
A sócia AA referiu que quanto à sua representada VV a mesma vota contra por entender que viola o princípio pelo qual foi constituída a sociedade votando contra todo o ponto 10.
A referida sócia AA referiu ainda que a sua posição pessoal sobre essa matéria é a seguinte, de facto no início a sociedade era gerida pelos seus pais que a deviam gerir como bem entendessem e que por isso no pacto social ficou previstos que a venda de imóveis não carecia do consentimento dos sócios, contudo não vê inconveniente em que se altere o pacto social como sugerido mas não concorda com a maioria simples, porque a atual situação da sociedade não é benéfica para as maiorias, pelo que propõe que a alienação de imóveis careça de uma deliberação mas aprovada por unanimidade, a proposta de alteração que não foi aceite pela presidente. Relativamente à 2ª parte do ponto 10. Discorda em absoluto, não considera nem útil nem positivo, nem um elemento de união da família a intervenção de advogados nas assembleias gerais, acha até que seria motivo de maiores dificuldades, pelo que vota contra.
A sócia FF declarou que vota a favor da alteração do pacto tal como proposto no ponto 10, também a sócia BB votou a favor da proposta de alteração, e a presidente BB declarou que também ela vota a favor da proposta de alteração do pacto constante do ponto 10, que declarou então aprovado.
A sócia AA pediu a palavra para referir que a presidente da assembleia geral exerce um cargo em representação de terceiros, os restantes contitulares de duas quotas, mas deve agir como mera administradora pelo que considera inválida a votação da mesma na presente assembleia sem que tenham sido previamente consultados os restantes contitulares das quotas, pelo que em seu entender nos poderes de administração do cabeça de casal não se integram as alterações de substância dos bens, nem poderes de onerar os bens e alterar os seus princípios estruturais e estruturantes, todos os atos que não sejam de mera administração exigem votação por parte de todos os contitulares das quotas sob pena de a cabeça de casal exercer os poderes de proprietário do todo sem o ser, pelo que considera nula qualquer votação da presidente.
(…).
- cfr. Doc. 13 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, complementado com a página 9 da ata em referência, consultada no processo 19559/17.7T8LSB.
15. A autora instaurou ação de anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 07-08-2017 – cfr. Doc. 14 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. Tal ação foi julgada improcedente por sentença proferida a 09-12-2019, após a instauração da presente ação, e, entretanto, já transitada em julgado – cfr. sentença e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos no processo 19559/17.7T8LSB – J5 – Juízo de Comércio de Lisboa.
17. Por carta datada e registada de 28-10-2019, sob o assunto “Assembleia geral do próximo dia 6 de novembro de 2019”, a ré dirigiu à autora a seguinte comunicação:
“Exma. Senhora,
Em complemento da convocatória para a assembleia geral da sociedade comercial VEIFER SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DE CONSTRUÇÕES, LDA., enviada no passado dia 18 de outubro, informamos que a proposta de alteração do pacto social, tem por objeto os artigos 6º, 7º e 8º do mesmo documento.
As propostas de alteração seguem em anexo, a fim de serem consultadas (…)”.
- cfr. Doc. 15 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18. Por carta datada de 05-11-2019, registada pelas 18h05 desse mesmo dia, com aviso de receção, com tentativa de entrega pelos serviços postais a 06-11- 2019, pelas 10h46, estando ausente o destinatário, sob o assunto: “Assembleia geral agendada para o dia 06/11/2019”, a autora comunicou à ré o seguinte:
“Sem prejuízo do que referi na m/ carta de 29 de Outubro de 2019, bem como do facto de o STJ ter confirmado a declaração de nulidade das deliberações sociais respeitantes às prestações de contas dos exercícios de 2012 e 2013:
1. Acuso a receção da v/ carta de 28 de Outubro p.p., a qual, lamentavelmente nada me esclarece no tocante à alteração dos artigos 6º, 7º e 8º do v/ pacto social, dado que, provavelmente por v/ mero lapso, não me foi com a mesma remetido o anexo a que semelhante missiva se refere.
2. Acresce que esse anexo não me foi, como legalmente devia, remetido com a convocatória em cuja ordem de trabalhos foram omitidos os artigos do pacto social que se pretendem alterar, pelo que se mostra incumprido nesse conspecto a antecedência mínima de 15 dias que aquela convocatória deveria ter respeitado.
3. Saliento igualmente que ainda não me foi dado qualquer acesso à nossa sede social, a fim de a signatária e o respetivo contabilista analisarem, com a devida antecedência, os documentos de suporte com base nos quais toda a contabilidade do exercício económico de 2018 foi elaborada, já que, nas diversas vezes que diariamente para o efeito ali fiz deslocar a minha secretária de manhã e à tarde, as instalações da sede da n/ sociedade se têm mostrado encerradas.
Reiterando a minha solicitação de reagendamento da Assembleia Geral em epígrafe e a disponibilização do anexo respeitante à alteração do pacto social que foi omitido, pois que de outro modo, como é do conhecimento dessa gerência a deliberação será nula, prevaleço-me da oportunidade pra me subscrever com os m/ melhores cumprimentos.
- cfr. Doc. 16 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. Algum tempo após a morte do patriarca SS, as relações familiares passaram a ser muito tensas ou mesmo inexistentes.
20. Conjuntamente com a convocatória da assembleia geral de 6 de novembro de 2019, a ré remeteu à autora o Relatório e Contas referente ao exercício de 2018 e um CD Rom contendo documentos de suporte, o qual se encontrava parcialmente corrompido, encontrando-se apenas acessível e legível em cerca de 10% da respetiva capacidade, estando acessíveis 199 ficheiros de um total de 1993 – cfr. Relatório de Peritagem, junto aos autos a 05-12-2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21. A sede social da ré situava-se, à data da respetiva convocatória e realização da assembleia geral de 06-11-2019, no 1º-A do mesmo prédio onde a autora tem o seu escritório de advocacia, situado no 1º F, mesmo em frente e a apenas cerca de 10 a 15 metros de distância da porta da sede social da ré.
22. No exercício de 2018, a ré tinha o capital social de € 49.879,79 integralmente realizado, dispunha de outros instrumentos de capital no valor de € 181.088,58, apresentava preenchida a reserva legal em € 9.975,96, dispunha de reservas livres no valor de € 518.199,66, apresentava resultados transitados de exercícios anteriores de € 112.954,91, tendo sido de € 67.435,75 o resultado líquido do exercício, pelo que, contabilizando ainda os excedentes de revalorização, o capital próprio passou a ascender a € 2.585.457,92 – cfr. Doc. 17 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. A autora é advogada de profissão.
24. A ré é uma sociedade de estrutura totalmente familiar e a sua constituição remonta a 1978.
25. A data em que se realizou a Assembleia Geral foi a única em que o Cartório Notarial tinha disponibilidade de agenda.
26. Na sessão de julgamento no processo 19559/17.7T8LSB, J5, Juízo de Comércio de Lisboa, que teve lugar a 06-11-2019, não foram prestadas declarações de parte pela autora, nem as mesmas tinham sido determinadas, tendo a audiência de julgamento sido agendada para as 10h00 desse dia, com produção de prova da autora, com continuação pelas 14h00 para produção de prova da ré – cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. A ré remeteu para a autora a proposta de alteração dos estatutos juntamente com a carta aludida no facto provado 17.
O tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
I. Na carta aludida no facto provado 17 não foi inserido qualquer anexo,
pelo que a autora permaneceu sem saber em que sentido e com que alcance os referidos artigos do pacto social iriam ser alterados.
II. A alteração da redação dos artigos 6º, 7º e 8º é a base e o veículo para
que BB venha a prejudicar a autora e os seus irmãos UU e VV.
III. Por diversas vezes e no período temporal compreendido entre a receção
da convocatória da assembleia geral e a data da realização desta, a autora, pessoalmente ou por intermédio da sua secretária e da sua colega de escritório, se deslocou diariamente às horas de expediente à sede social da ré, a fim de aí tentar consultar a documentação de suporte em causa e entregar-lhe em mão a carta datada de 29-10-2019, sem qualquer êxito, nunca ninguém tendo disponibilizado o acesso ao local.
IV. A autora omitiu e alterou a verdade dos factos nas alegações constantes
da petição inicial. v. A autora sempre soube ou não tinha como não saber que os documentos respeitantes à sociedade ré estão e sempre estiveram disponíveis para consulta por si e por qualquer sócio, situação que se verifica há mais de três décadas e que a autora apenas vem colocar em causa nos últimos cinco anos.
V. A sociedade ré sabia que a autora queria estar presente em juízo a fim de
aí prestar declarações de parte, e comparecer pessoalmente à assembleia geral.
VI. Inexistiu acordo dos contitulares das quotas comuns quanto ao sentido
de voto do representante comum na deliberação sobre a alteração dos estatutos.
*
I) Impugnação da matéria de facto
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de
gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de
facto impugnadas.
Refere, por sua vez o nº 2, do mesmo artigo que:
“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na
apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”.
Importa ainda referir que, tal como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, designadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, apenas caberá à Relação conhecer da impugnação da matéria de facto, quando os factos que se pretende impugnar forem relevantes para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito, sob pena de o tribunal praticar no processo atos inúteis, proibidos por lei, nos termos do art.º 130º, do CPC.1 Assim a impugnação da matéria de facto deve ter em consideração e ser instrumental, relativamente à decisão de mérito a proferir.
Refere-se, de forma clara, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.07.2021: “Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut art.º 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.”2/3
Também quanto a esta matéria recordemos o referido no art.º 662º, nº 1, do CPC, que dispõe que:
“1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
E ainda, face às questões suscitadas pela recorrida, o disposto no art.º 639º, n.º 1, do CPC, que com a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”, enuncia que:
“O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
Importa, antes de mais, enquadrar o normativo citado – art.º 640º, do CPC.
Refere Abrantes Geraldes, na análise que faz deste artigo, que: “… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a. Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b. O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo (…) que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
(…)
d. O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.”4
Menciona, por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.10.2023, que: “Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba -, e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).5
Tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.02.2024:
“A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no artigo 662º/1 do CPPCivil.”6
No entanto a referida rejeição deve ser “temperada” tendo em atenção as finalidades referidas, de acordo com o entendimento que tem vindo a ser acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Citamos uma referência de um Acórdão deste tribunal, de 25.01.2024:
“É entendimento dominante neste Supremo Tribunal que o ónus previsto no art.º 640.º do CPC se desdobra em dois tipos:
• Um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso (n.º 1 do art.º 640.º do CPC);
• Um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto (n.º 2 do art.º 640.º do CPC).
Ciente de que a imposição de ónus de impugnação representa um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da CRP), este Supremo Tribunal de Justiça tem-se esforçado por interpretar o disposto na norma com certa cautela, evitando leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas das garantias associadas ao processo equitativo e convocando sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Assim, de acordo com a orientação maioritária (e em crescendo) da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art.º 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição. Devendo o tribunal fazer uma análise conjugada quer das conclusões quer das alegações de recurso, no sentido em que haja uma complementaridade entre ambas e que permitam o exercício do contraditório pela parte contrária e a apreensão do seu teor pelo tribunal de recurso, sem grande esforço.”7
Quanto ao cumprimento desse ónus secundário cita-se ainda o referido no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 21.03.2019:
“Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 ( processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1), enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art.º 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.
Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.”8
Na espécie, defende a recorrida que a apelante não só incumpriu os ónus processuais relativos à impugnação da matéria de facto previstos no art.º 640º, nºs 1 e 2, do CPC, como também não cumpriu o ónus de formulação de conclusões no seu recurso que lhe competia, devendo, pois, o mesmo, ser rejeitado.
Analisemos, em primeiro lugar, as alegações da recorrente. Naquelas, a recorrente indica, sem dúvida, os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados (pontos A2 a A8). Indica ainda a decisão que pretende que o tribunal a quem profira sobre as questões de facto impugnadas (parte final dos pontos A2 a A8).
Quanto ao cumprimento da alínea b), verifica-se que, quanto ao invocado em A2, das alegações, a prova indicada é prova documental, precisando a recorrente que está em causa o documento, n.º 5 da petição. Assim sendo, importa considerar que, nesta parte das alegações, está cumprido o disposto no art.º 640º, n.º 1, al. b), do CPC.
No que respeita ao invocado no ponto A6, diz a recorrente que não se produziu sobre este matéria prova testemunhal e que face ao provado sob os pontos nºs 7 e 9, deverá a factualidade subjacente à alínea vi) dos factos não assentes ser dada como provada especificando também como meios probatórios os considerados nos pontos nºs 7 e 9 da matéria de facto provada.
Assim sendo, importa considerar que, igualmente nesta parte das alegações, está cumprido o disposto no art.º 640, n.º 1, al. b), do CPC.
No que concerne ao ponto A7, também a recorrente invoca a prova documental tida em consideração no facto dado como provado como n.º 12. Cumpre assim igualmente concluir que a recorrente cumpriu o já citado ónus.
No que respeita ao mencionado nas conclusões quanto a estes pontos, sendo certo que, como vimos, as conclusões delimitam o objeto do recurso, basicamente limita-se a recorrente a remeter para as alegações (cf. os pontos 1ª, 5ª e 6ª), embora explicitando aquilo que a final pretende.
Ora, nos casos referidos dos enunciados pontos, uma análise do contido nas alegações e nas conclusões de recurso, permite entender que, tanto a parte contrária tem condições para exercer cabalmente o contraditório, como o tribunal para fazer um exame cabal da impugnação da matéria de facto em referência, estando ainda, por remissão para as alegações, delimitado, nesta parte, claramente, o objeto do recurso sobre a matéria de facto.
No que respeita ao alegado nos pontos A3, A4, A5 e A8, importa precisar, com mais cautela.
Verifica-se que o recorrente, relativamente ao invocado nos pontos A3 e A4, se limitou, numa primeira linha, a indicar as referências à totalidade das gravações dos depoimentos que refere.
No que respeita, em particular, ao invocado no ponto A3, sem qualquer outra menção, para além da indicação de rotações mais precisas quanto ao depoimento da testemunha CC (cf. os pontos 15 e 16 das alegações).
No que concerne aos invocados depoimentos da declarante de parte, com cerca de meia hora de depoimento e da testemunha WW, com cerca de uma hora e meia de duração, não faz qualquer precisão, não indicando, claramente, com exatidão, “as passagens da gravação” em que funda o seu recurso, nem transcrevendo os excertos que considera relevantes, nem aludindo, ainda que imprecisamente, a essas passagens em concreto. A recorrente limita-se a submeter à apreciação do tribunal e à parte contrária, a totalidade dos depoimentos, da declarante de parte e da mencionada testemunha, mencionando, de forma genérica, o referido naquelas.
Não se trata, pois, no caso, de imprecisão nessa indicação, mas de ausência dessa indicação. Ora a questão que se coloca, de acordo com a jurisprudência supra referida dos tribunais superiores é saber se com essa falta encontra-se permitido o exercício cabal do contraditório e o exame pelo tribunal da impugnação da matéria de facto “sem grande esforço”.
Vejamos se as conclusões da recorrente ajudam.
Relativamente a esta matéria, as conclusões da recorrente, são, mais uma vez, remissivas para as alegações (cf. conclusão 2ª).
Voltando a estas, o que se constata é que reportando a recorrente a meios probatórios gravados, com uma extensão de gravação entre cerca de 30 minutos (declarante de parte) e cerca de uma hora e meia (testemunha WW), teremos de entender que o exercício do contraditório por parte da parte contrária encontra-se gravemente dificultado e constrangido, assim como o exame a fazer pelo tribunal, uma vez que o mero apelo a todo os depoimentos que se põem em causa não permitem o rigor e a resposta que se impõe quanto à putativa impugnação da matéria de facto.
Não obstante os “cuidados” referidos pelo Supremo Tribunal, não se pode sem mais, desde logo, face ao princípio da autorresponsabilização das partes e respeito igualmente, pelo exercício do princípio do contraditório da parte contrária, permitir que, por uma questão claramente de pura inércia, a recorrente não tenha tido o “trabalho” imposto pelo art.º 640º, do CPC, de delimitar, “com exatidão”, como lhe é exigido, as passagens da gravação do julgamento que lhe permitem fundar a impugnação da matéria de facto referente ao invocado no ponto A3, limitando-se a indicar toda a prova produzida relativamente aos depoimentos referidos.
Assim sendo não cumprindo a este tribunal sancionar esses depoimentos, que, em parte, fundamentam a putativa impugnação neste ponto, a fim de averiguar o pretendido pela recorrente, cumpre nesta parte rejeitar, de imediato, a impugnação da matéria de facto, como impõe o art.º 640º, n.º 2, al. a), do CPC.
Vejamos agora o referido no ponto A4.
Aqui constata-se a existência da mesma situação, não obstante a recorrente fazer uma menção mais precisa relativamente aos depoimentos de algumas testemunhas indicando algumas rotações desses depoimentos (EE, CC e KK) o mesmo não acontece, desde logo quanto à totalidade do invocado relativamente ao depoimento da testemunha EE (cf. o alegado em 36, 37,) e KK (cf. o alegado em 48) e quanto aos depoimentos da declarante de parte e da testemunha WW, cuja extensão já referimos supra.
Importa, pois, concluir da mesma forma e rejeitar o recurso, de imediato, igualmente nesta parte.
Quanto ao referido no ponto A5, constata-se que aqui, a recorrente retira conclusões dos depoimentos das testemunha EE e CC sem que indique as passagens das gravações das quais retira essas conclusões, refere rotações referentes à gravação do depoimento da testemunha DD, relativamente ao mencionado nos pontos 52 e 57 mas já nada diz quanto a que passagens da gravação se refere quando elenca o mencionado nos pontos 53, 54 e 55, 59 e 60. O mesmo quanto às referências ao depoimento da testemunha XX quanto ao ponto 67.
Conclusão diversa, pois, não se impõe, importando assim também rejeitar, de imediato, o recurso relativamente a este ponto A5.
Avancemos então para o ponto A8.
Aqui a recorrente faz clara menção às rotações dos depoimentos das testemunhas que pretende que sejam consideradas. Sem entrar aqui em outras questões importa assim infra apreciar o referido neste ponto.
Quanto às conclusões também as mesmas são por remissão, mas importando considerar, tal como supra enunciado quanto aos pontos A3, A6 e A7, que cumprem o exigível.
Assim sendo e concluindo iremos apreciar a putativa impugnação da matéria de facto, quanto ao referido nas alegações respeitante aos pontos A2, A6, A7 e A8.
Começando pelo referido no ponto A2.
a. Retificação do erro material constante do ponto nº 6 dos factos provados.
Refere a recorrente que “erradamente” consignou-se que na audiência de julgamento a que no ponto 6 dos factos provados se faz referência que compareceu BB.
A recorrida pronunciou-se dizendo que efetivamente a legal representante da apelada chama-se BB e não BB e esteve presente e prestou declarações de parte, não no referido dia 06.11.2019, mas sim no dia 02.12.2019, conforme documento n.º 1 que junta.
O tribunal a quo pronunciou sobre a requerida retificação, dizendo inexistir fundamento para a retificação do alegado lapso material nos termos dos artigos 613º e 614º do Código de Processo Civil, porquanto do facto provado 6 da sentença consta que a indicada BB esteve ausente da aludida audiência de julgamento.
Ora compulsado o facto em apreço – 6 – constata-se que do mesmo efetivamente consta a referência à referida legal representante como estando ausente e não presente, nada havendo assim que alterar. No que que respeita à indicação do nome “Gomes”, também nada se impõe alterar, uma vez que está em causa esta legal representante e a factualidade de 06.11.2019 e não de 02.12.2019.
Importa assim concluir ser improcedente a pretendia alteração.
b. Inclusão na matéria de facto provada da factualidade subjacente ao ponto vi) dos factos não provados.
Fundamenta a recorrente a sua pretensão no elencado nos pontos nºs 7 e 9 da factualidade provada.
Pronuncia-se a apelada sobre esta matéria dizendo que a circunstância de ter ficado provado que a comunicação da Autora datada de 29.10.2019 não é suficiente para que a factualidade subjacente à alínea vi) seja dada como provada e que face ao provado no facto 25 dos factos provados, mesmo que viesse o referido facto a ser considerado provado o mesmo seria inócuo e não teria nenhuma influência/impacto na sentença proferida.
Refere o facto em discussão que: “A sociedade ré sabia que a autora queria estar presente em juízo a fim de aí prestar declarações de parte, e comparecer pessoalmente à assembleia geral.”
No que respeita à motivação enuncia-se na sentença, nesta parte, que: “Os factos não provados resultaram de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova…”.
Resulta dos factos 7 e 9 que foram dirigidas duas cartas à Ré pela Autora, uma delas entregue, das quais consta designadamente que:
“c) No que respeita à data escolhida para a realização da A.G. em epígrafe, a mesma não podia ser a mais desadequada para o efeito, dado que nesse mesmo dia pelas 10h e como é do v/ inteiro conhecimento terá lugar a audiência final no processo nº 19.559/17 pendente no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Lisboa que nos opõe e onde é minha intenção prestar declarações de parte, pelo que não poderei comparecer ao dito acto social, privando-me, desse modo, de exercer o meu legítimo direito a deliberar, enquanto sócia, sobre os pontos da ordem de trabalhos.”
Face ao referido, importa considerar que assiste razão à Autora quando enuncia que o facto em referência se deve considerar provado, uma vez que resulta das comunicações em apreço, uma delas entregue à Ré, que a Autora deu a conhecer à mesma as suas intenções de prestar declarações de parte no referido processo e de comparecer à assembleia pessoalmente. Se essas declarações foram ou não prestadas não releva.
No que respeita à prova do facto 25, entendemos que essa prova não impede a relevância de se dar como provado o ora elencado, sendo que, em sede de mérito, se impõe tirar as devidas conclusões dessa prova. Importa assim dar como provado, como facto 28, que: “A sociedade ré sabia que a autora queria estar presente na audiência final do processo n.º 19.559/17.7T8LSB, pendente no J5 do Tribunal de Comércio de Lisboa, a realizar no dia 06.11.2019, a fim de aí prestar declarações de parte, e comparecer pessoalmente à assembleia geral.”, alterando-se a matéria de facto nesta parte.
c. Inclusão na matéria de facto provada da factualidade subjacente ao ponto vii) dos factos não assentes.
Pretende a recorrente que seja considerada provada a factualidade constante deste ponto da matéria de facto não provado.
Pronunciou-se a recorrida dizendo que o referido ponto foi considerado não provado que sobre o mesmo não foi produzida qualquer prova. Acrescentou que mesmo que o referido ponto viesse a ser considerado provado, facto ao que consta do facto 12 provado, tal facto seria inócuo e não teria qualquer influência uma vez que a alteração do pacto social foi validamente aprovada por unanimidade dos presentes na assembleia geral de 06.1.2019.
Está em causa o enunciado no facto vii) da factualidade dada como não provada no qual se refere que: “Inexistiu acordo dos contitulares das quotas comuns quanto ao sentido de voto do representante comum na deliberação sobre a alteração dos estatutos.”
Também aqui na motivação do tribunal quanto ao mesmo consta que: “Os factos não provados resultaram de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova…”.
Analisemos o referido no mencionado facto 12, provado.
Efetivamente da mencionada ata transcrita não resulta a menção a existência de qualquer acordo ou a presença de todos os irmãos. No entanto esse facto, por si só, não permite concluir que esse acordo ou consentimento não tenha existido, e agora independentemente da análise que se irá fazer em sede de mérito quanto à necessidade do mesmo. A omissão nessa ata não permite assim considerar como provado o pretendido.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto nesta parte.
d. Inclusão do alegado no art.º 71º da petição inicial.
Pretende a recorrente que fique consignado o elencado em 71º da petição inicial com o seguinte teor:
“Os referidos documentos de suporte são fundamentais não só para se verificar a veracidade dos lançamentos, como para que se pudesse apurar, designadamente, o seguinte com reporte ao exercício de 2018 – doc. nº 17 -:
a) quais as fracções autónomas arrendadas, respectivas rendas e a quem foram dadas de arrendamento que geraram receitas no valor de € 713.567,45
b) que trabalhos especializados foram prestados e por quem no valor de € 26.595,01
c) que publicidade foi prestada e por quem no valor de € 6.467,14
d) que tipo de honorários foram pagos e a quem no valor de € 13.181,17
e) que tipo de trabalhos de conservação e reparação foram prestados e por quem no valor de € 93.415,11
f) que quotizações condominiais foram pagas, a quem, quais as Assembleias de Condomínio que as fixaram, quem o administra e ainda as receitas e despesas inerentes, no valor de € 27.586,63
g) quem são os funcionários ao serviço da Ré, cujo número, tendo decrescido de 2017 para 2018 de 4 para 3, mesmo assim geraram um dispêndio anual superior ao do ano
anterior de € 112.348,73
h) que tipo de rendimentos gerou o encaixe de € 7.407,94.”
Pronunciou-se a apelada dizendo, em síntese, que a Autora não logrou fazer prova sobre o alegado no facto 71º da petição inicial.
Ora analisado o referido em 71º da petição inicial resulta que o teor do mesmo é claramente conclusivo, daí se concluir que a primeira instância e bem não consignou o elencado, Cabe ao tribunal, caso se justifique, avaliar da “essencialidade” ou não desses “documentos de suporte do exercício de 2018” tendo em consideração o teor do deliberado e não consignar como facto o elencado em 71º da petição inicial, como matéria provada ou provada.
Improcede assim também aqui a impugnação da matéria de facto.
*
Resolvida estas questões, importa conhecer do mérito do recurso.
4. Apreciação do mérito do recurso
Importa apreciar no presente recurso a invalidade/validade das deliberações
tomadas na assembleia geral da sociedade Ré, ora apelada, de 06.11.2019.
a. Abuso de direito na convocatória da Assembleia Geral conformadora da nulidade das deliberações tomadas, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 56º, n.º 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Invoca a recorrente a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade recorrida em 16.11.2019, com o fundamento de que a gerência da ré convocou a mencionada assembleia precisamente para a mesma data e hora em que se realizaria a previamente agendada audiência final de um processo judicial pendente no juiz 5, do Tribunal de Comércio de Lisboa, na qual a recorrente refere que teria de estar presente, facto do conhecimento da sociedade.
A recorrida em contra-alegações defende que não se verifica a invocada nulidade, por violação do princípio da boa-fé, nem o disposto no art.º 58º, n.º 1, al. a), do CSC.
Refere o art.º 53º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu nº1, consagrando a taxatividade das formas de deliberação dos sócios, que as deliberações dos sócios podem ser tomadas por alguma das formas admitidas por lei para cada tipo de sociedade. No caso das sociedades por quotas, como é o caso da sociedade recorrida, todas as formas previstas no Código são possíveis: deliberações em assembleia geral convocada, deliberações em assembleia universal, deliberações unânimes por escrito e deliberações tomadas por voto escrito, nos termos dos artºs 54º, n.º 1 e 247º n.º 1, do CSC.9
Está em causa, na espécie, a apreciação de deliberações tomadas em assembleia geral alegadamente regularmente convocada.
Dispõe o art.º 56º, n.º 1, al. a), que: “São nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados.”
No caso, as partes não discordam que não estavam presentes todos os sócios da sociedade, nem que os mesmos não estavam regularmente representados, na assembleia geral da sociedade realizada em 06.11.2019.
Está em causa assim a apreciação da regularidade da convocatória para a assembleia geral em crise, ou seja, um vício respeitante ao processo de formação das deliberações, tratando-se da apreciação de um vício de procedimento.10
Comina a lei com nulidade, como vimos, as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados, embora se trate de uma nulidade atípica ou invalidade mista, pois o vício pode ser sanado posteriormente, considerando o disposto no n.º 3 do art.º 56º do CSC.11
Diz-se no n.º 2, do citado art.º 56º, do CSC, que não se consideram convocadas, as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora, ou local diversos dos constantes do aviso.
Tratando-se de uma sociedade por quotas importa, antes de mais, verificar o disposto no artigo 248º, n.º 3, do CSC relativamente à convocação das assembleias gerais destas sociedades.
Refere-se, neste artigo, no seu nº 3 que:
“3 - A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo.”
No caso a Autora não o invoca, nem resulta dos factos dados como provados como 3 e 12, a existência de qualquer vício no ato de convocação da assembleia geral em crise nos autos ou a realização da assembleia em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso.12
Assim sendo, afasta-se o invocado fundamento de nulidade previsto no art.º 56º, n.º 1, al. a), do CSC.
Vejamos, no entanto, a questão em concreto invocada pela recorrente, a de que a assembleia da sociedade foi realizada numa data e numa hora em que a sociedade tinha conhecimento, através de informação prévia nesse sentido pela sócia, de que se realizaria uma audiência de julgamento na qual aquela queria/teria de estar presente para fazer declarações de parte, querendo igualmente estar presente pessoalmente na assembleia geral convocada.
Analisemos o disposto no art.º 58º, n.º 1, al. a), do CSC., também referido pela recorrente.
Dispõe o mesmo que:
“1 - São anuláveis as deliberações que:
a. Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos
termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;”
Sanciona assim este artigo, nesta alínea, com anulabilidade, as deliberações ilegais que não sejam nulas, também aqui podendo estar em causa vícios de procedimento, “relativos ao modo ou processo pelo qual se formou a deliberação, ao “como” se decidiu”.13
No caso a Autora invoca a existência de abuso de direito, o que nos remete para a análise do disposto no art.º 334º, do Código Civil (C.C.).
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Corroborando-se na posição de outros Autores, referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo enunciado, que: “O abuso de direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjetivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.”14
Menciona, por sua vez, Menezes Cordeiro que:
“No Direito português, a base jurídico-positiva do abuso do direito reside no artigo 334.º e, dentro deste, na boa fé. Para além de todo o desenvolvimento histórico e dogmático do instituto que aponta nesse sentido, chamamos ainda a atenção para a inatendibilidade, em termos de abuso, dos bons costumes e da função económica e social do direito.”, acrescentando ainda que: “A boa fé, em homenagem a uma tradição bimilenária, exprime os valores fundamentais do sistema. Trata-se de uma visão que, aplicada ao abuso do direito, dá precisamente a imagem propugnada. Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa.”15
Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.03.2025, se refere, a propósito deste mesmo artigo que:
“À partida legítimo, se exercido de forma que ofenda manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico, o mesmo é dizer, o sentimento jurídico socialmente dominante, o direito torna-se ilegítimo, implicando tal ilegitimidade a paralisação dos respectivos efeitos: a parte que abusa do direito actua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito.”16
Na espécie, à partida, dúvidas não temos que é legítimo o exercício do direito de convocar uma assembleia geral de uma sociedade comercial para discutir os pontos de trabalho da assembleia em apreço.
A questão é se a convocação para um dia em que um dos sócios tem um impedimento, impedindo, portanto, esse sócio de comparecer pessoalmente, inculca um comportamento que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, desde logo não de “forma ligeira”, mas de uma forma “manifesta”, ou seja, evidente.
Avançamos já que a resposta a apresentar a esta questão é negativa.
Senão vejamos:
Dispõe o art.º 249º, nºs 4 e 5, do CSC, no que respeita às sociedades por quotas, o seguinte:
“4 - Para a representação em determinada assembleia geral, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respectivo presidente.
5 - A representação voluntária do sócio só pode ser conferida ao seu cônjuge, a um seu ascendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de sociedade permita expressamente outros representantes.”
Resulta assim deste artigo que é admissível a representação de um sócio em assembleia geral por um terceiro não sócio.
De referir ainda que no caso desta sociedade tinha sido deliberada anteriormente uma alteração do seu pacto social, que permitia a representação dos sócios em assembleia geral por advogado, tendo a recorrente instaurado uma ação pedindo a anulação dessa deliberação, que foi julgada improcedente (factos 14 e 15).
Alega a recorrente que os seus irmãos UU e VV, com os quais mantém relações, não compareceram na assembleia, a Autora é divorciada, encontra-se em conflito com a mãe, o filho trabalha e reside no estrangeiro, a filha não estava disponível, o advogado acompanhou a mesma ao julgamento assim como o seu colega de escritório.
Ora, independentemente da prova ou não destes factos, os mesmos não relevam para a conclusão que se tirou supra.
Não resulta de nenhum preceito do CSC que quando a sociedade pretende convocar as suas assembleias gerais se tenha que assegurar que todos os seus sócios, estejam disponíveis, assim como não resulta que as assembleias gerais das sociedades tenham que ser adiadas por impedimento de qualquer um dos sócios, independentemente da natureza desse impedimento, sob pena de se inviabilizar a “vida” das sociedades e de se colocar um mecanismo fácil nas mãos dos sócios de dificultar as decisões a tomar pela sociedade.
Um exemplo muito fácil: um sócio com um problema grave de saúde, que fizesse questão, como parece ser o caso da recorrente, de comparecer pessoalmente às assembleias gerais da sociedade e que fosse internado durante vários dias ou meses, ou estivesse impossibilitado de deslocar, facilmente impediria durante esse período imprevisível a realização da assembleia geral da sociedade de que fosse sócio.
Vários outros exemplos do referido poderíamos facilmente coligir.
A acrescer neste caso, como argumento de reforço do mencionado, o facto de assembleia ter sido realizada numa data que era a única em que o Cartório Notarial tinha disponibilidade de agenda, como resulta do facto provado n.º 25.
Os sócios como vimos têm mecanismos legais de se fazer representar nas assembleias gerais e, no caso em concreto, ainda mais alargados com a possibilidade de representação por advogado, ainda que a sócia em apreço não concorde com o decidido e tenha impugnado a deliberação em causa que o permitiu.
Cabia à sócia, dentro dos seus possíveis representantes, fazer comparecer aquele que entendesse mais “adequado” para o efeito, se não podia comparecer pessoalmente na assembleia geral, independentemente do motivo pelo qual não podia comparecer e independentemente de ter feito saber desse motivo à sociedade.
Os argumentos da recorrente não colhem e não se vislumbra em que medida a realização da assembleia excedeu, de forma manifesta, os limites impostos pela boa-fé.
Não se verifica, pois, fundamento de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade recorrida, com fundamento no disposto no art.º 58º, n.º 1, al. a), do CSC.
b. Da anulabilidade da deliberação social de alteração dos artºs 6º, 7º e 8º, dos estatutos a ré.
1. Falta de comunicação do objeto da alteração do pacto social.
Invoca a recorrente que o aviso convocatório da assembleia geral para 06.11.2019 não comunicou, em devido tempo, à Autora, quais os artigos do pacto social que iriam ser objeto de deliberação de alteração, nem tão pouco o sentido dessa alteração, por não ter sido disponibilizada cópia dessa nova redação, sendo que, só por carta de 28.10.2019, é que a R. comunicou à Autora quais os artigos alterados.
Dispõe o art.º 248º, n.º 1, do CSC, que:
“1 - Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas.”
Refere, por sua vez o art.º 377º, n.º 8, do CSC, que:
“8 - O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.”
Como refere Miguel Pupo Correia: “A convocação da assembleia fixa o seu objeto (…) Esta traça os limites materiais de competência deliberativa daquela reunião da assembleia.”17
Está aqui, mais uma vez, em causa um vício de procedimento e não de conteúdo das deliberações.
Menciona o art.º 58º, nos seus n.ºs 1, al. c), e 4, do CSC, que:
“1. São anuláveis as deliberações que:
2. Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos
mínimos de informação.
(…)
4. Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a. As menções exigidas pelo artigo 377º, n.º 8;”
Como refere Menezes Cordeiro: “O direito à informação integra o núcleo do status de sócio – 21º/1, c) – o qual é concretizado diversamente, quanto aos vários tipos societários (…) 214º a 216º (SPQ) (…).
Elementos mínimos são requeridos, independentemente do inquérito judicial ou de outras sanções, para a validade das deliberações sociais: sem informação não há voto consciente.
O 58º/4 prevê, como mínimos, as menções exigidas pelo 377º/8 relativo à convocação das assembleias aplicável às SPQ, pelo 248º/1; b) a colocação de documentos para exame dos sócios, no local e data fixados legal e estatutariamente.”18
Refere, por sua vez, o mesmo Autor, noutra obra, que: “Só haverá anulabilidade quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação.”19
Na mesma linha menciona Coutinho de Abreu que: “Contudo, importa sublinhar que nem todos os vícios de procedimento provocam a anulabilidade das respetivas deliberações. Apesar de o art.º 58º, 1, a) e c), não fazer distinções (todas as deliberações ilegais quando não sejam nulas, seriam anuláveis), há que atender à teleologia das normas procedimentais ofendidas e às consequências das ofensas. Em concreto, há vícios relevantes e vícios irrelevantes para efeitos de anulação das deliberações. (…)
Em tese geral, diremos que são vícios de procedimento relevantes, quer os que determinam um apuramento irregular ou inexato do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria dos votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e informada dos sócios nas deliberações.”20
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.12.2023, se refere que:
“O direito a um mínimo de informação constitui um verdadeiro direito subjetivo do sócio.
Assim, à luz da salvaguarda do interesse visado pela norma, só quando a falta desse mínimo de informação seja susceptível de viciar o direito do sócio de tomar parte na formação das deliberações sociais é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade.”21
Ora a questão neste caso em concreto é que a convocatória remetida à Autora, datada de 21.10.2019, apenas mencionava, quanto ao aspeto em crise: “Deliberar sobre a proposta de alteração do pacto social.” (facto 3).
Posteriormente a Ré remeteu à Autora, em 28.10.2019, uma nova comunicação, na qual refere que: “(…) Em complemento da convocatória para a assembleia geral da sociedade comercial VEIFER SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DE CONSTRUÇÕES, LDA., enviada no passado dia 18 de outubro, informamos que a proposta de alteração do pacto social, tem por objeto os artigos 6º, 7º e 8º do mesmo documento.
As propostas de alteração seguem em anexo, a fim de serem consultadas
(…)”, tendo o referido anexo sido enviado à Autora (factos 17 e 27).
A questão que se coloca, na linha do defendido supra, é a de saber se este vício invocado pela Autora influencia o sentido da deliberação, sendo um vício relevante que ofendeu, de forma essencial, o direito de participação livre e informada da Autora na assembleia.
Entendemos que não.
Os artigos do pacto a alterar eram somente três, tratando-se de três propostas alterações de fácil apreensão.
O prazo mencionado, tal como entendeu o tribunal a quo, constituiu um prazo mínimo, que permitiria ao sócio considerar-se devidamente informado de forma a ter uma participação livre e esclarecida na assembleia, não devendo, pois, ser motivo de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral em crise.
Veja-se o prazo conferido pelo art.º 378º, n.º 3, do CSC, aplicável às sociedades por quotas através do disposto no já citado art.º 248º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que não obstante efetivamente não ser aplicável neste caso em concreto, não se tratando da inclusão de assuntos da ordem do dia, nos termos mencionados nos nºs 1 e 2, do artigo, também considera como suficiente um prazo de 5 dias, caso se trate de comunicação por carta registada.
Improcede assim a invocada anulabilidade. 2. Falta de maioria exigida para a aprovação da alteração do pacto social da Ré.
Defende a recorrente que quanto à alteração dos artºs 6º e 8º do pacto social da
recorrida que a nova redação reduz os anteriores direitos dos sócios, e assim, que a representante cabeça de casal, carecendo de consentimento dos demais titulares das quotas indivisas, não tinha poderes para os poder alterar, nos termos do disposto no art.º 224º, n.º 6, do CSC.
A recorrida pronunciou-se no sentido de não se verificar a ilegalidade invocada.
Dúvidas não existem de que a referida BB é representante comum de duas quotas, porquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de SS, com o valor nominal de 18.704,99 € cada, da sociedade recorrida, nem as partes o põem em causa.
Trata-se de uma representante comum designada por lei (artºs 2079º, n.º 1, 2080º, n.º 1 e 2087º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, nomeadamente para esta situação em concreto em causa nos autos, de contitularidade de quota social, prevê o CSC normas reguladoras do exercício dos direitos sociais nos artºs 222º a 224º, do citado diploma.
Refere o art.º 222º, n.º 1, do CSC, que:
“Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.”
Menciona por sua vez, o art.º 223º, nºs 5 e 6, do CSC, que:
“5 - O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes
inerentes à quota indivisa, salvo o disposto no número seguinte; qualquer redução desses poderes só é oponível à sociedade se lhe for comunicada por escrito.
6 - Excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. A atribuição de tais poderes pelos contitulares deve ser comunicada por escrito à sociedade.”
A deliberação dos contitulares da quota sobre o exercício dos seus direitos, nos termos do art.º 224º, nº 1, do mesmo diploma legal pode ser tomada por maioria, nos termos do art.º 1407º, n.º 1, do Código Civil, salvo “se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios; nestes casos, é exigido o consentimento de todos os contitulares.”
Verificamos assim que o nº 5, do art.º 223º, do CSC constitui a regra relativamente aos poderes do representante comum perante a sociedade, podendo, designadamente, exercê-los perante a sociedade, sem necessitar de autorização dos contitulares e o n.º 6, a exceção, norma de caráter imperativo (“não é lícito.”)22 em que o representante comum necessita que lhe sejam conferidos poderes de disposição, por lei, testamento, pelos contitulares ou pelo tribunal.
Na espécie, está em causa analisar se era necessária a autorização/consentimento de todos os contitulares da quota, por estar em apreciação, na assembleia geral da sociedade recorrida, atos que importem a extinção, alienação, oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios.
Defende a recorrente que está em causa uma redução dos direitos dos sócios.
Ora importa analisar as referidas alterações objetivamente e não tendo em consideração a situação em concreto desta sócia Autora apelando à natureza das relações pessoais que a mesma tem com a mãe a irmã.
Ora analisadas as referidas alterações, nesta perspetiva objetiva, de forma alguma podemos concluir que está em causa uma redução do direito dos sócios
O que se alterou foram as condições de cessão e transmissão de quotas da sociedade, o que não está vedado, nem implica uma redução dos direitos dos sócios. O facto de agora apenas se exigir uma maioria simples de 51% para operar essa cessão, no caso dos “estranhos” e não se fazer depender do consentimento da sociedade a cessão a outros sócios, descendentes até 2º grau, ascendentes e cônjuges dos sócios, não podemos, objetivamente, considerar que permite reduzir direitos dos sócios. Pelo contrário, até podemos considerar, por outra perspetiva, a do sócio que pretende ceder a sua quota, que aumentou os direitos dos sócios que agora apenas necessitam da obtenção de uma maioria de 51% para ceder a sua quota a “estranhos” e podem cedê-la, sem consentimento da sociedade nos casos previstos no agora n.º 2, do artigo 6º, do pacto e sem que possa ser exercido o direito de preferência. Ou seja, o que a sociedade agora permite é uma maior agilização no âmbito da cedência das quotas dos sócios e não uma diminuição dos seus direitos.
Não se verifica assim objetivamente qualquer redução do seu direito como sócia da Autora, ora recorrente.23
O mesmo quanto à forma de transmissão das quotas, limitaram-se as alterações propostas a alterar, em parte, os titulares dessa transmissão e a eliminar outras disposições respeitantes ao consentimento da sociedade para o efeito, no caso de outras transmissões de quotas de sócios falecidos, e ao mecanismo quando a quota não for transmitida, sendo certo que importará sempre que a sociedade tenha em consideração o disposto nos artºs 225º a 231º, do CSC, designadamente o disposto no art.º 225º, n.º 2, do CSC.
Também aqui não se vislumbra, objetivamente, qualquer redução dos direitos dos sócios, pelo contrário, no caso de transmissão da quota o universo dos transmissários passou a ser mais alargado.
Não está em causa, reiteramos, a posição de “antagonismo” da sócia com a sua mãe e as suas irmãs, ou duas delas, mas sim a apreciação das alterações em concreto e da análise das mesmas, sendo que não resultam factos objetivos que permitam concluir como pretende a recorrente. Não está em apreciação a prática de qualquer ato que, nomeadamente, diminuiu o peso relativo das participações sociais dos sócios no capital social da sociedade ou reduziu o número de votos dos mesmos ou de futuros dividendos.
Assim, conclui-se que não estando em causa qualquer uma das outras situações referidas no elencado n.º 6, do art.º 223º, do CSC, que poderia a mencionada representante comum votar nos termos em que o fez, sem necessidade de autorização/ consentimento de todos os contitulares da quota, não se verificando a anulabilidade das deliberações em apreço por esta via (art.º 58º, n.º 1, al. a), do CSC.)
c. Anulabilidade das deliberações sociais de aprovação das contas e dos resultados do exercício de 2018.
Refere a recorrente que a Ré não lhe disponibilizou os elementos mínimos de informação legalmente exigíveis.
Contrapôs a apelada dizendo que foram fornecidos à Autora os elementos mínimos de informação para efeitos do disposto no art.º 58º do CSC.
Menciona o art.º 58º, n.º 1, al. c), do CSC, que já acima mencionámos, que:
“1 - São anuláveis as deliberações que:
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos
mínimos de informação.”
Consideram-se, para o efeito deste artigo, elementos mínimos de informação, nos termos do n.º 4, al. b), do mesmo: “A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.”
Nos termos do art.º 21º, n.º 1, al. c), do CSC: “Todos os sócios tem direito (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.”
Dispõe, por sua vez, o art.º 263º, n.º 1, do CSC, que:
“O relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, nas condições previstas no artigo 214.º, n.º 4, na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida a convocação para a assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocação.”
Menciona o art.º 214º, n.º 4, do mesmo diploma legal, que:
“A consulta da escrituração, livros ou documentos deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil.”
O direito à informação sobre a vida da sociedade, como refere Margarida Costa Andrade, manifesta-se em três diferentes vertentes, uma delas “o direito à informação stricto sensu, que permite ao sócio formular questões sobre a vida da sociedade e desta exigir resposta verdadeira, completa e elucidativa; como direito de consulta, por cujo exercício o sócio pode solicitar que a sociedade exiba, para exame, os livros de escrituração e outros documentos descritivos da atividade social;”.24
No caso dos autos, foi feita menção, na convocatória da assembleia geral em crise enviada à sócia, com epígrafe “INFORMAÇÃO AOS SÓCIOS” que:
“Os documentos de gestão e de prestação e contas, bem como as informações a que se refere o artigo 263º do Código das Sociedades Comerciais, encontrar-se-ão à disposição dos sócios na sede social, com quinze dias de antecedência sobre a data fixada para a realização da Assembleia Geral e seguem, em anexo, numa cópia no CD Rom, bem como o Relatório e Contas do ano de 2018, para consulta os Sócios.”
Foi ainda feita prova que o CD remetido contendo “documentos de suporte” se encontrava parcialmente corrompido, sendo apenas acessível e legível em cerca de 10% da sua capacidade, estando acessíveis 199 ficheiros de um total de 1993 (facto 20).
Provado ficou ainda que a Autora enviou uma comunicação Ré que foi entregue, na qual refere que:
“b) O CD que me foi remetido, supostamente contendo cópia de toda a documentação de suporte, está corrompido, já que apenas se encontra acessível em cerca de 10% da sua capacidade, logo não me considero devidamente pré-informada sobre os resultados do exercício económico de 2018, porquanto não me é possível cruzar dados entre o relatório de gestão, a demonstração individual de fluxos de caixa, o anexo às demonstrações financeiras em 31/12/2018 e o balanço com os respetivos documentos de suporte, com base nos quais aqueles documentos foram elaborados, sendo certo que desde a receção da convocatória até à presente data, não foi possível consultar quaisquer documentos, não obstante as diversas tentativas para o efeito.”
Estão em causa os “documentos de suporte” das contas objeto de votação. Defende a Recorrente que a consulta dos mencionados documentos na sede social se releva obsoleta e que com os atuais meios técnicos ao dispor das sociedades, já é possível dar a conhecer esses documentos aos sócios evitando deslocações dos mesmos às sedes sociais, aludindo ainda à comunicação escrita mencionada no facto 7.
Em primeiro lugar obsoletas ou não as disposições supra enunciadas – artºs 263º, n.º 1 e 214º, n.º 4, do CSC – estão em vigor e, portanto, aplicáveis, não colhendo, pois, o argumento da recorrente nesta parte. Podia e devia a mesma ter consultado, caso o pretendesse, os referidos elementos na sede societária como aliás vinha expressamente indicado na convocatória.
No que respeita ao informado pela Autora na comunicação dada como provada no facto 7, a mesma é isso mesmo, uma comunicação. Não foi feita qualquer prova de que a Autora se tenha deslocado à sede social e impedida de consultar a documentação em referência, designadamente do referido na mencionada comunicação de que: “sendo certo que desde a receção da convocatória até à presente data, não foi possível consultar quaisquer documentos, não obstante as diversas tentativas para o efeito.”
Aliás a factualidade invocada pela recorrente relativamente a esta matéria foi dada como não provada (ponto iii), factos não provados).
Ao contrário do que a recorrente conclui, era à mesma que lhe competia consultar os documentos na sede social nos termos enunciados nos normativos em referência. O que a sociedade Ré fez foi tentar facilitar a consulta dos documentos, não podendo ser penalizada por fazer mais do que a lei exige, quando se verificou a existência de um problema no CD enviado.
Improcede assim também este fundamento de anulabilidade das deliberações invocado pela Ré.
Importa, pois concluir que improcede, na sua totalidade, a apelação apresentada.
A apelante deverá suportar as custas devidas, face ao seu decaimento (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil).
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas desta Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e Notifique
Lisboa, 29.04.2025
Elisabete Assunção
Renata Linhares de Castro
Amélia Sofia Rebelo (com voto de vencido)
Profere-se voto vencido nos termos do art.º 663º, nº 1 do CPC porque, divergindo em parte da posição que fez vencimento, julgaria o recurso parcialmente procedente nos termos e com os seguintes fundamentos:
O estatuto conferido pela participação social analisa-se num conjunto de direitos e obrigações entre o titular da participação e a sociedade e, em função do pacto social e em determinadas matérias, entre aquele e os demais sócios.
Por referência à transmissão da participação social a terceiros, na ausência de estipulação contratual em contrário, o regime legal supletivo do contrato de sociedade comercial por quotas limita-se a exigir o consentimento da sociedade (art.º 228º, nº 2 do CSC). A lei societária nada prevê a respeito do direito preferência na cessão de quotas mas, tratando-se de cláusula de preferência estatutária prevista no pacto social25, como qualquer outra cláusula que o integre, só pode ser alterada ou suprimida nos termos em que o próprio CSC admita a sua alteração26.
O consentimento da sociedade para a cessão a estranhos, que é condição de eficácia/oponibilidade da cessão à sociedade, não se confunde com o direito de preferência de cada sócio na transmissão da quota, que subsiste independentemente de ser ou não exigível o consentimento da sociedade para a cessão e de este ser ou não prestado. Recorrendo ao legado de Raúl Ventura (subl. nosso), “[p]odem pois, coexistir, sem violação do art.º 229º, nº 5, cláusulas de preferência a favor da sociedade ou de sócios, e regime legal de consentimento. (…). Coexistindo o regime legal de consentimento e a cláusula de preferência, o primeiro tem de prevalecer sobre a segunda, dadas as respectivas naturezas; e tem de prevalecer em toda a sua extensão – a regra do consentimento e todo o processo a ela ligado, pois não se trata de peças soltas e escamoteáveis, mas sim de um sistema complexo e internamente coligado. A cláusula de preferência só terá o espaço de aplicação que por aquele sistema lhe for deixado.//Se a sociedade recusar o consentimento e a recusa se mantiver nos termos do art.º 231.º, não fica espaço algum para a cláusula de preferência ser aplicada; a quota ou é amortizada ou é adquirida.(…). Na hipótese de o consentimento ser concedido ou a cessão se ter tornado livre (…). Já quanto ao direito de preferência dos sócios, afigura-se-me que se mantém. Esse direito é atribuído individualmente a cada sócio, embora sujeito à concorrência dos direitos dos outros sócios, e não é afectado por que a sociedade não quis colocar entraves à cessão para estranhos. Nem sequer pode supor-se que sempre existe uma coincidência entre os sócios que votam a favor do consentimento e aqueles que depois exercerão o direito de preferência; basta pensa a influência que o voto do cedente pode ter para o consentimento ser concedido. Dir-se-á – e é verdade – que os sócios ficam dispondo de um duplo direito de aquisição preferencial da quota: o resultante da recusa de consentimento e o nascido da cláusula de preferência, podendo escolher entre recusar ou conceder o consentimento e depois preferir; para o cedente da quota esse facto é indiferente, visto não poder contar com a concessão do consentimento e, além disso, ser para ele igual o resultado prático do exercício de qualquer dos métodos.”27 “Essas cláusulas [de preferência] podem ter a finalidade normal dos pactos de preferência: a obtenção pelo preferente de um bem que lhe interessa, quer em si mesmo quer pelo aumento de participação social assim conseguido, (…).28
Dito isto, constata-se que a alteração ao pacto social objeto da deliberação impugnada suprimiu o direito de preferência dos sócios na cessão de quotas que na cláusula sexta o pacto social previa não só em benefício dos sócios maioritários (al. a) mas, sucessivamente, também em benefício dos demais sócios (al. b), supressão que em si mesmo consubstancia uma redução dos direitos de cada sócio ou do satus que essa qualidade lhe conferia na cessão de quotas a estranhos, que é preterido em benefício de terceiros aos quais cada um dos outros sócios possam vir a ceder as suas quotas. Esse direito de preferência é um direito de cada sócio (e não da sociedade) e com a alteração submetida a deliberação esse direito estatutário deixa de existir.
Assim sendo, a emissão de voto de aprovação dessa alteração pela representante comum dos contitulares das duas quotas maioritárias, na parte em que suprimiu a previsão do direito de preferência dos sócios carecia de ser autorizada por aqueles posto que, recorrendo de novo às palavras de Raúl Ventura, “[c]omo aumento de obrigações, a renúncia ou redução dos direitos dos sócios previstas neste artigo devem ser entendidas as deliberações sociais que tenham algum desses efeitos e, portanto, o representante comum está impedido de votar nessas deliberações.”29 Por outro lado, nessa matéria, a consideração e contabilização desse mesmo voto pela sociedade carecia da prévia comprovação dessa autorização, ou seja, da atribuição ao representante comum e por todos os herdeiros do poder para a aprovação da extinção do direito de preferência dos sócios na cessão de quotas (cfr. art.º 223º, nº 6, parte final, do CSC). Nas palavras de Soveral Martins, "A sociedade deverá controlar se o representante comum tem ou não esses poderes".30
Na ausência da atribuição desses poderes por todos os contitulares das quotas, onde se inclui a recorrente, em sede de impugnação da deliberação a consequência não poderá deixar de ser a desconsideração do voto emitido pelo representante comum daqueles, com a consequente não aprovação da referida alteração do pacto social pela maioria legal necessária (3/4 do capital social), resultado que impunha a anulação da deliberação que a considerou aprovada por ausência da maioria legal exigida para o efeito (cfr. arts. 58º, nº 1, al. a) e 265º, nº 1 do CSC) e, assim, a parcial procedência da ação nessa parte.
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________
1. Importa ter em consideração os princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, como se enuncia, com rigor, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.12.2023, Proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1, Relatora Maria João Matos, disponível em www.dgsi.pt.
2. Proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt.
3. No mesmo sentido cf. ainda, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.01.2023, Proc. n.º 1202/18.9T8CBR.C2.S1, Relator Jorge Dias, e do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 03.11.2023, Proc. n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1, Relator Mário Belo Morgado, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.
4. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Almedina, págs. 198 e 199.
5. Proc. n.º 605/21.6T8VCT-C.G1, Relatora Maria João Matos, disponível em www.dgsi.pt.
6. Proc. n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Nelson Borges Carneiro, disponível em www.dgsi.pt.
7. Proc. n.º 1007/17.4T8VCT.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt.
8. Proc. n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, Relator Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt.Tomando posição também neste sentido, Abrantes Geraldes na obra citada, (nota 4), pág. 201 (nota de rodapé 348).
9. Neste sentido cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, (coordenação Jorge M. Coutinho de Abreu) Volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 674
10. Nesse sentido, cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.07.2023, Proc. n.º 65/22.4T8LGA.E1.S1., Relatora Ana Resende, disponível em www.dgsi.pt.
11. Neste sentido obra citada supra na nota 9, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, pág. 692.
12. Sendo que aqui não estamos a apreciar o teor do aviso convocatório, o que iremos fazer mais à frente.
13. Neste sentido obra citada supra na nota 9, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, pág. 690 e 706.
14. Código Civil anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora Limitada, pág., 300.
15. António Menezes Cordeiro, Do Abuso de Direito, Estado Direito e Perspetivas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol. II, Setembro de 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/.
16. Proc. n.º 1722/22.0T8GDM.P1, Relatora Judite Pires, disponível em www.dgsi.pt.
17. Miguel J.A. Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 11ª primeira edição, revista e atualizada, 2009, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., Lisboa, pág. 274.
18. António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais anotado, 4ª edição Revista e atualizada, CIDP – Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, págs. 305 e 306
19. António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, Das sociedades em geral, 2004, Almedina, Pág. 656.
20. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, Almedina, 3ª edição, pág. 501.
21. Proc. n.º 20963/22.4T8LSB-B.L1-1, Relator: Manuel Ribeiro Marques, disponível em www.dgsi.pt.
22. Cf. neste sentido, sobre o mencionado caráter imperativo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.04.2019, Proc. n.º 246/08.3TYVNG.P1.S1, Relatora: Catarina Serra, disponível em www.dgsi.pt.
23. Cf. como exemplos de atos de disposição os referidos na nota de rodapé 24, da obra citada na nota 9, Vol. III, 3ª edição, Pág. 438.
24. Obra citada (nota 9), Vol. I, pág. 377.
25. Em contraposição com pacto de preferência externo ao pacto social.
26. Vd. Soveral Martins, Cessão de Quotas, Alguns Problemas, Almedina, 2007, p. 72 e s.
27. Sociedade por Quotas, vol. I, Almedina, 4ª reimpressão da 2ª ed de 1989, p. 614 a 616.
28. Idem, p. 613.
29. Ob. cit. p. 524
30. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coordenação Coutinho de Abreu, vol. III, 3ª ed. p. 438.