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CARTEL
PRIVATE ENFORCEMENT
PRESCRIÇÃO
DANO
ESTIMATIVA JUDICIAL
JUROS
Sumário
- Na interpretação de uma decisão da Comissão da União Europeia, sancionadora de uma conduta violadora do art. 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), deve atender-se ao dispositivo e aos fundamentos, incluindo nestes os Considerandos da decisão necessários à compreensão do dispositivo; - No âmbito de uma ação de private enforcement decorrente de conduta violadora do artigo 101.º do TFUE, as ilações a que se chegou na Decisão da Comissão da EU (AT. 39824 – Trucks) sobre a mesma matéria, nomedamente em termos da existência de dano e nexo causal, podem ser válidas; - Não logrando a Autora provar a quantia exata do dano e concluindo o Tribunal, perante circunstâncias objetivas do caso, que tal determinação era praticamente impossível ou excessivamente difícil, poderá proceder ao cálculo do valor do dano com base em estimativa judicial, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, que transpôs o artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva 2014/104/EU, sendo tal poder do Tribunal expressão do princípio da efetividade; - A aplicação do prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 10.º da Diretiva e artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, depende de três condições: a interposição de uma ação de indemnização que tenha subjacente uma infração que cessou antes da entrada em vigor da Diretiva; que a ação tenha sido intentada após a entrada em vigor da respetiva Lei de Transposição; que o prazo de prescrição ao abrigo das regras nacionais aplicáveis ainda não se mostre esgotado na data do termo do prazo de transposição da diretiva (TJUE, C-267/20); - Em casos de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º do TFUE, os juros de mora contam-se a partir da ocorrência do dano, não sendo aplicável a prescrição prevista no artigo 310.º, al. d), do Código Civil.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
EXTRARÚSTICO, EXTRAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE PEDRA RÚSTICA, LDA, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as requeridas MAN TRUCK & BUS SE, tendo formulado os seguintes pedidos:
“Deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência, a Ré ser condenada no pagamento à Autora:
A) Da quantia total de € 66.350,31 (sessenta e seis mil trezentos e cinquenta euros e trinta e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora e causados pela infração praticada;
B) Deve, ainda, a Ré ser condenada no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados sobre todos estes valores, à taxa comercial em vigor, desde a data da propositura da presente ação até efetivo e integral pagamento;
C) Deve ainda ser a Ré condenada nas custas, procuradoria e o mais que for de Lei;”
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Na pendência da ação, com a petição aperfeiçoada, e que junta aos autos em 6 de abril de 2020, a Autora manteve aqueles pedidos. *
Como fundamento da referida pretensão, alegou, em síntese, que adquiriu em 28 de novembro de 2003 uma viatura pesada, de 26 toneladas, da marca MAN, com o número de chassis WMAH17ZZZ4W052166, para o exercício da sua atividade comercial, através de contrato de compra e venda.
Contudo, em virtude da infração sancionada pela Comissão Europeia no Processo AT.39824, pagou por tal veículo um preço superior àquele que teria pago caso não se tivesse verificado a infração e que computa em 20% do valor de aquisição da viatura.
Finalmente, considera que viu os seus custos com amortizações e depreciações aumentarem substancialmente por via da aquisição da viatura a um preço superior, tendo visto os seus resultados depois de depreciações serem reduzidos em três mil Euros por ano, o que a prejudicou num total de 15 mil Euros imediatos, ao que devem ser acrescidos juros de mora.
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A MAN TRUCK & BUS SE deduziu contestação, tendo concluído que deve ser:
“(A) DEVE SER JULGADA PROCEDENTE A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO A QUE A AUTORA SE ARROGA, COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DA MTB SE DO PEDIDO;
(B) DEVE A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, A MTB SE SER ABSOLVIDA DO PEDIDO.”
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Na pendência da ação, a 4 de maio de 2020, respondeu à petição aperfeiçoada, pugnando que o “putativo direito da Autora se encontra prescrito também por esta via”.
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Como fundamento da referida pretensão, invocou: a prescrição do direito reclamado pela A. nos termos dos artigos 309.º e 498.º, n.º 1, ambos do Código Civil (CC), a prescrição dos juros de mora nos termos do artigo 310.º, alínea d), do CC, a ilegitimidade passiva da 2ª Ré (NORS, S.A).
Afirmou que o alegado dano reclamado, advindo do sobrecusto dos camiões adquiridos pela A., a existir (o que não aceita) se terá repercutido, na atividade desenvolvida por aquela, junto dos seus clientes.
Mais invocou não estarem verificados os pressupostos do direito reclamado pela Autora e que os juros apenas são devidos desde a data em que a “MTB SE for validamente citada ou, em todo o caso e sem prescindir, se a primeira citação for considerada válida, a partir de 05.08.2019” acrescentando ainda que “a taxa de juro aplicável é a taxa de juros civis, conforme resulta do disposto no artigo 559.º do CC, e que se encontra atualmente fixada em 4%”
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A A. respondeu à exceção de prescrição, tendo pugnado pela improcedência.
Por despacho de 4 de junho de 2020, foi definido o objeto do litígio na análise das seguintes questões:
- Prescrição dos direitos invocados pela Autora;
- Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar – facto ilícito, nexo de causalidade, culpa e danos;
- Quantificação dos danos;
- Juros de mora (incluindo o momento relevante para o início da contagem da taxa de juros e prescrição).
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A Autora, em 29 de abril de 2021, pediu a condenação da Ré como litigante de má fé, nos termos dos artigos 542.º e 543.º do CPC, no pagamento de multa e de uma indemnização a seu favor.
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A Ré respondeu, em 13 de maio de 2021, pugnando pela improcedência.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença, a 10 de julho de 2024, pela qual se decretou o seguinte:
“Em face de todo o exposto:
- julgo a presente ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de três mil setecentos e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos (€ 3.746,77), acrescia de juros de mora desde 30.01.2024 até efetivo e integral pagamento de acordo com a taxa legal aplicável aos juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas);
- indefiro o pedido de inversão do ónus da prova deduzido pela Ré no que respeita as factos relativos à repercussão;
- julgo improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé, formulado pela Autora.
*** CUSTAS:
Nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 2 e 3 e 528.º, n.º 3, ambos do CPC, e no que respeita aos pedidos formulados na petição inicial, condeno A. e a R. nas custas, na proporção do respetivo decaimento.
Quanto ao incidente de inversão do ónus da prova condeno a Ré em custas fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta – cf. artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa a este Regulamento.
Quanto ao incidente de condenação da Ré como litigante de má fé condeno a Autora em custas fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta – cf. artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa a este Regulamento.”
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A MAN TRUCK & BUS SE, inconformada, interpôs recurso de apelação da sentença final, em que apresenta as seguintes conclusões:
“4. CONCLUSÕES
4.1. Quanto ao Recurso da Decisão sobre a Matéria de Facto
4.1.1. Impugnação dos factos considerados provados relativos aos prejuízos
§ 1. O Tribunal aquo concluiu pela existência de prejuízos decorrentes da Conduta Sancionada, nos termos que constam dos factos h) e i) da Decisão Recorrida.
§ 2. Tais factos não podiam, porém, ter sido dados como provados, tendo o Tribunal a quo incorrido em vários erros de julgamento, traduzidos essencialmente numa deturpada interpretação da Decisão Recorrida, na aplicação de sucessivas presunções judiciais sem base factual e numa incorreta apreciação da contraprova produzida pela Recorrente, para o que contribuiu a aplicação de um standard da prova incompatível com as regras de distribuição do ónus da prova. Concretamente:
i. Standard da prova
§ 3. Para efeitos de apreciação da prova respeitante aos invocados danos, o Tribunal a quo adotou um standard de prova consubstanciado na teoria da “probabilidadeprevalecente” (segundo a qual, um facto deve considerar-se provado se a convicção sobre a sua veracidade for superior a 50%) por considerar que, neste tipo de ações, é impossível aferir com certeza o “cenário sem infração” (cf. § 52 a 62 da Decisão Recorrida).
§ 4. Tal teoria é, todavia, incompatível com o artigo 414.º do CPC, porque resolve a dúvida sobre a verificação de um facto em função do grau de convicção do julgador, ao passo que o critério legal é o de que, em caso de dúvida sobre a verificação de um facto, o julgador deve resolvê-la contra a parte a quem competia provar o facto, independentemente do seu grau de convicção (cf., neste sentido MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e Acórdão do TRG de 07.12.2023, proferido no âmbito do processo n.º 573/20.1T8VCH.G1).
§ 5. A teoria da probabilidadeprevalecente é também incompatível com a regra consagrada no artigo 346.º do CC, o qual não exige que a contraprova demonstre o facto contrário (ao facto alegado) ou a inexistência do facto alegado, apenas tendo de o tornar duvidoso, sendo que a teoria da probabilidadeprevalecente permite ultrapassar a dúvida gerada pela contraprova se o grau de convicção do julgador, não obstante a contraprova for, ainda assim, superior a 50%. Os efeitos da aplicação teoria prevalecente contrariam, portanto, o artigo 346.º do CC.
§ 6. A adesão à teoria da probabilidadeprevalecente, que utiliza como critério o grau de convicção do julgador, levou a que o Tribunal aquo desse como provados factos – concretamente, os factos provados h) e i) – que não poderia ter dado como provados se tivesse corretamente aplicado as regras que decorrem dos artigos 414.º do CPC e 346.º do CC.
§ 7. A contraprova produzida pela Recorrente, composta por pareceres técnicos e prova testemunhal, é mais do que suficiente para criar dúvidas sérias e fundadas quanto à possibilidade de terem ocorrido prejuízos decorrentes da Conduta Sancionada (e, na verdade, demonstra até o contrário).
§ 8. O Tribunal aquo utilizou dois pesos e duas medidas na ponderação que fez da prova produzida nos presentes autos: por um lado, baixou a fasquia exigível à prova que cabia à Recorrida fazer (e que não fez) quanto aos invocados danos (pautando-se pelo critério da probabilidadeprevalecente e apoiando-se em presunções judiciais) e, por outro lado, agravou a fasquia da prova exigível à Recorrente, pois, não obstante a contraprova por esta apresentada, de natureza empírica e apoiada em literatura económica, o Tribunal aquo exigiu que esta tivesse demonstrado a inexistência de prejuízos (como se fosse o ónus da prova competisse à Recorrente ou como se estivesse em causa a aplicação de uma presunção legal, o que não se verifica).
§ 9. Por outro lado, e contraditoriamente, no que respeita à defesa subsidiária da Ré – respeitante à repercussão do eventual sobrecusto nos preços cobrados pela Recorrida aos seus clientes –, o Tribunal aquo não recorreu ao critério da probabilidade prevalecente, exigindo um nível de certeza manifesta e incompreensivelmente superior.
ii. Insuficiência da Decisão da Comissão para prova dos prejuízos (§§ 72 a 191 da Decisão Recorrida)
a. Natureza, duração, intencionalidade e continuidade,extensão da conduta Sancionada e substituibilidade doproduto
§ 10. A Recorrida não produziu prova sobre a existência de prejuízos, limitando-se a apresentar pareceres técnicos, que, pressupondo a verificação dos mesmos, visavam (apenas) a respetiva quantificação.
§ 11. O Tribunal aquo considerou, contudo, que as características da Conduta Sancionada são suficientes para daí se retirar a existência de prejuízos, desvalorizando ou contornando, assim, a total ausência de prova apresentada pela Recorrida.
§ 12. A descrição da Conduta Sancionada que é feita na Decisão da Comissão não permite, por si só, a inferência de efeitos no mercado, designadamente, ao nível dos preços líquidos.
§ 13. Em primeiro lugar, e no que respeita à interpretação da Decisão da Comissão, cumpre ter presente que, uma vez que a Decisão da Comissão foi adotada em sede de procedimento de transação, deve ser interpretada em estrita observância do elemento literal, sob pena de violação dos direitos de defesa da Recorrente e do artigo 16.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1/2003.
§ 14. Importa também ter presente, para efeitos de interpretação da Decisão, que a única versão da Decisão da Comissão que faz fé é a versão em língua inglesa.
§ 15. Ademais, acordos de fixação de preços constituem “acordos” na aceção do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, enquanto trocas de informações sobre preços se qualificam, também nos termos do referido artigo, como práticas concertadas.
§ 16. O termo arrangement, que é utilizado na versão inglesa da Decisão da Comissão, pode inclui acordos e práticas concertadas, donde resulta que arrangements não é o mesmo que acordos (na versão portuguesa do Resumo da Decisão, o termo “arrangements” foi traduzido incorretamente para “acordos” possivelmente por não haver, na língua portuguesa, uma palavra correspondente ao termo “arrangements”.
§ 17. Na determinação da natureza de uma infração, para aferir da sua capacidade de ter efeitos nos preços, apenas relevam componentes que lhe sejam típicas por terem ocorrido de forma regular e habitual, mas não atos meramente ocasionais ou pontuais.
§ 18. Contudo, o Tribunal aquo, designadamente, nos §104, § 110 e § 138 da Decisão Recorrida erroneamente qualifica a natureza da Conduta Sanciona como acordos de fixação de preços e aumentos de preços, quando, na verdade, apenas há apenasduas referências a acordos de fixação de preços nos §§ 51 e 53.
§ 19. Com efeito, do § 50 da Decisão da Comissão não se pode concluir pela existência de acordos relativos à fixação e aumento de preços brutos, porque este (i) refere-se à conduta no seu todo, incluindo a parte do calendário e repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissão, que não tem relevância nos presentes autos e (ii) a expressão ali utilizada (“agreementsand/orconcertedpractices”) admite como cenários possível o de os arrangements só terem consistido em práticas concertadas.
§ 20. Ora, a referência feita no § 51 da Decisão da Comissão a acordos de fixação de preços brutos limita-se a casos pontuais (“insomecases”) ocorridos no período de 1997 e 2004,
§ 21. e a referência que é feita no § 53 da Decisão Comissão a acordos de fixação de preços brutos não diz respeito ao mercado português, tal como reconhece o Tribunal aquo no § 110 da Decisão Recorrida, e é circunscrita ao período compreendido entre 1997 e 2004.
§ 22. Ou seja, ao longo dos §§ 51-63 da Decisão da Comissão só há uma referência potencialmente relevante a acordos de fixação de preços, que é a que consta do § 51 da Decisão, mas o respetivo texto refere que tais acordos ocorreram apenas em casos pontuais (“insomecases”) e no período de 1997 a 2004.
§ 23. As referências pontuais feitas no texto da Decisão a acordos de fixação de preços, ocasionais e limitados no tempo, não permitem caracterizar a infração como tendo consistido em acordos de fixação de preços brutos e aumentos de preços brutos, tanto mais que não são feitas referências à existência de mecanismos de controlo e sanção necessários para implementar esses acordos (e essa ausência é, de resto, reconhecida no § 188 da Decisão Recorrida).
§ 24. A descrição da Conduta Sancionada feita no capítulo 3 (§§ 46-63) da Decisão da Comissão reporta-se essencialmente a trocas de informações sobre (aumentos de) preços brutos, sejam na forma de trocas de (aumentos de) preços brutos (preços, listas de preço e configuradores), sejam na forma de discussões sobre os mesmos (trocas de impressões e/ou opiniões).
§ 25. Ou seja, não obstante a ocorrência de casos pontuais de acordos de fixação de preços brutos no período de 1997 a 2004, a Conduta Sancionada caracteriza-se por trocas de informações sobre preços brutos e aumentos de preços brutos.
§ 26. E, não havendo quaisquer outras referências a acordos de fixação de preços na Decisão da Comissão, não é possível presumir, como especula o Tribunal aquo no § 98 da Decisão Recorrida, que os acordos pontuais referidos no § 51 da Decisão da Comissão tenham sido (expressa ou tacitamente) renovados.
§ 27. A invocação, na Decisão Recorrida, do acórdão proferido pelo TRL no processo n.º 54/19.6YQSTR.L1 (§ 93 da Decisão Recorrida) não leva a conclusão diferente, pois, com o devido respeito, também nesse Acórdão se faz uma interpretação errada da natureza da conduta.
§ 28. Exemplificativamente, e para além dos demais pontos assinalados nas presentes alegações, o TRL conclui, no referido Acórdão, que “ainfraçãoenvolveu,nãosóatrocadeinformaçõessensíveis(…)mastambémacordoscolusóriossobreafixaçãodepreçoseaumentodepreçosbrutos”, o que é irrelevante porque o que importa aferir é se a intensidade e regularidade desses acordos caraterizam a infração de tal forma que se pode presumir ou considerar que a mesma teve um efeito sobre os preços.
§ 29. O § 40 do Acórdão do TJUE no processo C-588/20 (onde se lê que “segundoo artigo1.ºdadecisãoemcausa,ocartelemquestãonoprocessoprincipaltinhacomoobjeto,porumlado,afixaçãodepreçoseoaumentodospreçosbrutos”), invocado no referido Acórdão do TRL, também não releva para a sua qualificação da Conduta Sancionada, porque o TJUE, no referido processo, cuidou da questão de saber se “veículosespeciaisouparafinsespeciais,emparticularoscamiõesdolixo [doméstico],tambémestãoabrangidospelasdisposições[daDecisão]daComissão” (§ 26).
§ 30. O TJUE, no processo C-588/20, não analisou se a conduta sancionada deveria ser caraterizada como acordos de fixação de preços ou como trocas de informações sobre preços, porque não era esse o âmbito da questão prejudicial que lhe foi colocada, sendo que a referência feita, no §40, ao artigo 1.º do dispositivo da Decisão da Comissão justifica-se apenas porque este constitui o ponto de partida para responder à questão que lhe foi concretamente colocada, não estando, portanto, o § 40 sequer abrangido pelo âmbito vinculativo da Decisão do TJUE.
§ 31. Igual conclusão se aplica ao Acórdão do TJUE proferido no processo C-312/21 que também não se pronunciou sobre a natureza da Conduta Sancionada, sendo outro o âmbito das questões prejudiciais que lhe foram colocadas.
§ 32. As considerações adicionais feitas pelo Tribunal aquo nos parágrafos §§ 94 e ss. da Decisão Recorrida também não permitem concluir que a Conduta Sancionada se traduziu em acordos de fixação de preços, pois, ao contrário do que afirma o Tribunal aquo, “discutirpreços” é também uma forma de trocar informações sobre preços.
§ 33. Acresce que do ponto 81 da Decisão da Comissão, onde se lê que “TheconductischaracterisedbythecoordinationbetweenAddressees,whichwerecompetitors,ofgrossprices,directlyandthroughtheexchangeofplannedgrosspriceincreases”, não se pode retirar, se mais, que tenha existido uma coordenação direta dos aumentos dos preços brutos de lista a par da troca dos aumentos planeados” (cf. § 101 da Decisão Recorrida), pois o termo “directly” pode ter vários significados (vg. reuniões presenciais).
§ 34. Por fim, as partes dos dois acórdãos do TJUE (C- 267/20 e C-312/21), invocados pelo Tribunal aquo, também não servem para sustentar a sua tese, dado que, tal como no Acórdão TJUE referente ao processo C-588/20, as questões que lhes foram colocadas não tinham diretamente que ver com a natureza da Conduta Sancionada, sendo que as partes citadas não estão abrangidas pelo efeito vinculativo dos referidos Acórdãos.
§ 35. Uma vez que a correta interpretação da Decisão da Comissão leva à conclusão de que a Conduta Sancionada consistiu essencialmente em troca de informação sobre preços brutos e aumentos de brutos preços, deixa de ser altamente provável ou passa a ser bastante mais improvável do que o contrário (ou seja, deixa de haver probabilidade prevalecente) que a conduta tenha tido impacto no preço pago pela Recorrida pelo camião aqui em causa, já que o próprio Tribunal aquo reconhece, nos §§ 105 e 107 da Decisão Recorrida que é mais provável que um acordo de fixação de preços tenha impacto nos preços do que uma troca de informações.
§ 36. O Tribunal aquo procura ainda sustentar a existência de prejuízos noutras caraterísticas da conduta, tais como a sua duração, intencionalidade, continuidade e extensão, bem como na reduzida substituibilidade do produto (cf. § 77 da Decisão Recorrida).
§ 37. Quanto à duração: é demasiado simplista, no caso de uma troca de informações sobre preços brutos, deduzir a existência de efeitos no mercado a partir da duração da conduta, desde logo porque é difícil ou mesmo impossível de mensurar se a conduta está a ter efeitos (designadamente, porque não envolve fixação de preços, de descontos ou mecanismos de monitorização).
§ 38. Quanto à continuidade: esta característica nada acrescenta à da duração da conduta, pois a continuidade da conduta permitiu à CE declarar uma só infração com duração de 14 anos, em vez de duas ou mais infrações com durações mais curtas.
§ 39. O mesmo se diga quanto à intencionalidade, que também nada acrescenta à natureza da infração, pois foi dela diretamente deduzida pela CE (ponto 104 da Decisão da Comissão: “Inthiscase,basedonthefactsdescribedinthisdecision,theCommissionconsidersthattheinfringementwascommittedintentionally”).
§ 40. Quanto à extensão da conduta: esta característica não é indicativa de um efeito sobre o preço líquido pago pela Recorrida, na medida em que, tratando-se essencialmente de uma troca de informações, os fabricantes envolvidos na infração eram livres de concorrerem um com os outros e a existência de uma efetiva concorrência é corroborada pela Figura 3 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023.
§ 41. Da referida figura resulta que (i) as quotas de mercado individuais dos fabricantes envolvidos, em vez de evoluírem de forma estável e em paralelo ao longo do período de infração (o que indicaria uma falta de concorrência entre os fabricantes envolvidos), mudam de forma significativa (subindo no caso de uns fabricantes, baixando no caso de outros) tanto de um ano para outro (por exemplo, as da Volvo/Renault e da DAF) como ao longo do período de infração e (ii) houve oferta significativa por parte de fabricantes não envolvidos na infração.
§ 42. Quanto à falta de substituibilidade do produto: esta característica não tem relevância autónoma, nada acrescentando à extensão da conduta que, como se viu, também não é indicativa da existência de efeitos no mercado.
b. Inexistência de uma relação direta e sistemática entre preços brutos e preços líquidos
§ 43. É incontroverso que a Conduta Sancionada incidiu sobre preços brutos de lista (na modalidade de trocas de informações) e não sobre os preços finais pagos pelos utilizadores dos camiões, como é o caso da Recorrida. O Tribunal aquo também assim o reconhece.
§ 44. A procedência da presente ação dependeria, pois, além do mais, da demonstração – que competia à Recorrida fazer – de que a Conduta Sancionada afetou os preços finais, que dela não foram objeto.
§ 45. A este respeito, o Tribunal aquo considerou provado, sob os factos h) e i), que “(…) opreçodevendadocamiãopelaRéàempresaqueoadquiriupararevendafoisuperioràquelequeseteriaverificadocasonãotivesseocorridoainfração” e que “Devidoaofactoexpostonaalíneaprecedente,opreçopeloqualaA.C.–ManutençãoeComérciodeVeículos,S.A.vendeuocamiãoàAutorafoisuperioràquelequeseverificariasenãotivesseocorridoapráticareferidanaalíneaprecedente”.
§ 46. Assim, depois de presumir que a Conduta Sancionada teria levado a um aumento dos preços brutos com base na Decisão da Comissão, o Tribunal aquo deu igualmente como provado, também através de presunções judiciais, que: (i) a Conduta Sancionada, que (reconhecidamente) incidiu sobre preços brutos, teria levado a um aumento do preço cobrado pela subsidiária portuguesa do grupo MAN ao seu cliente direto, neste caso, ao concessionário AC Manutenção (preço esse que não corresponde ao preço bruto de lista) e que (ii) o preço líquido cobrado por este concessionário à Recorrida aumentou também ele em virtude da Conduta Sancionada e como decorrência direta do presumido aumento do preço cobrado ao adquirente direto da Recorrente
§ 47. Porém, a prova carreada para os autos pela Recorrente é incompatível com as presunções e juízos especulativos de que o Tribunal aquo lançou mão.
§ 48. O que está em causa nesta ação não é saber se os preços líquidos podem ou não ser afetados por alterações ao nível dos preços brutos, mas sim se os preços líquidos foram efetivamente afetados em decorrência da Conduta Sancionada e, nesta medida, a alusão feita ao Acórdão Keramag é irrelevante, pois o que neste se concluiu foi que os preços brutos podem (em tese) influenciar os preços líquidos.
§ 49. Da prova produzida pela Ré, ora Recorrente, resulta, de forma sustentada e apoiada em dados empíricos (i.e. dados de transações efetivas de camiões da marca MAN), que, no que respeita aos veículos da marca MAN, não existe uma relação direta e sistemática entre preços brutos de lista e preços finais, pelo que, mesmo que tivesse havido um aumento dos preços brutos de lista decorrente da Conduta Sancionada (quodnon), tal não teria impacto ao nível dos preços finais.
§ 50. E essa prova resulta tanto do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023, como do depoimento de A …, autor desse parecer, e ainda do depoimento de B …, diretor geral da subsidiária portuguesa da MAN, cujo depoimento se encontra sintetizado no § 136 da Decisão Recorrida, não tendo as suas afirmações gerado dúvidas ao Tribunal aquo.
§ 51. Resulta, em particular, da prova produzida pela Recorrente que os preços finais cobrados à primeira entidade fora do grupo MAN, ou seja, os preços cobrados a concessionários independentes ou clientes finais no caso de vendas diretas, não foram afetados pelas variações dos preços brutos de lista, pelo menos entre 2007 e 2020, porquanto os primeiros se mantiveram relativamente estáveis, ao passo que os segundos aumentarem consideravelmente ao longo do tempo.
§ 52. As figuras 7, 8 e 16 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023 permitem justamente verificar que os preços brutos de lista dos camiões da marca MAN têm uma tendência crescente ao longo do tempo, ao passo que os preços finais permanecem razoavelmente estáveis ao longo do tempo, sendo que a explicação para as diferentes evoluções de uns e de outros é justamente o aumento crescente dos descontos, de forma tal que anulou a variação crescente dos preços brutos (cf. minutos 02:22:19 a 02:25:23 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma).
§ 53. Fazendo ainda uma análise mais fina, limitada a dois dos modelos mais vendidos da marca MAN, as respetivas conclusões validam o já anunciado desligamento entre os preços brutos de lista e os preços líquidos, porque os primeiros e os segundos variam, muitas vezes, em sentidos opostos e, mesmo quando variam no mesmo sentido, a magnitude da variação é muito diferente (cf. figuras 9 e 10 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023; minutos 02:28:00 a 02:30:16 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma).
§ 54. Ou seja, existe um desligamento entre preços brutos e preços líquidos ainda dentro do grupo MAN, desligamento esse que decorre dos descontos aplicados intra-grupo sobre os preços brutos (conforme descrito por B …), de molde que os preços subsequentes, designadamente os negociados entre o concessionário e a Recorrida, estão também eles necessariamente desligados dos preços brutos de lista.
§ 55. Resulta também do depoimento de B … que a casa-mãe não tem interferência na fixação do preço que a subsidiária portuguesa cobra aos seus clientes e que os concessionários independentes, também eles, fixam livremente os preços que cobram aos seus próprios clientes, sem qualquer interferência por parte da MAN.
§ 56. A prova produzida pela Recorrente não deixou também dúvidas de que sobre os preços brutos de lista são sempre aplicados descontos que têm uma considerável dispersão (i.e. clientes diferentes para o mesmo modelo de camião têm descontos muito diferentes) (cf. depoimento de A …, minutos 02:15:23 a 02:16:39 e 02:19:21 a 02:20:09 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma).
§ 57. E dela também resultou, como unanimemente reconhecido pelas testemunhas B … e C …, que nenhum cliente paga o preço bruto de lista ou tem sequer visibilidade sobre o mesmo (cf. minutos 00:20:51 a 00:21:44 do ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma e minutos 00:12:24 a 00:12:58 do ficheiro áudio … 22_6220_4462824.wma).
§ 58. A testemunha B … atestou ainda que em função do tipo de cliente e do respetivo poder negocial podem ser dados descontos variáveis, (cf. minutos 00:38:50 a 00:39:27, ficheiro áudio …19_6220_4462824.wma), pelo que não é possível prever a que preço é que um determinado camião, com um determinado preço de lista bruto, irá ser vendido ao cliente final.
§ 59. A literatura económica existente sobre o tema, designadamente, a da autoria dos Professores Boshoff e Paha vai ao encontro daquilo que resultou da prova produzida pela Ré baseada em dados de transações efetivas de camiões MAN. Aqueles autores entendem que “As empresas ocasionalmente conspiramconcordandoaumentosdepreçosdelistabrutos.Aeficáciadetalconluiosobrepreçosdelistabrutos,quesãoinformaçãopública,éincerta,poiscadaempresapode,potencialmente,desviar-sedessesacordosconcedendoaseusclientesdescontosmaisaltosqueconstitueminformaçõesprivadasdecadaempresaedecadaclienteindividual.Isso pode implicar que o preço de transação não seja afetado pelaconduta.” (cf. § 4.4 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023).
§ 60. Por outro lado, as características do mercado dos camiões (complexidade e diferenciação dos camiões; opacidade dos preços finais, que são negociados individualmente e determinados em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente; existência de outros parâmetros competitivos relevantes além do preço; instabilidade da procura; assimetria da estrutura do mercado; liberdade dos concessionários para fixarem os preços de venda; desconhecimento por parte das empresas do Grupo MAN dos preços finais pelos quais os concessionários vendem os camiões; elevada competitividade do mercado; os camiões são adquiridos por clientes empresariais), grande parte das quais reconhecidas na própria da Decisão Comissão e provadas nestes autos, tornam-no não propenso ao conluio (cf. Secção 3 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023), demonstrando a inexistência de prejuízos decorrentes da Conduta Sancionada ou, pelo menos, gerando uma dúvida (sustentadamente) razoável de que pudessem ter-se verificado.
§ 61. Também o Estudo da OXERA de 2019 assinala, neste sentido, que “(…) Atrocade informaçõesnoquerespeitaaospreçosbrutosnãopodeserassumidacomoresultandoemcustosadicionaissobreospreçosdecamiõeslíquidos,jáqueexisteumconjuntodemecanismoseconómicosquepodemterimpedidoessaligação” (cf. § 4.34 do Estudo da OXERA de 2019).
§ 62. Em suma, a prova produzida pela Recorrente, apoiada em dados empíricos, leva à inelutável conclusão de que uma variação ao nível dos preços brutos não determina nem implica uma variação ao nível dos preços finais, pelo que um eventual impacto da Conduta Sancionada no preço pago pela Recorrida teria de ser efetivamente demonstrado (e não foi), não sendo admissível uma mera presunção da existência desse impacto.
§ 63. Não obstante a robustez das conclusões alcançadas no Parecer Técnico da CL de 14.07.2023, o Tribunal aquo procurou afastá-las e fê-lo essencialmente com base em suposições e especulações manifestamente improcedentes.
§ 64. A título de exemplo, o Tribunal aquo alvitrou que a casa-mãe poderia, na verdade, ter tido inferência na fixação do preço pela sua subsidiária portuguesa, o que constitui uma mera especulação, de resto infirmada pelo depoimento de B …, e que é, de todo o modo, irrelevante já que, mesmo que assim fosse, essa interferência não teria conduzido a um aumento dos preços cobrados à primeira entidade fora do grupo que, como vimos, se mantiveram estáveis.
§ 65. Por outro lado, o Tribunal aquo exigiu que a Recorrente fizesse prova da existência de “desvios intencionais”, o que é manifestamente desrazoável e oneroso para quem, como a Recorrente, apenas tinha de apresentar contraprova destinada a gerar dúvidas sobre a existência do alegado dano.
§ 66. Além do mais, cabe perguntar por que razão é que a demonstrada inexistência de uma relação direta e sistemática entre os preços brutos e os preços líquidos não fez o Tribunal aquo presumir ou, pelo menos, admitir que houve, de facto, desvios.
§ 67. Exigiu ainda o Tribunal a quo que a Recorrente explicasse “emconcreto,porqueéqueamesmanãoproduziuefeitoseporqueéquenãoseapercebeudissoounãoabandonouacondutaemmomentoanterior”, mas a explicação sobre a ausência de efeitos está contida na prova apresentada pela Recorrente que demonstra a inexistência de uma relação entre preços brutos e preços líquidos.
§ 68. Acresce que é muito difícil, se não mesmo impossível, medir o sucesso ou insucesso de uma infração com as caraterísticas da conduta no caso em apreço: tratando-se de uma infração caracterizada por trocas de informações sobre preços brutos, que não envolveu, salvo casos pontuais e temporalmente limitados, fixação de preços, nem mecanismos de monitorização de preços líquidos praticados pelos outros fabricantes, era muito difícil, se não mesmo impossível, medir os efeitos da Conduta Sancionada.
§ 69. As conjeturas traçadas pelo Tribunal a quo no sentido de que a Conduta Sancionada só podia ter tido como objetivo aumentar os preços finais, com isso procurando contrariar a prova da Recorrente, não são mais do que conjeturas, até porque A … referiu que “umadasrazõespossíveisparafazertrocas depreçodelistabrutoésimplesmenteumexercíciodeposicionamentorelativonomercado” (cf. minutos 02:36:54 a 02:38:16, ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma)
§ 70. Numa palavra, o Tribunal aquo escudou-se na teoria da probabilidadeprevalecente para dar como provados factos cuja prova competia à Recorrida (e que nada fez para os demonstrar), mas exigiu que a contraprova produzida pela Ré demonstrasse, inequivocamente, sob vários ângulos e perspetivas, que o alegado sobrecusto não se verificou (!), quando aquilo que lhe era exigido, para efeitos de dar como não provada a existência de prejuízos, era apenas que tornasse esse facto duvidoso (o que a Recorrente manifestamente fez).
§ 71. Face a tudo o que ficou exposto, deve o Tribunal ad quem dar como não provadosos factos h) e i).
4.1.2. Factos que deveriam ter sido dados como provados
4.1.2.1. Factos considerados irrelevantes que deveriam ter sido dados como provados
§ 72. A par do parecer técnico da CL de 14.07.2023, também a factualidade relativa às características do mercado dos camiões que o Tribunal aquo considerou irrelevante impedia-o, caso tivesse ficado provada nos exatos termos que decorrem da prova apresentada pela Recorrente, de estabelecer um nexo lógico entre a Conduta Sancionada e o dano e, com isso, presumir este último, porquanto as referidas características tornam o mercado dos camiões não propenso ao conluio.
§ 73. Mesmo que se considerasse que a Conduta Sancionada consistiu em acordos de fixação sobre preços brutos (no que não se concede e apenas se equaciona para efeitos de raciocínio), tais características fazem com que seja extremamente difícil implementar esse suposto acordo ao nível dos preços finais, criando, assim, sérias e fundadas dúvidas quanto à possibilidade de a Conduta Sancionada ter tido um impacto nos preços finais pagos pelos clientes e, como tal, de a Recorrida ter suportado o presumido sobrecusto.
§ 74. Por conseguinte, o Tribunal aquo deveria ter-se pronunciado sobre as mesmas e incluí-las na decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no elenco de factos provados.
§ 75. Não o tendo feito, o Tribunal aquo cometeu um erro de julgamento da matéria de facto devendo o Tribunal adquem, ao abrigo dos seus poderes de substituição ao tribunal recorrido, estatuídos nos artigos 662.º, n.º 1, e 665.º, n.º 2, do CPC, aditar ao elenco de factos provados a factualidade identificada de seguida.
§ 76. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 174.º a 176.º da sua Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão, pelos §§ 3.2 e 3.5 a 3.14 da Secção 3 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023 e pelos depoimentos das testemunhas das testemunhas A … (cf. minutos 02:06:12 a 02:07:56 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma e minutos 00:06:15 a 00:06:26 do ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), I … (cf. minutos 00:10:10 a 00:11:03 do ficheiro áudio … 52_6220_4462824.wma) e B … (cf. minutos 00:06:15 a 00:06:26 do ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
a) Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente (cf. artigo 174.º da Contestação);
b) Os camiões são produtos intrinsecamente complexos, diferenciados e cada fabricante de camiões oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes (cf. artigo 175.º da Contestação);
c) O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma grande variedade de opções, existindo cerca de 5.000 variantes de opção base (cf. artigo 176.º da Contestação).
§ 77. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 185.º e 196.º a 199 da sua Contestação e por se encontrar provado pelos §§ 3.2 e 3.15 a 3.21 da Secção 3 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023 e pelos depoimentos das testemunhas A … (cf. minutos 02:04:45 a 02:05:46 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma) e B … (minutos 00:38:50 a 00:39:27 do ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
a) Os preços pagos pelos clientes finais são opacos (cf. artigo 196.º da Contestação);
b) O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pela empresa nacional do Grupo MAN, como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado bilateralmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente (cf. artigos 185.º e 196.º da Contestação).
§ 78. Por ter sido alegado pela Recorrente no artigo 193.º da Contestação e por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha B … (cf. minutos 00:44:03 a 00:45:09 do ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:
a) A Recorrente não tem qualquer intervenção na fixação dos preços pelos quais a MAN PT vende os camiões aos concessionários ou diretamente a clientes finais (cf. artigo 193.º da Contestação).
§ 79. Por consubstanciar factualidade instrumental relevante que resultou da instrução da causa e que ficou provada através do depoimento da testemunha B … (cf. minutos 00:28:54 a 00:30:48, ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
a) Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam;
b) As empresas do Grupo MAN desconhecem o preço final pago pelos clientes dos concessionários.
§ 80. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 188.º e 189.º da sua Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão, pelos §§ 3.24 a 3.26 e pela Figura 2 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 14.07.2023 e pelo depoimento da testemunha A … (cf. minutos 02:04:45 a 02:06:11 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
a) A procura de camiões é altamente cíclica (cf. artigo 188.º da Contestação);
b) Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais, que muitas vezes adiam a decisão de renovar a sua frota de camiões em períodos de crise económica (cf. artigo 189.º da Contestação).
§ 81. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 186.º e 187.º da sua Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão e pelos §§ 3.2, 3.13 a 3.14 e 3.22 a 3.23 da Secção 3 do Parecer Técnico da CL de 14.07.2023, deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:
a) Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões, custos de manutenção, desempenho técnico do camião, o consumo de combustível, custo operacionais, custos do serviço pós-venda (cf. artigos 186.º e 187.º da Contestação).
§ 82. Por consubstanciar factualidade instrumental relevante que resultou a instrução da causa e que ficou provada através dos §§ 3.27 a 3.29 e das figuras 3 e 4 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 14.07.2023 e dos depoimentos das testemunhas A … (cf. cf. minutos 02:05:46 a 02:11:25 do ficheiro áudio … 54_6220_4462824.wma) e B … (cf. minutos 00:03:02 a 00:03:56 e 00:14:02 a 00:15:28, ficheiro áudio … 19_6220_4462824.wma), deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:
a) A estrutura de mercado é assimétrica e durante o período da infração os fabricantes tinham quotas de mercado diferentes.
4.1.2.2. O Tribunal a quo deveria ter invertido o ónus da prova e dado como provada a repercussão a jusante
§ 83. A título subsidiário, a Recorrente alegou que, caso fosse demonstrada a existência de um prejuízo, o mesmo teria sido repercutido a jusante nos preços praticados pela Recorrida aos seus clientes, pelo que a Recorrida não teria sofrido qualquer dano.
§ 84. Para prova desta factualidade, o Tribunal aquo determinou oficiosamente a realização de uma perícia, no âmbito da qual não chegou a ser apresentado qualquer relatório pericial por manifesta falta de colaboração da parte daRecorrida.
§ 85. Como a Senhora Perita confirmou na sessão de julgamento de 21.09.2023, a Recorrida não tinha disponibilizado, até então, um único elemento solicitado e não tinha dado qualquer resposta às questões que lhe foram colocadas, não tendo sido dada, até à aquela data, qualquer justificação para tal conduta omissiva (cf. minutos 00:22:08 a 00:22:17 do ficheiro áudio … 49_6220_4462824.wma).
§ 86. As razões reveladas, apenas no decurso do julgamento, para a total falta de cooperação por parte da Recorrida no que à perícia diz respeito não colhem e são, além do mais, alheias à Recorrente.
§ 87. Em particular, no que diz respeito às questões de natureza não fiscal, e que se prendiam com informações sobre a atividade da Recorrida, está por explicar a razão pela qual não foram respondidas até ao momento em que o Tribunal aquo deu ordem expressa para tal por despacho de 04.11.2023.
§ 88. Quanto aos elementos contabilísticos solicitados pela Perita, a Recorrida alega que já não dispõe de documentos relativamente aos quais o prazo de conservação legal já tenha decorrido e quanto aos demais invoca que perdeu o “dossier fiscal”, que os continha, aquando da substituição do seu anterior contabilista.
§ 89. Porém, as testemunhas ouvidas neste contexto (D …, E … e F …) não foram minimamente elucidativas a este respeito e apontam até no sentido de as pastas com informação contabilística e de o chamado “dossier fiscal” terem sido efetivamente entregues à Autora ou ao seu novo contabilista, F ….
§ 90. A Recorrente requereu, ante este circunstancialismo, a inversão do ónus da prova, o que foi indeferido pelo Tribunal aquo por este ter concluído que a Recorrida forneceu os elementos de que dispunha e que os elementos em falta se terão extraviado na transição de contabilistas (cf. § 255 da Decisão Recorrida).
§ 91. A conduta da Recorrida, que o Tribunal aquo caracteriza como tendo sido “(…) claramentemuitoleviana,demonstrativadequenãoconseguiuperceberaseriedadeeimportânciadoseudeverdecolaboração,conformeseinferedosatosprocessuaisacimaelencadas” (cf. § 258 da Decisão Recorrida) impunha, contudo, solução diversa.
§ 92. Com efeito, o facto de a Recorrida ter, num primeiro momento, recusado responder a questões colocadas pela Perita, o facto de ter não ter prontamente enviado faturas que, depois, veio revelar ter em seu poder e a circunstância de não ser localizável o “dossier fiscal”, ainda que por motivo de extravio, impedem objetivamente que a Recorrente faça prova dos factos alegados a este respeito, a título de defesa subsidiária e, mais concretamente, impediram a realização da perícia.
§ 93. Não deve ser a Recorrente a suportar na sua esfera a perda de elementos contabilísticos que a Recorrida está legalmente obrigada a ter.
§ 94. Uma vez que a Recorrida recusou ou impossibilitou culposamente ou, pelo menos a título de negligência, a apresentação de qualquer dos elementos solicitados e dos quais depende a prova dos factos constitutivos da exceção perentória invocada pela Recorrente, com influência determinante na decisão da causa, essa recusa ou falta de cooperação para a descoberta da verdade implica a inversão do ónus de prova (cf. artigo 344.º, n.º 2, do CC).
§ 95. No presente caso, o Tribunal adquem está apto a, invertendo o ónus da prova como se impõe, dar como provada a existência de um sobrecusto.
§ 96. Por um lado, o depoimento do legal representante da Recorrida (G …) aponta nesse sentido, já que afirmou que os custos são, com maior ou menor expressão, tidos em consideração nos preços (cf. minutos 00:09:30 a 00:30:11 do ficheiro áudio Diligencia_66-19.0YQSTR_2023-12-21_11-05-56LegalRepresentante G … -.mp3).
§ 97. Não é o facto de, como referido no § 266 da Decisão Recorrida, “opreçodocamião sedilui[r]nosserviçosprestados” e de não ser a “basenecessáriadefixaçãodopreço”, que impede que se conclua pela verificação de repercussão (ainda que parcial) do alegado sobrecusto, pois basta, para que haja repercussão, que o preço do camião, enquanto custo que é, tenha alguma interferência na fixação do preço cobrado por esse adquirente aos seus clientes. E isto não foi de modo algum afastado pelo representante legal da Recorrida
§ 98. Por outro lado, porque a teoria económica também leva a essa conclusão, como evidenciado pela CE: “[a] repercussãodoscustosadicionaiseosefeitosdepreçoedevolumeassociadossurgemdevidoaosincentivosdeumaempresapararesponderaoaumentodosseuscustoscomumasubidadepreços” (cf. Orientações sobre o Cálculo da Repercussão, § 46).
§ 99. É reconhecido na teoria económica que um operador de mercado que atua de forma racional irá, pelo menos em certa medida, transferir custos adicionais em que incorra para os seus clientes, aumentando os preços praticados em resposta a um aumento dos seus custos.
§ 100. O operador de mercado não tem tipicamente conhecimento da existência de uma infração ao direito da concorrência como causa do aumento dos seus custos, limitando-se a reagir contra esse aumento através do aumento dos preços por si praticados.
§ 101. Ademais, se os concorrentes de um determinado operador económico estiverem todos ou praticamente todos sujeitos a custos adicionais, a decisão desse operador de aumentar os preços praticados de forma a repercutir os custos adicionais não será, à partida, condicionada pelo receio de perda de clientes já que, presumivelmente, todos os demais operadores seus concorrentes terão, também eles, aumentado os seus preços (em reação ao aumento dos custos).
§ 102. A inferência que o Tribunal aquo fez, para efeitos de dar como provada a repercussão do custo adicional suportado pelos concessionários nos seus clientes, como é o caso da Recorrida, é totalmente transponível para a questão em apreço, pois não há razão para a que Recorrida não tenha tido a mesma reação que os concessionários independentes que o Tribunal a quo presumiu, com base em regras de experiência, que iriam repercutir o custo adicional suportado.
§ 103. A presunção que permitiu ao Tribunal aquo dar como provada a existência de um dano na esfera da Recorrida, a ser válida e confirmada por este Tribunal, tem de ser consistentemente aplicada ao longo de toda a cadeia de comercialização, sob pena de estarmos perante dois pesos e duas medidas.
§ 104. Este foi o entendimento do Tribunal da Concorrência no âmbito do processo …/….9YQSTR (Juízo 3), onde se concluiu que o sobrecusto apurado foi parcialmente repercutido no âmbito da atividade da ali autora, fixando tal repercussão em 2% do valor de aquisição dos camiões, chegando a um sobrecusto líquido de 3%.
§ 105. Como tal, o Tribunal aquo deveria ter dado como provado o facto g) do elenco de factos não provados da Decisão Recorrida: “AAutorarepercutiuopreçoquepagouamaispelocamiãonospreçosporsipraticadospelosseusserviços,aosseusclientes(artigo249.ºdaContestação)”, devendo este transitar da lista dos factos não provados para a lista dos factos provados.
4.2. Recurso da Decisão sobre a Matéria de Direito
4.2.1. Os requisitos do Dano e do Nexo de Causalidade não estão verificados
§ 106. Não sendo aplicável aos presentes autos a presunção de dano prevista no artigo 9.º, n.º 1 da LPE, cabia à Recorrida, nos termos do disposto no artigo 483.º, conjugado com o artigo 342.º do CC, alegar e provar a existência de um sobrecusto e demonstrar que esse sobrecusto era causa adequada da Conduta Sancionada.
§ 107. Também incumbia à Recorrida a prova de que o alegado sobrecusto tinha sido repercutido em toda a cadeia de comercialização dos veículos da marca MAN, designadamente no concessionário que lhe vendeu o veículo em causa nestes autos.
§ 108. Porém, a Recorrida não produziu qualquer prova a este respeito.
§ 109. Por seu turno, a Recorrente demonstrou, através da prova produzida, que não há qualquer indício de que tenha havido um sobrecusto decorrente da Conduta Sancionada, antes pelo contrário.
§ 110. A prova produzida pela Recorrente é, pelo menos, suficiente para criar a dúvida sobre a verificação dos prejuízos invocados pela Recorrida, pelo que tal dúvida impedia, por um lado, que o Tribunal aquo tivesse presumido, por falta de factualidade suficiente, a existência de um dano e a sua repercussão até à Recorrida, tendo, além do mais, essa dúvida de ser resolvida contra a Recorrida.
§ 111. Por conseguinte, não tendo sido provada a existência de um dano – correspondente ao pagamento de um sobrepreço – e necessariamente, o nexo de causalidade, não estão verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar e, como tal, deve o Tribunal adquem revogar a Decisão Recorrida e absolver a Ré do pedido.
4.2.1.1. Impossibilidade de recurso à estimativa judicial de danos para determinação do quantum do dano
§ 112. Ainda que, para efeitos argumentativos, e naturalmente sem conceder, se considerasse ter existido um dano decorrente da Conduta Sancionada, não podia o Tribunal aquo ter recorrido à estimativa judicial para fixação do valor do (presumido) sobrecusto.
§ 113. Para prova do quantum do sobrecusto, a Recorrente apresentou três diferentes pareceres, aderindo, nas alegações finais, ao resultado alcançado no relatório Cerejeira, que estimou um valor médio de sobrecusto de 15,4%.
§ 114. Todos os pareceres técnicos apresentados pela Recorrida tem várias fragilidades e erros metodológicos, sobejamente evidenciados pelo Tribunal aquo na Decisão Recorrida (cf. §§ 239 a 241 e 244 a 247 da Decisão Recorrida).
§ 115. Nenhum desses pareceres e, em particular, o relatório Cerejeira, são aptos a servir de base ao apuramento do alegado dano, o que é reconhecido pelo Tribunal aquo.
§ 116. Ante este circunstancialismo, o Tribunal aquo estimou judicialmente o quantum do dano em 5% do preço de aquisição.
§ 117. A insuficiência da prova apresentada pela Recorrida para quantificação do alegado prejuízo não permite, contudo, e sem que estejam verificados os respetivos requisitos legais, o recurso ao mecanismo da estimativa judicial do dano, que é um mecanismo de ultimaratio previsto no artigo 9.º, n.º 2 da LPE.
§ 118. A estimativa judicial pressupõe que a quantificação do dano seja “praticamenteimpossível” ou “excessivamentedifícilcalcular”, pressupostos que não estão verificados no presente caso.
§ 119. O TJUE, no Acórdão Tráficos Manuel Ferrer (processo C-312/21), fez notar no §57, que “(…) nahipótesedeaimpossibilidadepráticadeavaliarodanoresultardainaçãododemandante,nãocabeaojuiznacionalsubstituir‑seaesteúltimonemcolmatarassuasfalhasnãocabeaojuiznacionalsubstituir‑seaesteúltimonemcolmatar as suas falhas”, o que aponta justamente para o caráter excecional do mecanismo da estimativa judicial.
§ 120. A importância central da norma que confere ao lesado a possibilidade de deduzir pedidos de informação, prevista no artigo 5.º da Diretiva e no artigo 12.º da Lei do Private Enforcement) é o que justifica que a estimativa judicial do dano seja um expediente de natureza excecional.
§ 121. Não é a má qualidade da prova apresentada pelo putativo lesado ou a insuficiência desta que devem servir de bitola para se aferir da maior ou menor dificuldade em quantificar o dano, como, de resto, assinala o Tribunal a quo ao referir que “temdesetratardeumaimpossibilidadepráticaoudificuldadeexcessivaobjetivas” (cf. § 355 da Decisão Recorrida).
§ 122. Não existe “inação” do lesado (para usar o termo utilizado pelo TJUE) apenas quando este se abstém de apresentar qualquer prova para quantificar o dano, mas também quando não esgota todos os meios probatórios que tem ao seu dispor e/ou quando apresenta uma prova deficitária.
§ 123. Incasu, a Recorrente disponibilizou-se para partilhar com a Recorrida os dados usados no parecer técnico por si apresentado, tendo esta última permanecido em silêncio.
§ 124. Entre esses dados figuravam, nomeadamente, preços brutos de lista dos camiões da marca MAN antes durante e após a infração e preços líquidos a partir de 2007.
§ 125. O Tribunal aquo considerou que o pedido de acesso a esses dados seria inútil, desvalorizando, assim, a conduta omissiva da Recorrida, mas os dados que a Recorrente se disponibilizou para partilhar permitiriam, nomeadamente, a realização de uma comparação dos preços brutos e dos preços líquidos dos veículos da marca MAN ao longo do tempo.
§ 126. Havendo dados disponíveis para partilha por parte da Recorrente, não cabe, com o devido respeito, ao Tribunal aquo antecipar-se ao resultado que a Recorrida poderia ou não ter alcançado se tivesse pedido acesso aos mesmos.
§ 127. Pelas mesmas razões, não podia o Tribunal aquo, fazendo um juízo de prognose sobre o potencial e alcance desses dados, desvalorizar a conduta omissiva da Recorrida e quantificar, ele próprio, o dano com recurso a uma estimativa.
§ 128. Se a Recorrida tivesse feito um pedido de acesso aos dados em poder da Recorrente poderia, designadamente, ter suprido algumas das falhas apontadas pelo Tribunal aquo ao relatório Cerejeira, designadamente, a que respeita à falta de fiabilidade dos dados ali usados, substituindo-os por dados da MAN.
§ 129. Não tendo sido cabalmente demonstrada a impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na prova do quantum do dano invocado pela Recorrida, o Tribunal aquo deveria ter julgado a presente ação improcedente, por não estar impedido de lançar mão da estimativa judicial. Ao não fazê-lo, incorreu em manifesto erro de julgamento.
4.2.1.2. Subsidiariamente: inexistência de fundamento para ovalor do sobrecusto estimado
§ 130. A percentagem de 5% fixada pelo Tribunal aquo não está cabalmente demonstrada no presente caso.
§ 131. O Tribunal aquo justificou esta percentagem essencialmente por remissão para o Acórdão do TRL de 06.11.2023 e invocando o Guia Prático e, em particular, os meta-estudos nele analisados, tendo considerado que 5% é um valor situado a meio do primeiro escalão do meta-estudo e que é uma estimativa suficientemente conservadora (cf. § 370 da Decisão Recorrida).
§ 132. Porém, em nenhum momento da Decisão Recorrida, o Tribunal aquo faz alusão a qualquer elemento ou aspeto do caso concreto, pese embora admita que os meta estudos não devem substituir “análisescasuísticas” (cf. § 368 da Decisão).
§ 133. Mesmo que fosse possível recorrer à estimativa judicial (quodnon), a percentagem de sobrecusto não poderia ser determinada, , como foi, abstraindo dos elementos do caso concreto, do fabricante em causa e do tipo de venda efetuada, até porque os meta estudos pelos quais o Tribunal aquo se guiou têm várias limitações, designadamente, porque se reportam a cartéis de fixação de preços (que não é o caso dos presentes autos), porque desconsideram cartéis que não tiveram efeitos no mercado ou que tiveram efeitos desprezíveis ou ainda porque o valor de sobrecusto apurado foi, algumas vezes, inferido pelos próprios autores.
§ 134. A extensão da conduta não determina necessariamente um valor mais elevado de sobrecusto.
§ 135. O facto de um tribunal, neste caso, o TRL, ter fixado, num determinado caso, uma percentagem de sobrecusto de 5% não desonera que, casuisticamente, os tribunais avaliem se essa percentagem se justifica no caso concreto e não impõe que em todos os casos subsequentes se aplique essa percentagem.
§ 136. A decisão proferida no caso Royal Mail não transponível para o caso em apreço pois a percentagem de 5% ali alcançada teve em conta os valores de sobrecusto apontadas pelos peritos de cada parte e os estudos ali apresentados, ou seja, é uma percentagem baseada em elementos específicos do caso submetido à apreciação do CAT.
§ 137. Quanto às decisões dos tribunais espanhóis, as mesmas também se apoiam nos meta-estudos referidos no Guia da Comissão que padecem das limitações acima identificadas, para além de que têm por base uma prova distinta da que foi produzida nos presentes autos.
§ 138. Uma eventual estimativa judicial de sobrecusto no caso subjudice devia basear-se na prova concretamente produzida nos presentes autos, o que conduziria a um valor bem mais próximo de 0% do que do valor de 5%.
§ 139. Não sendo possível recorrer à estimativa judicial por um lado, e não se encontrando, por outro lado, justificado o valor de 5% estimado pelo Tribunal aquo, o qual deveria, em qualquer caso, ser mais próximo de 0%, deveria a Recorrente ter sido absolvida do pedido.
4.2.2. Subsidiariamente: repercussão do sobrecusto
§ 140. Pelas razões apontadas na parte da impugnação da matéria de facto, o Tribunal a quo deveria, por um lado, ter invertido o ónus da prova a respeito desta matéria e, por outro lado, com base no depoimento do legal representante da Autora e com base no que resulta da teoria económica, deveria ter dado como provada a repercussão do sobrecusto a jusante.
§ 141. Ora, considerando que a repercussão do sobrecusto elimina o (putativo) dano da Recorrida, deveria a Recorrente ter sido absolvida do pedido.
4.2.3. Subsidiariamente: Dies a quo da contagem dos juros
§ 142. Subsidiariamente¸ e apenas para o caso de o Tribunal adquem confirmar a Decisão Recorrida na parte em que esta condenou a Ré ao pagamento de uma indemnização à Recorrida, o Tribunal aquo não podia ter condenado a Ré a pagar juros de mora contados a partir da data de produção do dano, mas somente a partir da data de citação.
§ 143. Os juros de mora não são um mecanismo alternativo à atualização prevista no artigo 566.º, n.º 2, do CC e não podem ser exigidos antes de o devedor se constituir em mora, uma vez que visam, precisamente, compensar a mora.
§ 144. Ao interpretar e aplicar o artigo 566.º, n.º 2, do CC, em articulação com o direito europeu, no sentido de, num caso em que o crédito é ilíquido e emerge de responsabilidade civil por facto ilícito, serem devidos juros de mora a partir da data da verificação do dano e não desde a data da citação, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição.
§ 145. Por conseguinte, caso o presente recurso seja julgado improcedente quanto à inexistência de um dano (no que não se concede e que apenas se equaciona por dever de patrocínio), deve a Decisão Recorrida ser revogada na parte em que condena a Ré a pagar juros de mora a partir da data da verificação do dano e substituída por outra que determine que, a serem devidos juros de mora, os mesmos só são devidos desde a data citação da Ré.
§ 146. Subsidiariamente, para o caso de este Venerando Tribunal entender que são devidos juros vencidos antes da data da citação da Recorrente (o que não se admite e apenas se equaciona por dever de cautela e de patrocínio), deve a Decisão Recorrida ser revogada na parte em que desaplicou o prazo de prescrição dos juros legais previsto no artigo 310.º, alínea d), do CC e, consequentemente, considerou que os juros vencidos há mais de 5 anos não estão prescritos.
§ 147. A Diretiva reconhece aos Estados-Membros a competência para estabelecerem regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização e da leitura do artigo 10.º e do Considerando 36 Diretiva pode concluir-se com segurança que não há qualquer incompatibilidade entre o regime da prescrição da obrigação de pagamento de juros constante do artigo 310.º, alínea d), do CC e o regime resultante da Diretiva.
§ 148. O direito singular a cada prestação de juros pode ser afetado pelo decurso do tempo de modo distinto do direito unitário às diversas prestações, sem que tal se traduza numa restrição grave aos direitos conferidos pelo Direito da UE, sendo que a própria Diretiva procura obstar a atribuição de indemnizações excessivas de índole punitiva (cf. artigo 3.º n.º 3, da Diretiva).
§ 149. Ao interpretar e aplicar a norma do artigo 310.º, alínea d) do CC, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no artigo 101.º do TFUE, no sentido de considerar não prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca.
§ 150. Por conseguinte, caso o Tribunal adquem confirme o entendimento adotado na Decisão Recorrida de que são devidos juros vencidos antes da data da citação da Recorrente, no que não se concede, deverá aplicar o artigo 310.º, alínea d), do CC e considerar prescritos os juros vencidos 5 anos antes da citação da Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito:
a) Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com isso revogando-se a Decisão Recorrida, a qual deverá ser substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente;
b) Subsidiariamente, caso o Tribunal adquem mantenha o sentido da Decisão Recorrida quanto à verificação dos invocados prejuízos, deve ainda assim revogar a Decisão Recorrida e julgar a ação totalmente improcedente, pelo facto de a Recorrida não ter feito prova da quantificação dos prejuízos reclamados, não sendo possível, neste caso, recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2, da LPE;
c) Subsidiariamente, deve reduzir-se qualquer hipotético sobrecusto, por via da repercussão total ou parcial do sobrecusto por parte da Recorrida no valor cobrado pelos serviços prestados com recurso à viatura da marca MAN em causa nos presentes autos;
d) Caso seja confirmada a Decisão Recorrida, deve a mesma, em qualquer caso, ser revogada na parte em que condena a Recorrente a pagar juros de mora a partir das datas da verificação do dano e substituída por outra que determine que, a serem devidos juros de mora, os mesmos só são devidos desde a data de citação da Recorrente;
e) Subsidiariamente ao requerido no ponto d), caso este Tribunal confirme o entendimento adotado na Decisão Recorrida de que são devidos juros vencidos antes da data da citação da Recorrente, deverá aplicar o artigo 310.º, alínea d), do CC e considerar prescritos os juros vencidos 5 anos antes da citação da Recorrente.”
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A TN – Transportes M. Simões Nogueira, SA, não ofereceu contra-alegações.
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O Tribunal a quo, a 5 de fevereiro de 2025, na sequência do pedido de retificação, proferiu o seguinte despacho:
“6. Assiste razão à Autora, penitenciando-me pelo lapso cometido.
7. Em consequência, procedo à sua retificação nos seguintes termos: onde se lê no dispositivo da sentença “Em face de todo o exposto: a) julgo a presente ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de três mil setecentos e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos (€ 3.746,77), acrescida de juros de mora desde 30.01.2024 até efetivo e integral pagamento de acordo com a taxa legal aplicável aos juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas).” passará a constar: “Em face de todo o exposto: a) julgo a presente ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de três mil setecentos e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos (€ 3.746,77), acrescida de juros de mora desde 30.01.2004 até efetivo e integral pagamento de acordo com a taxa legal aplicável aos juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas)”.
8. Notifique e anote.”
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Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir: Impugnação da Matéria de Facto.
- se deve ser alterada a matéria de facto apurada na decisão (impugnação da decisão sobre a matéria de facto); Direito.
- se (não) se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483.º do CC, em particular o dano e o respetivo nexo causal;
- se (não) é admissível o recurso à estimativa judicial de danos para determinação do quantum do dano;
- subsidiariamente, inexistência de fundamento para o valor do sobrecusto estimado de 5%;
- subsidiariamente, repercussão do sobrecusto;
- subsidiariamente, se os juros de mora deveriam ser calculados a partir da citação da Ré para a presente ação, conforme dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do CC, e não a partir da data de produção do dano;
- se os juros de mora vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação da R., por força do artigo 310.º, al. d), do CC, encontram-se prescritos.
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III – Fundamentação
- Impugnação da decisão de facto.
Estabelece o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. …”.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”(cfr. Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência).
Vejamos então se se mostram cumpridos tais ónus e, em caso afirmativo, passemos a conhecer da pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, naturalmente, como referido supra, tendo por referência as conclusões apresentadas.
Para o efeito, vamos seguir a ordem enunciada nas conclusões da Apelante.
Defende a Apelante que os “factos provados h) e i) sejam retirados dos factos dados como provados, passando a integrar a matéria de facto não provada”.
Mais defende que os factos considerados irrelevantes (reportados aos artigos 174.º a 176.º, 185.º, 186.º, 187.º, 188.º, 189.º, 193.º, 196.º a 199.º da contestação) devem passar para o elenco dos factos provados.
Finalmente, defende ainda que o facto não provado g) deve passar para o elenco dos factos provados.
Devendo, assim, ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
- Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente (cf. artigo 174.º da Contestação);
- Os camiões são produtos intrinsecamente complexos, diferenciados e cada fabricante de camiões oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes (cf. artigo 175.º da Contestação);
- O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma grande variedade de opções, existindo cerca de 5.000 variantes de opção base (cf. artigo 176.º da Contestação).
- Os preços pagos pelos clientes finais são opacos (cf. artigo 196.º da Contestação);
- O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pela empresa nacional do Grupo MAN, como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado bilateralmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente (cf. artigos 185.º e 196.º da Contestação).
- A Recorrente não tem qualquer intervenção na fixação dos preços pelos quais a MAN PT vende os camiões aos concessionários ou diretamente a clientes finais (cf. artigo 193.º da Contestação).
- Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam;
- As empresas do Grupo MAN desconhecem o preço final pago pelos clientes dos concessionários.
- A procura de camiões é altamente cíclica (cf. artigo 188.º da Contestação);
- Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais, que muitas vezes adiam a decisão de renovar a sua frota de camiões em períodos de crise económica (cf. artigo 189.º da Contestação).
- Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões, custos de manutenção, desempenho técnico do camião, o consumo de combustível, custo operacionais, custos do serviço pós-venda (cf. artigos 186.º e 187.º da Contestação).
- A estrutura de mercado é assimétrica e durante o período da infração os fabricantes tinham quotas de mercado diferentes.
- A Autora repercutiu o preço que pagou a mais pelo camião nos preços por si praticados pelos seus serviços, aos seus clientes.
Funda a sua pretensão em extensa alegação, apelando, para o efeito, a diversos conceitos jurídicos, na maioria também invocados pelo Tribunal a quo aquando da motivação da matéria de facto. Efetivamente, refere que o Tribunal a quo, entre outras,aplicoupresunções judiciais sem base factual e procedeu a uma incorreta apreciação da contraprova produzida pela Recorrente, para o que contribuiu a aplicação de um standard da prova incompatívelcom as regras de distribuição do ónus de prova.
Finalmente, que o Tribunal a quo valorou mal a prova, em particular a decisão da Comissão, a prova económica que apresentou (Parecer Técnico da CL de 14 de julho de 2023) e os depoimentos de testemunhas, nomeadamente A …, B … e I ….
A decisão em crise, antes da fixação da matéria de facto, efetuou “considerações prévias sobre o Direito Europeu e parâmetros gerais aplicáveis”, que, depois, no âmbito da fundamentação da matéria de facto, chamou à colação para justificar as suas opções.
Relativamente àquelas considerações destacamos a qualificação da ação em análise; a referência à Decisão da Comissão Europeia de 19 de julho de 2016, no Processo AT.39824; a legislação aplicável à matéria da concorrência, em particular o TFUE (artigos 101.º e 102.º), o Regulamento 1/2003, a Diretiva 2014/104/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, a Lei n.º 23/2018, de 5 de junho; a respetiva aplicação no tempo; a relevância e objetivos que estas ações - de indemnização por práticas proibidas pelos referidos artigos do TFUE - cumprem para a manutenção de uma concorrência efetiva no espaço da União Europeia.
Mais destacamos os princípios jurídicos que enunciou como sendo norteadores da atividade de interpretação e aplicação da lei, em particular o do primado do Direito da EU e o da interpretação conforme; aos princípios da autonomia processual, da equivalência e da efetividade; a referência feita à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), destacando o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que, mediante a citação do Ac desta Relação de 6 de novembro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 54/2019.6YQSTR.L1, reputa de vinculativa não só para o tribunal requerente do reenvio prejudicial, como para todos os tribunais dos Estados Membros, “sob pena de inviabilizar-se o primado do direito da EU e o corolário da respetiva uniformidade”.
Relativamente ás referidas considerações, que encontram paralelo nas “Considerações prévias” efetuadas no referido Acórdão (54/2019), sendo que parte deste coletivo o subscreveu, naturalmente que as secundamos, como já demos conta, entre outros, no Acórdão 5/20.5YQSTR.L1, seja em termos de pertinência seja de significado.
Dito isto, voltemos a nossa atenção para a impugnação da Recorrente.
A Apelante deu cumprimento ao tríplice ónus a que nos referimos quando citamos o artigo 640.º do CPC.
Vejamos então a matéria impugnada.
- os factos provados h) e i).
ARecorrente, com base nos depoimentos das testemunhas A …, B … e C … e Parecer Técnico CL de 14 de julho de 2023 (cfr. pontos 1 a 71 das conclusões), requer que aqueles factos passem “a integrar a matéria de facto não provada”.
Os factos em análise fazem parte da seção identificada por “Factos relativos aos prejuízos e ao nexo de causalidade”, sendo que o primeiro atesta o efeito da colusão no aumento dos preços (brutos) de fábrica e o segundo a repercussão que teve na cadeia comercial e, por fim, na A.
A decisão em crise motivou a sua decisão referente aos factos em análise nos pontos 52) a 191).
A extensão da motivação é, efetivamente, prova da complexidade da matéria em análise e reflete as respetivas opções legais/ jurisprudenciais, nomeadamente aquelas a que faz referência nas “considerações prévias sobre o Direito Europeu e parâmetros gerais aplicáveis”.
Entendemos que o Tribunal a quo faz uma análise exaustiva e explicativa das razões que o levaram a considerar os factos provados, sendo coerente no percurso que encetou.
Tendo começado por identificar, acertadamente, o tipo de ação, respetivos requisitos e ónus de prova para depois explanar o processo evolutivo do seu raciocínio, devidamente apoiado na análise crítica dos elementos probatórios juntos aos autos e conjugado com a aplicação de princípios jurídicos/ interpretativos, e chegar à conclusão que a prova empírica reunida – visão no seu todo – comprova os factos em análise.
Apoiou-se, para o efeito, e bem, quer nas normas legais, quer em decisões jurisprudenciais nacionais e comunitárias.
Em suma, o seu raciocínio mostra-se lógico e racional, percetível e fundamentado.
Naturalmente, como resulta das conclusões da Recorrente, suscetível de crítica(s).
Vejamos então se estas devem proceder.
Relativamente ao adotado standard de prova consubstanciado na teoria da “probabilidade prevalecente” ser incompatível com os artigos 414.º do CPC e 346.º do CC.
Importa referir que recurso efetuado pelo Tribunal a quo à “teoria da probabilidade prevalecente”, com o qual se concorda, decorre da necessidade de se dar reposta às consequências que advieram dos factos que despoletaram a condenação operada pela Comissão Europeia aos fabricantes de veículos pesados e da constatação de circunstâncias legais e jurisprudências devidamente assinaladas.
Na verdade, como se dá conta no Acórdão do TRL, proferido a 13 de novembro de 2024, no âmbito do processo n.º 67/19.8YQSTR.L1, também subscrito pelos agora signatários: “Quanto ao standard de tal prova a ser aqui aplicado, tal como a sentença recorrida (n.ºs 87 a 96), também nós sufragamos a teoria da probabilidade prevalecente, seguindo-se aqui a posição já expressa no Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1. Efetivamente, na falta de norma de direito da União, as ações de indemnização são regidas pelas regras e pelos processos nacionais dos Estados-Membros (cf. considerando 11 da Diretiva). No nosso caso, em termos de causa de pedir da ação, rege, portanto, o artigo 483.º, do Código Civil, no que aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual diz respeito (interpretado em conformidade com o Direito da EU). Por seu turno, obviamente que não deixa de aqui ser aplicável, quando admissível à luz do direito nacional, o regime das presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, 392.º, do Código Civil; artigo 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil). Com efeito, de acordo com o Ac. TJUE de 20-09-2001, Courage, C-453/99, ECLI:EU:C:2001:465, n.º 29, “na ausência de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade)” (sublinhados nossos). Ou seja, o acórdão ora citado esclareceu obrigações genéricas dos Estados-Membros no sentido de regular a matéria das indemnizações por infrações aos atuais artigos 101.º e 102.º do TFUE, de modo a garantir a salvaguarda dos direitos dos cidadãos prejudicados, em condições que não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Estes princípios gerais foram objeto de positivação no artigo 4.º da Diretiva. Nesta esteira, também o standard da prova deve ser pelo menos equivalente à exigida em processos nacionais. Ora, em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente, os factos atinentes ao dano e nexo causal, terá de demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente). Como constatou o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, em importante arresto nacional relativo a danos hipotéticos no âmbito da chamada “perda de chance”, “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência”. Ademais, porque no caso concreto se colocam também questões difíceis de nexo causal, haverá que recordar aqui, novamente com aquele AUJ: “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”.”. E como alude a sentença recorrida (n.ºs 91 a 93), recorrer a tal teoria da probabilidade prevalecente, está em harmonia, quer com a natureza do dano aqui em causa, que envolve necessariamente situaçõeshipotéticas, quer com os já aludidos princípios de equivalência e efetividade do Direito da União. Mas mesmo que não se adote a teoria da probabilidade prevalecente, com o seu critério de “mais provável do que não” e se adote um critério de um nível imediatamente superior, denominado nos sistemas de Common Law de “clear and convincing evidence”, ou seja, um critério de prova que se expressa por uma convicção “muito mais provável do que não” ou, na terminologia alemã, numa “verosimilitude objetiva” equivalente a uma “alta probabilidade”[1], o certo é que o caso concreto, como veremos, não pode conduzir senão às mesmas conclusões que as expressas na sentença recorrida. Adianta-se, pois, desde já, que se concorda com o tribunal a quo quando afirma, após uma extensa e exaustiva análise da prova produzida nos autos (n.ºs 87 a 243), que: “Em consequência da análise conclui-se que face às características específicas da conduta, nos termos analisados, é altamente provável ou bastante mais prováveldo que o contrário que a conduta sancionada pela Comissão tenha conduzido preços líquidos de venda aos concessionários e destes às instituições financeiras e, consequentemente, à A. de preços superiores àqueles que teriam sido praticados sem a infração, não tendo sido produzida prova suscetível de infirmar essa probabilidade prevalecente.” (sublinhados nossos). O que não se pode exigir aqui, como nos parece evidente, é que o standard da prova deva ser equivalente à do processo penal, ou seja, “para além da dúvida razoável”.”
Dito isto, importa atender aos termos em que a sentença apela à sua aplicação e se se mostra justificado.
A sentença começa por explicar os termos do seu funcionamento, com recurso a citações jurisprudências e doutrinais oportunas, em termos coincidentes com a citação efetuada, a que se segue uma análise da decisão proferida pela Comissão.
Com o mesmo desiderato apela ao Guia Prático para a Quantificação de Danos da Comissão e jurisprudência da União e Nacional, ao estudo Oxera 2009.
Reportada à decisão da Comissão, dando conta que não dá como provados os efeitos, explica a razão porque tal sucede (“infração por objeto ou por objetivo, cuja consumação não exige a prova dos efeitos anti concorrenciais”) e, em particular, o porquê de se poder concluir pela suficiência da mesma para prova dos prejuízos.
Entre estas razões destaca as caraterísticas da conduta imputada, seja em termos da sua natureza, duração, intencionalidade, continuidade, grau de coordenação, extensão e a menor substituibilidade dos produtos em causa e no facto dos preços brutos serem o ponto de partida para a fixação dos preços líquidos, assinalando ainda, “a ausência de prova suscetível de infirmar o que resulta de tais parâmetros”.
Assinala, por reporte às caraterísticas da conduta, o efeito vinculativo da decisão da Comissão que também se estende aos seus fundamentos de facto e de direito, na medida em que necessários à compreensão do dispositivo ou que constituem um suporte essencial deste, ou seja, que está vedado ao Tribunal nacional adotar decisões contrárias àquela decisão.
Aliás, a este respeito, deu conta que “tal como concluiu o TRL no acórdão n.º 54/19.6YQSTR.L1, que, no contexto referido e face ao disposto no artigo 16.º, do Regulamento 1/2003, a decisão da Comissão “implica uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material, subjetivo, temporal e territorial da infração”. Ou, conforme Maria José Costeira sustenta, “tem-se à partida por provada a existência da infração, incluindo-se aqui a existência, natureza e âmbito material, pessoal, temporal e territorial dessa infração”[2].” (destaque nosso)
Prossegue a sua análise dissecando a natureza da infração, chamando à atenção para o facto de a decisão da Comissão não se ficar, como pretende a Recorrente, pela troca de informações, pois que alude a discussões sobre os preços e aumentos de preços “(cf. pontos 49, 51, 52, 53, 54, 55, 59) e discutir preços não é o mesmo que trocar informações”.
A este respeito, chamando novamente à colação o Acórdão do TRL 54/19.6YQSTR.L1, vai mais longe, dando conta que a “Decisão faz menção efetiva a acordos sobre preços e aumentos de preços.”
Efetivamente, assim resulta “do ponto 50, onde se refere que “These collusive arrangements included agreements and/or concerted practices on pricing and gross price increases in order to align gross prices in the EEA and the timing and the passing on of costs for the introduction of emission technologies required by EURO 3 to 6 standards” (realce e sublinhado aditado)” e do ponto 51 “que a decisão refere “From 1997 until the end of 2004, the Addressees participated in meetings involving senior managers of all Headquarters17 (see for example (52)). In these meetings, which took place several times per year, the participants discussed and in some cases also agreed their respective gross price increases” (realce e sublinhado aditados) Esta afirmação alude, de forma expressa e direta, a acordos sobre aumentos de preços brutos, pelo que a referência a acordos no ponto 50 reporta-se, entre o mais, a acordos sobre aumentos dos preços brutos.”
Prossegue a análise das caraterísticas da conduta imputada, afastando a pretensão da Recorrente de a considerar reportada a casos pontuais, explicando o porquê de a considerar “um processo contínuo, que se manteve ao longo do tempo” e que foi “implementado durante vários anos, utilizando os mesmos mecanismos e prosseguindo o mesmo propósito comum de eliminar a concorrência.”
Refere ainda que essa constatação, ou seja, a “constatação de que os acordos explícitos sobre preços têm uma probabilidade muito elevada de gerarem efeitos anti concorrenciais, nomeadamente por via dos preços, tem subjacente evidências empíricas, conforme explicita a Comissão no Guia Para a Quantificação de Danos.” (destaque nosso)
Mais refere a respeito da duração do cartel, sendo um fator muito importante, na medida em que aumenta a probabilidade de gerar efeitos anti concorrenciais e denota estabilidade entre as empresas envolvidas e capacidade para se coordenarem, “que 14 anos é demasiado tempo para que as pessoas envolvidas não percebessem que os seus esforços não estavam a produzir benefícios ou, tendo noção disso, continuassem a tentar”, nomeadamente por a “manutenção de um cartel ter custos associados”.
Refere ainda, fazendo novamente apelo ao já citado acórdão 54/19, a relevância da intencionalidade e continuidade, bem como da extensão da conduta e da substituibilidade do produto.
Também explica em que medida os preços brutos constituem ponto de partida para os preços líquidos, apelando, para o efeito, a jurisprudência variada, nomeadamente ao já citado acórdão 54/19, na parte em que refere que “Perante o concreto cartel ora em causa, com as características que temos vindo a sublinhar, e conduzindo-nos pela razoabilidade e as máximas da experiência comum, cremos ser bastante provável o contrário, ou seja, que partindo-se de um preço bruto superior, o preço líquido final também seria mais elevado. Com efeito, resulta das regras da lógica que, se se parte de um preço bruto X, a haver um desconto, por exemplo, um desconto de 20%, o preço líquido final Y refletirá o preço bruto donde se partiu. Assim sendo, acordando as empresas em causa no aumento dos preços brutos é bastante provável que os preços líquidos de venda dos camiões tenham sofrido um aumento proporcional àqueles”.
Por sua vez, a decisão em crise apelou ainda ao depoimento da testemunha B … para explicar como se processa a cadeia de comercialização e concluiu, novamente, que com elevadíssima probabilidade, qualquer alteração no preço decorrente de modificações no preço bruto de lista serviu/ refletiu-se como ponto de partida nos preços líquidos praticados, pelo que o preço sem a infração teria sido inferior àquele que foi praticado.
Acresce ainda assinalar que destacou a inexistência de elementos probatórios em sentido contrário.
Relativamente à prova de natureza técnica junta aos autos, no caso o Estudo Oxera, com o título “Como avaliar os efeitos da infração no Caso dos Camiões,” de 6 de maio de 2019 e o relatório pericial elaborado pela Compass Lexecon, de 14 de julho de 2023, o Tribunal a quo dá conta que o primeiro teve como pressuposto o facto de a infração ter consistido apenas em troca de informações, o que, como vimos, não corresponde ao sentido da decisão da Comissão, inquinando, assim, a sua validade probatória.
Por sua vez, relativamente ao último relatório, refere que contém quatro seções e analisa cada uma e refuta as respetivas conclusões, seja por também assumir que a infração se traduziu essencialmente numa mera troca de informações, seja porque as invocadas condições de mercado que constituem importantes obstáculos que inviabilizam o alcance de um eventual entendimento comum, foram reconhecidos pela Comissão na sua decisão. No caso, a complexidade e heterogeneidade dos camiões, o facto de serem bens de investimento, a natureza cíclica da procura, a consideração de outros fatores na decisão de compra para além do preço e o facto de os preços líquidos decorrerem de negociações individuais, tendo, como vimos, decidido nos termos supra referidos.
Em suma, reportado a este último relatório, o Tribunal a quo concluiu que “colocando a questão no plano da plausibilidade, inferida a partir da suscetibilidade das condições de mercado conduzirem a um comportamento colusivo bem sucedido com produção de efeitos anticoncorrenciais – e é este o plano em que a questão é colocada pelo parecer da Compass Lexecon na seções em análise e pela Ré – podemos concluir que a decisão da Comissão é a prova acabada e plena de que existia essa plausibilidade”.
Mais concluiu que não há evidência da existência de desvios intencionais, ou seja, que se tenham verificado condições que levassem ao não aumento dos preços efetivamente pagos pelos clientes, como sejam o desvio desses acordos por parte da Recorrente, concedendo a seus clientes descontos mais altos.
Finalmente, em termos da análise empírica, refere que o relatório se foca em três pontos: a dispersão dos descontos, a evolução dos descontos e a evolução dos preços brutos de lista e dos preços finais ao longo do tempo.
Porém, também quanto a estes, assinala que o relatório não pode ser considerado, nomeadamente por se centrar no contexto de uma troca de informações, porque a decisão da Comissão também teve em consideração a existência de descontos e a questão da transparência ou ainda por não ter considerado a manutenção dos preços ou a limitação do nível de redução.
Relativamente ao depoimento da testemunha A …, como refere, porque convergente com o relatório, não se afigura suscetível de infirmar as conclusões a que chegou.
Concluiu, assim, que “em consequência da análise … é altamente provável ou bastante mais provável do que o contrário que a conduta sancionada pela Comissão tenha conduzido a um preço líquido de venda da viatura em causa à A. de um preço superior àquele que teria sido praticado sem a infração, não tendo sido produzida prova suscetível de infirmar essa probabilidade prevalecente.”
Dito isto, temos para nós que a sentença em crise efetuou uma análise conforme à Decisão da Comissão e que, reportado à repartição do ónus da prova, atendendo às especificidades da matéria em análise, encontrou, e bem, a sua resposta na teoria da probabilidade prevalecente conjugada com as regras da experiência.
Efetivamente, o Tribunal a quo, depois de analisar a prova técnica junta aos autos, fazendo menção das respetivas fragilidades e justificando a exclusão das suas conclusões, apelou aos factos vertidos na Decisão da Comissão e, norteado pelos princípios da equivalência e da efetividade, submeteu-os ao crivo das regras da experiência e concluiu pela verificação do dano e do nexo de causalidade.
A semelhança existente entre a “perda de chance”, em termos de determinação do dano, e “neste tipo de ações por infrações ao direito da concorrência em determinar o que teria ocorrido na ausência da infração”, pois, em ambas, “implica apurar uma situação hipotética, que não aconteceu e que nem alguma vez acontecerá”, importa, pois, que “não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas)”.
Aliás, o Tribunal a quo considerou, e bem, que não se aplica ao caso sub judice a presunção legal vertida no artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva, aplicando-se antes as normas nacionais da responsabilidade civil extracontratual (princípio da autonomia), desde que não sejam menos favoráveis do que as das ações equiparadas (princípio da equivalência) e que não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípios da efetividade).
No seguimento, citando o Ac do TRL proferido no âmbito do processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, refere que neste tipo de ações basta “que a parte onerada com o ónusda prova demonstre “que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente)” (págs. 17 e 27). (destaque é nosso)
Efetivamente, no referido acórdão dá-se conta da analogia existente entre a presente ação, em que visa aquilatar da existência de responsabilidade civil extracontratual por violação dos artigos 101.º ou 102.º do TFUE, ou seja, em que se procura determinar o que teria ocorrido na ausência da infração, e aquela em que se visa apurar a existência de danos hipotéticos no âmbito da “perda de chance”, salientando que, por força do já referido princípio da equivalência, as normas nacionais que regem o seu exercício não deverão ser aplicadas de forma diversa ou, melhor, menos favorável; nomeadamente, ao nível das presunções judiciais (artigos 349.º, 351.º e 392.º do CC e 607.º, n.º 4 e 5, do CPC).
Mais se dá conta que o STJ constatou “no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, em matéria relativa a danos hipotéticos no âmbito da “perda de chance”, “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano,sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.”
Assim, como o STJ adverte que “não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas)”.
Daí que, tendo afastado a prova de natureza técnica e afastada a necessidade de recurso à utilização de métodos económicos, reportando-se à Decisão da Comissão, donde retira elementos factuais que, analisados de acordo com as regras da experiência, concluiu “com base em conhecimentos empíricos” pela existência do dano.
De entre esses elementos factuais, como disso dá conta a decisão em crise, destacam-se: a autoria e as caraterísticas da infração (natureza, duração, intencionalidade, continuidade, grau de coordenação, extensão e a menor substituibilidade dos produtos).
Assinale-se que a Decisão da Comissão, decorrente do seu dispositivo e fundamentação, reportada aos termos da existência, natureza e âmbito material,subjetivo, temporal e territorial da infração, é vinculativa para os Tribunais nacionais, como resulta do artigo 16.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1/2003, sendo, por isso, “uma presunção inilidível”.
Dito isto, salvaguardado o devido respeito, julgamos, pois, que a linha de pensamento efetivada pelo Tribunal a quo, está devidamente fundamentada na prova existente no processo, nas regras legais e nos princípios jurídicos que se aplicam, suportada ainda em jurisprudência nacional e europeia, pelo que não vemos que seja possível imputar ao raciocínio do Tribunal a quo a aplicação de sucessivas presunções judiciais sem base factual e numa incorreta apreciação da contraprova produzida pela Recorrente, para o que contribuiu a aplicação de um standard da prova incompatível com as regras da distribuição do ónus da prova.
Importa deixar mais uma nota a respeito desta questão.
A prova testemunhal, reportada aos demais depoimentos identificados pela Recorrente, ou seja B … e C …, em nada contendem com a conclusão a que se chegou.
Na verdade, o contributo que deram para a prova, reportado ao relacionamento entre a casa-mãe e a subsidiária portuguesa, designadamente em termos dos valores que cobra aos clientes ou aos descontos efetuados, em nada contende com a conclusão a que se chegou.
Aliás, as críticas efetuadas pelo Tribunal a quo à prova técnica junta pela Recorrente, sendo bastante mais abrangente que os referidos depoimentos, aplica-se a estes por evidente “maioria de razão”.
Assim, não se vê razões para dar como não provados os factos h) e i).
Prosseguindo.
- os factos vertidos nos artigos 174.º a 176.º, 185.º, 186.º, 187.º, 188.º, 189.º, 193.º, 196.º a 199.º da contestação.
A Recorrente defende que a referida matéria que o Tribunal a quo considerou irrelevantes deve passar para o elenco dos factos provados.
Devendo, assim, ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
- Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente (cf. artigo 174.º da Contestação);
- Os camiões são produtos intrinsecamente complexos, diferenciados e cada fabricante de camiões oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes (cf. artigo 175.º da Contestação);
- O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma grande variedade de opções, existindo cerca de 5.000 variantes de opção base (cf. artigo 176.º da Contestação).
- Os preços pagos pelos clientes finais são opacos (cf. artigo 196.º da Contestação);
- O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pela empresa nacional do Grupo MAN, como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado bilateralmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente (cf. artigos 185.º e 196.º da Contestação).
- A Recorrente não tem qualquer intervenção na fixação dos preços pelos quais a MAN PT vende os camiões aos concessionários ou diretamente a clientes finais (cf. artigo 193.º da Contestação).
- Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam;
- As empresas do Grupo MAN desconhecem o preço final pago pelos clientes dos concessionários.
- A procura de camiões é altamente cíclica (cf. artigo 188.º da Contestação);
- Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais, que muitas vezes adiam a decisão de renovar a sua frota de camiões em períodos de crise económica (cf. artigo 189.º da Contestação).
- Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões, custos de manutenção, desempenho técnico do camião, o consumo de combustível, custo operacionais, custos do serviço pós-venda (cf. artigos 186.º e 187.º da Contestação).
- A estrutura de mercado é assimétrica e durante o período da infração os fabricantes tinham quotas de mercado diferentes.
ARecorrente, com base nos depoimentos das testemunhas A …, B … e C …e no Parecer Técnico CL de 14 de julho de 2023, requer que aqueles factos passem “a integrar a matéria de facto provada”.
Reputa-os de relevantes na medida em que são suscetíveis de demonstrar a sua tese de que o mercado de camiões não é propenso ao conluio ou, pelo menos, extremamente difícil implementar o suposto acordo ao nível dos preços finais.
Assim, esta última versão, sendo suscetível de criar sérias dúvidas quanto à conduta sancionada ter tido impacto nos preços finais pagos pelos clientes, importava que o Tribunal a tivesse considerado.
A decisão em crise, depois de enunciar a matéria de facto provada e não provada, consigna que “Tudo o mais que tenha sido alegado e não conste nos factos provados e não provados é matéria de direito, de natureza irrelevante ou conclusiva. Para além desta referência geral importa acrescentar duas notas mais específicas. … Em segundo lugar, na contestação são alegados vários factos que visam contrariar os factos relativos à existência do dano, do nexo de causalidade e do respetivo montante. Por consubstanciarem uma impugnação motivada entende-se que os mesmos não têm de ser incluídos nos factos provados e não provados, pois a sua procedência ou improcedência ir-se-á refletir na inclusão nos factos provados ou não provados, conforme o caso, dos factos essenciais que visam afastar.”
Vejamos então.
A verificação do pugnado erro de julgamento da matéria de facto depende, não da prova produzida, pois que o Tribunal a quo não a considerou não provada, mas da aferição da sua relevância para a decisão.
Efetivamente, o Tribunal a quo, como vimos, expressamente referiu que os factos relatados na contestação que visam contrariar a existência do dano, do nexo de causalidade e do respetivo montante, mais não são que impugnação motivada.
Importa recordar que o apuramento da matéria de facto (relevante) é delimitado na identificação do objeto do litígio e dos temas de prova enunciados e, posteriormente, na sentença.
Nesta, conforme resulta do artigo 607.º do CC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais o que julga não provados.
Naturalmente que se reporta aos factos essenciais alegados pelas partes nos respetivos articulados, pois são estes que permitem dar resposta às questões identificadas no objeto do litígio e cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação.
Julgamos, como bem entendeu o Tribunal a quo, que os factos em análise não são suscetíveis de dar reposta às questões identificadas no objeto do litígio.
Acresce ainda referir que os mesmos, de modo algum são suscetíveis de demonstrar a pretensão da Recorrente, ou seja, afastar a verificação dos factos relativos aos prejuízos e ao nexo de causalidade.
Aliás, a sentença rebateu-os quando analisou os factos relativos aos prejuízos e ao nexo de causalidade, não em termos da sua verificação, mas da sua relevância, nomeadamente afastando os argumentos vertidos no relatório junto pela Recorrente.
Efetivamente, o Tribunal a quo considerou que os mesmos, ou já haviam sido considerados pela decisão da Comissão, ou pura e simplesmente não eram suscetíveis de infirmar a evidência apurada de que a base do preço praticado pela agora Recorrente se mostrava viciado pela sua conduta sancionada pela Comissão.
Dito isto, não se afigura relevante para a (boa) decisão da causa a prova de factos para contraprova da factualidade constitutiva do direito invocado pela Autora.
Assim, não se vê razões para se aditarem os factos em análise.
Prosseguindo.
- facto não provado g);
Está em causa a seguinte factualidade não provada: g) A Autora repercutiu o preço que pagou a mais pelo camião nos preços por si praticados pelos seus serviços, aos seus clientes (artigo 249.º da contestação).
ARecorrente alega que o Tribunal a quo deveria ter invertido o ónus da prova e dado como provada a repercussão a jusante do putativo prejuízo sofrido pela Autora.
Refere que o Tribunal determinou oficiosamente a realização de uma perícia e que a mesma não foi concluída por manifesta falta de colaboração da Recorrida.
Considera que as testemunhas ouvidas neste contexto – D …, E … e F … – não foram minimamente elucidativas e apontam até no sentido de que as pastas, com informação contabilística, terem sido entregues à Autora ou ao seu novo contabilista.
Mais considera que o facto de a Recorrida ter, num primeiro momento, recusado responder a questões colocadas pela Perita, o facto de não ter prontamente enviado faturas que, depois, veio revelar ter em seu poder e a circunstância de não ser localizável o “dossier fiscal”, ainda que por motivo de extravio, impedem objetivamente que a Recorrente faça prova dos factos alegados a este respeito, a título de defesa subsidiária e, mais concretamente, impediram a realização da perícia.
Finalmente, considera que o depoimento do legal representante da Recorrida (G …) aponta no sentido da existência de um sobrecusto, já que afirmou que os custos são, com maior ou menor expressão, tidos em consideração nos preços; como aponta a teoria económica
A decisão em crise motivou a sua decisão referente ao facto em análise nos pontos 248) a 262).
Em síntese, indeferiu a inversão do ónus de prova pugnado pela agora Recorrente e, reportado à prova dos factos relativos à repercussão, considerou insuficiente a prova dos mesmos.
A respeito do ónus de prova, assinalou o percurso encetado nos autos, destacando-se a troca de correspondência entre a Sr.ª Perita, o Tribunal e as partes.
Mais assinalou os depoimentos prestados pelas testemunhas H …, F …, D … e E ….
O Tribunal a quo, analisados os elementos referidos e submetidos ao regime legal dos artigos 417.º, n.º 2, do CPC e 344.º, n.º 2, do CC, concluiu que:
“… não se apurou que a Autora tivesse na sua posse os elementos necessários para o efeito referido ou que o facto de não dispor desses elementos lhe seja imputável a título negligente ou doloso. Efetivamente, quanto aos documentos com antiguidade superior a 10 anos a sua disponibilização mostra-se justificada face à inexistência de um dever legal de conservação. No que respeita à documentação posterior, a Autora não é responsável por atos que escapam à sua esfera de controlo e não decorre dos factos apurados que, em algum momento, tenha tido os documentos em causa na sua posse ou guarda. Também se considera que não lhe era exigível que soubesse, no momento da transição de contabilistas, que essa documentação tinha de ser entregue ao novo contabilista, pois se contrata estes profissionais, sujeitos a especiais deveres legais, é justamente para a desonerar desse tipo de conhecimento e controlo. Para além disso, não há qualquer evidência de que soubesse, em momento anterior àquele em que a questão foi suscitada nos autos, que estavam em falta esses documentos ou que mesmo sabendo os tivesse conseguido recuperar. Por conseguinte, considera-se que não há fundamento legal para a inversão do ónus da prova, sendo improcedente o pedido formulado neste sentido.”
Estabelece o artigo 344.º do CC, sob a epígrafe “Inversão do ónus da prova”, que: “… 2 – Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.” .
Por sua vez, dispõe o artigo 417.º do CPC, sob a epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, que:
“... 2 – Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.”
Resulta dos autos que efetivamente a Autora não forneceu documentos necessários à realização da perícia ordenada pelo Tribunal.
Porém, como resulta dos citados artigos, em particular do primeiro, por ser o que faz despoletar o efeito pretendido pela Recorrente, este depende de um comportamento culposo da parte contrária, não se bastando, pois, com um comportamento meramente objetivo.
No caso em análise, salvo o devido respeito, concordando que a Autora numa primeira fase se mostrou displicente no cumprimento do dever de cooperação devido, desde logo por não ter respondido atempadamente à solicitação da Sr.ª Perita, a verdade é que acabou por justificar a sua omissão e responder às questões suscitadas.
Relativamente à impossibilidade de apresentação dos documentos solicitados, a justificação apresentada, sufragada nas declarações de H …, da Sr.ª Perita e em particular nos depoimentos das testemunhas D …, E … e F …, exclui a sua responsabilidade.
Efetivamente, estas últimas atestam a versão da Autora e corroboram a convicção do Tribunal a quo que os documentos fiscais anteriores a 2012 haviam sido destruídos, pois que a obrigação legal de os conservar, que se reporta a 10 anos, já havia passado, e que os demais, cuja junção foi de facto tardia, se ficou a dever a dificuldades decorrentes do facto de a pessoa responsável pela parte administrativa e organizativa referente à faturação haver cessado funções.
Acresce referir que também ficou demonstrado que a Autora acabou por juntar os documentos fiscais posteriores a 2012 e que a Sr.ª Perita os considerou para responder a parte das questões que o Tribunal a quo lhe havia endereçado.
Porém, relativamente aos demais documentos solicitados, em particular os posteriores a 2012, que não sejam faturas, daqueles depoimentos é possível concluir, ou pelo menos admitir como verosímil, a versão de que os mesmos se possam ter extraviado.
Nessa medida, concordando que a prova referida corrobora a apreciação efetuada pelo Tribunal a quo, sendo esta, ao contrário do pugnado pela Recorrente, compatível com uma transição de contabilista como a relatada, em particular, quando o que cessou funções foi entretanto vítima de um AVC encontrando-se, por reporte à data do julgamento, em baixa médica “e sem condições para responder a essas questões”.
Dito isto, recordando a necessidade de se apurar um comportamento culposo, que não se logrou apurar, corroboramos o entendimento do Tribunal a quo de que não estão reunidos os pressupostos para se verificar a pugnada inversão do ónus de prova.
Uma última nota se impõe.
Julgamos que importa deixar claro ser diverso o comportamento assinalado como leviano, ou seja, decorrente da falta de resposta atempadamente ao que se solicitava, suscetível, eventualmente, de multa, daquele que obsta culposamente à prova do onerado.
Finalmente, afastada que se mostra a inversão do ónus da prova, importa atender à prova indicada pela Recorrente por forma aquilatar se o Tribunal errou na apreciação efetuada.
As declarações do legal representante, salvo o devido respeito, não permitem concluir nos termos pugnados pela Recorrente.
Pois, julgamos ser diverso referir que os custos são, com maior ou menor expressão, tidos em consideração nos preços, o que, diríamos nós, corresponde ao senso comum da prática empresarial, da situação em análise, pois que neste caso estamos a aferir do custo extra de um dos “custos” do serviço prestado pela Autora, sendo que este, seja por estar sujeito à concorrência, seja à contingência do mercado, pode, efetivamente, não ter tido reflexo no preço dos serviços e, antes, na diminuição dos proveitos.
A este respeito, atenta a posição da Recorrente, importa ainda deixar claro que o raciocínio efetuado não tem paralelo com o que levou a assumir a repercussão do comportamento da Recorrente no preço do camião ao consumidor, desde logo, como bem assinalou o Tribunal a quo, naquele o preço do camião dilui-se nos serviços prestados que implicam a sua utilização e que não é a base necessária do preço, “a repercussão não pode ser simplesmente inferida com base em parâmetros gerais”, enquanto que neste, diríamos nós, repetindo-nos, aplicados os parâmetros gerais é francamente expetável que se tenha refletido no preço liquidado pela Autora.
Aliás, a sentença dá disso conta, quando assinala que o representante legal da Autora afirmou que quando comprava um camião não aumentava os preços.
No que diz respeito à “teoria económica”, sendo compreensível o raciocínio efetuado pela Recorrente, não vemos que tenha que ser aplicado ao caso em análise, desde logo porque existem inúmeros fatores suscetíveis de mitigar aquela, como sejam ciclos de crise económica, de (maior) concorrência ou outros.
Entre estes não podemos deixar de fazer referência à concorrência, na medida em que a Recorrente parece assumir que todos eles, ou seja todos os potenciais concorrentes da Autora compraram camiões nas mesmas condições, quando, com todo o respeito, não existem evidências quanto a esta conclusão, desde logo porque existem fabricantes que não foram condenados pela Comissão.
Efetivamente, naqueles contextos, como é do conhecimento geral, as margens de lucro ou de falta dele são equações que se colocam com maior acuidade.
Dito isto, também não vemos que o raciocínio efetuado pelo Tribunal a quo desemboque na figura do “dois pesos e duas medidas”.
*
Pelo exposto, improcedem as pretensões das Recorrentes, mantendo-se, em conformidade, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo.
*
A – Factos provados
A sentença recorrida declarou como provados os seguintes factos: “Factos relativos à Decisão da Comissão:
a) Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início a um processo - Processo AT.39824 - ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6, do Regulamento 1/2003 (artigo 132.º da contestação).
b) Em 19.07.2016, a Comissão Europeia proferiu uma decisão nesse processo por infração do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, nos seguintes termos (resposta aos artigos 8.º a 13.º e 15.º a 18.º da petição inicial aperfeiçoada): Factos relativos à atividade da Autora:
c) A Autora é uma sociedade comercial que tem por objeto social a atividade de extração e transformação de pedra rústica (artigo 2.º da PIA). Factos relativos à atividade da Ré:
d) A Ré é a fabricante de camiões da marca MAN (cfr. art. 3.º da PIA).
e) A AC Manutenção e Comércio de Veículos, S.A., é uma empresa portuguesa, uma entidade totalmente autónoma e terceira relativamente à MTB SE e ao grupo MAN, atuando como distribuidora em Portugal de veículos da marca MAN (cfr. resposta ao artigo 50.º da PIA e artigos 219.º e 222.º da contestação). Factos relativos às viaturas:
f) Em 23.11.2003, a Autora declarou comprar à sociedade A.C. – Manutenção e Comércio de Veículos, S.A. que declarou vender à Autora uma viatura pesada, de 26 toneladas, em estado novo, da marca MAN, com o número de chassis WMAH17ZZZ4W052166, pelo preço de € 74.935,38, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (resposta aos artigos 4.º e 5.º da PIA).
g) A Autora entregou à A.C. – Manutenção e Comércio de Veículos, S.A. o preço acordado e referido na alínea precedente em data não concretamente apurada, mas no limite em 30.01.2004, tendo esta sociedade recebido este valor na mesma data (artigo 6.º da PIA).
Factos relativos aos “prejuízos” e ao nexo de causalidade:
h) Em virtude da atuação da Ré juntamente com os restantes participantes na prática descrita na decisão da Comissão, supra referida, na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados, o preço de venda do camião pela Ré à empresa que o adquiriu para revenda foi superior àquele que se teria verificado caso não tivesse ocorrido a infração (resposta ao artigo 14.º e 53.º da PIA).
i) Devido ao facto exposto na alínea precedente, o preço pelo qual a A.C. – Manutenção e Comércio de Veículos, S.A. vendeu o camião à Autora foi superior àquele que se verificaria se não tivesse ocorrido a prática referida na alínea precedente (resposta aos artigos 45.º e 53.º da PIA).
j) A Autora adquiriu a viatura acima mencionada com o objetivo de a utilizar no transporte de pedra do ponto de extração para o estaleiro e deste para os locais de entrega definidos pelos seus clientes (artigo 56.º da PIA).
k) O veículo foi totalmente amortizado contabilisticamente pela Autora (resposta 67.º da PIA).
Factos relativos à divulgação e conhecimento da infração:
l) A Comissão Europeia efetuou buscas em 18.01.2011, nos termos do artigo 20.º do Reg. 1/2003 e publicou, no mesmo dia, um comunicado sobre esta matéria cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 40212, doc. 1 dando-se aqui reproduzido o seu teor (cfr. Comunicado da Comissão Europeia de 18.01.2011, “Antitrust: Commission confirms unannounced inspections in the truck sector”, MEMO/11/29 ) (cfr. art. 78.º da contestação)
m) A imprensa também noticiou e identificou as empresas MAN como denunciantes, bem como sobre a suspeita de condutas anticoncorrenciais em 18.01.2011, 19.01.2011 e 03.03.2011, conforme notícia publicada pela SIC Notícias, “Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação”; artigo publicado pelo Financial Times datado de 18.01.2011, com o título "Brussels swoops on truckmakers"; e artigo publicado no Financial Times em 03.03.2011, com o título "Truckmakers in Brussels antitrust probe", juntos com os autos com a ref.ª 40212, doc. 2, doc. 3 e doc. 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. art. 79.º da contestação).
n) Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início a um processo ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6 do Reg. 1/2003 e transmitiu, entre outros, à MTB SE a correspondente comunicação de objeções. (cfr. art. 80.º e 132.º da contestação).
o) No mesmo dia, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa sobre esta matéria intitulado “Antitrust: Commission sends statement of objections to suspected participants in trucks cartel”, IP/14/2002, que se mostra junto aos autos com a ref.ª 40212, doc. 5, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (cfr. art. 81.º da contestação).
p) Nesse comunicado de imprensa, a Comissão informou: (i) a comunicação de objeções foi dirigida e diz respeito a empresas produtoras de camiões médios e pesados; (ii) os fabricantes em causa foram objeto de buscas em janeiro de 2011 e eram acusados de terem participado numa infração das regras da concorrência da UE (artigo 101.º TFUE e artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (“EEE”)), designadamente de terem alinhado o seu comportamento em termos de preços no EEE (que inclui Portugal); (iii) a comunicação de objeções é um passo formal na investigação da Comissão Europeia antes da adoção de uma decisão e aplicação de uma sanção às empresas envolvidas nas condutas anticoncorrenciais (cfr. art. 82.º da contestação).
q) A imprensa, nomeadamente a portuguesa, também noticiou o assunto e identificou a MAN como uma das empresas envolvidas e sujeito da investigação e da comunicação de objeções, conforme notícia publicada na “Transportes e Negócios” de 26.11.2014, com o título “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, informando sobre o comunicado da Comissão Europeia e mencionando expressamente que “Este processo começou em Janeiro de 2011, quando a Comissão Europeia levou a cabo inspecções-surpresa aos escritórios de vários construtores. O mais recente comunicado de Bruxelas detalha que o envio de uma comunicação de objecções é um passo formal que “não prejudica o resultado da investigação” e ainda que “As outras marcas que se acredita também estarem envolvidas na investigação, Scania, Iveco, MAN e Daimler, ainda não reagiram oficialmente, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 40212, Doc. n.º 6, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (artigo 83.º da contestação e 83.º da contestação aperfeiçoada).
r) Houve relatos sobre o conteúdo da comunicação de objeções conforme noticia publicada no Financial Times em 23.12.2014, “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 40212, Doc. n.º 7, dando-se aqui por igualmente reproduzido o seu teor (cfr. art. 84.º da contestação e da contestação aperfeiçoada).
s) Na data que a Decisão da Comissão foi adotada (19.07.2016) foram efectuadas várias publicações no site oficial da Comissão Europeia a respeito do teor da Decisão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a refª … 22, doc. 10, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teopr (art. 90.º da contestação aperfeiçoada refª … 22).
t) Nesse dia 19.07.2016, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa relativo à sua Decisão da mesma data, intitulado “Antitrust: Commission fines truck producers € 2.93 billion for participating in a cartel”, que continha informação, entre o mais, sobre: (i) os fabricantes de camiões envolvidos na conduta sancionada; (ii) o tipo de camiões em causa; (iii) a natureza da conduta sancionada; (iv) o âmbito geográfico dessa conduta; (v) a respetiva duração; e ainda (vi) uma referência específica ao facto de quaisquer lesados poderem recorrer aos tribunais nacionais para reclamação de eventuais danos, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª … 22, doc. 11, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (art. 91.º e 92.º da contestação aperfeiçoada).
u) Em 19.07.2016, foi publicada uma Declaração (“Statement”) subscrita pela Comissária Europeia Margareth Vestager relacionada com a Decisão da Comissão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª … 22, doc. 12, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (art. 93.º da contestação aperfeiçoada).
v) Após a publicação dos mencionados documentos, nesse mesmo dia (19.07.2016) várias agências de notícias por toda a Europa, incluindo pelo menos, em Portugal, noticiaram a informação contida em tais documentos e fizeram referência aos mesmos, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com ref.ª … 22, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 13 a 17 (art. 94.º da contestação aperfeiçoada).
w) Decorre das referidas notícias que a Comissão Europeia havia proferido uma decisão condenatória abrangendo vários fabricantes de camiões, ali se referindo expressamente, e a título de exemplo, que “Bruxelas multa cartel de
camiões em 2,9 mil milhões de euros”, “A multa atinge as alemãs MAN (subsidiária da Volkswagen) e Daimler, a sueco-francesa Volvo/Renault, a holandesa DAF e a italiana Iveco, que, segundo Bruxelas, ‘violaram as regras de concorrência da União Europeia’” ou ainda que “Cinco empresas europeias, que produzem quase nove em cada dez dos camiões na Europa, foram multadas por terem ‘pactuado para se livrarem da concorrência’”, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com ref.ª … 22, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 13 a 17 (art. 95.º da contestação aperfeiçoada).
x) A Decisão da Comissão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 06.04.2017 (art. 90.º da contestação aperfeiçoada ref.ª … 22 e requerimento da A. refª … 822, de 04.06.2020, art. 16.º).
y) A A propôs a presente acção contra a Ré em 12.07.2019 (art. 85.º da contestação).
z) A PI não veio logo acompanhada de tradução para alemão, a qual a Autora protestou juntar através de menção feita no final da PI (artigo 99.º da contestação).
aa) Perante a ausência da tradução para alemão, o Tribunal emitiu o despacho com a ref.ª 235060, de 15.07.2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que se pronunciou sobre a citação urgente, ordenando a notificação da Autora para esclarecer se pretendia que a citação fosse efetuada sem tradução da PI e do ofício de citação (hipótese em que a citação seria acompanhada do anexo II do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, em alemão) ou se preferia que a citação fosse efetuada com as referidas traduções, a disponibilizar pela mesma Autora (cf. despacho de 15.07.2019) (artigo 102.º da contestação).
bb) Na sequência de tal despacho, a Autora optou por que a citação fosse realizada com tradução por si assegurada, tendo a mesma sido junta aos autos em 18.07.2019, conforme requerimento cm a ref.ª 38381 (artigo 103.º da contestação).
cc) A Autora não juntou tradução da carta de citação, pelo que o Tribunal teve de diligenciar no sentido de obter a tradução da carta de citação junto de um tradutor contratado para o efeito, conforme despacho com a ref.ª … 67m de 19.07.2019 (artigo 104.º da contestação).
dd) A Ré foi citada em 05.08.2019, conforme aviso de receção junto aos autos com a ref.ª 38649, de 14.08.2019 (artigo 111.º da contestação).
ee) A Ré arguiu a nulidade da citação nos termos exarados no requerimento com a ref.ª … 08 de 04.09.2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao artigo 95.º da contestação).
ff) A nulidade foi indeferida por despacho com a refª … 55, de 17.09.2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao artigo 95.º da contestação).
gg) A Ré interpôs recurso dessa decisão, que não foi admitido pelo Tribunal daRelação de Lisboa, confom acórdão proferido no apenso A, com a ref.ª … 955, de 30.06.2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao artigo 95.º da contestação).
Factos relativos ao incidente de condenação da Ré como litigante de má fé:
hh) Por despacho com a ref.ª … 42, de 14.03.2021 foi determinado, a pedido da Autora, que a Ré, nos termos do artigo 429.º e com os efeitos previstos no artigo 430.º, ambos do Código de Processo Civil, juntasse, no prazo de vinte dias, a seguinte informação relativa a veículos por si fabricados vendidos a empresas distribuidoras em Portugal dos mesmos: “i. Identificação dos veículos pesados de mercadorias, com peso superior a 16 toneladas, vendidos e respetivos preços praticados no período de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010; ii. Identificação dos veículos pesados de mercadorias, com peso superior a 16 toneladas, vendidos e respetivos preços praticados no período de 20 de setembro de 2010 a 31 de dezembro de 2010; iii. Identificação dos veículos pesados de mercadorias, com peso superior a 16 toneladas, vendidos e respetivos preços praticados no período de 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2017”.
ii) Por despacho com a ref.ª … 95, de 24.03.2021, foi clarificado o teor do despacho precedente nos seguintes termos: “Conforme resulta da fundamentação do despacho com a ref.ª … 42, confirmo que a informação a prestar nos termos das alíneas (i) a (iii) do ponto 18 de tal despacho é estritamente limitada aos veículos da marca MAN que tenham as mesmas características que o veículo em causa na presente ação e que é indicado pela Autora na petição inicial como tendo sido adquirido por si”.
jj) A Ré respondeu ao determinado através do requerimento com a ref.ª … 92, de 16.04.2021, informando que o único veículo vendido havia sido o veículo adquirido pela Autora.
kk) A MAN vendeu, em Portugal, no ano de 2003 o total de 2069 veículos pesados de mercadorias com peso bruto superior a 19 toneladas (artigo 14.º do requerimento com a ref.ª … 35, de 29.04.2021).
ll) O critério temporal utilizado pela Ré para responder àquilo que foi determinado pelo Tribunal é apto a abranger os eventuais veículos da marca MAN, com características idênticas ao do veículo adquirido pela Autora, comercializados em Portugal, em estado novo, durante o período determinado no despacho de 14.03.2021 (artigo 11.º do requerimento com a ref.ª … 35, de 13.05.2021).
mm) A Ré não limitou a sua pesquisa à freguesia onde aquela tem a sua morada, antes considerou todo o território português (artigo 12.º do requerimento com a ref.ª … 35, de 13.05.2021).
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B - Factos não provados
A sentença recorrida declarou não provados os seguintes factos:
a) A Ré é representada em Portugal, entre outras, pela sociedade A.C- Mantenção e Comércio de Veículos, S.A. (artigo 3.º da PIA) – antes se provou o que consta no alínea e) dos factos provados.
b) Durante o período de vida útil da viatura, cinco anos, os resultados da Autora depois de depreciações reduziram em três mil euros por ano, tendo a Autora sofrido um prejuízo em sede de EBIT no valor total de € 31.570,71 (artigos 68.º e 70.º da PIA).
c) O que penalizou a sua imagem no mercado e o seu resultado operacional (artigo 73.º da PIA).
d) A Autora tomou conhecimento da decisão no próprio dia 19.07.2016 e tomou conhecimento dos atos e notícias descritos nas alíneas l) a w) na data da sua publicação ou divulgação (resposta aos artigos 96.º e 97.º da contestação aperfeiçoada).
e) As práticas de colusão de transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6 descritas na decisão da Comissão conduziram também ao aumento do preço do veículo identificado nos factos provados (artigos 14.º, 45.º e 53.º da PIA).
f) O valor que a A. pagou a mais pelo camião identificado nos factos provados e que não teria pago caso a infração não se tivesse verificado fixou-se em 15.%, 20%, 25 %, em qualquer valor entre15% e 25% ou em 15.000,00 (artigo 45.º a 47.º da PIA):
g) A Autora repercutiu o preço que pagou a mais pelo camião nos preços por si praticados pelos seus serviços, aos seus clientes (artigo 249.º da contestação).
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Tudo o mais que tenha sido alegado e não conste nos factos provados e não provados é matéria de direito, de natureza irrelevante ou conclusiva. Para além desta referência geral importa acrescentar duas notas mais específicas.
A primeira diz respeito à prescrição e consiste na alegação por parte da Autora, na resposta com a ref.ª… 822, de 04.06.2020, no sentido de que “apenas teve conhecimento do seu direito e da natureza dos danos que tinha direito a reclamar, apesar do desconhecimento sobre a extensão dos mesmos, em data posterior à Decisão da Comissão” (artigo 37.º). Esta alegação é conclusiva, pois a Autora tinha de esclarecer quais os factos que em concreto teve conhecimento em data posterior à Decisão da Comissão. Razão pela qual essa alegação não tem expressão nos factos provados e não provados.
Em segundo lugar, na contestação são alegados vários factos que visam contrariar os factos relativos à existência do dano, do nexo de causalidade e do respetivo montante. Por consubstanciarem uma impugnação motivada entende-se que os mesmos não têm de ser incluídos nos factos provados e não provados, pois a sua procedência ou improcedência ir-se-á refletir na inclusão nos factos provados ou não provados, conforme o caso, dos factos essenciais que visam afastar.”
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IV – Direito
A presente ação reporta-se ao apuramento da responsabilidade extracontratual decorrente da prática de uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas, no caso a MAN, interposta por um particular.
A MAN, bem como outras empresas do ramo dos camiões, foi alvo de uma condenação, a 19 de julho de 2016, no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões, por violação do disposto nos artigos 101.º, n.º 1, do TFUE e 53.º, n.º 1, do Acordo EEE, durante o período de 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011, pela Comissão.
Importa desde já referir que os subscritores do presente acórdão intervieram noutros processos que versaram sobre a mesma matéria, ou seja, uma ação de indemnização intentada por um particular com vista ao ressarcimento de danos causados por uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas; igualmente reportada à infração declarada, no âmbito do processo do Cartel de Camiões, pela Comissão.
Cumpre ainda assinalar que o agora relator foi adjunto enquanto que o agora primeiro adjunto foi relator do acórdão, de 6 de novembro de 2023, proferido no processo 54/19.6YQSTR.L1, citado quer pela sentença quer pelas partes, sendo que este coletivo interveio no processo 67/19.8YQSTR.L1, onde a agora Recorrente também tinha o mesmo estatuto processual.
Acresce ainda dar conta que o referido acórdão 54/19.6YQSTR.L1 foi confirmado pelo acórdão do STJ, de 13 de fevereiro de 2025, proferido no âmbito do 54/19.6YQSTR.L1.S1 (sem qualquer voto).
Finalmente, cumpre referir que não existindo razões para mudar de posição, mas quando se justificar, norteados pelo princípio da economia processual, chamaremos à colação aquela(s) por forma a fundamentar a nossa posição.
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- Requisitos do dano e do nexo de causalidade (verificação).
A Recorrente alega que cabia à Autora “alegar e provar a existência de um sobrecusto e demonstrar que esse sobrecusto era causa adequada da conduta sancionada”; assim como lhe incumbia “a prova de que o alegado sobrecusto tinha sido repercutido em toda a cadeia de comercialização dos veículos da marca MAN, designadamente no concessionário que lhe vendeu o veículo em causa nestes autos.”
Mais alega que produziu prova “suficiente para criar a dúvida sobre a verificação dos prejuízos invocados pela Recorridas, pelo que tal dúvida impedia, por um lado, que o Tribunal a quo tivesse presumido, por falta de factualidade suficiente, a existência de um dano e a sua repercussão até à Recorrida, tendo, além do mais, essa dúvida de ser resolvida contra a Recorrida.”
Finalmente, alega que “não tendo sido provada a existência de um dano – correspondente ao pagamento de um sobrepreço – e necessariamente, o nexo de causalidade, não estão verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar e, como tal, deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida e absolver a Ré do pedido.”
Vejamos.
A posição da Recorrente só se compreende tendo presente que impugnou a matéria de facto apurada e, naturalmente, no pressuposto de ter sido reconhecida a sua pretensão.
Porém, como vimos, não foi reconhecida a sua pretensão e, nessa medida, a factualidade a considerar para esta fase é aquela que foi fixada pelo Tribunal a quo, no caso a h) a K).
Está, pois, provado que a Recorrente, com as demais infratoras, participou em acordos colusórios que implicaram o aumento de preços de camiões pesados, inclusivé, o preço pelo quail a Recorrida adquiriu o camião em causa nestes autos.
Resulta, portanto, evidente que a Recorrida adquiriu um camião pesado a um preço mais elevado (dano), preço este aumentado devido à infração em causa, ou seja, devido aos referidos acordos colusórios (nexo causal).
Naturalmente que a circunstância de ser discutível o quantum do dano não afasta a sua existência e, como tal, é seguro afirmar, como efetuado pelo Tribunal a quo, que o preço pelo qual a Recorrida adquiriu o camião foi superior ao que teria pago caso não existissem os referidos acordos colusórios entre empresas.
Sempre se dirá, ainda, que a R., ao contrário do que pugna, não logrou provar a interrupção do nexo causal.
Nessa medida, mostram-se, pois, verificados o dano e respetivo nexo causal.
Assim, também nesta parte, improcede o recurso.
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- Recurso à estimativa judicial de danos para determinação do quantum do dano (impossibilidade) e fundamento para o valor do sobrecusto estimado (inexistência).
A Recorrente considera que o Tribunal aquo não podiater recorrido à estimativa judicial para fixação do valor do (presumido) sobrecusto.
Para o efeito referiu que:
“§ 113. Para prova do quantum do sobrecusto, a Recorrente apresentou três diferentes pareceres, aderindo, nas alegações finais, ao resultado alcançado no relatório Cerejeira, que estimou um valor médio de sobrecusto de 15,4%.
§ 114. Todos os pareceres técnicos apresentados pela Recorrida têm várias fragilidades e erros metodológicos, sobejamente evidenciados pelo Tribunal aquo na Decisão Recorrida (cf. §§ 239 a 241 e 244 a 247 da Decisão Recorrida).
§ 115. Nenhum desses pareceres e, em particular, o relatório Cerejeira, são aptos a servir de base ao apuramento do alegado dano, o que é reconhecido pelo Tribunal aquo.
§ 116. Ante este circunstancialismo, o Tribunal aquo estimou judicialmente o quantum do dano em 5% do preço de aquisição.
§ 117. A insuficiência da prova apresentada pela Recorrida para quantificação do alegado prejuízo não permite, contudo, e sem que estejam verificados os respetivos requisitos legais, o recurso ao mecanismo da estimativa judicial do dano, que é um mecanismo de ultimaratio previsto no artigo 9.º, n.º 2 da LPE.
§ 118. A estimativa judicial pressupõe que a quantificação do dano seja “praticamenteimpossível” ou “excessivamentedifícilcalcular”, pressupostos que não estão verificados no presente caso.
§ 119. O TJUE, no Acórdão Tráficos Manuel Ferrer (processo C-312/21), fez notar no §57, que “(…) nahipótesedeaimpossibilidadepráticadeavaliarodanoresultardainaçãododemandante,nãocabeaojuiznacionalsubstituir‑seaesteúltimonemcolmatarassuasfalhasnãocabeaojuiznacionalsubstituir‑seaesteúltimonemcolmatar as suas falhas”, o que aponta justamente para o caráter excecional do mecanismo da estimativa judicial.
§ 120. A importância central da norma que confere ao lesado a possibilidade de deduzir pedidos de informação, prevista no artigo 5.º da Diretiva e no artigo 12.º da Lei do Private Enforcement) é o que justifica que a estimativa judicial do dano seja um expediente de natureza excecional.
§ 121. Não é a má qualidade da prova apresentada pelo putativo lesado ou a insuficiência desta que devem servir de bitola para se aferir da maior ou menor dificuldade em quantificar o dano, como, de resto, assinala o Tribunal a quo ao referir que “temdesetratardeumaimpossibilidadepráticaoudificuldadeexcessivaobjetivas” (cf. § 355 da Decisão Recorrida).
§ 122. Não existe “inação” do lesado (para usar o termo utilizado pelo TJUE) apenas quando este se abstém de apresentar qualquer prova para quantificar o dano, mas também quando não esgota todos os meios probatórios que tem ao seu dispor e/ou quando apresenta uma prova deficitária.
§ 123. Incasu, a Recorrente disponibilizou-se para partilhar com a Recorrida os dados usados no parecer técnico por si apresentado, tendo esta última permanecido em silêncio.
§ 124. Entre esses dados figuravam, nomeadamente, preços brutos de lista dos camiões da marca MAN antes durante e após a infração e preços líquidos a partir de 2007.
§ 125. O Tribunal aquo considerou que o pedido de acesso a esses dados seria inútil, desvalorizando, assim, a conduta omissiva da Recorrida, mas os dados que a Recorrente se disponibilizou para partilhar permitiriam, nomeadamente, a realização de uma comparação dos preços brutos e dos preços líquidos dos veículos da marca MAN ao longo do tempo.
§ 126. Havendo dados disponíveis para partilha por parte da Recorrente, não cabe, com o devido respeito, ao Tribunal aquo antecipar-se ao resultado que a Recorrida poderia ou não ter alcançado se tivesse pedido acesso aos mesmos.
§ 127. Pelas mesmas razões, não podia o Tribunal aquo, fazendo um juízo de prognose sobre o potencial e alcance desses dados, desvalorizar a conduta omissiva da Recorrida e quantificar, ele próprio, o dano com recurso a uma estimativa.
§ 128. Se a Recorrida tivesse feito um pedido de acesso aos dados em poder da Recorrente poderia, designadamente, ter suprido algumas das falhas apontadas pelo Tribunal aquo ao relatório Cerejeira, designadamente, a que respeita à falta de fiabilidade dos dados ali usados, substituindo-os por dados da MAN.
§ 129. Não tendo sido cabalmente demonstrada a impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na prova do quantum do dano invocado pela Recorrida, o Tribunal aquo deveria ter julgado a presente ação improcedente, por não estar impedido de lançar mão da estimativa judicial. Ao não fazê-lo, incorreu em manifesto erro de julgamento.
§ 130. A percentagem de 5% fixada pelo Tribunal aquo não está cabalmente demonstrada no presente caso.
§ 131. O Tribunal aquo justificou esta percentagem essencialmente por remissão para o Acórdão do TRL de 06.11.2023 e invocando o Guia Prático e, em particular, os meta-estudos nele analisados, tendo considerado que 5% é um valor situado a meio do primeiro escalão do meta-estudo e que é uma estimativa suficientemente conservadora (cf. § 370 da Decisão Recorrida).
§ 132. Porém, em nenhum momento da Decisão Recorrida, o Tribunal aquo faz alusão a qualquer elemento ou aspeto do caso concreto, pese embora admita que os meta estudos não devem substituir “análisescasuísticas” (cf. § 368 da Decisão).
§ 133. Mesmo que fosse possível recorrer à estimativa judicial (quodnon), a percentagem de sobrecusto não poderia ser determinada, , como foi, abstraindo dos elementos do caso concreto, do fabricante em causa e do tipo de venda efetuada, até porque os meta estudos pelos quais o Tribunal aquo se guiou têm várias limitações, designadamente, porque se reportam a cartéis de fixação de preços (que não é o caso dos presentes autos), porque desconsideram cartéis que não tiveram efeitos no mercado ou que tiveram efeitos desprezíveis ou ainda porque o valor de sobrecusto apurado foi, algumas vezes, inferido pelos próprios autores.
§ 134. A extensão da conduta não determina necessariamente um valor mais elevado de sobrecusto.
§ 135. O facto de um tribunal, neste caso, o TRL, ter fixado, num determinado caso, uma percentagem de sobrecusto de 5% não desonera que, casuisticamente, os tribunais avaliem se essa percentagem se justifica no caso concreto e não impõe que em todos os casos subsequentes se aplique essa percentagem.
…
§ 138. Uma eventual estimativa judicial de sobrecusto no caso subjudice devia basear-se na prova concretamente produzida nos presentes autos, o que conduziria a um valor bem mais próximo de 0% do que do valor de 5%.
§ 139. Não sendo possível recorrer à estimativa judicial por um lado, e não se encontrando, por outro lado, justificado o valor de 5% estimado pelo Tribunal aquo, o qual deveria, em qualquer caso, ser mais próximo de 0%, deveria a Recorrente ter sido absolvida do pedido.”
A sentença começa por dar conta que a “A. não fez prova do montante dos prejuízos sofridos – cf. alínea f) dos factos provados” e que ao caso se aplica a Lei 23/2018, em particular o artigo 9.º, n.º 2, que prevê “que caso seja praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada, podendo, para o efeito, ter em conta a Comunicação da Comissão sobre a quantificação dos danos.”
O Tribunal a quo também se referiu ao Acórdão Tráficos Manuel Ferrer, sendo que salientou que “tem de se tratar de uma impossibilidade prática ou dificuldade excessiva objetivas, que deve ser aferida tendo “em conta todos os parâmetros que conduzem a essa conclusão”. Entre estes parâmetros inclui-se “o caráter infrutífero de diligências como o pedido de produção de provas, previsto no artigo 5.o da referida diretiva” (§ 65). Contudo, importa notar, não ser imperativo que o demandante faça uso dos meios de produção de prova previstos no artigo 5.º da Diretiva (transposto para o nosso ordenamento jurídico, entre o mais, pelos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 23/2018) e que se destinam a mitigar a assimetria de informação que caracteriza este tipo de casos, pois o uso desses meios pode revelar-se à partida inútil.”
Mais referiu que, no caso, apesar de a Ré se ter disponibilizado “para fornecer à Autora os dados que serviram de base à elaboração do Parecer Técnico da CL de 14 de julho de 2023, … tendo a Autora permanecido em silêncio”, “sem qualquer validação externa e independente, apenas permitiria uma comparação no tempo e não seria suscetível de controlar outras variáveis explicativas do preço. Controlo esse que face à antiguidade dos factos se revela extremamente difícil de alcançar com um nível de fiabilidade suficiente. Por conseguinte, considera-se existir uma impossibilidade objetiva de apuramento do montante do sobrecusto.”
Na sequência desta constatação, o Tribunal a quo cita o acórdão proferido no processo 54/19.6YQSTR.L1, em particular a parte que faz referência à jurisprudência de outros países, reportada a ações similares, reitera que “a falta de demonstração do montante do dano não está associada a falta de esforço da parte da A., pois a mesma juntou prova de natureza técnica” e decide “fixar a indemnização no montante de 5% do preço de aquisição de cada veículo, pelo que o dano da Autora se computou em € 3746,77.”
Vejamos, então.
Importa desde já adiantar que se concorda com a posição sufragada pelo Tribunal a quo, seja quanto ao facto de ser “praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos” pela Autora, seja quanto ao recurso à estimativa aproximada e, ainda, quanto à percentagem fixada.
Efetivamente, tendo em conta os meios de prova disponíveis, salientando o facto de a Autora ter junto prova de natureza técnica, ou seja, evidenciando esforço de o quantificar, a verdade é que são inúmeras as variáveis suscetíveis de serem convocadas para o efeito, pelo que, se concorda com a alegada dificuldade.
No mais, ou seja, ao recurso à estimativa aproximada e à percentagem fixada, tendo o Tribunal a quo seguido a jurisprudência resultante do acórdão 54/19.6YQSTR.L1, que este Tribunal ad quem subscreve, nada temos a divergir.
Aliás, a este respeito, consignamos no acórdão de 27 de novembro de 2024, proferido no processo 5/20.5YQSTR.L1, que:
“Importa, pois, ter presente que a existência do dano (provado, como vimos) é diferente da sua quantificação (não provada).
Mais importa ter presente que, a esse respeito, em sede de apreciação da prova, se concluiu pela insuficiência da prova, seja a versão da A., seja a da R., sendo num caso da existência de um sobrecusto de 16,68% e noutro da sua inexistência.
Importa ainda recordar que as duas posições se suportaram em prova técnica, no caso da A. no Relatório Zunzunegui (Peritagem, Avaliação de Prejuízos, Cartel de Camiões – EU, de 2021) e no depoimento de um dos seus autores; no caso da R. nos Relatórios RG/MC (Refutação do Relatório Pericial Zunzunegui e Relatório de Peritagem para a Volvo Trucks/ Renault Trucks) e também do depoimento de um dos seus autores, sendo que, como referido em sede de motivação, nenhuma das provas logrou convencer; sendo de destacar a complexidade das variantes e dos respetivos resultados.
Acresce referir que o Tribunal considerou ainda o Estudo Oxera 2019 (Como Avaliar os efeitos da infração no Caso de Camiões), o Guia Prático e a Peritagem elaborada por (…) que, na prática, confirmam aquela complexidade/ dificuldade.
Finalmente, importa salientar as especificidades do processo, das quais se destacam a natureza da infração, o período envolvido, a diversidade de camiões e a quota de mercado das “envolvidas”.
Dito isto, coloca-se a questão de saber se de facto é praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular o danoou, pelo contrário, como alega a R., se estamos antes perante o incumprimento do ónus de prova pela A.
Mais uma vez, perante a similitude dos casos, julgamos adequado fazer apelo ao decidido no citado Ac 54/19 deste Tribunal, nomeadamente quando refere que: “apesar de todo o intenso debate contraditório encetado pelas partes sobre a quantificação do dano, quer em primeira instância quer na presente instância, que estávamos perante a quase impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na quantificação exata do dano.”
Julgamos que, não obstante as especificidades de cada processo, a questão de fundo que se coloca em termos de quantificação dos danos é a mesma, pois que estamos perante a mesma vastidão de condicionantes, essencialmente de natureza económico/ financeira, complexa, reportada a um período longo, e que, por isso, em termos de dificuldade/ impossibilidade de prova, merece as mesmas considerações.
Aliás, a este respeito, o Tribunal a quo concluiu que “não se vê que outras diligências pudessem ser feitas para recolher elementos tendentes à quantificação do dano de acordo com os métodos de cálculo explicitados pela Comissão no Guia de Quantificação, no essencial pelas mesmas razões de âmbito geral salientadas pelo TRL e pelo Supremo Tribunal de Espanha.”(destaque é nosso)
Assim, em face da resposta dada àquela pergunta, importa, agora, materializar a dita estimativa aproximada.
Prosseguindo.
O Tribunal a quo, tendo citado variada jurisprudência, nacional e estrangeira, da qual se destaca o Ac 54/19 e as referências por este efetuadas a decisões proferidas em ações similares no Reino Unido e no Reino de Espanha, manifestou concordância com o aí decidido e transponível para o caso em análise, tendo fixado a indemnização no montante de 5% do preço de aquisição de cada veículo.
Será assim/ adequado?
A resposta a esta questão também já nos foi dada pelo citado Ac 54/19 e, por isso, passamos a reproduzi-la: “Neste contexto, não se tendo apurado o montante exato do sobrecusto apesar do esforço das partes, julga-se que há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano (que, neste caso, coincide com o sobrecusto). Ou seja, devemos recorrer ao poder conferido aos tribunais pelo artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva e artigo 9.º, n.º 2 da Lei 23/2018. A possibilidade de recurso à estimativa judicial não é afastada pelo facto de a Autora não ter recorrido ao mecanismo de apresentação de provas previsto no artigo 5.º da Diretiva e artigo 9.º da Lei de transposição, de forma a ultrapassar dificuldades inerentes a uma assimetria de informações entre si e a Ré. Como deixamos supra sublinhado, mesmo que a ora Autora tivesse recorrido à previsão do artigo 5.º da Diretiva (artigo 12.º da Lei n.º 23/2018) e solicitasse o acesso aos dados titulados pela Ré, ao que tudo indica, não teria obtido dados suficientes para apurar, de forma exata, o valor do sobrecusto em causa. Resulta do supra citado Ac. TJUE C-312/21 (Tráficos Ferrer), que embora a assimetria de informação esteja na origem da adoção do artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, não intervêm na aplicação deste (parágrafo 54), sendo antes pressuposto da sua aplicação ser praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar o dano de forma exata. Ou seja, se bem que o tribunal não deva colmatar falhas das partes, maxime do Autor (parágrafo 57 do acórdão), não é requisito essencial da aplicação da estimativa judicial, ter-se recorrido anteriormente àquele mecanismo. … De notar, que a igual impasse quanto ao quantum do dano, chegaram outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel dos camiões. Neste âmbito destacamos uma decisão proferida no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (doravante, Reino Unido) e decisões proferidas no Reino de Espanha, por exemplo o Acórdão do Tribunal Supremo de 14-06-2023, STS 2479/2023 - ECLI:ES:TS:2023:248030 (doravante, Ac. STS 2479/2023). A este respeito, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023: “Así, la extensa duración del cártel, que se inició en el año 1997 y se prolongó durante al menos 14 años, dificulta seriamente realizar un análisis diacrónico. El ámbito geográfico del cártel, que afectó a todo el EEE, y la singularidad de los productos afectados, hacen en la práctica muy difícil realizar un análisis sincrónico de comparación con otros mercados geográficos (pues las circunstancias concurrentes en otros ámbitos geográficos son muy diferentes) o con otros productos, que no son aptos para realizar la comparación. Y esas mismas características del cártel también dificultan mucho aplicar con éxito otros métodos de cuantificación de daños, como los basados en costes y análisis financieros. En este contexto, las propias características de este cártel contribuyen a considerar que, en este caso, la falta de idoneidad del informe presentado por el demandante para cuantificar el sobreprecio no supone una inactividad que impida la estimación judicial. Se trata de un cártel de 14 años de duración, que abarcaba todo el EEE y en el que los participantes en el cártel eran los mayores fabricantes europeos con una cuota de mercado de aproximadamente el 90%; con documentos redactados en varios idiomas distintos del propio del demandante; con una solicitud de clemencia y una transacción que obstaculizan aún más la obtención de los documentos relevantes ( art. 283.bis.i. 6 LEC)” (p. 17). Resulta, portanto, no seguimento destas passagens, que perante as características concretas da infração, que é a mesma destes autos, na vizinha Espanha, em aplicação de Direito da União que nos é comum, concluiu-se que, apesar dos esforços das partes, era praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular o dano de forma exata, devendo-se recorrer à estimativa judicial. De notar que na vizinha Espanha, ao que tudo indica, pendem milhares de processos de private enforcement ligados com o mesmo cartel e já foram decididos inúmeros casos, inclusive, pelo respetivo Tribunal Supremo. As decisões do Tribunal Supremo em Espanha, que já envolviam 15 casos no passado mês de junho, confirmaram indemnizações fixadas, com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes (a título de sobrecusto), em casos onde inexiste prova suficiente a sustentar um sobrecusto menor ou maior àquele valor. O estudo Oxera 2019 junto a estes autos com a contestação, já revelava conhecimento sobre diversos processos na Europa, quando mencionou que “em alguns processos que correm termos nos tribunais nacionais, os demandantes basearam os custos adicionais alegados nos níveis típicos ou médios dos custos adicionais identificados nos estudos empíricos sobre cartéis anteriores. O estudo da Oxera de 2009 continha uma visão global desses estudos anteriores e sabemos que alguns demandantes se referiram a esse nosso estudo de 2009” (ponto 1.7 do estudo). Obviamente que tais meta-estudos (estudos incidentes sobre outros estudos) sobre os efeitos de cartéis, nos quais se inclui o estudo Oxera 2009, jamais poderiam servir para fixar uma quantia precisa do dano verificado num caso concreto, leia-se, em sede de facto (neste sentido, Oxera 2019, ponto 1.8). Contudo, em sede de estimativa judicial, ou seja, em sede de direito, tais estudos foram considerados como elementos úteis e válidos pelos respetivos tribunais espanhóis, inclusive pelo Tribunal Supremo, para determinarem o quantum do dano. A este respeito, a decisão de segunda instância proferida em 20-12-2019, pela Audiencia Provincial de Valencia (SAP V 5941/2019 - ECLI:ES:APV:2019:5941),33 subjacente ao citado Ac. STS 2479/2023, refere “La sentencia apelada, ante la falta de prueba pericial apta para cuantificar el daño, estima en el 5% del precio de adquisición de los camiones, el daño sufrido por la demandante y asume los argumentos que resultan de la Sentencia del Juzgado Mercantil 3 de Valencia de 27 de febrero de 2019, que se sustenta en el informe Oxera, y en la que, con elección de la estimación más conservadora del muestreo estadístico, estima razonable un porcentaje de sobreprecio del 5% como media de compromiso entre los umbrales mínimos y máximos que intervienen como común denominador del 93% de los cárteles que aplican sobreprecios” (p. 19-20, com sublinhados nossos). Tal acórdão de segunda instância acabaria também ele por fixar a indemnização em 5% do preço de venda de cada camião efetivamente pago pela respetiva demandante, tendo sido este acórdão confirmado pelo Ac. TS 14-06-2023. No entanto, o acórdão de segunda instância, ou seja, da Audiencia Provincial de Valencia, não deixa de sublinhar a necessidade de acorrer, para além de dados estatísticos, a outras circunstâncias como os elementos presentes na Decisão da Comissão, tal como a natureza do cartel, a critérios jurisprudenciais e à prova produzida nos autos. Por sua vez, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023 “… 5% del precio del camión, que es el porcentaje que el tribunal de segunda instancia considera como importe mínimo del daño, atendidas las referidas circunstancias del cártel y los datos estadísticos sobre los porcentajes de sobreprecio que suelen causar los cárteles, en aplicación de las facultades estimativas que el ordenamiento jurídico le atribuía antes incluso de la trasposición de la Directiva, como consecuencia directa del principio de indemnidad derivado de los arts. 1902 CC y 101 TFUE.” (p. 19). Dada a importância que tem assumido aqui o estudo da Oxera 2009, será de recordar as principais conclusões do Oxera 2009 aqui relevantes (inclusive citadas no Guia Prático e no Oxera 2019) e que são representadas na seguinte representação visual (p. 91 do estudo Oxera 2009, p. 51 do Guia Prático): Mais se acrescenta no Guia Prático “[d]e acordo com o referido estudo, verifica-se portanto um diferencial significativo a nível dos preços adicionais registados (mais de 50% no caso de alguns cartéis). Cerca de 70% dos cartéis examinados neste estudo resultaram num preço adicional compreendido entre 10% e 40%, situando-se a média em torno dos 20%” (Guia Prático, loc. cit.). De acordo com o citado gráfico temos, portanto, enormes oscilações entre os sobrecustos verificados nos cartéis estudados (amostra de 114 casos). Os tribunais na vizinha Espanha, através de médias entre os limites mínimos e máximos dos sobrecustos, chegam a um limite mínimo de 5%. Tal montante equivale ao ponto médio entre 0% e 10%, dos efeitos dos cartéis com sobrecustos mais conservadores. Por sua vez, curiosamente o Ac. STS 2479/2023 não deixou de fazer, a respeito do valor mínimo de 5%, a seguinte observação “No deja de ser significativo que incluso en el caso Royal Mail/British Telecom, enjuiciado por el Competition Appeal Tribunal británico [CAT, Case nº : 1290/5/7/18 (T)], en el que sí hubo un amplio acceso a los documentos de la demandada y a la información reservada del expediente de la Comisión y se aportaron detallados informes periciales elaborados por prestigiosos peritos, no ha sido posible la cuantificación exacta del daño con base en esas pruebas documentales y periciales y el tribunal ha debido recurrir a la estimación del daño, que ha fijado en un 5% del precio de los camiones” (p. 19). Efetivamente, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Concorrência Britânico (doravante, CAT),34 chegou ao mesmo valor de 5%, mas por uma via diferente do que na vizinha Espanha.35 Cremos que é de algum interesse analisar o acórdão emitido nas terras de Sua Majestade. Efetivamente, apesar das diferenças entre o sistema de Common Law e os sistemas, como o nosso, de Civil Law, o certo é que em matérias de Concorrência existem ainda muitas semelhanças entre o nosso sistema e o britânico. É de reparar, neste âmbito, que mesmo após o conhecido Brexit, as decisões sancionatórias da Comissão anteriores a 20 de dezembro de 2020 (o chamado “IP completion day”) vinculam as autoridades do Reino Unido,36 sendo certo que os direitos subjacentes a ações de follow-up, no âmbito do private enforcement, foram mantidos.37 Obviamente que nem os acórdãos proferidos por Tribunais do Reino de Espanha nem o citado acórdão proferido por tribunal do Reino Unido, possuem força jurídica para além-fronteiras. Assumem aqui, portanto, um valor sempre relativo. Servirão, além do mais, para revelar que perante o mesmo cartel dos camiões, no quadro do mesmo Direito da União, têm sido avançadas, no seio dos sistemas nacionais em referência, argumentações diversas, mas com resultados coincidentes. Com estas reservas, vejamos, pois, mais de perto o acórdão britânico em referência. No extenso acórdão com 301 páginas (processo acessível ao público por via do link supra), é desde logo notório o esforço probatório feito pelas partes, nomeadamente com vista à quantificação do sobrecusto ou “overcharge”. Efetivamente, foram apresentados 48 relatórios periciais com milhares de páginas, visando, entre outros, a quantificação exata do sobrecusto derivado do cartel dos camiões. Os relatórios principais eram naturalmente do domínio da economia (p. 100). Grande parte do acórdão é dedicado a analisar os relatórios principais, de forma muito detalhada, quer no que concerne à existência do dano, quer, no que nos interessa aqui, no seu quantum (capítulo denominado “Overcharge” ou Sobrecusto). Denota-se que foram essencialmente utilizados, pelos respetivos demandantes (Royal Mail Group Limited e British Telecommunications PLC), vários modelos de regressão para avaliar o sobrecusto, chegando a diferentes resultados, em concreto, um sobrecusto entre 11,3% e 11,6% usando o modelo B-D (antes e durante o período cartel) e modelo D-A (durante e pós-cartel), onde se estimou um sobrecusto entre 6,7% e 14,7% (p. 147-148). Da parte das demandadas (entre outros a DAF/ PACCAR Inc.), foram usados modelos durante e pós-cartel (D-A) e também antes-durante-pós(cartel), nas iniciais inglesas B-D-A (before, during, after). De acordo com estes estudos as conclusões apontavam, à semelhança dos estudos aqui apresentados pelo Professor Gonçalves, para a inexistência de sobrecusto, ou seja, 0% (p. 150). Para além de problemas relativos aos dados usados, foram apontados pelo tribunal Britânico 3 problemas adicionais para a quantificação em causa, uma delas específica do Reino Unido (taxas de câmbio entre Libra e Euro), uma de ordem geral, a crise económica mundial de 2008-2010 (denominado de GFC), e uma terceira relativa às especificidades do cartel em causa, os aumentos de preços (emissions premia) ligados a novas tecnologias relativas a emissões (p. 147 a 152). Após uma análise minuciosa destes aspetos (e outros conexos), e “apesar da enorme quantidade de trabalho investido no processo pericial deste caso”, o tribunal do Reino Unido concluiu que não era possível traduzir o sobrecusto numa quantidade exata, adiantando, aliás, a sua convicção que nenhum modelo de análise de regressão seria adequado para tal efeito. Mais concluiu, aplicando o princípio do direito britânico denominado de “Broad Axe Approach” que, no nosso sistema pode ser comparado à figura da equidade prevista no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil ou à estimativa judicial agora prevista no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, fixando a indemnização nos já referidos 5% do preço de aquisição efetivamente pago para cada camião (p. 187-189). Tal valor corresponde a aproximadamente metade do que era pedido por cada demandante. Curiosamente, o juízo final baseou-se, pelo menos em parte, nos relatórios periciais apresentados pelas partes em oposição, pois, apesar das perícias não convencerem na quantificação exata do sobrecusto, revelaram-se úteis e ajudaram na compreensão das razões por detrás dos diferentes resultados (veja-se, p. 186, parágrafo 476 e p. 187, parágrafo 479). Conforme se infere do exposto, são diversas as abordagens do tribunal britânico e dos tribunais espanhóis. Em Espanha a estimativa judicial baseia-se, em importante medida, em estatísticas retiradas de meta-estudos sobre cartéis, conjugadas com circunstâncias factuais retiradas da Decisão da Comissão, critérios jurisprudenciais e provas produzidas em cada caso. As decisões do Reino de Espanha não deixam também de realçar e expressar prudência quando o tribunal se substitui às partes no exercício da estimativa judicial. No Reino Unido a solução apresenta-se como de cariz casuística, como é apanágio dos sistemas de Common Law. Não se recorreu a dados estatísticos alheios ao processo. A solução encontrada, mais do que conservadora, apresenta-se como equitativa perante o trabalho e esforços de ambas partes, em particular dos respetivos peritos, para o esclarecimento das dificuldades do processo. Outras soluções legais existem para casos como o presente, onde o apuramento exato do dano se apresenta como praticamente impossível ou excessivamente difícil. Por exemplo, como nos dá conta o estudo Oxera 2009, na Hungria estabelecia-se uma presunção ilidível de um sobrecusto de 10% em casos que envolviam violações ao artigo 101.º TFUE (Oxera 2009, p. 94). O valor de 10% aplicável por defeito na Hungria, é porventura compreensível se olharmos aos dados científicos presentes no aludido estudo Oxera 2009, citado no Guia Prático. Efetivamente, conduzindo-nos pelo gráfico supra ilustrado, se excluirmos os 7% de cartéis estudados que não implicaram um sobrecusto, e os cerca de 16% que implicaram um sobrecusto até 10%, restam aproximadamente 77% que implicaram um sobrecusto de pelo menos 10%. De acordo com tal estudo, portanto, em termos de probabilidades, um cartel tem uma elevada probabilidade de implicar um sobrecusto de pelo menos 10%. Tendo em conta tal elevada probabilidade poderíamos ser aqui tentados a seguir tal via, estabelecendo no nosso caso, por via de estimativa judicial, o valor do dano em 10%. Se olharmos, aliás, às características do cartel em causa e respetiva gravidade, do qual se salienta a sua longa duração, enorme extensão territorial, elevada quota de mercado e intensas trocas de informações sensíveis e coordenação para aumentos de preços, tal valor não se afigura, pelo menos prima facie, exagerado. Dentro do nosso sistema, contudo, cremos que a solução final também deverá fixar o montante do sobrecusto em 5% do preço de aquisição de cada camião, efetivamente pago pela Recorrida. Para além de circunstâncias da infração já aludidas, no nosso caso temos a aquisição pela Recorrida de 10 camiões, tendo o preço de venda mais baixo sido igual a 67.337,72 € e o mais elevado 86.203,00 €, confirmando as diferenças de preços entre camiões. Os preços de venda reportam-se a um período desde 25-09-2001 a Julho 2008. Tal período totaliza aproximadamente metade do tempo total da infração. A data da última fixação de preço de venda calha (julho 2008) já no período da crise financeira mundial. Em sede de prova, como vimos na resposta à impugnação de factos atinentes ao quantum do dano, o Relatório Cerejeira revelou-se opaco no tratamento efetivamente conferido aos dados, apresentando quase exclusivamente meras médias finais de preços, relativas a longos períodos de tempo com elevadas observações. O trabalho da equipa do Professor Gonçalves foi mais transparente, permitindo-nos, aliás, colocar em causa as conclusões do próprio Relatório de Análise inclusivé com informação constante do mesmo, informação esta relativa a condicionantes internas da Recorrente verificadas nos anos de 2012-2014 e exteriores, portanto, aos próprios dados. O tratamento de dados realizado por esta equipa também permitiu observar algumas das expectáveis implicações da crise financeira mundial de 2008-2010, tal como a queda abrupta de vendas de camiões e o declínio de margens brutas médias da Recorrente. Mas também este trabalho se revelou em alguns aspetos opaco, por exemplo na ausência de qualquer análise das possíveis relações entre preços brutos e líquidos, quando confessadamente tinham dados para o efeito. Neste contexto, onde cada parte se defrontou com dificuldades próprias, o referido valor de 5% apresenta-se como prudente e razoável. É certo que a quantia assim fixada poderá não responder ao objetivo da reparação integral do dano. Contudo, não nos parece que seja irrelevante prevenir uma indemnização excessiva e o enriquecimento sem causa inerente. Aliás, o artigo 3.º, n.º 2 e 3 da Diretiva, que reflete jurisprudência anteriormente emitida pelo TJUE, salienta os dois interesses. De qualquer forma, na realidade desconhece-se qual o efetivo quantum do dano. Por último, justifica-se que seja adotada esta posição conservadora, porquanto, em última análise, o ónus de prova da prova da quantificação do dano pertencia à Autora, ora Recorrida. Nesta conformidade, como afirmamos supra, haverá que revogar a sentença recorrida e exercer os poderes de substituição inerentes a este tribunal, fixando-se o dano em 5% do preço de venda de cada camião adquirido pela Recorrida.” Por uma questão de precedência lógica, faremos o cálculo dos valores efetivamente fixados a título de indemnização, após a resposta às demais questões.” (destaques são nossos)”
Assim, não obstante as especificidades do caso sub judice, nomeadamente por se reportar apenas a um momento e a um veículo, entendemos que continua a ser adequado/ proporcional aquele entendimento, não justificando, por isso, um entendimento diverso.
Nessa medida, julgamos, nesta parte, improcedente o recurso e, em consequência, mantemos a decisão do Tribunal a quo que quantificou o dano em 5% do preço de venda do camião adquirido pela Recorrida.
*
- Repercussão do sobrecusto.
A Recorrente, reportada a esta temática, pugna “pelas razões apontadas na parte da impugnação da matéria de facto” que “o Tribunal a quo deveria, por um lado, ter invertido o ónus da prova a respeito desta matéria e, por outro lado, com base no depoimento do legal representante da Autora e com base no que resulta da teoria económica, deveria ter dado como provada a repercussão do sobrecusto a jusante.”
A sentença em crise, a este respeito, qualifica a repercussão do dano como uma exceção perentória, cujo ónus de prova cabe à Recorrente; refere que não se verifica a pugnada inversão do ónus de prova e conclui que “não se tendo provado os factos respetivos (cf. alínea g) dos factos não provados) conclui-se, consequentemente, pela improcedência desta exceção.”
Vejamos.
Recorde-se que a matéria de facto relativa a esta temática, identificada na alínea g), dos factos não provados, não sofreu alterações.
Dito isto, o pugnado recurso ao mecanismo legal previsto no artigo 9.º, n.º 2, da Lei 23/2018, salvo o devido respeito, não se mostra viável.
Efetivamente, como referimos supra, é prévio à sua aplicação, que visa a quantificação, que o mesmo seja dado como provado.
Dito de outra forma, não se tendo provado a repercussão e/ou mitigação do sobrecusto, por via dos custos dos serviços prestados pela aqui Autora, de benefícios fiscais, da venda dos veículos a terceiros ou de outras, não faz sentido recorrer àquele mecanismo legal de quantificação, pois nada existe para quantificar.
Deste modo, improcede a pretensão da Recorrente de “reduzir-se qualquer hipotético sobrecusto, por via da repercussão total ou parcial do sobrecusto por parte da Recorrida no valor cobrado pelos serviços prestados com recurso à viatura MNA em causa nos presentes autos”.
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- Juros de mora.
A Recorrente pugna que os juros de mora devem ser calculados a partir da sua citação para a presente ação, conforme dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do CC, e não a partir da data de produção do dano.
Considera, para o efeito, que “os juros de mora não são um mecanismo alternativo à atualização prevista no artigo 566.º, n.º 2, do CC e não podem ser exigidos antes de o devedor se constituir em mora, uma vez que visam, precisamente, compensar a mora.”
Mais considera que “ao interpretar e aplicar o artigo 566.º, n.º 2, do CC, em articulação com o direito europeu, no sentido de, num caso em que o crédito é ilíquido e emerge de responsabilidade civil por facto ilícito, serem devidos juros de mora a partir da data da verificação do dano e não desde a data da citação, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição.”
A decisão em crise, a respeito dos juros de mora, considerou serem devidos desde o“momento em que a A. despendeu o custo adicional gerado pela infração, tendo ficado provado que isso aconteceu no máximo em 30.01.2004 (alínea g) dos factos provados). Por conseguinte, são devidos juros de mora desde esta data.”
Vejamos.
O Tribunal a quo, na defesa da posição, invoca o “Guia para quantificação de danos” da Comissão Europeia, designadamente ao ponto 20, donde resulta que a “concessão de juros constitui uma componente essencial da indemnização. Como salientado pelo Tribunal de Justiça, a plena reparação dos danos sofridos deve incluir a reparação das consequências desfavoráveis resultantes do lapso de tempo decorrido desde a produção dos danos causados pela infração. Estes efeitos consistem numa desvalorização monetária e na oportunidade perdida para a parte lesada de dispor desse capital”, bem como jurisprudência comunitária.
Mais faz referência à Diretiva 2014/104/EU e à transposição operada por força da Lei n.º 23/2018, reportada ao artigo 4.º, concluindo, e bem, que tratando-se de uma norma de natureza substantiva, conforme decorre do artigo 24.º, n.º 1, que estabelece o âmbito de aplicação temporal do referido diploma, concluindo pela sua não aplicação.
Tendo concluído pela aplicação do artigo 566.º, n.º 2, do CC, considerando que este acautela “o pagamento de juros enquanto parte integrante da indemnização, como forma de compensação do tempo e nessa medida, desde a produção dos danos.”
Porém, a respeito desta matéria, este Tribunal (RL), no âmbito do citado processo 54/19, tomou posição, referindo que: “… independentemente do nomen iuris que se dê aos juros e da sua qualificação como compensatórios ou moratórios (ou como um dano emergente ou lucro cessante), o que é certo é que apenas sendo devidos desde a data do facto ilícito (quando o dano coincide com este no tempo), é que se obtém a reparação efetiva do lesado e, assim, a concordância entre o direito nacional e o Direito da União. Concluímos, pois, que quanto à data a partir do qual se devem contar os juros de mora, em concreto, a data da ocorrência do dano, o tribunal a quo fez uma correta interpretação dos normativos nacionais, lidos à luz do Direito da UE.”(destaques são nossos)
Aliás, na defesa da posição adotada, que coincidiu, relativamente ao início da contagem do prazo, com a decisão objeto do recurso, foi consignado que: “A argumentação da sentença recorrida pode ser sintetizada da seguinte forma: a) O acervo comunitário, inclusive resultante da jurisprudência do TJUE, sustenta que o pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional; b) Esta posição, que resultava já do acervo comunitário, encontra-se agora positivada no artigo 3.º, da Diretiva, lido à luz do respetivo considerando 12; c) Ao nível do direito interno, são aqui aplicáveis os artigos 483.º, 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º, do Código Civil, segundo os quais, prima facie, os juros seriam computados a partir da citação, porquanto se trata de responsabilidade civil extracontratual e de um crédito ilíquido (v. artigos 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1, do Código Civil); d) Contudo, tais normativos devem ser interpretados à luz do dito acervo comunitário, desde logo porque se os juros aplicados se reportarem apenas à data da citação da Ré, o princípio da efetividade sairia beliscado, pois não tem em conta a remuneração da oportunidade perdida para a parte lesada de dispor do capital, apurado desde a data em que ocorreu o dano, até ao momento do pagamento da reparação, não sendo o lesado compensado pela perda da oportunidade do capital à disposição. e) Nesta senda, considera-se que os infratores das normas dos artigos 101.º e 102.º do TFUE entram em mora no pagamento dos juros, a partir do facto danoso, pois a falta de liquidez acaba por provir de culpa dos próprios, na medida em que, sabendo da infração e estando mais próximos do mercado que os lesados, têm a obrigação de saber o valor do sobrecusto dos produtos afetados pela infração. f) Nestes termos, em harmonia com o princípio da interpretação conforme, a situação subsume-se antes à previsão do artigo 805.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, primeira parte, do Código Civil, porquanto a iliquidez do crédito é imputável aos infratores. A argumentação ora exposta encontra efetivo sustento no Direito da UE. O Ac. TJUE de 2 de agosto de 1993, caso C-271/91 (M. H. Marshall, ECLI:EU:C:1993:335), esclareceu que perante uma violação do Direito da UE (em tal caso do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres), uma indemnização, devendo proceder à reparação integral do prejuízo, não poderia ignorar, em sede de juros, elementos “como o decurso do tempo, que são suscetíveis de reduzir, de facto, o seu montante” (parágrafo 35). Os efeitos nefastos do tempo, consistem, mais concretamente, numa desvalorização monetária (cf. Ac. TJUE de 3 de Fevereiro de 1994, C-308/87 Grifoni II, ECLI:EU:C:1994:38, parágrafo 40) e na oportunidade perdida para a parte lesada de dispor desse capital (Parecer do Advogado-Geral Saggio nos processos apensos C-104/89 e C-37/90, Mulder e outros/Conselho e Comissão, Coletânea 2000, p. I-203, parágrafo 105, citado no Guia Prático, p. 13, nota 20). Tal posição no sentido de que os juros deveriam contar-se, portanto, a partir da data da ocorrência do dano, foi ulteriormente reiterada, no âmbito do Direito da Concorrência, no Acórdão de 13 de julho de 2006, nos casos conexos C‑295/04 a C‑298/04 (Manfredi e o., EU:C:2006:461, parágrafos 95 e 97). Neste último acórdão do TJUE, parágrafo 97, afirmou-se que “[q]uanto ao pagamento de juros, o Tribunal de Justiça lembrou no n.º 31 do acórdão de 2 de Agosto de 1993, Marshall (C-271/91, Colect., p. I-4367), que a sua atribuição, nos termos das normas nacionais aplicáveis, deve ser considerada uma componente indispensável da indemnização”. Neste contexto, não surpreende que o considerando 12 da Diretiva ao mencionar o direito à reparação, refira que a Diretiva “reafirma o acervo comunitário”. Mais recorda aquele considerando que o “pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional e da questão de saber se o decorrer do tempo é tido em conta como uma categoria separada (juros) ou como uma parte constitutiva dos danos emergentes ou dos lucros cessantes. Cabe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”.(destaques são nossos)
Dito isto, adaptando aos factos objeto dos presentes autos, consideramos que são devidos juros de mora, relativamente ao veículo adquirido através do contrato de compra e venda, desde a data do respetivo pagamento, ou seja, desde 30 de janeiro de 2004 (facto g).
Finalmente, relativamente à alegada “violação do princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição”, importa assinalar que não se vislumbra que a decisão em causa, face aos fundamentos referidos, importe a sua violação.
Aliás, salvo o devido respeito, temos para nós que a imputada desconformidade, a existir, seria no caso de limitar a condenação dos juros, enquanto direito à reparação, nos termos pugnados pela Recorrente.
Dito isto, improcede a pretensão da Recorrente de os juros de mora passarem a ser calculados a partir da sua citação para a presente ação.
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- Prescrição.
A Recorrente pugna estarem prescritos todos os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a sua citação, à luz do artigo 310.º, alínea d), do CC.
Alega, para o efeito, que “A Diretiva reconhece aos Estados-Membros a competência para estabelecerem regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização e da leitura do artigo 10.º e do Considerando 36 Diretiva pode concluir-se com segurança que não há qualquer incompatibilidade entre o regime da prescrição da obrigação de pagamento de juros constante do artigo 310.º, alínea d), do CC e o regime resultante da Diretiva”,
Mais alega que o “direito singular a cada prestação de juros pode ser afetado pelo decurso do tempo de modo distinto do direito unitário às diversas prestações, sem que tal se traduza numa restrição grave aos direitos conferidos pelo Direito da UE, sendo que a própria Diretiva procura obstar a atribuição de indemnizações excessivas de índole punitiva (cf. artigo 3.º n.º 3, da Diretiva).
Finalmente, alega que “Ao interpretar e aplicar a norma do artigo 310.º, alínea d) do CC, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no artigo 101.º do TFUE, no sentido de considerar não prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca.”
A decisão em crise, reportada à citada norma nacional, considera que a sua aplicação ao caso em análise é “ostensivamente contrária ao princípio da efetividade, pois, conforme referido, os juros consubstanciam, de acordo com a jurisprudência do TJ, uma componente indispensável da indemnização.”
Não obstante, considera que da conjugação dos artigos 566.º, n.º 2, 498.º, n.º 1 e 562.º, todos do CC, se obtém o desiderato imposto pelo TJ, e, em consequência, julga improcedente a exceção.
Cumpre decidir.
Entendemos, pois, que por força do princípio da efetividade, da interpretação conforme e do desiderato do direito comunitário, sobejamente referido supra, impõe-se afastar o regime do referido artigo 310.º do CC.
Aliás, a não ser assim, estaríamos a limitar um direito reconhecido, ao abrigo daqueles princípios, aplicados em função da salvaguarda dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, sem, contudo, haver justificação para tal distinção.
Dito de outra forma, tendo sido reconhecido o direito a uma indemnização (direito maior) mediante recurso a normas comunitárias e a normas nacionais interpretadas de forma a alcançar os fins do direito comunitário, não fazia sentido limitá-lo, na sua vertente de juros (direito menor), com base em normas nacionais, sem serem estas, também, devidamente adaptadas àquele direito, sob pena de se frustrar os objetivos do Direito da União.
Finalmente, na defesa desta solução, tal como referido no Ac 54/19, julgamos que também importa referir que a circunstância de não ser imputável ao A., enquanto credor, o atraso da exigência dos créditos em análise, “tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor – vide Manuel de Andrade, in Teoria Geral, II, pág. 452), prosseguindo essa ratio nesta sede não faz qualquer sentido, pois falamos de condutas cartelizadas, normalmente com caráter secreto, em que o retardamento na propositura da ação absorve aquele caráter secreto da conduta ilícita e não é imputável aos credores, mas sim aos devedores”.
Finalmente, relativamente à alegada “violação do princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição”, tal como já referimos, reportado ao momento em que devem computar os juros, também aqui se impõe assinalar que não se vislumbra que a decisão, face aos fundamentos referidos, importe a sua violação.
Julgamos, aliás, que estando no âmbito das relações civis, não se colocam particulares limites ao primado do direito europeu, tal como decorre do artigo 8.º, n.º da CRP, ou seja, à necessidade de salvaguardar o cumprimento das normas da União Europeia, como é o caso.
Assim, também nesta parte, não se concede provimento ao recurso da R.
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Pelo exposto, indeferimos o recurso apresentado pela Recorrente.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Lisboa, 2 de maio de 2025
Bernardino Tavares
Eleonora Viegas
Alexandre Au-Yong Oliveira
_______________________________________________________ [1] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 4.a ed. (Coimbra: Almedina, 2023), 177–79. [2]in “A transposição da Diretiva Private Enforcement: perspectiva crítica”, UNIO EU Law Journal, Vol. 3, N.º 2, Julho 2017, pp 175-184 e publicado in file:///C:/Users/MJ02554/Downloads/admin,+PT+Maria+Jos%C3%A9+Costeira%20(2).pdf