CONTRA-ORDENAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário

- A omissão de pronúncia pressupõe que não se tome posição sobre questão suscitada nos autos;
- Tendo o Tribunal decidido que o “objeto de recurso apesentado nestes autos” se mostra esvaziado em função de Acórdão proferido em apenso e concluído pela impossibilidade superveniente, decidiu a questão suscitada;
- Porém, tendo o Tribunal a quo assumido, erradamente, que o referido Acórdão se reportava a toda a prova junta aos autos, estamos perante erro de julgamento.

Texto Integral

Acordam na Seção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – Relatório
A Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, SA, apresentou recurso interlocutório da decisão proferida pela Autoridade da Concorrência, de 25 de junho de 2021, respeitante ao tratamento de informação classificada como confidencial em relação à Recorrente.
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Por decisão proferida a 13 de novembro de 2021, o TCRS julgou totalmente improcedente o recurso apresentado pela Securitas e confimou a decisão da AdC.
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O acórdão do TRL, de 7 de abril de 2022, deu resposta ao recurso interposto pela Securitas, tendo decidido que:
“(…) Acordam as juízas que compõem a presente secção em conceder provimento ao recurso e em conformidade:
I. Declarar nula a decisão recorrida.
II. Devolver os autos ao Tribunal a quo para que profira nova decisão, sanando os vícios indicados supra nos parágrafos 48 a 51. (…)
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O TCRS, a fim de dar cumprimento ao determinado no acórdão, proferiu os despachos com as referências … 12, … 61, … 14 e … 84.
Foi criada pela secção uma pasta com subpastas onde constam os documentos digitalizados (cfr. termo com a referência … 11).
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O Tribunal a quo, na sequência do acórdão do TRL, de 7 de abril de 2022, decidiu:
“Por todo o exposto, julga-se extinta a presente instância de recurso interposto por Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A., por impossibilidade superveniente, atento o douto Acórdão proferido no Apenso A, datado de 05/06/2024, que esvaziou de objecto o recurso apresentado nestes autos.”
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Inconformada com tal decisão, veio a Securitas interpôr recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente Recurso interposto da Sentença que julgou extinta a instância, por (alegada) impossibilidade superveniente que resultaria do Acórdão proferido no Apenso A, que teria esvaziado de conteúdo o recurso apresentado pela Securitas.
Antecedentes processuais relevantes,
2. Este processo resulta de recurso interlocutório interposto pela Securitas da decisão final da AdC que indeferiu pedidos de proteção de informação confidencial apresentados por referência a elementos constantes do processo n.º PRC/…/4 (e que rejeitou as correspondentes versões não confidenciais).
3. Os pedidos de proteção de confidencialidade indeferidos respeitam a dados pessoais, agendamentos de índole pessoal, segredo de advogado e/ou informação comercialmente sensível (referente a fornecedores e clientes), os quais devem ser protegidos nos termos propugnados pela Securitas nestes autos.
4. Tal recurso interlocutório foi julgado totalmente improcedente por sentença de 15.11.2021, a qual foi posteriormente declarada nula por este Venerando Tribunal, que ordenou a devolução dos autos à primeira instância para sanação de vícios identificados.
5. Mais tarde, em 01.09.2023, no âmbito do processo n.º 184/21.4YUSTR-A.L1 – apenso a estes autos e onde se discutiam diversos vícios relacionados com as diligências de obtenção de prova conduzidas pela AdC –, foram julgados parcialmente procedentes os recursos apresentados pela Securitas.
6. Para além do que aí foi decidido quanto à apreensão de correio eletrónico, julgou-se também nula a apreensão das cópias das agendas pessoais no que respeita a concretas menções, ordenando-se que as mesmas fossem ocultadas, sendo proibida a sua utilização como prova.
7. Por não se conformar totalmente com tal Sentença proferida no Apenso A, a Securitas interpôs recurso para este Venerando Tribunal, que, assim, veio declarar, entre o mais, nula a apreensão de correio eletrónico levada a cabo pela AdC.
8. Foi na sequência destas decisões judiciais que veio o Tribunal a quo julgar extinta a instância, considerando que seriam os mesmos os documentos em causa nestes autos de recurso e no Apenso A e que, tendo sido declarados nulos no Apenso A, também aqui não poderiam ser valorados.
9. Sucede que, apesar da coincidência parcial quanto à natureza das referências deles constantes, não só os documentos que estão em causa nestes autos não correspondem integralmente aos documentos objeto do Apenso A, como os documentos aqui em causa – com exceção de dois – correspondem a documentos em formato papel e não a emails.
  O erro em que labora o Tribunal a quo,
10. Atento este iter processual, facilmente se conclui que o Tribunal a quo laborou em erro, revelando-se manifesto o engano que se impõe sanar.
11. Com efeito, o aresto proferido por este Venerando Tribunal no Apenso A apenas declarou nula a prova corporizada em emails, sendo que o recurso que está na origem destes autos também suscitava questões atinentes à confidencialização de elementos constantes de outros elementos de prova apreendidos pela AdC.
12. Está-se na presença de inexatidões que resultam de lapso manifesto, sendo ainda oportuna a retificação da Sentença Recorrida, nos termos do artigo 614.º, n.os 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicável.
13. Caso assim não se entenda, deverá subir o presente Recurso, ordenando-se a revogação da Sentença Recorrida, que deverá ser substituída por outra que supere os vícios que se lhe apontam: nulidade por omissão de pronúncia e violação de caso julgado.
Nulidade por omissão de pronúncia,
14. No âmbito da investigação conduzida pela AdC, também se procedeu à apreensão de documento físicos, relativamente aos quais a declaração de nulidade proferida por este Venerando Tribunal no Apenso A não produz qualquer efeito, por sobre os mesmos não versar.
15. Pese embora se imponha acolher a declaração de nulidade do ato de apreensão do correio eletrónico, ordenando-se o respetivo desentranhamento e proibição de valoração, tal acolhimento não resolve todas as questões suscitadas nos presentes autos.
16. Questões que, em virtude do erro em que laborou o Tribunal a quo, permanecem sem resposta, pese embora relevantes e expressamente colocadas.
17. Em particular, ficaram por decidir as questões colocadas no Capítulo IV do recurso interlocutório, onde a Recorrente explicou que os pedidos de confidencialidade por si apresentados e indeferidos pela AdC se referiam a matéria atinente a (i) dados pessoais, (ii) reserva da intimidade da vida privada, (iii) segredo de negócio e (iv) sigilo profissional de Advogado. Conquanto tais interesses são legítimos e dignos de proteção, defendeu ali a Recorrente que se impunha à AdC um exercício de cuidadoso escrutínio e de ponderação dos interesses eventualmente em conflito, de modo a assegurar que possíveis restrições desses interesses fossem proporcionadas e limitadas ao estritamente necessário, o que não sucedeu no caso dos autos.
18. Nos presentes autos de recurso estão apenas em causa um total de dois emails (Securitas_Papel2     e     Securitas-0163), sendo     que     todos     os     restantes     elementos relativamente aos quais a Recorrente suscitou questões de confidencialidades não são emails:
Securitas_Papel6;
Securitas_Papel7;   
Securitas_Papel8;   
Securitas_Papel11;
Securitas_Papel12;
Securitas_Papel13;
Securitas_Papel14;
Securitas_Papel15;
Securitas_Papel16;
Securitas_Papel17;
Securitas_Papel18;
Securitas_Papel19;
Securitas_Papel20;
Securitas_Papel21;
Securitas_Papel22;
Securitas_Papel23;
Securitas_Papel24;
Securitas_Papel26;
Securitas_Papel32;
Securitas_Papel42;
Securitas_Papel43;
Securitas_Papel44;
Securitas_Papel50;
Securitas_Papel51;
Securitas_Papel52;
Securitas_Papel53;
Securitas_Papel54;
Securitas_Papel58;
Securitas_Papel65;
Securitas_Papel75;
Securitas_Papel76;
Securitas_Papel78;
Securitas_Papel81;
Securitas_Papel83;
Securitas_Papel84;
Securitas_Papel85;
Securitas_Papel92;
Securitas_Papel93;
Securitas_Papel94;
Securitas_Papel96;
Securitas_Papel98;
Securitas_Papel101;
Securitas_Papel102;
Securitas_Papel105;
Securitas_Papel110;
Securitas_Papel114;
Securitas_Papel115;
Securitas_Papel116;
Securitas_Papel117;
Securitas_Papel118;
Securitas_Papel120;
Securitas_Papel125;
Securitas_Papel129;
Securitas_Papel132;
Securitas_Papel133;
19. O Acórdão proferido no Apenso A apenas se reflete em dois elementos – que devem ser desentranhados e destruídos, sendo proibida a sua valoração –, porque apenas esses são emails e porque o caso julgado formado por tal aresto se circunscreve à apreensão de correio eletrónico.
20. Ficaram por decidir todas as restantes questões suscitadas em matéria de confidencialidade quanto aos demais elementos que não corporizam emails.
21. Pelo que a Sentença Recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, subsidiariamente aplicável, devendo ser revogada e substituída por outra que expressamente se pronuncie sobre as questões colocadas em matéria de elementos apreendidos / facultados que não corporizam emails.
22. Pelas mesmas razões, também não se mostra cumprido o ordenado por este Venerando Tribunal nos presentes autos. Recorde-se que a primeira sentença aqui proferida foi declarada nula, tendo-se ordenado a devolução dos autos ao Tribunal a quo para que sanassem os seguintes vícios: (i) nulidade por falta de indicação e exame crítico das provas relativamente ao facto X; e (ii) nulidade por insuficiência da matéria de facto.
23. Também este comando vai incumprido, na medida em que se mantêm – quanto aos elementos que não corporizam emails – as aludidas nulidades por falta de indicação e exame crítico das provas e por insuficiência da matéria de facto, que não foram sanadas.
24. O que também ordena a revogação Sentença Recorrida e a sua substituição por outra que, para além de expressamente se pronunciar sobre as questões colocadas pela Securitas, proceda à sanação das nulidades declaradas por acórdão deste Venerando Tribunal.
  Nulidade por violação de caso julgado,
25. A Sentença Recorrida também viola caso julgado material, na medida em que não valorou a Sentença proferida em 01.09.2023 no Apenso A.
26. É que já há muito transitou em julgado o segmento de tal Sentença que declarou nula a apreensão das cópias das agendas no que respeita a concretas menções de índole pessoal referidas nos factos provados (atinentes a consultas e exames médicos, férias, atividades desportivas ou médicas, atividades recreativas e referências a viagens), ordenando que as
mesmas fossem ocultadas, sendo proibida a sua utilização como prova.
27. O que tinha de ter sido tido em conta pelo Tribunal a quo nestes autos, por consubstanciar caso julgado.
28. Impunha-se que o Tribunal a quo, incorporando a declaração de nulidade que decorre da Sentença proferida no Apenso A, também declarasse nula a apreensão das cópias das agendas no que respeita a concretas menções referidas naquele Apenso.
29. O que ditava ordenar que tais referências fossem expurgadas dos autos, considerando-se procedente, nessa matéria, o recurso interlocutório interposto pela Recorrente, na medida em que a aludida declaração de nulidade afeta os seguintes documentos destes autos:
Securitas_Papel32;
Securitas_Papel52;
Securitas_Papel65;
Securitas_Papel43;
Securitas_Papel53;
Securitas_Papel96;
Securitas_Papel50;
Securitas_Papel54;
Securitas_Papel98;
Securitas_Papel51;
Securitas_Papel58;
Securitas_Papel105;
Securitas_Papel120;
Securitas_Papel76;
Securitas_Papel42;
Securitas_Papel92.
30. Em face do que antecede, conquanto a apreensão de parte dos elementos em causa nestes autos já tinha sido declarada nula em primeira instância, não podia o Tribunal a quo omitir, na Sentença Recorrida, referência a tal circunstancialismo.
31. O Tribunal a quo violou o caso julgado material que se formou em decorrência do trânsito em julgado de parte do dispositivo da Sentença proferida a 01.09.2023 no Apenso A, devendo revogar-se a Sentença Recorrida, que deve ser substituída por outra que tenha em conta o aludido caso julgado material, julgando procedente, nesse tocante, o recurso interlocutório interposto pela Securitas.
Nestes termos e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente nos termos requeridos, pois só assim será de DIREITO e JUSTIÇA!”
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Admitido o recurso, o Ministério Público, em síntese, referiu que:
“Nestes mesmos termos e tendo em conta as conclusões 1. a 24., crê-se que assiste razão à recorrente, dado o teor do acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa – em 07/04/2022, e que determinou «I. Declarar nula a decisão recorrida. II. Devolver os autos ao Tribunal a quo para que profira nova decisão, sanando os vícios indicados supra nos parágrafos 48 a 51.» - obrigando assim expressamente o tribunal a quo (e sob pena de, não o fazendo incorrer em desobediência de decisão proferida por tribunal superior, bem como no concomitante vício de incompetência material em razão da hierarquia) a dar o devido tratamento e atribuição, ou não, de carácter confidencial aos documentos apreendidos pela AdC e cuja discriminação e descrição dos mesmos a recorrente melhor refere nas ditas conclusões.
Já quanto ao dito em 25. até final, o Ministério Público considera que o ali tecido sobre a violação do caso julgado não tem qualquer fundamento;
Uma vez que o objecto deste concreto recurso interlocutório e do douto Acórdão proferido nesta mesma sede em 07/04/2022, em nada tem que ver com o decidido, também por este Tribunal da Relação no já mencionado Apenso A;
Ainda para mais quando se encontra a correr diligência no âmbito destes autos (…/….9YUSTR), em que, dando cumprimento a tal Acórdão de 07/04/2024, foi ordenado à AdC que selecionasse as provas concretas - e havidas como nulas de acordo com o dispositivo desse aresto -, que tenham sido utilizadas no quadro da decisão administrativa proferida;
Sendo certo que, quando eventualmente se concluir pela existência de documentos «utilizáveis» (por não constituírem prova proibida), sempre se constatará então que os mesmos acabaram, afinal, por não obter o devido e já determinado tratamento sobre a sua natureza – confidencial ou não confidencial; e isto apenas no caso meramente hipotético de a sentença recorrida ser mantida.
Termos em que se CONCLUI:
Deve o recurso a que por ora se responde ser julgado parcialmente procedente, e em consequência ser revogada a sentença proferida e a sua substituição por outra que dê estrito cumprimento ao ordenado pelo douto acórdão proferido nestes autos em 07/04/2022.”
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A Autoridade da Concorrência também respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
“I. A Sentença Recorrida julgou extinta a presente instância de recurso interposto pela Securitas, por impossibilidade superveniente, atento o douto Acórdão do TRL de 05.06.2024 - proferido no Apenso A ao presente processo judicial -, que esvaziou de objeto o recurso apresentado nestes autos.
II. A Securitas invoca existirem, na Sentença Recorrida, lapsos manifestos - passíveis de retificação, segundo a mesma - ou erro notório, que deverá motivar a procedência do Recurso; defende ainda a Securitas que ao Recurso deverá ser fixado efeito suspensivo. Ao invés, a AdC considera que o Recurso nem deverá ser admitido e que, sendo-o, o efeito deverá ser meramente devolutivo, nos termos do n.º 4 do artigo 84.º da LdC, que constitui o regime regra do efeito do recurso, conforme entendimento também assente pela jurisprudência do TRL e do TCRS.
III. A AdC considera que à Securitas não assiste interesse em agir e que muito bem decidiu o TCRS ao entender, na Sentença Recorrida, que a presente lide se extinguiu por inutilidade superveniente pelo que, no entendimento da AdC, o presente Recurso não deve ser admitido atento o disposto no n.º 2 do artigo 401.º e n.º 2 do artigo 414.º, ambos do CPP.
IV. Através da Sentença Recorrida, o TCRS veio dar cumprimento ao determinado pelo douto Acórdão do TRL de 07.04.2022, no âmbito do processo 184/21.4YUSTR.L1 (correspondente a recurso para o TRL interposto pela Securitas da decisão proferida pelo TCRS nos presentes autos).
V. Efetivamente, nos termos do mencionado Acórdão de 07.04.2022,foi decidido conceder provimento ao recurso interposto pela Securitas da decisão do TCRS proferida nestes autos e, em consequência, declarar nula tal decisão e devolver os autos ao TCRS para que este proferisse nova decisão, sanando os vícios indicados nos parágrafos 48 a 51 do mesmo Acórdão.
VI. No âmbito do Apenso A ao presente processo, foi proferida decisão pelo TCRS igualmente recorrida para o TRL pela Securitas, tendo este Alto Tribunal proferido Acórdão em 05.06.2024 no proc. n.º 184/21.4YUSTR-A.L1.
VII. O Acórdão de 07.04.2022 determinou que fossem tomadas pelo Tribunal a quo várias diligências, mormente de digitalização e disponibilização do teor de documentos e fosse proferida nova sentença que, em síntese, melhorasse a respetiva fundamentação no que à referência aos documentos respeitava.
VIII. E também que, em função da necessidade da realização de tais diligências, ficou prejudicada a apreciação das questões relativas ao regime aplicável aos segredos de negócio, ao segredo profissional de advogado, à protecção de dados pessoais e à reserva da intimidade da vida privada, em processos sancionatórios da concorrência.
IX. Em cumprimento do mencionado Acórdão, seguiu-se uma fase de efetivação de diligências por parte do TCRS, sendo em vários momentos dado o contraditório a todos os intervenientes envolvidos, incluindo a Securitas, como documentado, nomeadamente, pelos despachos com as referências … 12, … 61, … 14 e … 84, apontados na Sentença Recorrida, podendo, ainda, indicar-se o despacho com a referência … 40.
X. Em resultado de tal fase, o processado ficou regularizado nos termos determinados pelo mencionado Acórdão de 07.04.2022.
XI. Atendendo ao espaço de contraditório aberto, nos termos apontados, na opinião da AdC, algumas das interrogações suscitadas pela Securitas relativamente à Sentença Recorrida poderiam ter ganho em clarificação nessa fase.
XII. Relativamente ao conhecimento das outras questões nomeadas no Acórdão de 07.04.2022 (cuja apreciação tinha ficado prejudicada, como mencionado), a prolação do Acórdão de 05.06.2024 tornou inútil a respetiva apreciação subsequente pelo TCRS, como muito bem se entendeu na Sentença Recorrida.
XIII. Efetivamente, através do Acórdão de 05.06.2024, o TRL julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Securitas (da sentença do TCRS prolatada no Apenso A) declarando nula a prova – correio eletrónico, aberto ou fechado, e outros meios equiparados de comunicação – obtida mediante a busca/apreensão levada a cabo pela AdC nas instalações da Securitas e outras empresas; e determinando que a AdC remetesse ao MP os requerimentos da Securitas identificados, para efeitos de apreciação e decisão da questão relativa à nulidade do despacho do MP.
XIV. A questão da remessa dos requerimentos da Securitas foi, tal como sucedeu com as questões respeitantes à disponibilização de vários documentos – nos termos determinados pelo Acórdão de 07.04.2022 - clarificada na fase que acima se apontou, de forma que o TCRS considerou perder a utilidade de ulterior apreciação.
XV. Efetivamente, no âmbito do Apenso A, a AdC deu cumprimento a tal determinação junto do TCRS em 18.07.2024 e deu, bem assim, cumprimento ao despacho do TCRS com a referência 478144 de 16.09.2024, que solicitou à AdC que enviasse dois desses requerimentos diretamente ao DIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal).
XVI. O TCRS em 22.10.2024 através do despacho com a referência 484550 ainda solicitou à AdC a indicação sobre se estava cumprido o solicitado, o que foi respondido de forma afirmativa pela AdC.
XVII.  Efetuadas estas diligências, e perante o teor do Acórdão de 05.06.2024 - que tem a força de caso julgado -, nenhuma utilidade objetiva atual ainda existe em que o TCRS volte a pronunciar-se sobre as questões suscitadas pela Securitas no recurso interposto no Apenso A, uma vez que o TCRS constatou que os documentos em causa no presente processo principal – agora já totalmente tratados no que à sua disponibilização e identificação respeita, no âmbito da regularização do processado, em cumprimento do Acórdão de 07.04.2022 – são os mesmos documentos, precisamente do mesmo teor, dos documentos em causa no Apenso A.
XVIII. Desta forma, há que concluir que não há qualquer aspeto, respeitante ao cumprimento do Acórdão de 07.04.2022 que ainda pudesse ser efetivado, pelo que todo o alegado pela Securitas no Recurso a respeito da documentação é, presentemente, irrelevante.
XIX. Efetivamente, não está em causa apreciar as peculiaridades de cada documento de forma abstrata, obrigando o Tribunal a descrever em detalhe os documentos sem o critério de pertinência que é fixado pela questão de direito controvertida – em termos semelhantes ao que se diria perante o saneamento da matéria de facto por parte de um tribunal.
XX. O que interessa verdadeiramente apreciar é o enquadramento jurídico de tais documentos, atento o que foi peticionado pela recorrente nas várias instâncias judiciais: a classificação de tais informações como confidenciais.
XXI. Aceder à pretensão da Recorrente seria impor ao TCRS que proferisse declarações (valorações) sem qualquer impacto na esfera jurídica de nenhum interveniente nem nos fins públicos prosseguidos, e sem utilidade processual.
XXII.   Deste modo, deve ser desconsiderado, por irrelevante e processualmente inútil, todo o exposto pela Recorrente nos parágrafos 30 a 54 e 58 a 74 do Recurso, de onde constam identificações de documentos que o TCRS deveria, de algum modo, em nova sentença “valorar”.
XXIII. A Securitas não detém interesse em agir, pelo que o Recurso deve ser rejeitado nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 420.º do CPP, não lhe sendo concedido provimento, mantendo-se a Sentença Recorrida.
XXIV.  Em resultado de todo o exposto, conclui-se que não deverá o Recurso ser admitido, atento o disposto no n.º 2 do artigo 401.º e n.º 2 do artigo 414.º, ambos do CPP ou, caso assim não se entenda, lhe seja fixado efeito meramente devolutivo nos termos do n.º 4 do artigo 84.º da LdC e seja o Recurso rejeitado, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 420.º do CPP, ou julgado improcedente, mantendo-se a Sentença Recorrida.
Termos em que se requer
a)      Não seja o presente Recurso admitido atento o disposto no n.º 2 do artigo 401.º e n.º 2 do artigo 414.º, ambos do CPP ou, caso assim não se entenda;         
b) Ao Recurso seja fixado efeito meramente devolutivo nos termos do n.º 4 do artigo 84.º da LdC; e
c) Seja o Recurso rejeitado, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 420.º do CPP, ou julgado improcedente, mantendo-se a Sentença Recorrida.”
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto aderiu à resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância.
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A Autoridade da Concorrência, na resposta, declarou não acompanhar o parecer e defender a manutenção da sentença recorrida.
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Após exame preliminar, foram os autos aos vistos e, de seguida, à conferência.
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II - Questões a decidir
Considerando que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e considerando que nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito, importa conhecer das seguintes questões:
- omissão de pronúncia;
- violação do caso julgado.     
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III - Fundamentação
A - Factos provados
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo de contraordenação com o n.º PRC/…/4, a AdC procedeu a uma diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizada entre os dias 29 de Outubro de 2019 e 15 de Novembro de 2019, visando a Securitas, aqui Recorrente e outros, em cumprimento de mandados emitidos pelo Ministério Público.
2. Nessa sequência, a AdC notificou a aqui Recorrente para, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º da LdC, identificar as informações que considerasse confidenciais por motivo de segredo de negócio e, sendo caso disso, juntar versão não confidencial desses documentos.
3. Em 30/03/2021, a Securitas foi notificada pela AdC, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º da Lei da Concorrência para, no prazo de 10 dias úteis, identificar de maneira fundamentada as informações que considerasse confidenciais por motivo de segredo de negócio para efeitos de acesso ao processo (observando as orientações contantes do Anexo I àquele ofício).
4. O pedido da AdC incidia sobre a informação apreendida nas instalações da Recorrente, tendo sido enviado pela AdC um suporte de armazenamento externo com toda a documentação em causa acompanhada de um link para download das tabelas/índices de todos os documentos apreendidos, elaborada pela AdC, para facilidade de identificação pela empresa de eventuais confidencialidades e respetiva fundamentação.
5. Em 28/04/2021, a Securitas respondeu ao pedido de identificação de confidencialidades relativamente aos elementos supra identificados.
6. Em 03/05/2021 e em 07/05/2021, a Securitas complementou a sua resposta ao pedido de identificação de confidencialidades, prestando esclarecimentos adicionais quanto à metodologia por si utilizada.
7. Em 17/05/2021, por Ofício com a referência S-AdC/2021/… 00, a AdC notificou a Recorrente, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 30.º da Lei da Concorrência, do seu sentido provável de decisão quanto ao tratamento de informação identificada como confidencial nos documentos apreendidos, mais concedendo 10 dias úteis para esta querendo, dizer o que tivesse por conveniente, revisitar as suas classificações e submeter as respetivas versões não confidenciais atualizadas.
8. Em 01/06/2021, a Securitas apresentou a sua pronúncia ao sentido provável de decisão e novas versões não confidenciais da informação protegida.
9. Em 25/06/2021, a AdC adotou a Decisão Final de tratamento de informação identificada como confidencial nos documentos apreendidos, da qual consta o indeferimento de novas versões não confidenciais da informação classificada pela Securitas como informação confidencial, Ofício com a referência S-AdC/2021/… 63, de 25/06/2021.
10. Em 16/07/2021, e finda a fase de inquérito do presente processo contraordenacional, a AdC adotou uma Nota de Ilicitude, dando início à fase de instrução nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 25.º da Lei da Concorrência.
Mais resulta do Apenso A o seguinte:
11. A Securitas apresentou recurso de decisão proferida pela AdC que indeferiu a existência de invalidades nas diligências de busca realizadas entre os dias 29 de Outubro de 2019 e 15 de Novembro de 2019.
12. Nesse recurso a Securitas peticiou que fossem declaradas “as invalidades das diligências de busca e apreensão, realizadas de 29 de Outubro a 15 de Novembro de 2019 nas instalações da requerente e a invalidade das respetivas provas apreendidas; se declare, em consequência, que a Autoridade da Concorrência deve restituir imediatamente à requerente todos os ficheiros copiados e apreendidos.” (cfr. referência … 57 do Apenso A).
13. Após prolação de sentença, a Securitas apresentou recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. referência … 74), no qual questionou:
Competência da Adc para apreensão de correio eletrónico. Violação do segredo profissional de Segurança Privada.
- se as buscas levadas a cabo pela Adc são nulas por violação do segredo profissional de segurança privada, previsto no REASP;
- se a escusa apresentada é válida;
- se tinha de ser desencadeado o incidente de quebra de segredo (artigo 6.º, n.º 2, do REASP);
- se o Tribunal a quo, porque não se pronunciou sobre a pugnada nulidade, incorreu em omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP);
Violação do segredo profissional de Advogado.
- se se verifica contradição insanável (410.º , n.º 2, al. b), do CPP), na medida em que o Tribunal julgou procedente a nulidade arguida pela Recorrente e determinou a remessa ao MP dos requerimentos para efeitos de apreciação e decisão da questão relativa à nulidade da apreensão de correio eletrónico, rejeitando a competência da Recorrida para apreciar e decidir matérias relacionadas com a apreensão do correio eletrónico; porém, pronunciou-se sobre a apreensão de correio eletrónico protegido por sigilo profissional;
- se o Tribunal a quo, tendo concluído que, em face do desentranhamento dos emails, cessou qualquer vício que se pudesse assacar ao ato de apreensão, incorreu em omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP);
- se é nula, em consequência, a busca e apreensão efetuada (em violação do segredo profissional de advogado e do comando constitucional vertido no art. 208.º da CRP);
Da nulidade do despacho do Ministério Público (sua generalidade e inexistência de elenco de indícios concretos).
- se o Tribunal a quo ao enviar - como requerido pela Recorrente – ao MP os temas relacionados com a apreensão do correio eletrónico, olvidando a adoção do mesmo procedimento para a matéria da nulidade do despacho do MP, incorreu em omissão de pronúncia por não apreciar a materialidade da questão (diz também o fazer a título subsidiário, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP);
- se incorreu em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP), devendo remeter ao MP as temáticas referentes à nulidade do despacho do mesmo MP;
- ou proceder o Tribunal ad quem a essa correção (art.º 380.º do CPP);
Ilegalidade da busca (modus operando na condução das diligências).
- se a busca foi muito além do objeto que se encontrava definido e autorizado;
- se devia ter sido fornecido pela Adc à Recorrente a lista de expressões de busca (art. 17.º da Lcibercrime, 179.º do CPP, 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, do NRJC);
- se devia ter sido fornecido as palavras-passe utilizadas pela Adc;
- se as palavras-passe tiveram “caráter excessivamente abrangentes e genérico”;
- se foram obtidas provas sem qualquer conexão com concursos públicos para aquisição de serviços de vigilância privada (fora do âmbito do mandado);
- se deviam ter sido enviados ao MP os requerimentos de 29.10.2019, 30.10.2019, 7.11.2019, 15.11.2019 e 18.11.2019, por ter sido a autoridade que ordenou as diligências;
- se, por isso, as decisões proferidas pela Adc são nulas, devendo-se remeter ao MP as questões em análise;
- se as provas obtidas – visualização de emails de clientes privados e documentação -, por corresponderem a um excesso e extrapolarem o objeto do mandado, são nulas (art. 118.º do CPP e 32,º, n.º 8, da CRP);
- se as diligências de busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico e demais comunicações de naturza semelhante são nulas (art. 118.º do CPP e 32,º, n.º 8, da CRP);
- se, assim não se entendendo, se trata de irregularidade (art. 123.º, n.º 1, do CPP);
- se devem ser desconsiderados como meios de prova os elementos apreendidos fora do âmbito do mandado (art. 126.º, n.º 3, e 122.º do CPP);
Violação do princípio constitucional da reserva da intimidade da vida privada.
- se a apreensão de cópias de agendas de A … e de B …, que o Tribunal a quo entendeu não poderam ser utilizadas como meios de prova as partes que dizem respeito a informações da vida privada dos respetivos titulares, não se mostra fundamentado o porquê de os elementos referidos no ponto 305 do recurso relativo ao apenso D serem considerados prova relevante, nem foi sanada pelo Tribunal a quo;
- se são inadmissíveis as apreensões de agendas pessoais por consubstanciarem prova nula e inadmissível (art. 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º, n.º 3, do CPP);
- se a ocultação parcial das agendas não confere/ garante respeito pelo princípio da reserva da intimidade da vida privada;
- se deve ser expurgada a prova consistente em cópias integrais de agendas;
- se a apreensão efetuada pela Adc, no âmbito concorrencial, é materialmente inconstitucional (arts. 26.º, n.º 1 e 2, e 32.º, n.º 8, da CRP);
Ilegalidade do pedido de elementos de 6 de novembro de 2019 (desvirtuamento do limite temporal e da finalidade do mandado).
- se o pedido de elementos relativos a todos os clientes do setor público e/ou todos os procedimentos de contratação pública desde 2009, extrapola o âmbito do mandado;
- se os elementos objeto da busca não tinham relação com o objeto da investigação;
- se devia (e deve) ter sido remetido ao MP a apreciação sobre os limites e aferição de eventuais violações do mesmo por excesso;
- se o simples ato de desentranhamento da documentação em causa, por ter concluido que a mesma não lhe interessava, não elimina a verificação do referido vicío;
- se o pedido de elementos padece de nulidade insanável;
14. Em 05/06/2024 proferiu Acórdão nos seguintes termos:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
(…)
- parcialmente procedente o recurso interposto pela Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, SA.
Assim, declaramos nula a prova – correio eletrónico, aberto ou fechado, e outros meios equiparados de comunicação – obtida mediante a busca/ apreensão levada a cabo pela Autoridade da Concorrência, nas instalações das Recorrentes.
Determinamos que a Autoridade da Concorrência remeta ao Ministério Público os requerimentos da Securitas de 15 de novembro de 2019 e de 18 de novembro de 2019, para efeitos de apreciação e decisão da questão relativa à nulidade do despacho do Ministério Público; (…)” (cfr. referência … 01 do Apenso A).
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IV - O Direito
Antes de mais, face ao regime dos recursos judiciais previsto no RGCO e, em particular, na Lei da Concorrência, importa recordar que está arredado a este Tribunal sindicar a apreciação da prova e/ ou a substituição do Tribunal a quo a esse respeito, como, aliás, decorre dos artigos 75.º do RGCO e 83.º da LC.
Não obstante, apesar da restrição apontada, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.  
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Omissão de pronúncia.
A Securitas começa por dar conta da marcha dos presentes autos, faz referência à decisão proferida no âmbito do apenso A. e ao sentido da decisão objeto do recurso em análise.
Prossegue, dando conta “que, apesar da coincidência parcial quanto à natureza das referências deles constantes, não só os documentos que estão em causa nestes autos não correspondem integralmente aos documentos objeto do Apenso A, como os documentos aqui em causa – com exceção de dois – correspondem a documentos em formato papel e não a emails”, pois que “o aresto proferido … no Apenso A apenas declarou nula a prova corporizada em emails, sendo que o recurso que está na presença destes autos também suscitava questões atinentes à confidencialização de elmentos constantes de outros elementos de prova apreendidos pela AdC”. 
Concluiu, então, que o Tribunal a quo labora em erro e pugna que o mesmo retifique a sentença.
Porém, assim não se procedendo, entende que a decisão padece de omissão de pronúncia.
Pois que também se apreenderam documentos físicos, relativamente aos quais a declaração de nulidade proferida pelo TRL no Apenso A não produz qualquer efeito, por sobre os mesmos não versar.
Nessa medida, dá conta que, em função daquele erro, existem questões que permanecem sem resposta, ou seja, as que se prendem com os pedidos de confidencialidade apresentados.
O Ministério Público, recordando o decidido pelo TRL, a 7 de abril de 2022, concorda que a decisão em crise padece do apontado erro e, como pugnado pela Securitas, da nulidade por omissão de pronúncia.
Por sua vez, a AdC considera que as questões que ficaram pendentes com o acórdão de 7 de abril de 2022 e o acórdão de 5 de junho de 2024 acabaram por tornar inútil a respetiva apreciação, como bem entendeu o Tribunal a quo
Considera, assim, que os documentos em causa no presente processo são os mesmos documentos, precisamente do mesmo teor, dos documentos em causa no Apenso A., pelo que o recurso a respeito daquela é, presentemente, irrelevante. 
A setença em crise identifica corretamente a origem do diferendo, ou seja, a decisão da AdC que indeferiu o pedido de tratamento de informação junta aos autos como confidencial, e as questões que se colocam no recurso.
Porém, invoca o acórdão deste TRL, proferido a 5 de junho de 2024, no âmbito do Apenso A, para concluir que “tendo os documentos sobre os quais se deveria pronunciar  sobre a confidencialidade sido declarada como sendo prova nula, está o Tribunal impedido de conhecer do pedido de confidencialidade relativamente aos mesmos, por falta de objecto que permita ao Tribunal conhecer da questão que foi colocada pela recorrente com o recurso que intentou nos presentes autos.”
Vejamos, então.
Importa referir que a decisão em crise não padece de omissão de pronúncia, na medida em que, como decorre do exposto, efetivamente tomou posição sobre a questão suscitada nos autos.
Dito de outra forma, o Tribunal a quo identificou a questão e, pelos motivos referidos, considerou que relativamente aos documentos (prova) juntos aos autos, por terem sido declarados nulos, deixava de haver necessidade de aquilatar da sua confidencialidade.
Porém, jugamos que a decisão em crise padece de erro de julgamento.
Efetivamente, a decisão do Tribunal a quo pressupõe que o acórdão do TRL, de 5 de junho de 2024, proferido no âmbito do Apenso A, declarou que todos os documentos sobre os quais se deveria pronunciar sobre a confidencialidade foram declados como sendo prova nula.
No entanto, o que aquele acórdão declarou prova nula foi o “correio eletrónico, aberto ou fechado, e outros meios de equiparados de comunicação – obtida mediante a busca/ apreensão levada a cabo pela Autoridade da Concorrência, nas instalações das Recorrentes”, ou seja, deixou de fora a restante prova “obtida” nos autos.
Aliás, o referido acórdão, reportado à busca e apreensão efetuada pela AdC nas instalações da Recorrente, deixou claro que o vício se reporta ao correio eletrónico e a outros meios equiparados de comunicação, o que excluiu os demais documentos apreendidos na referida diligência.
Nessa medida, a generalização efetuada pelo Tribunal a quo, que afastou a necessidade de tomar posição sobre os documentos apreendidos a respeito da sua confidencialidade, não se verificando aquele pressuposto, ou seja, a nulidade de todos os documentos, importava a sua “individualização” ao nível do âmbito da matéria de facto apurada para permitir a este Tribunal de recurso sindicar a decisão em crise.
Dito isto, recordando as limitações impostas a este Tribunal de recurso ao nível do julgamento da matéria de facto, tendo concluído que a premissa que o Tribunal a quo partiu para decidir pela impossibilidade superveniente se mostra errada, não se fazendo referência expressa (identificação) aos documentos objeto do pedido efetuado pela Recorrente, seguramente necessários para se poder aquilatar se se mostram abrangidos pela decisão proferida pelo acórdão do TRL, de 5 de junho de 2024, proferido no âmbito do Apenso A, e, como tal, imprescindíveis para se poder sindicar a decisão em crise.
Pelo exposto, havendo erro de julgamento, que em face da assinalada falta de factos nos está vedado suprir, importa declarar procedente o recurso e determinar que o Tribunal a quo profira nova decisão que considere o agora decidido, ou seja, considere o âmbito assinalado do acórdão do TRL, de 5 de junho de 2024, a necessidade de indentificar os documentos por reporte ao referido acórdão e o determinado pelo acórdão do TRL proferido neste apenso, de 7 de abril de 2022.
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Violação do caso julgado.
A Securitas alega que o Tribunal a quo não valorou a sentença proferida, em 1 de setembro de 2023, no Apenso A.
Dá conta que na referida decisão se “declarou nula a apreensão das cópias das agendas no que respeita a concretas menções de índole pessoal referidas nos factos provados (atinentes a consultas e exames médicos, férias, atividades desportivas ou médicas, atividades recriativas e referências a viagens) ordenando que as mesmas fossem ocultadas, sendo proibida a sua utilização como prova.”
Vejamos.
A decisão do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não viola o caso julgado ou, melhor, a autoridade do caso julgado que resultou da sentença proferida no Apenso A. e que, reportada às agendas, se mostra confirmada pelo acórdão do TRL de 5 de junho de 2024.
Efetivamente, ali foi julgada nula a apreensão das cópias das agendas pessoais apreendidas pela AdC no que respeita às menções referidas na alínea iii) dos factos provados, não podendo as mesmas ser utilizadas como meios de prova e devendo ser ocultadas.
Por sua vez, na referida alínea iii) consta: “Mais acrescentou sobre esta questão no requerimento de 18.11.2019 o seguinte: “nas agendas de B … e A … figuravam descritivos como “Férias” (agenda de B …, documento n.º 2, fl. 1; e agenda de A …, documento n.º 13, folha 1), consultas e exames médicos “Fisioterapia” e “Osteopatia” agenda de B …, documento n.º 9, fl. 1), atividades desportivas ou médicas, “Maratona (14Km)” (agenda de A … n.º 7, fl. 17; documento n.º 11, fl. 5,atividades recreativas (“Futebol Benfica” – agenda de A …, documento n.º 6, fl. 14), viagens aos “E.U.A.” e a “Miami” agenda de A …, documento n.º 15, fl. 10), “Aula vivafit (sede)” (agenda de A …, documento n.º10, fl. 7) e “deixar carro na Santogal” (agenda de A …, documento n.º 9, fl. 5)”.”
Enquanto que a decisão em crise, como vimos, reportada à pugnada confidencialidade, julgou extinta a instância de recurso interposto por impossibilidade superveniente, ou seja, em momento algum se decidiu de forma diversa daquele.
Finalmente, também não se diga que competia a esta “executar” o decidido naquela, ou seja, ocultar a matéria supra referida ou, como requere agora a Recorrente, expurgar dos autos, uma vez que, como vimos, não se trata de matéria atinente a este recurso.
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Por todo o exposto, julgamos parcialmente procedente o recurso apresentado pela Securitas.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, SA. e, em consequência:
- revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou extinta a instância de recurso interposto, por impossibilidade superveniente;  
- determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para proferir nova decisão, considerando o âmbito assinalado do acórdão do TRL, de 5 de junho de 2024, a necessidade de indentificar os documentos por reporte ao referido acórdão e o determinado pelo acórdão do TRL proferido neste apenso, de 7 de abril de 2022.
No mais, julgar improcedentes as restantes questões suscitadas pelas Recorrentes.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 2 de maio de 2025
Bernardino Tavares
Armando Manuel da Luz Cordeiro
José Paulo Abrantes Registo