CONCORRÊNCIA
ACÇÕES DE «FOLLOW ON»
SUSPENSÃO DA ACÇÃO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
RECORRIBILIDADE
CONTROLO DA LEGALIDADE
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário

I. Os juízes devem decidir sempre que existam «matérias pendentes» em acções colocadas sob a sua responsabilidade decisória proferindo, em tais contextos, despachos ou sentenças.
II. Nada sendo excepcionado, tal regime aplica-se aos despachos «proferidos no uso legal de um poder discricionário».
III. Destinando-se estes a prover ao «andamento regular do processo» e tendo os autos que «andar» desde o primeiro momento, sempre se imporia concluir que os referidos despachos podem ser proferidos desde que a acção deva ser considerada pendente.
IV. A acção considera-se «proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 144.º» do Código de Processo Civil .
V. Podem ser proferidos despachos no uso legal de um poder discricionário desde a apresentação em juízo da petição inicial.
VI. No que tange à legalidade das decisões de natureza discricionária, existe a possibilidade de controlo recursório, sob pena de se denegar o efectivo direito ao juiz enunciado, designadamente, no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art. 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
VII. E o controlo de legalidade é, in casu, a avaliação do respeito pelo n.º 4 do art. 152.º e no n.º 1 do art. 272.º, ambos do Código de Processo Civil.
VIII. Contrariamente aos despachos de conteúdo vinculado, a lei não impõe, aos despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, um sentido decisório específico, permitindo ao tribunal decidir ou não decidir.
IX. Não parece afastar a discricionaridade a referência normativa a um «motivo justificado», indiciadora de um poder legalmente balizado, já que as condições ou pressupostos do exercício do poder de intervenção não podem ser confundidas com a sua natureza.
X. Aqui, «motivo justificado» é outra forma de dizer elemento de sustentação do «prudente arbítrio» já que, à míngua de indicação legal esclarecedora e de sentido diverso, a justificabilidade do motivo só à luz desse «prudente arbítrio» pode ser determinada.
XI. A figura do reenvio, que tem esteio normativo nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (TUE) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), faculta a elaboração e apresentação, a título prejudicial, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de questões incidentes sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos actos adotados pelas instituições europeias, com a finalidade de garantir a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União no respectivo espaço.
XII. É um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes sejam necessários para a resolução do litígio que lhes caiba decidir.
XIII. Estão excluídas da figura a interpretação das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.
XIV. O recurso a tal figura é da iniciativa exclusiva do órgão jurisdicional nacional chamado a dirimir o litígio (sendo irrelevantes as intenções expressas e os pedidos das partes).
XV. Funciona como mecanismo de aferição da necessidade de reenvio a avaliação das condições particulares de cada processo em função dos factos alegados, do Direito brandido e do pedido.
XVI. O reenvio prejudicial é facultativo se a possibilidade de recorrer ao mesmo surgir num processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cuja decisão admita recurso ordinário.
XVII. Só não será assim se o juiz nacional ponderar considerar inválido um acto da União, pois a competência para o fazer pertence, em exclusividade, ao TJUE.
XVIII. Já será obrigatório se a decisão a proferir não admitir recurso judicial ordinário de direito interno (e a questão for necessária e pertinente relativamente à solução).
XIX. O TJUE apenas se pronuncia se o direito da União for aplicável ao processo principal.
XX. O órgão jurisdicional de reenvio deve expor todos os elementos pertinentes, de facto e de Direito, que o levem a considerar que existam disposições do Direito da União aplicáveis.
XXI. Se o reenvio tiver por objecto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deverá ter-se em conta que as disposições da Carta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União (art. 51.º, n.º 1, da Carta). Tem que resultar do pedido de decisão prejudicial que, no processo principal, seja aplicável uma regra de direito da União diferente da Carta.
XXII. O TJUE procura dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cumpre extrair as consequências concretas da sua decisão, o que inclui omitir a aplicação da regra nacional declarada incompatível com o direito da União.
XXIII. Não assume qualquer sentido querer-se questionar o TJUE sobre a estrutura do processo civil nacional.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                  
A ASSOCIAÇÃO IUS OMNIBUS, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção que denominou de «POPULAR DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM» contra BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL e OUTROS.
Com data de 09.05.2024, o Tribunal perante o qual foi instaurada tal acção  proferiu despacho do seguinte teor:
Requerimento de suspensão da instância da CGD entrado em juízo em 11.04.2024 e respostas da Autora de 30.04.2024 e das Rés de 02.05.2024:

A Autora Ominibus veio, ao abrigo do disposto nos artigos 52.º(3) e 60.º(3) da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 2.º(1), 3.º, 12.º(2) e 14.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, rectificada pela Rectificação n.º 4/95, de 12 de Outubro, e revista pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, nos artigos 31.º e 546.º(2) do Código de Processo Civil, nos artigos 3.º e 19.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho, e nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 114-A/2023, de 5 de Dezembro, intentar a presente ACÇÃO POPULAR DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM, destinada à protecção da concorrência, dos direitos dos consumidores e de interesses difusos e/ou colectivos associados ao consumo de bens e serviços, contra as seguintes instituições bancárias: BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. – Sucursal em Portugal; BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.; BANCO BIC PORTUGUÊS, SA.; BANCO BPI, S.A.; CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL; CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.; CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A.; BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.; UNIÓN DE CRÉDITOS INMOBILIARIOS, S.A. – Sucursal em Portugal.

Para o efeito e em termos bastante sintéticos, a Autora apresenta como causa de pedir da acção os mesmos factos que foram dados como provados em sede de uma decisão proferida pela AdC de 9 de Setembro de 2019 (PRC/2012/09), que essencialmente considerou que as Rés violaram regras de concorrência, por força de troca de informações sensíveis, no período entre Maio de 2005 e Setembro de 2012, nos termos constantes da p.i. que se dá por integralmente reproduzida.

A AdC considerou estar em causa práticas proibidas pelo artigo 9.º do RJC e pelo artigo 101.º do TFUE, nos temos da sua decisão que consta como documento n.º 1 da p.i. que se dá por integralmente reproduzida, o que é acompanhado pela Autora.

Em termos de prova, a Autora alude à prova que consta elencada na referida decisão.

Porém, da decisão da AdC foi interposto recurso para este TCRS estando esse recurso ainda pendente sob o n.º de processo …/….4YUSTR-W, sem decisão definitiva, na medida em que foi formulado um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, estando os autos por isso suspensos.

A decisão do tribunal proferida a 6 Outubro 2021, consta como documento n.º 2 da p.i. que se dá por integralmente reproduzida.

Por falta de definitividade da decisão condenatória, a Autora qualifica a sua acção como stand-alone.

Todavia, segundo a própria Autora, caso a declaração de participação em infracção concorrencial se torne definitiva para as Rés, e sem prejuízo dos factos que também são relevantes para a aferição dos danos e causalidade, grande parte dos factos alegados por si se tornarão supérfluos por força da presunção inilidível de ilicitude decorrente da definitividade de decisão condenatória.

Na sequência da citação para o processo, veio a Ré CGD requerer a suspensão da instância, com fundamento em existência de causa prejudicial ou de outro motivo justificado, nos termos do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, por força da pendência no J1 do TCRS de recurso judicial da decisão proferida pela AdC no processo PRC/2021/09 (processo n.º …/….4YUSTR-W).

As demais partes foram devidamente notificadas do requerido pela CGD, para, querendo, se pronunciarem.

A Autora considerou que o pedido de suspensão da instância deve ser indeferido, por ser extemporâneo, não fazendo sentido suspender a instância antes da apresentação das contestações e da realização de todos os actos processuais que podem ser realizados e que não estão dependentes da definitividade da decisão proferida em sede de public enforcement.

As Rés BCP e CCCAM consideraram que deve ser indeferida a pretensão da CGD, na sua essencialidade porque entendem que a decisão a ser proferida no âmbito do processo n.º …/….4YUSTR-W não tem relevo para os presentes autos, que devem ser tratados e decididos como inteiramente stand-alone.

As Rés BPI, BIC, Banco Bilbao Vizcaya, BST e Unión de Créditos Inmobiliarios consideraram que assiste razão à CGD, entendendo que é uma solução plausível de direito, configurada pela própria Autora, a possibilidade de, em caso de definitividade da decisão condenatória, cristalizarem-se determinados factos, por força de “presunção inilidível da existência da infracção em causa no âmbito da presente acção”.

Consideram que tal poderá interferir com a produção de prova em sede de julgamento, bem como com as próprias pronuncias em sede de contestação das Rés e que a suspensão promove a economia processual e evita a eventual prática de actos inúteis.

Acrescentam ainda que a prova que é referida pela Autora é a prova utilizada pela AdC, em sede da qual se encontra junto correio electrónico, cuja validade está a ser discutida nos autos de public enforcement, o que também poderá ter implicações necessárias nestes autos.

A Ré CEMG não se opõe à pretensão em causa, tendo em vista a reiterada jurisprudência que se tem formado sobre o assunto, mas considera que a suspensão deverá ser imediata, a fim de evitar a realização de contestações sem que estejam estabilizados aspectos essenciais.

Os factos com relevo para a decisão da questão suscitada dimanam do relatório supra.

Analisando.

Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 7.º da LPE (Lei n.º 23/2018, de 05 de Junho), que a “declaração pela Autoridade da Concorrência, através de decisão definitiva, ou por um tribunal de recurso, através de decisão transitada em julgado, da existência de uma infracção ao direito da concorrência constitui presunção inilidível da existência, natureza e âmbito material, subjectivo, temporal e territorial dessa infracção, para efeitos da acção de indemnização pelos danos dela resultantes.”

Deste artigo parece resultar que numa acção por infracção das regras de concorrência em que tenha havido já uma decisão definitiva da AdC ou do tribunal, está vedado ao tribunal da acção cível apreciar a existência da infracção, ou seja, tem-se à partida por provada a existência da infracção.

Assim sendo, uma decisão naquelas condições parece constituir uma presunção nas subsequentes acções de natureza cível, materialmente conexas com os factos já apurados no processo sancionatório atinente.

A presente acção de indemnização de private enforcement foi proposta em Janeiro de 2024, ou seja, em data posterior à entrada em vigor da referida LPE (vide respectivo artigo 25.º), pelo que, as regras que tenham cariz processual são-lhe imediatamente aplicáveis.

A questão, porém, de definir se a norma que deriva daquele n.º 1 do artigo 7.º da LPE é ou não uma norma substantiva ou adjectiva é uma questão de mérito que deve ser apreciada em sede oportuna, a qual não é evidentemente esta.

Todavia, consideramos que não podemos deixar de concluir que a aplicação do referido normativo configura uma das soluções plausíveis de direito.

Conforme atenta o acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2023, processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, in www.dgsi.pt, “por força do artigo 7.º n.º 1 da Lei 23/2018, interpretado à luz do artigo 9.º n.º 1 da Directiva 2014/104/EU, uma das soluções plausíveis de direito é considerar a sentença condenatória definitiva como um simples facto jurídico, ao qual a lei liga efeitos reflexos que têm por objecto relações jurídicas de terceiros, os lesados pela infracção.

De acordo com os critérios do direito da União mencionados supra, (…) são os efeitos de uma norma da Directiva 2014/104/EU nas relações jurídicas materiais de terceiros que podem conferir-lhe carácter substantivo.

“Então, o acórdão definitivo que eventualmente venha a ser proferido no processo de contraordenação, se for condenatório, actuará como pressuposto factual de efeitos jurídicos materiais acessórios (a responsabilidade civil), na medida em que estes não fazem parte do seu conteúdo, diversamente do que sucede com o efeito declarativo ou de caso julgado, que abrange a infracção em que a recorrente venha a ser condenada (sobre os efeitos da sentença como facto jurídico, cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, Coimbra, páginas 405 a 406).”

Remata o mesmo acórdão ser “assim plausível equacionar (…) que a situação relevante para aplicação do artigo 7.º n.º 1 da Lei 23/2018 se adquire com a existência de decisão final, transitada em julgado”.

Ora, se a situação jurídica relevante para aplicação daquela norma for, de facto, a decisão transitada em julgado que declare a infracção, a mesma ainda não se verificou.

O mesmo acórdão também chama à colação o seguinte “ainda que se admita, por mera hipótese de trabalho, que à luz dos critérios do direito da União indicados no parágrafo 40, o artigo 9.º n.º 1 da Directiva 2014/104/EU é uma norma substantiva e que o pressuposto fáctico da aplicação dessa norma é composto pela infracção, é forçoso reconhecer que desse pressuposto fáctico também faz parte a existência de uma decisão definitiva em matéria de infracção que ainda não ocorreu, pois são os efeitos dessa decisão na acção de indemnização, que têm relevo e são regulados pelo artigo 9.º n.º 1 da Directiva 2014/104/EU.”

Nesta conformidade, para além do tribunal não estar em condições objectivas de decidir de mérito sobre a aplicabilidade a estes autos do n.º 1 do artigo 7.º da LPE, o certo é que a sua aplicação é uma das soluções plausíveis de direito, para a qual é necessária a existência da decisão transitada em julgado que declare a infracção, definitividade essa que ainda não ocorreu.

Para além disso, ainda que se equacione a não aplicação de tal normativo, é igualmente uma solução plausível de direito a aplicabilidade, por interpretação extensiva ou analógica, do disposto no artigo 623.º do CPC, que disciplina que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.”

As asserções antecedentes, ao constituírem uma das soluções plausíveis de direito, têm implicação no âmbito da prova a produzir, nas regras de ónus da prova e mesmo quanto aos meios de prova a admitir, mormente no que toca ao requerido pela Autora no sentido de pretender documentos na posse das partes contrárias.

O mesmo se passa em relação às próprias contestações das Rés, que poderão eventualmente deixar de ter de se pronunciar sobre determinados factos que, na perspectiva da própria Autora, passarão a ser supérfluos caso exista uma decisão de condenação definitiva em sede do processo de public enforcement (vide artigo 363.º da p.i.).

Assim sendo, mostra-se relevante resolver a questão que se prende com determinar se, neste momento, tendo como pressuposto a possibilidade de vir a ser proferida decisão condenatória definitiva contra as Rés, tal situação deve ser considerada como um motivo justificado para suspensão da instância.

Não existe qualquer normativo legal que imponha que acções de private enforcement sejam imediatamente suspensas, caso estejam pendentes acções de public enforcement pendentes, nem mesmo o n.º 4 do artigo 7.º da LPE.

Porém, salvo melhor opinião, consideramos que as regras da concorrência aplicadas pela AdC e pelo tribunal de recurso (public enforcement) e as acções de indemnização por violação dessas regras na esfera privada (private enforcement) devam interagir de maneira coerente, ambas tendo carácter complementar e podendo, em princípio, ser conduzidas concomitantemente – vide a propósito da aplicação do n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento n.º 1/2003, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2023, processo C‑57/21, RegioJet a.s. contra České dráhy a.s. (Vide ECLI:EU:C:2023:6)
Mas será que à luz do regime processual civil vigente a existência de uma decisão não definitiva proferida em sede de public enforcemente deverá ser considerada uma causa prejudicial, que permite a suspensão da instância?

Em primeiro lugar, importa, desde logo, afastar a aplicação do disposto no artigo 92.º do CPC, sob epígrafe “questões prejudiciais”, na medida em que este tribunal tem competência em razão da matéria para decidir sobre infracções ao direito da concorrência (vide artigo 112.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Apenas é assim de ponderar a aplicação do artigo 272.º do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 1 desse artigo 272.º do CPC, “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”

Está em causa a suspensão de uma instância por questões de conveniência processual.

Neste caso, compaginando a causa de pedir em que se sustenta a petição inicial da Autora com a infracção vertida na decisão da AdC e do tribunal de recurso, não transitada, temos de concluir que existe total coincidência de objectos entre ambos.

É a própria Autora que nos dá conta de tal situação. Na verdade, apesar de assumir a acção como uma acção stand-alone, devido à não definitividade da decisão condenatória, o certo é que está pendente acção de cariz contra-ordenacional, onde foram apurados os mesmos factos que estão em causa nestes autos. A mesma Autora coloca a possibilidade de, caso a decisão se torne definitiva, a acção passar a configurar-se como acção follow-on (artigo 1818.º da p.i.), o que bem revela a complementaridade de ambas, ou pelo menos, essa susceptibilidade, como solução plausível de direito.

A questão suscitada pelas Rés que se opuseram à suspensão no sentido da decisão do processo n.º …/..4YUSTR-W não ter relevo para os presentes autos, que devem ser tratados e decididos como inteiramente stand-alone, não colhe neste conspecto, data vénia, porque, sendo os factos os mesmos e sem se pretender qualquer tipo de vinculação decisória a propósito, o certo é que se revela uma solução plausível de direito a possibilidade de fazer reflectir o decidido no campo contra-ordenacional nestes autos.

Ora, são pressupostos de aplicação daquele n.º 1 do artigo 272.º do CPC:
          - a existência de causa prejudicial; ou
          - a existência de outro motivo justificado.

O CPC não define directamente o que é uma causa prejudicial. Porém, o n.º 2 do artigo 276.º do CPC esclarece que “se a decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa que estivera suspensa, é esta julgada improcedente.” Podemos assim concluir que uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira puder destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda – vide acórdão do STJ de 09.05.2023, processo n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1, in www.dgsi.pt.

Elucida o mesmo acórdão do STJ que “existe uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, ou seja, quando a acção dependente tenha por objecto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja susceptível de ser afectada na consistência jurídica ou prático-económica pela decisão a tomar na outra (prejudicial), quando a decisão da acção dependente possa ser decisivamente influenciada pela decisão a proferir na causa prejudicial.

“Miguel Teixeira de Sousa, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV (1977), pág. 306, em anotação ao Acórdão do STJ de 24.11.1977, refere:

“ .... a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa.
Por isso a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas.

“Estando-se perante eventualidades de prejudicialidade quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva, pode definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto prejudicial”.

Para além do exposto, segundo o n.º 2 do artigo 272.º do CPC, “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”

Salvo o devido respeito por melhor entendimento, consideramos que estes requisitos negativos acabados de transcrever não sucedem, in casu.

Por um lado, o processo pendente de caracter contra-ordenacional por infracção ao direito da concorrência tive por base princípios de oficialidade e legalidade a que a própria AdC se encontra sujeita, sendo-lhe conferida legalmente a missão de aplicar as leis da concorrência (n.º 3 do artigo 1.º dos ESTATUTOS DA AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de Agosto).

Por outro lado, a presente causa não se revela adiantada, apenas estando na fase dos articulados, não estando sequer volvido o prazo para apresentação de contestações.

O processo n.º …/….4YUSTR-W está suspenso por via de um pedido de reenvio prejudicial, pelo que não obstante a possibilidade de existência de recursos que poderão atrasar a definitividade de uma eventual decisão de condenação, o processo já se mostra avançado. Porém, este “atraso” da causa a montante não se inclui nos requisitos negativos aludidos. Apenas o estado avançado do processo dependente.

Assim, somos de concluir que não se mostram verificados os requisitos negativos a que alude o n.º 2 do artigo 272.º do CPC.

Nesta conformidade, importa questionar se a decisão do processo n.º …/….4YUSTR-W pode ou não destruir os fundamentos da presente acção no que diz  respeito aos pedidos de indemnização ou se essa decisão pode constituir o “outro motivo justificado” para suspensão da instância.

Salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão do processo n.º …/….4YUSTR-W não constitui causa prejudicial da presente acção, na medida em que caso se torne definitiva e sendo ela de condenação, a mesma não faz desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa. Muito pelo contrário. A decisão de condenação pode sustentar factualmente a presente causa, por via da eventual aplicação da presunção.

Caso a mesma venha a ser absolutória, a mesma não terá o condão de fazer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa, já que, mesmo que se possa equacionar a aplicação do artigo 624.º do CPC, a presunção derivada do referido artigo é ilidível.Continua a concluir-se pela ausência de prejudicialidade.

Porém, apesar da conclusão acerca ausência de prejudicialidade, a análise que temos vindo a realizar implica outra conclusão: a de que existe evidente interdependência ou “interacção” processual (como lhe apelida o acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2023, processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, in www.dgsi.pt) entre o processo n.º …/….4YUSTR-W e o presente processo. Com efeito, a decisão deste processo sobre a existência de violação de regras da concorrência pelas Rés mostra-se potencialmente essencial, sob um prisma de analise e equação de todas as soluções plausíveis de direito.

Ora, se é certo que não há norma que impeça directamente o tribunal de não suspender a instância não menos certo é que se considera que os tribunais devem assegurar a interacção coerente entre as regras aplicáveis às acções de indemnização (private enforcement) e as regras aplicáveis às acções por infracção ao direito da concorrência (public enforcement) e evitar decisões contraditórias (vide acórdão do TJ de 12 de Janeiro de 2023, processo C‑57/21, RegioJet a.s. contra České dráhy a.s.,, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2023, processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, in www.dgsi.pt, a propósito da aplicação do já referido n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento 1/2003).

De acordo com o que vier a ser a decisão a proferir em sede dos autos de contra-ordenação, as soluções plausíveis de direito passam, sem prejuízo de outras, por aplicar o n.º 1 do artigo 7.º da LPE, sendo que a decisão sobre a sua aplicabilidade está dependente da própria definitividade da decisão do processo contra-ordenacional, ou por aplicar, por interpretação extensiva ou analógica, o artigo 623.º do CPC, em caso de condenação ou por aplicar o artigo 624.º do CPC, por interpretação extensiva ou analógica, em caso de absolvição.Tal influenciará não apenas as próprias contestações a ser apresentadas pelas Rés, como também necessariamente a selecção dos temas de prova e a própria decisão sobre o mérito da causa, já que estão em causa presunções que contendem necessariamente quer com a produção da prova, quer com a decisão da causa.

A Autora entende ser prematura a suspensão da instância, nesta fase processual. Porém, o CPC não estabelece qualquer momento processual para que se possa determinar a referida suspensão, não existindo na lei, salvo o devido respeito por melhor entendimento, qualquer princípio que dite que, uma vez verificado um motivo justificado para a suspensão, se devam realizar espartilhadamente os actos processuais que “possam ainda assim ser realizados”. Uma vez identificado o motivo justificado, a instância pode ser suspensa. Aliás, o contrário até será mais adequado, ou seja, a suspensão deve ser realizada ainda num momento precoce do processo, sob pena da suspensão não poder ser determinada por via da última parte do n.º 2 do artigo 272.º do CPC.

Adrede, a suspensão a que alude o n.º 1 do artigo 272.º do CPC tem como razão de ser a economia processual e a coerência de julgamentos, que importa, nesta sede, acautelar e não ignorar – vide, neste sentido, Abrantes Geraldes e outros, in CPC Anotado, vol. I, 2018, Almedina, pág. 314. É isso que se visa acautelar.

Importa repisar que segundo a Autora, se a Decisão da AdC vier a tornar-se definitiva, grande parte da matéria de facto alegada na Petição Inicial tornar-se-á supérflua: “Caso a declaração de participação em infração concorrencial constante artigo 1.º da Decisão da AdC se venha também a tornar definitiva para as Rés, e sem prejuízo dos factos que também são relevantes para a aferição dos danos e causalidade, todo o articulado subsequente desta secção tornar-se-á, em larga medida, supérfluo” (artigo 363.º da p.i.).

Assim sendo e segundo a própria Autora dos autos, parte da contestação da presente acção (bem como a sua instrução), poderá em larga medida constituir acto inútil, ao arrepio do disposto no artigo 130.º do CPC.

Como refere o BST, com propriedade, salvo o devido respeito por opinião contrária, quanto ao momento em que a suspensão da instância deve ser decretada, é pertinente a suspensão antes da contestação, porque a apreciação judicial da Decisão e do processo contra-ordenacional em apreço clarificará, também do ponto de vista do Direito, a alegada conduta anti-concorrencial permitindo às demandadas exercer plenamente o seu direito de defesa.

Na verdade, o quadro jurídico da Decisão é complexo, motivo pelo qual o tribunal do processo de contra-ordenação solicitou o contributo do TJUE para determinar a abordagem jurídica adequada a um enquadramento fático de partilha de informação (e não de qualquer entendimento entre concorrentes), sem qualquer apuramento de impacto/efeitos, em relação ao qual praticamente não existe precedente, sendo que a circunstância de estar ainda em aberto a existência de infracção e, em qualquer caso, a qualificação jurídica da mesma, faz com que as contestações tenham de abrir várias possibilidades e hipóteses, limitando o exercício do direito de defesa e tornando o processo prolixo e ingerível.

Podemos verificar apenas pela extensão e argumentos esgrimidos da petição inicial que estamos perante uma acção complexa, complexidade essa que se poderá adensar com a junção de contestações no âmbito de um cenário ainda muito incerto quanto à própria infracção, o que contenderá com a almejada agilização processual.

Acresce que a Autora remete, em termos de prova, para aquela que consta na Decisão da AdC. Porém, analisada a decisão, verificamos que a mesma se baseia em elementos probatórios que correspondem, essencialmente, a correspondência/correio electrónico, não estando cristalizada a validade dessa prova, o que poderá gerar, em caso de não suspensão, a prolação de decisões contraditórias.

Na verdade, uma coisa é a Autora pretender demonstrar a infracção com provas autónomas, por si coligidas; outra distinta é tentar demonstrar a infracção com base em provas produzidas num processo contra-ordenacional, cuja validade ainda é discutida.

Ainda que possam ser coligidas provas autónomas, a realização de prova sobre factos que, mediante um processo contra-ordenacional, podem, desde logo e segundo as soluções plausíveis de direito, ser considerados provados, sem necessidade de realização dessa prova, é, sem dúvida, um factor que premeia a economia processual e evita a eventual prática de actos inúteis, proibidos por lei (vide artigo 130.º do CPC) e se ajusta à interacção coerente entre as regras aplicáveis às acções de indemnização (private enforcement) e as regras aplicáveis às acções por infracção ao direito da concorrência (public enforcement) e ao impedimento decisões contraditórias, nos termos supra citados.

Por seu turno, a própria possibilidade de poder ser aplicada determinada presunção legal, conforma a forma de produção de prova em sede de julgamento, na medida em que contende com as regras do ónus da prova – vide artigo 350.º do Código Civil.

Nesta conformidade, apesar de se considerar que a decisão do processo contra-ordenacional não está numa relação de prejudicialidade com este processo, existe, porém, uma relação de “interacção” entre aquele processo e a presente acção de private enforcement, o que justifica a suspensão da instância até à definitividade da primeira.

Ou seja, “embora não exista prejudicialidade e não seja obrigatório suspender a presente instância, é forçoso reconhecer que o desfecho do processo de contraordenação interage com as soluções plausíveis de direito na presente acção” – vide acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2023, processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, in www.dgsi.pt.

Adrede, como refere o já mencionado acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2023, processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, in www.dgsi.pt, “contrariamente ao que defende a recorrente, existe o pressuposto legal previsto em alternativa na segunda parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, para o exercício do poder discricionário pelo Tribunal a quo, de optar pela suspensão da instância com base em motivo justificado (…)”.

Este entendimento mostra-se também confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.09.2023, processo n.º 18/21.0YQSTR.L1.S, in www.dgsi.pt, proferido numa acção popular intentada pela aqui Autora com fundamento em infracção do direito da concorrência, em que foi invocada uma decisão sancionatória da AdC pendente de impugnação judicial.

Nessa sede é referido que a “independentemente de o art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018 ser, ou não, aplicável ao caso, sempre se poderá falar de uma relação de dependência meramente facultativa ou de pura conveniência entre as duas acções: se ao caso sub judice for de aplicar o art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho, a relação de prejudicialidade, ainda que só facultativa, entre as duas acções resultará do texto da disposição legal; se ao caso sub judice não for de aplicar o art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, a relação de prejudicialidade entre as duas acções poderá resultar, p. ex., da relevância dos factos provados na primeira acção”.

Decisão: Assim sendo e face do exposto, decido, ao abrigo da última parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, suspender a instância até à definitividade da sentença a proferir ou proferida no processo n.º …/….4YUSTR-W, que corre termos no J1 deste TCRS.


A ASSOCIAÇÃO IUS OMNIBUS declarou pretender interpor recurso do  despacho com a Referência Citius … 73, de 3 de Maio de 2024 (querendo, certamente, face conteúdo da sua pretensão processual que aqui se apreciará, fazer menção ao despacho de 09.05.2024, com a referência Citius … 75, acima transcrito), tendo alegado e apresentado as seguintes conclusões:
142. O despacho recorrido, pela primeira vez na história da jurisprudência portuguesa, suspendeu uma ação de private enforcement da concorrência (potencialmente) follow-on antes da Contestação. Fê-lo até antes de decidir um requerimento de conversação de meios de prova ou de qualquer outra tramitação, por período potencialmente não inferior a 5 ou 6 anos.
143. O despacho recorrido cria um risco muito sério de privar os lesados da efetividade do seu direito de acesso à Justiça e de indemnização por uma infração concorrencial, podendo tornar impossível ou excessivamente difícil a prova da infração, do dano e da causalidade, bem como o exercício desse direito de indemnização a final. Põe em causa a efetividade do direito à indemnização dos consumidores portugueses, do direito a uma tutela judicial efetiva e do direito à ação popular e implica violações do direito constitucional e do primado do Direito da União Europeia. Cria-se também um ambiente inteiramente desincentivador do financiamento de futuras ações follow-on de private enforcement da concorrência, destruidor deste mecanismo fundamental à eficaz proteção dos consumidores e do Estado de Direito.
144. A suspensão e duração previsível do processo a quo, por força do despacho recorrido, viola o artigo 6.º da CEDH.
145. O despacho é recorrível porque: (i) não existe poder discricionário de suspensão na fase processual em que se encontram os autos; (ii) o direito de recurso é imposto pelo direito europeu e constitucional; e (iii) o despacho excede os limites permitidos para a discricionariedade e é necessário sindicar a legalidade da decisão em crise (não do pressuposto da decisão, mas da ilegalidade do resultado).
146. O despacho recorrido encerra uma contradição insanável que implica a sua nulidade. Conclui uma coisa e o seu contrário, e usa a segunda conclusão para justificar a suspensão. Afirma, por um lado, que o Tribunal não vai, por ora, tomar posição sobre se a decisão de public enforcement transitada em julgado produzirá ou não efeitos nesta ação. Por outro, em dois momentos afirma que tal decisão clarificará a existência da conduta anticoncorrencial em causa e vinculará o Tribunal.
147. A decisão de suspensão em fase tão precoce do processo, antes de se decidir o requerimento constante da petição inicial para a preservação de meios de prova – ainda mais necessária por força da suspensão do processo –, não se enquadra nos limites da discricionariedade.
148. Nesta fase processual (antes das Contestações), a hipotética futura existência de uma decisão transitada em julgado e hipotética aplicabilidade do artigo 7.º(1) da LPE não pode constituir motivo para justificar a suspensão por vários anos, ou sequer mostrar-se conveniente ou contribuir para a justa resolução do litígio, sem prejudicar os princípios da proporcionalidade e da igualdade das partes.
149. Não se pode suspender um processo e pôr em risco a efetividade do acesso à Justiça e do direito à indemnização com base numa mera hipótese remota de duplo grau (talvez venha a existir uma decisão transitada em julgado; talvez essa decisão seja vinculativa), evitando uma análise de Direito que não está dependente de factos subsequentes (sobre a aplicabilidade ratione temporis do artigo 7.º da LPE). O Tribunal extraiu consequências gravosas de um cenário meramente possível, sobre o qual não tomou posição. O próprio Tribunal pode, mais tarde, decidir que, mesmo com uma decisão transitada em julgado, tem de produzir prova quanto a tudo, e que se perderam anos por razão nenhuma.
150. Antes das Contestações, o Tribunal ainda não pode saber se: (i) os Réus irão confessar alguns ou todos os factos; ou (ii) se irão alegar uma exceção que, a ser conhecida pelo Tribunal, os absolvesse do pedido ou da instância. Não é possível aferir adequada e completamente da conveniência da suspensão, pois ainda nem o objeto do processo está definido.
151. Acresce que a suspensão sub judice não é suscetível de agilizar a ação.
152. Decidiu-se uma suspensão com alegados benefícios reduzidos e assentes numa dupla hipótese improvável, mas com prejuízos para o processo e para os direitos dos lesados que são certos, enormes e desproporcionais.
153. Sendo impossível que resulte do trânsito em julgado da decisão de public enforcement a prova de qualquer facto respeitante à causalidade ou aos danos, não se pode justificar aguardar por aquela para decidir nesta ação a prova dos danos e causalidade. A suspensão meramente atrasa esta prova.
154. Suspender desde já a presente ação durante anos, com todos os efeitos negativos que tal tem para o processo e para os direitos dos lesados, apenas para dar às Rés a opção de não se pronunciarem sobre os factos da ilicitude, não é no interesse do processo, mas sim de algumas Rés, as que preferem atrasar o desfecho da presente ação popular.
155. Como o Tribunal a quo não decidirá sobre a aplicabilidade do artigo 7.º do LPE antes da apresentação das contestações, as Rés redigi-las-ão sempre com incerteza sobre se a decisão (se vier a existir) será considerada vinculativa ou não. Várias já informaram que entendem que não será vinculativa. E mesmo que aceitassem algum efeito vinculativo, sempre quererão discutir a extensão do âmbito desse efeito. Ou seja, é uma ficção, contraditada por declarações de várias Rés e pela experiência e bom senso, que aguardar para saber se haverá uma decisão de public enforcement transitada em julgado permitirá a apresentação de Contestações mais sucintas que não discutam os factos relativos ao ilícito. Mais, várias Rés já disseram expressamente que tal não terá impacto nas suas alegações sobre os factos em causa. As Rés impugnarão os factos ou não consoante aleguem sejam falsos ou verdadeiros. A existência de uma decisão vinculativa não pode ter qualquer impacto a esse nível.
156. A suspensão, declarada nesta fase, atrasa a Justiça em prejuízo dos interesses da própria Justiça e dos consumidores representados, arrisca tornar impossível ou excessivamente difícil a prova do ilícito, dos danos e da causalidade, bem como a distribuição com sucesso da indemnização aos lesados – uma preocupação especial no caso de uma ação popular que não parece ter sido ponderada –, e dá às Rés vários anos para prepararem a sua defesa, colocando-as numa posição favorecida, de desigualdade face à Autora, em violação do princípio da igualdade das partes. E isto acresce à assimetria informativa que já beneficia as Rés nos processos complexos de concorrência como o presente.
157. A suspensão neste momento não pode ser justificada com o dever dos tribunais de evitarem decisões de private enforcement contraditórias com decisões de public enforcement transitadas em julgado. Primeiro, porque o Tribunal ainda pode decidir que não tem tal obrigação. Segundo, porque, como é óbvio, não é necessário suspender uma ação follow-on antes da Contestação para se garantir que o Tribunal não virá, num futuro distante, a adotar uma decisão contraditória duma decisão transitada em julgado que poderá vir ou não a existir.
158. Também não colhe o argumento do despacho recorrido  sobre a necessidade de esclarecer a validade de prova recolhida no âmbito do processo de public enforcement. A validade de cópias de emails incluídas num processo contraordenacional não é suscetível de ter qualquer impacto sobre o direito de acesso de lesados numa ação de private enforcement a emails que já existiam e continuam a existir em arquivos informáticos independentemente daquele processo contraordenacional. O Tribunal aplicará os requisitos da LPE para determinar se deve ordenar a junção desses documentos aos autos. Acresce que, antes das Contestações, o Tribunal não pode ainda saber se será sequer necessária a produção de prova relativa a tais emails, nomeadamente porque os respetivos factos podem não ser impugnados.
159. A decisão recorrida torna impossível ou excessivamente difícil a indemnização de alguns dos consumidores representados na presente ação popular, uma vez que terá decorrido demasiado tempo para que a Justiça possa ser efetiva.
160. Caso o Venerando TRL não identifique no Despacho Recorrido uma violação do princípio da efetividade, e/ou caso entenda que não pode, ao abrigo do direito nacional, controlar o exercício da discricionariedade na decisão sub judice, deverão ser submetidas ao TJUE as questões prejudiciais identificadas no ponto 1.8 das alegações.
161. A interpretação das normas nacionais aplicáveis que obrigue o Autor de uma ação de indemnização a aguardar vários anos sobre a propositura da ação e muitos mais anos ainda sobre a prática dos atos lesivos para iniciar a respetiva tramitação, e só posteriormente dar inicio à recolha de prova na posse das Rés e de terceiros acerca da existência da infração, danos e causalidade, tornando-se assim essa prova impossível ou excessivamente difícil, viola o artigo 20.º da CRP, o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE.
162. É inconstitucional, por violar o artigo 20.º da CRP e o princípio da tutela jurisdicional efetiva, bem como o artigo 6.º da CEDH, a interpretação normativa do artigo 272.º do CPC segundo a qual, em ações de indemnização em que a prova dos requisitos da responsabilidade civil depende do acesso a meios de prova na posse dos lesantes e/ou de terceiros, é possível suspender a instância por “motivo justificado” durante um período que, de acordo com as regras da experiência comum, ascenderá a vários anos, sem adoção de medidas de produção antecipada ou de preservação de prova e sem se aferir, no caso concreto, se tal tornará impossível ou excessivamente difícil a prova dos requisitos da responsabilidade civil.
163. É inconstitucional, por violar os artigos 52.º(3)(a) e 60.º(3) da CRP, a interpretação normativa do artigo 272.º do CPC segundo a qual, em ações populares de indemnização em que a prova dos requisitos da responsabilidade civil depende do acesso a meios de prova na posse dos lesantes e/ou de terceiros, é possível suspender a ação popular por “motivo justificado” durante um período que, de acordo com as regras da experiência comum, ascenderá a muitos anos, sem adoção de medidas de produção antecipada ou de preservação de prova e sem se aferir, no caso concreto, se tal tornará impossível ou excessivamente difícil a prova dos requisitos da responsabilidade civil no âmbito da ação popular.

BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL respondeu ao recurso referido, apresentando as seguintes alegações:
    A. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal a quo que, por Despacho de 9/5/2024 (“Despacho”), determinou a suspensão da instância “até à definitividade da sentença a proferir ou proferida no processo n.º …/….4YUSTR-W, que corre termos no J1 deste TCRS”, por entender existir uma interação entre aquele processo e a presente ação de private enforcement constitutiva de um motivo justificado ao abrigo do art. 272º, nº 2 do CPC. 
B. De acordo com os arts. 152º, nº 4 e 630º, nº 1 do CPC, apenas cabe ao Tribunal ad quem apenas sindicar a existência de motivo justificado para a suspensão da instância. Todas as restantes extrapolações da Autora relacionadas com a oportunidade, conveniência ou adequação dessa decisão são insindicáveis pelo tribunal de recurso, uma vez que se integram na margem de discricionariedade do Tribunal a quo.
C. A Autora afirma que o presente recurso tem efeito suspensivo (capítulo 1.3), sem fundamentar minimamente essa afirmação, invocar uma das situações previstas no art. 647.º, nº 3 ou requerer a atribuição de efeito suspensivo – sendo que o Tribunal não se pode substituir à Autora no incumprimento desse ónus de prova e alegação. Consequentemente, é manifesto que o recurso tem efeito meramente devolutivo.
D. A Autora alega que o Despacho é nulo “por contradição” (sic). Apesar de a Autora não invocar qualquer norma para suportar a arguição de nulidade, supõe-se que pretende referir-se ao art. 615º, nº 1, al. c) do CPC. Manifestamente, não se verifica qualquer nulidade por oposição entre a fundamentação e a decisão nem ambiguidade ou obscuridade da fundamentação. Deve, por isso, ser indeferida a arguição de nulidade.
E. Ao contrário do alegado pela Autora, são vários os motivos que justificam a suspensão da instância à luz do art. 272º, nº 1, segunda parte, do CPC.
F. Em primeiro lugar, tendo em conta a configuração que dada pela Autora à ação, a suspensão da instância permitirá uma agilização da ação e a prevenção da realização de inúmeros atos inúteis e, por isso, proibidos à luz do art. 130º do CPC.
G. Em segundo lugar, a apreciação de todas as soluções plausíveis de direito, incluindo a sustentada pela Autora (i.e. vinculação do Tribunal a quo ao que vier a ser decidido no processo de public enforcement), depende do trânsito em julgado da Decisão da AdC.
H. Em terceiro ligar, a suspensão da instância até à definitividade da Decisão da AdC clarificará a prova admissível na presente ação, por esclarecer se a mesma constitui prova proibida, como alegado por diversas Rés.
I. Por tudo o exposto, afigura-se justificada a suspensão da instância.
J. Por outro lado, ao contrário do alegado pela Autora, nada impede o Tribunal de suspender a instância na pendência de prazo para contestar. Em especial, não há qualquer norma que estabeleça tal limitação (sendo que deverá ocorrer o mais cedo possível), e essa suspensão não prejudica os direitos das partes nem o princípio da igualdade (estando a Autora a preparar esta ação há vários anos).
K. Por fim, o Despacho não viola o princípio da efetividade nem o direito dos autores populares a uma tutela judicial efetiva. A suspensão da instância até à definitividade da Decisão da AdC possibilitará uma limitação dos recursos das partes e do Tribunal aos atos necessários ou úteis à decisão da causa, em benefício de todos, incluindo os autores populares. Por outro lado, o cenário pretendido pela Autora com estas alegações (i.e., o prosseguimento da ação como ação de stand alone até que a Decisão da AdC viesse a transitar em julgado) não tornaria esta ação menos morosa.
L. Nas suas alegações, a Autora requer, subsidiariamente, o reenvio para o TJUE de várias questões prejudiciais. Este pedido está condicionado à hipótese em que o Tribunal ad quem conclui que a decisão recorrida não viola o princípio da efetividade ou, em alternativa, que não pode sindicar se existe essa violação. Nenhum desses cenários admite o reenvio.
M. Por um lado, a argumentação da Autora a respeito da fase processual em que o processo se encontra, bem como do alegado prejuízo dos interesses dos lesados, já foi ponderada pelo Tribunal a quo e encontra-se abrangida na sua margem de discricionariedade. Nessa medida, essa matéria é insindicável pelo tribunal de recurso e, consequentemente, não é passível de reenvio prejudicial por esse tribunal.
N. Por outro lado, se o Tribunal ad quem concluir que a decisão recorrida não viola o princípio da efetividade, então não haverá qualquer questão a dirigir ao TJUE, por inexistir qualquer dúvida interpretativa pendente de clarificação por esse tribunal. Nessa medida, deverá o pedido de reenvio ser integralmente indeferido.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá:
          (i) A arguição de nulidade do Despacho ser indeferida;
          (ii) O pedido de reenvio prejudicial ser indeferido;
          (iii) O presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, confirmado o Despacho a quo.

Também o BANCO BPI, S.A. respondeu às alegações de impugnação judicial concluindo:
A. O Despacho Recorrido, que determinou a suspensão da instância por motivo justificado, foi proferido no uso legal de um poder discricionário, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, parte final, do CPC.
B. Por força do disposto no artigo 630.º, n.º 1, do CPC, o Despacho Recorrido não é passível de recurso, o que determina a inadmissibilidade do recurso interposto pela Recorrente.
C. A irrecorribilidade da decisão de suspensão da instância proferida pelo Tribunal a quo não é incompatível com a previsão do artigo 644.º, n.º 2, alínea c), do CPC, na medida em que esta previsão se refere a outros fundamentos de suspensão da instância previstos no artigo 270.º do CPC, excluindo-se o fundamento previsto no artigo 272.º, n.º 1, parte final, do CPC (o fundamento adotado pelo Tribunal a quo).
D. Ainda que o recurso interposto pela Recorrente fosse admissível, não se encontram verificados os casos de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação previstos no artigo 647.º, n.º 3, do CPC.
E. O requerimento de recurso é omisso quanto à alegação de quaisquer factos que pudessem fundamentar a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, o que impede que essa atribuição ocorra por via do disposto no artigo 647.º, n.º 4, do CPC. 
F. O recurso interposto pela Recorrente deve ter efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 647.º, n.º 1, do CPC.
G. Não se verifica o fundamento de nulidade do Despacho Recorrido invocado pela Recorrente, uma vez que a ponderação dos efeitos decorrentes da eventual aplicação da presunção de ilicitude prevista no artigo 7.º, n.º 1, da Lei do Private Enforcement decorre da circunstância de essa hipótese ser suscitada pela Recorrente na Petição Inicial, devendo, por isso, ser ponderada pelo Tribunal a quo enquanto solução plausível de direito.
H. Não existe qualquer conflito ou contradição entre a ponderação (sem decisão) de uma solução hipotética e plausível de direito, decorrente da alegação de uma das partes, e uma atuação preventiva do Tribunal a quo em relação a atos processuais que possam tornar-se inúteis à luz daquela solução.
I. Nos termos em que foi conformado (em exclusivo) pela Recorrente, o presente processo apenas assume a feição de ação stand-alone se e na medida em que não venha a existir no processo de public enforcement uma decisão final e definitiva que declare a existência de uma infração praticada pelos Réus – caso em que a ação passaria a ser follow-on (nos termos projetados pela Recorrente).
J. Decorre da conformação dada ao presente processo a existência de uma relação de interdependência processual entre a presente ação de private enforcement e o processo de public enforcement atualmente em curso, na medida em que o julgamento (e a decisão definitiva) da ação de public enforcement é substancialmente relevante para a decisão da presente ação.
K.  A relação de interdependência entre o presente processo e o processo de public enforcement, por si só, justifica a suspensão da instância até à decisão definitiva do processo de public enforcement, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 (2.ª parte) do CPC.
L. Justifica-se a suspensão da instância na atual fase do processo, uma vez que a suspensão em momento posterior ao das contestações – conforme pretende (sem razão) a Recorrente – levaria a uma duplicação dos momentos previstos para o contraditório, face à futura necessidade de contraditório quando a decisão final e definitiva fosse proferida no processo de public enforcement, com consequente prejuízo para a economia processual dos autos.
M. A lei não estabelece qualquer limitação quanto ao momento em que pode ser decidida a suspensão da instância, o que significa que o juiz pode decidir pela suspensão do processo em qualquer altura após a propositura da ação, logo que entenda que existe um motivo justificado para o efeito.
N. A suspensão da instância não prejudica a possibilidade de as partes confessarem ou transigiram, nem a possibilidade de o Tribunal a quo tomar conhecimento de tal atuação, nos termos do artigo 275.º, n.º 1, do CPC.
O. A decisão de suspensão da instância não depende de decisão do Tribunal a quo relativamente à aplicabilidade do artigo 7.º, n.º 1, da Lei do Private Enforcement à presente ação, considerando, nomeadamente, que não existe, ainda, decisão definitiva no âmbito do processo de public enforcement que suscite a eventual aplicação daquela disposição.
P. Os argumentos da Recorrente relativamente ao tempo estimado de duração do processo de public enforcement não têm cabimento à luz das regras da experiência sobre o funcionamento dos tribunais e à luz do quadro processual aplicável àquele processo, pelo que não permitem inviabilizar o Despacho Recorrido.
Q. A Recorrente não apresenta qualquer fundamento que demonstre que a suspensão do presente processo tornaria impossível ou excessivamente difícil o exercício do alegado direito de indemnização em causa nos autos, pelo que deve improceder este fundamento de recurso.
R. A prova requerida no ponto D) do requerimento probatório da Petição Inicial não se distingue dos ficheiros de correio eletrónico apreendidos pela AdC nas instalações das Visadas no âmbito do processo de pubic enforcement e que são utilizados para fundamentar a Decisão da AdC e a Sentença que constam daquele processo, o que significa que estão em causa os mesmos meios de prova.
S.  A prova apreendida no processo de public enforcement, caso seja declarada nula – nomeadamente, por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 4, da CRP –, determinará necessariamente a nulidade das provas que se tornaram possíveis por força daquela.
T. A declaração de nulidade da prova apreendida no processo de public enforcement, inviabilizará a utilização dessa prova no âmbito dos presentes autos, mesmo que por via do requerido no ponto D) do requerimento probatório da Petição Inicial.
U. Os factos alegados pela Recorrente relativamente à eventual duração do processo de pubic enforcement não têm qualquer sustentação e não permitem demonstrar a existência de uma violação dos princípios de Direito da União Europeia.
V. A suspensão do processo nesta fase não causa qualquer impossibilidade ou dificuldade na prova do alegado ilícito, na medida em que os elementos que a Recorrente pretende utilizar para efetuar essa prova se encontram já preservados no âmbito do processo de public enforcement, nem dificulta ou torna menos provável a obtenção de dados relevantes para a posição da Recorrente.
W. O Despacho Recorrido não contende com o previsto no artigo 20.º da CRP, na medida em que não prejudica a possibilidade de os representados pela Recorrente verem solucionados o presente litígio por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e em face do qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista.
X. A suspensão dos presentes autos, dada a sua complexidade e a necessidade de garantir a coerência entre as regras aplicadas em ações de private enforcement e as regras aplicadas em ações de public enforcement, está em conformidade com os princípios de acesso à justiça, tal como estabelecidos na CRP, CEDH e CDFUE.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deverão V. Exas:
          (a) Rejeitar o recurso apresentado pela IUS OMNIBUS, por processualmente inadmissível; caso assim não se entenda,
          (b) Atribuir ao recurso apresentado pela IUS OMNIBUS efeito meramente devolutivo; e, neste caso,
          (c) Julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pela IUS OMNIBUS, com as legais consequências.

De forma idêntica, o BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. contra-alegou concluindo:
Introdução.
A. O presente recurso que ora se contra-alega tem por objecto o douto Despacho datado de 09.05.2024, por meio do qual o Tribunal a quo decretou a suspensão da instância da presente acção de private enforcement do direito da concorrência, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC, até à definitividade da sentença proferida ou a proferir no processo de public enforcement no qual a RECORRENTE assenta o seu pedido, e que corre os seus termos, em fase de recurso, sob o n.º …/….4YUSTR-W.
B. Suspensão essa que foi correctamente decidida, porquanto, como o Tribunal a quo esclarece no Despacho recorrido, se funda na inequívoca interacção entre as duas acções, mas com a qual a RECORRENTE não se conforma.
C. Assim, alega a RECORRENTE (i) que o Despacho em crise enferma de nulidade por contradição, (ii) que a suspensão da instância não pode ser decretada na fase em que os autos se encontram, (iii) que não se verifica um motivo justificado para suspender o processo, e ainda, (iv) que o Despacho recorrido viola o princípio da efectividade do direito europeu e do direito constitucional.
D. Sucede, porém, que tais argumentos não podem ser conhecidos por este Venerando Tribunal, pois que é irrecorrível o Despacho em causa.
E. Ao que acresce, que ainda que assim não fosse – o que não se concede, e por mera cautela de patrocínio se equaciona –, sempre estariam condenados à total improcedência, antes se impondo a manutenção integral do Despacho recorrido.
Da irrecorribilidade do despacho e do efeito do recurso.
F. O Despacho recorrido funda-se na verificação de outro motivo justificado, que não a prejudicialidade, para a suspensão da instância nos presentes autos, tendo sido proferido no exercício de um poder discricionário, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 4, e 272.º, n.º 1, in fine, do CPC.
G. Poder esse que, contrariamente ao alegado pela RECORRENTE, com a mera pretensão de obter a reapreciação da verificação de um motivo justificado para a decisão de suspensão da instância, não foi exercido, em qualquer medida, para além dos limites da discricionariedade, nem tampouco em violação das normas do Direito Europeu e do Direito Constitucional relativas ao direito ao recurso efectivo, à tutela jurisdicional efectiva e ao exercício do direito de acção popular.
H. Por conseguinte, como expressamente o estatui o artigo 630.º, n.º 1, do CPC, o Despacho recorrido é irrecorrível, pelo que deve o recurso interposto ser indeferido, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 630.º, n.º 1, in fine, e 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
I. Adicionalmente, cumpre salvaguardar que, ainda que assim não se considerasse, sempre teria o recurso interposto efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 647.º, n.ºs 1 e 3, a contrario, do CPC.
Da alegada nulidade do Despacho recorrido.
J. Sem prejuízo do exposto, é manifestamente improcedente a alegação da RECORRENTE de que o Despacho recorrido enferma de nulidade por contradição, fundando-se a mesma numa deturpação do verdadeiro sentido da decisão recorrida, que não poderá ser acolhida.
K. O Tribunal a quo fundamenta expressamente a sua decisão no dever a que está adstrito de assegurar uma coerente interação entre as ações de private e public enforcement e de evitar decisões contraditórias.
L. O que se coaduna, em absoluto, com a ratio do preceituado no artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC, que se prende com razões de gestão e economia processual e de coerência de julgamentos.
M. O aludido dever não se esgota, evidentemente, na eventualidade de vir a ser aplicado, ou não, ao caso dos autos o artigo 7.º da LPE ou os artigos 623.º ou 624.º do CPC.
N. O que não cabe, em absoluto, por ora decidir, mas sempre cumpria, como bem o fez o Tribunal a quo, sem incorrer em qualquer contradição, desde já equacionar.
Do mérito da decisão de suspensão da instância.
O. Alega ainda a RECORRENTE que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, primeiramente, por considerar que a suspensão da instância não pode ser declarada antes da apresentação das contestações.
P. Tal suposto impedimento não é, sequer, juridicamente fundamentado pela RECORRENTE, e carece de base legal, não merecendo provimento as demais considerações realizadas a este respeito pela RECORRENTE.
Q. Com efeito, é por demais evidente, atenta a posição adotada pelos Réus no processo n.º …/….4YUSTR-W, que os mesmos pretendem contestar a presente acção.
R. Por outro lado, a suspensão decretada não obsta, obviamente, à eventual celebração de acordos de transação entre as partes.
S. E da mesma não resulta qualquer perigo para a preservação da prova, como o alega a RECORRENTE, existindo mecanismos que, no ordenamento jurídico português, lhe permitem precisamente zelar pela preservação da prova que pretenda produzir nestes autos.
T. Carece igualmente de sentido a intenção da RECORRENTE de que seja, desde já, e à cautela, produzida prova nos presentes autos sobre os requisitos da responsabilidade civil do dano e da causalidade, sem que primeiramente seja demonstrado o precedente requisito da ilicitude, i.e., a existência de uma infracção, que está também, e ainda, a ser discutida no processo n.º …/….4YUSTR-W, sem decisão definitiva.
U. Bem andou o Tribunal a a quo em fazer assentar na manifesta conexão entre os dois processos, de public e private enforcement - que a própria RECORRENTE, note-se, por diversas vezes enfatiza na sua Petição Inicial - o motivo justificado para suspender a instância.
V. Pois que, da mesma resulta o iminente risco de haver contraditoriedade de decisões na apreciação dos mesmos factos e do seu carácter lícito ou ilícito.
W. O que, contraria flagrantemente o propósito geral que enforma o Direito Processual Civil de evitar a prolação de decisões contraditórias, e bem assim, a já referida ratio do artigo 272.º, n.º 1, do CPC.
X. Mais cumpre notar que, como o Tribunal a quo equacionou, tal risco pode ser agravado, em larga medida, pelo impacto que, em abstrato, e atenta a eventualidade de se ter por aplicável, in casu, o artigo 7.º da LPE – o que se rejeita e não cumpre, por ora decidir, mas foi expressamente alegado pela RECORRENTE -, o desfecho do processo …/….4YUSTR-W poderá ter na tramitação dos presentes autos.
Y. Em concreto, no âmbito da produção de prova, bem como, no exercício do direito de defesa das Rés, em especial, nas suas Contestações.
Z. Isto é, a decisão de suspender a instância permite evitar o risco de serem praticados (muitos) atos processuais que se poderiam vir a revelar total ou parcialmente inúteis para o desfecho da presente lide, em conformidade com os princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis.
AA. É, pois, inequívoco que não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo de decretar, desde já, a suspensão da instância, em pleno respeito do poder que lhe é conferido pelo artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC.
BB. Conclusão essa que, aliás, foi já a da RECORRENTE, em outros processos muito similares ao dos presentes autos, como a própria concede.
CC. E que agora se vê contrariada somente por a RECORRENTE não se conformar com o facto de, no caso vertente, da mesma resultar, em termos práticos, um maior período de tempo para que os Réus venham a exercer o seu direito de defesa - o que não pode, em absoluto, ter acolhimento.
Da alegada violação do princípio da efectividade do Direito da União Europeia e do Direito Constitucional.
DD. O direito da União Europeia reconhece a necessidade de indemnizar as vítimas de infracções jus-concorrenciais, pelo menos desde o acórdão Courage-Crehan, de 20 de Setembro de 2001 (proc. C-453/99).
EE. Contudo, na ausência de norma de direito da União Europeia na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito da União Europeia (como é o caso do direito dos lesados serem indemnizados), desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União Europeia (princípio da efectividade).
FF. Na falta ou em caso de inaplicação de normas de direito da União, as acções de indemnização são regidas pelas regras e pelos processos nacionais dos Estados membros (no mesmo sentido, Diretiva 2014/104/UE, de 26.11.2014).
GG. Não pode haver uma absolutização do princípio da efectividade, pois este actua no quadro de um feixe de princípios fundamentais de Direito da União, como os princípios do efeito directo e do primado, por um lado, e os princípios da autonomia processual e da segurança jurídica, por outro: o papel do intérprete consiste em encontrar um equilíbrio entre tais princípios, sem que exista uma apriorística hierarquização ou uma absoluta prevalência de uns sobre os outros.
HH. A decisão de suspensão do presente processo foi adoptada ao abrigo do princípio da autonomia processual dos Estados membros, por ser essa a solução que melhor assegura quer o respeito pelo princípio da efectividade quer a interacção coerente entre as regras aplicáveis às acções de indemnização (private enforcement) e as regras aplicáveis às acções por infracção ao direito da concorrência (public enforcement), assim se evitando decisões contraditórias entre ambos os corpos de normas.
II. O Despacho Recorrido atinge o objectivo de a causa ser apreciada e julgada num prazo razoável (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE)), ao evitar a duração excessiva do presente processo na medida em que “premeia a economia processual e evita a eventual prática de actos inúteis, proibidos por lei (artigo 130.º CPC)” (Despacho recorrido, p. 14).
JJ. Pelo contrário, a solução propugnada pela RECORRENTE iria contribuir para uma maior duração do processo, ao interferir com a produção de prova em sede de julgamento e ao não evitar a apresentação de contestações, sem a prévia estabilização de aspectos essenciais.
KK. O Despacho recorrido refere que, de acordo com o que vier a ser a decisão a proferir em sede dos autos de contra-ordenação, são várias as soluções plausíveis de direito, o que sempre “influenciará não apenas as próprias contestações a ser apresentadas pelas Rés, como também necessariamente a selecção dos temas de prova e a própria decisão sobre o mérito da causa” (despacho recorrido, p. 11).
LL. O presente processo de private enforcement só agora foi iniciado e ainda não decorreu o prazo para a apresentação de contestações; mas em contrapartida, o processo n.º …/….4YUSTR-W de public enforcement já se mostra bastante avançado: (i) está iminente a prolação do Acórdão do Tribunal de Justiça, que ocorrerá já a 29.7.2024 (proc. C-298/22) em sede de reenvio prejudicial; e (ii) o TCRS, na sua Sentença de 28.4.2022, já decidiu quanto à factualidade.
MM. Mesmo que assim não fosse, a celeridade não é uma imposição absoluta, havendo desde logo de compatibilizá-la com as garantias de defesa e as exigências decorrentes de um processo justo e equitativo que permita a averiguação da verdade material e uma decisão ponderada; e sem que tal implique a falta de um julgamento em prazo razoável.
NN. O alegado atraso do presente processo deve-se à RECORRENTE, que poderia intentar a sua acção popular, pelo menos a partir de Setembro de 2019, logo após a decisão da AdC no processo de contra-ordenação n.º PRC/2012/9, de 9.9.2019, em vez de ter demorado quase cinco anos a propor a acção.
OO. Não se pode imputar ao Estado português e aos seus tribunais as demoras de que são responsáveis entidades privadas, como é o caso da RECORRENTE.
PP. O prosseguimento dos autos como propugna a RECORRENTE – com a realização de actos inúteis, o desrespeito pela economia processual e a possibilidade de contradição de julgamentos –, é que iria contribuir para uma duração excessiva e desrazoável do presente processo, em violação dos artigos 20.º da CRP, 6.º, n.º 1, da CEDH e 47.º da Carta.
QQ. Não é verdade que “entretanto perdem-se documentos e memórias e impossibilita-se a prova dos ilícitos, danos e causalidade relativamente à infracção” (Alegações, §13, nosso realce).
RR. Sendo indisputado pela RECORRENTE que no processo de public enforcement não está ainda “cristalizada a validade dessa prova” (despacho recorrido), a mesma não pode ser utilizada e/ou valorada no âmbito do presente processo judicial, sob pena de violação do princípio da legalidade da prova, o qual constitui manifestação do direito a um processo equitativo (artigo 6.º, n.º 1, da CEDH).
SS. Não há uma violação da exigência da duração razoável do processo, atendendo à elevada complexidade das questões de facto e de direito designadamente os factores indicados na jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH): o número de rés, o elevado número de testemunhas e de especialistas, o volume de provas a obter e a ser examinado, a ausência de precedentes, a intrínseca dificuldade das questões jurídicas envolvidas, a eventual necessidade de eventual reenvio prejudicial.
TT. A existir morosidade adicional (no que não se concede), a mesma sempre encontraria explicação na extraordinária complexidade do processo e, bem assim, na indispensabilidade em impedir decisões contraditórias e/ou a prática de actos processuais inúteis.
UU. Conclui-se que o despacho recorrido cumpre com o estipulado na CEDH, na Carta e não padece de qualquer inconstitucionalidade material por violação do artigo 20.º da CRP e do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
VV. Considerando os quase 5 anos que a Autora dispôs para preparar a sua acção popular e os vastíssimos recursos financeiros que possui para a financiar, a solução do despacho recorrido é a que melhor acautela a tutela jurisdicional efectiva da RÉ, designadamente o cabal exercício do seu direito de defesa, bem como o seu direito a um processo equitativo e de igualdade de armas, consagrado nos artigos 20.º, n.º 4 da CRP e 6.º, n.º 1, da CEDH, e ao princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo).
WW. Donde, deve o Recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, o douto Despacho recorrido.
Da desnecessidade do pedido de reenvio prejudicial.
XX. A RECORRENTE argumenta que o despacho recorrido tem como consequência que a acção de indemnização terá de aguardar vários anos para que seja tramitada, mas contraditoriamente, propõe ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que efectue um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, o que sempre causaria um atraso adicional do presente processo.
YY. Contudo, não há qualquer causa ou questão de direito da União que justifique novos actos processuais que justifiquem a utilização do mecanismo de reenvio prejudicial a que se refere o artigo 267.º do TFUE.
ZZ. Sobre as questões que a RECORRENTE propõe, basta constatar que o douto Despacho recorrido é conforme aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da efectividade.
AAA. Não há qualquer violação da CRP, da CEDH ou da Carta, porquanto o legislador pode estabelecer limites processuais, que sejam proporcionais e razoáveis, no que respeita à recorribilidade das decisões judiciais, dado que o direito a um processo justo e equitativo não impõe um direito geral ao recurso em relação a toda e qualquer decisão judicial.
BBB. O despacho recorrido aplicou as normas processuais civis, à luz da autonomia processual dos Estados membros, em que o respeito pelo princípio da efectividade atinge-se pela suspensão dos presentes autos e não pelo seu prosseguimento.
CCC. Inversamente, constata-se que não se está diante de um reenvio prejudicial respeitante às normas do direito substantivo da concorrência da União, originário ou derivado, mas de normas respeitantes ao direito processual do Estado português.
DDD. Não existe, sequer, em concreto uma qualquer questão que tenha suscitado ao Tribunal nacional dúvidas de interpretação ou aplicação à luz do Tratado (em especial, do seu artigo 101.º, n.º 1, do TFUE).
EEE. Estamos por isso muito para lá da jurisprudência que consagra a conhecida teoria do acto claro (acórdãos CILFIT, proc. C-283/81, EU:C:1982:335 ou, mais recentemente, de 6.10.2021, Consorzio Italia Management, proc. C-561/19, EU:C:2021:799), pois mesmo nestes casos haveria uma norma europeia a interpretar, o que aqui de todo falta.
FFF. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo previsto no artigo 267.º TFUE este também não é competente para interpretar e, muito menos, para apreciar a “legalidade” do direito nacional, sendo esta tarefa da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio (Acórdão do Tribunal de Justiça de 1.12.1965, Dekker, proc. C-33/65, EU:C:1965:118).
GGG. Mesmo que se entendesse que estava em causa um direito fundamental consagrado na Carta, nomeadamente, o direito de acção estabelecido no artigo 47.º (que não está), enquanto garantia do direito ao recurso, a verdade é que tal não teria aplicação ao caso em apreço: “No que diz respeito aos reenvios prejudiciais que têm por objeto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, importa recordar que, segundo o seu artigo 51.º, n.º 1, as disposições da Carta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União. Embora as hipóteses em que essa aplicação está em causa possam ser diversas, é, no entanto, necessário que resulte de forma clara e inequívoca do pedido de decisão prejudicial que, no processo principal, é aplicável uma regra de direito da União diferente da Carta. Na medida em que o Tribunal de Justiça não é competente para conhecer de um pedido de decisão prejudicial quando uma situação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições da Carta eventualmente invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não podem, por si só, fundar essa competência” (Tribunal de Justiça, Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais – JO, C 380, de 8.11.2019, ponto 10, nosso realce).
HHH. Para o STJ, “carece, assim, de fundamento qualquer pedido de reenvio prejudicial ao abrigo da Carta dos Direitos Fundamentais da UE quando está em causa a aplicação de normas do CPC que disciplinam o regime dos recursos (…) e que não têm qualquer relação com o Direito da União Europeia” (Acórdão do STJ de 26.4.2023, ponto 20).
III. Demonstrado que está o respeito pelos princípios da equivalência e da efectividade, então deve aplicar-se plenamente o princípio de autonomia processual dos Estados membros, em que a decisão de ordenar a suspensão da instância por questões de conveniência processual é apreciada no quadro dos artigos 272.º e 276.º do CPC e, bem assim, da proibição da prática de actos inúteis (artigo 130.º do CPC).
JJJ. As referidas normas do CPC não constituem normas previstas dos Tratados, nem são actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia; e também não correspondem a qualquer transposição para o Direito nacional de diploma emanado pelas instituições da União Europeia.
KKK. Por tudo o supra exposto, conclui-se que não será necessário ou útil – mais, que seria desprovido de objecto – um eventual reenvio ao Tribunal de Justiça, nos termos propostos pela RECORRENTE.
LLL. Acaso o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entenda, contrariamente ao propugnado, que deve ser feito um reenvio prejudicial, então requer-se respeitosamente, a título subsidiário, que seja colocada ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:  Enquanto derrogação do princípio da autonomia processual dos Estados membros, o direito da União Europeia (em particular, o artigo 101.º, n.º 1, TFUE e o princípio da efectividade) opõe-se a normas processuais nacionais que determinem ou permitem a suspensão do processo de acção de private enforcement do direito da concorrência até que seja definitivamente julgado o processo de public enforcement, tendo em consideração que: (i) a acção popular é integralmente baseada na decisão da Autoridade da Concorrência; (ii) o processo de public enforcement encontra-se em fase muito adiantada, mas não existe ainda uma decisão judicial transitada em julgado; (iii) só assim se assegura a interacção coerente entre as regras aplicáveis às acções de indemnização (private enforcement) e as regras aplicáveis às acções por infracção ao direito da concorrência (public enforcement); (iv) evitam-se decisões judiciais contraditórias entre ambos os corpos de normas de public e private enforcement; (v) atinge-se a economia processual e um desfecho mais célere do processo de private enforcement; (vi) a preservação da prova que a Recorrente pretenda produzir nestes autos não é afectada; (vii) acautela-se o exercício do direito de defesa das Rés; (viii) a Autora contribuiu para o atraso do presente processo, ao ter demorado mais de 4 anos e 4 meses a intentar a sua acção popular desde a prolação da decisão da AdC?
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve:
          a) O recurso interposto pela RECORRENTE ser indeferido, atenta a irrecorribilidade do Despacho que determinou a suspensão da instância; Subsidiariamente,
          b) O recurso interposto pela RECORRENTE ser julgado integralmente improcedente, confirmando-se na íntegra o Douto Despacho recorrido;
          c) A proposta de reenvio prejudicial apresentada pela RECORRENTE ser indeferida ou, subsidiariamente e assim não se entendendo, que seja colocada a questão formulada pela ora RECORRIDA.

Também a Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., respondeu ao recurso concluindo:
Do objeto e admissibilidade do recurso
A. Nos termos do artigo 630.º, n.º 1 do CPC, “não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário”.
B. O despacho recorrido sublinha expressamente o cariz discricionário da decisão de suspensão ora em crise, citando, inclusivamente, jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa num processo de características semelhantes ao que está em causa nos autos, em que é expressamente qualificada como discricionária uma decisão de suspensão da instância como a adotada nestes autos, ao abrigo da parte final do referido n.º 1 do artigo 272.º do CPC (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2023, proferido no âmbito do processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS, Relatora: Desembargadora Paula Pott, melhor identificado no texto das alegações).
C. A aqui Recorrente é também Autora no referido processo n.º 20/20.9YQSTR, tendo-se aí pronunciado quanto à referida decisão de suspensão da instância (i) não se opondo à mesma e (ii) sustentando a irrecorribilidade do despacho que a determinou (cfr. requerimento da Recorrente no referido processo de 02.06.2022 citado no texto das alegações).
D. A regra do CPC é a de que os recursos têm efeito meramente devolutivo, a não ser que o Recorrente se ofereça para prestar caução (o que em momento algum aqui sucede).
E. Para além da referência feita no cabeçalho das alegações, o texto das mesmas não faz qualquer outra referência à atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ou procura minimamente sustentar essa atribuição, não se antecipando que a fixação de efeito devolutivo ao recurso cause particular demora ao processo ou quaisquer prejuízos aos consumidores, pelo que deve ser fixado efeito devolutivo ao mesmo.
Da suposta nulidade do despacho recorrido por contradição
F. Não há qualquer contradição no facto de, por um lado, o despacho recorrido não tomar posição quanto à aplicabilidade ou não do artigo 7.º, n.º 1 da LPE, e, pelo outro lado, ainda assim, entender que a decisão do processo regulatório em que se discutem as supostas infrações ao direito da concorrência em causa na presente ação cível pode ajudar a clarifica[r], também do ponto de vista do Direito, a alegada conduta anti-concorrencial”, como resulta claro do segmento seguinte do despacho recorrido, que expressamente refere que a relação entre o que se discute num e noutro processo, e, por conseguinte, o interesse na suspensão, se mantém independentemente de o artigo 7.º, n.º 1 da LPE se aplicar ou não, citando, inclusivamente, jurisprudência do Tribunal da Relação nesse sentido (no caso, o já referido acórdão de 20.02.2023, melhor citado nas alegações).
Da decisão de suspensão da instância
G. Os nossos Tribunais superiores têm entendido que a“necessidade de assegurar a interação coerente” entre os processos de natureza contra-ordenacional e cível é “motivo justificado” para a suspensão da instância nas ações populares cíveis, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, posição essa com que a Recorrente tem concordado, em particular nos ditos processos Super Bock e EDP (cfr. ponto 4 das alegações sob resposta; cfr. ainda o já referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2023, no âmbito do processo n.º 20/20.9YQSTR.L1-PICRS (Processo Super Bock) e o acórdão do STJ de 14.09.2023, processo nº 18/21.0YQSTR.L1.S1, ambos melhor citados no texto das alegações).
H. À luz dos fundamentos da referida jurisprudência, a decisão de suspensão da instância nada tem a ver com a fase processual em que a mesma é decretada, não existindo um momento processual próprio para se aferir da existência de justificação para a referida suspensão da instância, devendo a mesma ser decretada assim que o Tribunal apreciar a questão e considerar que se verificam razões justificativas para o efeito.
I. Depõem nesse sentido não só o princípio da economia processual mas também a garantia constitucional de um processo equitativo e mesmo o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, à luz dos quais nada justificaria que se impusesse aos Réus a apresentação da contestação no curto prazo de que dispõem e num quadro processual instável para depois se determinar a suspensão da instância.
J. Não assiste também razão à Recorrente quando pretende que antes da apresentação da Contestação o objeto do processo não está definitivamente fixado, não sendo possível aferir da conveniência da suspensão, porquanto a regra no processo civil é a de que o objeto do processo é primordialmente definido pelo pedido e pela causa de pedir tal como apresentados pelo Autor, sendo as alterações ao mesmo excecionais e limitadas, em linha com o princípio da estabilidade da instância.
K. Também não faz sentido que a Recorrente argumente que a instância não pode ser suspensa antes de serem tomadas decisões quanto aos meios de prova, sob pena de o direito à prova poder ficar irremediavelmente afetado, porquanto o artigo 275.º do CPC prevê expressamente que, na pendência da suspensão, e verificados os pressupostos legais, possam praticar-se validamente atos urgentes destinados a prevenir dano irreparável.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Da mesma forma, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. contra-alegou não tendo apresentado conclusões não havendo, consequentemente, nada aqui a transcrever em tal âmbito. Concluiu, no entanto, pugnando no sentido de dever:
a) Ser rejeitado o recurso interposto pela IUS OMNIBUS, por legalmente inadmissível;
e, caso o Tribunal entendesse em sentido oposto,
b) Ser atribuído ao recurso o efeito meramente devolutivo para, a final,
c) Ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências.

Também o BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. respondeu às alegações de recurso concluindo:
1. Nas suas alegações de recurso a Recorrente argumentou essencialmente que: (i) o Despacho é recorrível; (ii) o Despacho é nulo por contradição; (iii) os pressupostos para suspender a instância não se verificam; (iv) o juiz não podia proceder à suspensão da instância antes das contestações; e (v) a suspensão é contrária ao direito da UE e constitucional por violar os princípios da efetividade e da tutela jurisdicional efetiva.
2. No entanto, nenhuma das pretensões da Recorrente poderá proceder.
3. Em primeiro lugar, o Despacho proferido pelo Tribunal Recorrido não é recorrível por ter sido proferido no âmbito do poder discricionário do juiz, conforme resulta do artigo 630.º, n.º 1, do CPC.
4. O Despacho foi emitido ao abrigo do artigo 272.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC, que prevê claramente que está confiado ao juiz o arbítrio de suspender ou não o processo, tal como é absolutamente pacífico na jurisprudência portuguesa (incluindo no âmbito de uma outra ação popular semelhante à presente, em que o tribunal não admitiu o recurso da ora Recorrente sobre a suspensão do processo – cfr. processo Ius Omnibus vs. Apple, n.º 3/22.4YQSTR, que corre termos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, Juiz 3).
5. O Despacho não se enquadra no n.º 2 do 630.º do CPC, dado que (i) não procedeu a uma adequação formal do processo, (ii) não adotou qualquer mecanismo de simplificação e agilização processual, e (iii) não se pronunciou sobre qualquer nulidade prevista no artigo 195.º do CPC.
6. Pelo que a irrecorribilidade do Despacho não conhece exceções.
7. Está consolidado no nosso ordenamento jurídico que decisões no uso do poder discricionário do juiz são irrecorríveis, sendo que a sua irrecorribilidade não viola quaisquer princípios constitucionais ou do direito da UE de acesso à tutela jurisdicional efetiva ou de defesa.
8. O Despacho não põe fim ao processo, não o altera radicalmente, nem é um despacho que impeça os consumidores de acederem à tutela efetiva dos seus putativos direitos de indemnização.
9. Pelo contrário, o Despacho visa esclarecer uma situação jurídica incerta, removendo quaisquer dúvidas sobre o objeto e contornos do processo, o que beneficiará tanto os representados pela Recorrente quanto os Réus na ação.
10. O Despacho também não ultrapassa os limites permitidos pela discricionariedade, pois cumpre com todos os seus pressupostos legais e é perfeitamente proporcional, não tendo a Recorrente sequer concretizado de que modo entende que estes limites poderiam ter sido extravasados.
11. Por conseguinte, é evidente que o presente recurso não poderá ser admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
12. Em segundo lugar, ainda que o presente recurso fosse admissível – no que não se concede – apenas lhe poderia ser atribuível efeito devolutivo, e não suspensivo, nos termos do artigo 647.º, n.º 1, do CPC.
13. O recurso apresentando pela Recorrente não se enquadra em nenhuma das situações previstas no 647.º, n.º 2, do CPC, a Recorrente não demonstrou que o efeito meramente devolutivo lhe causaria prejuízo considerável, nem prestou qualquer caução para garantia de efetividade da execução da decisão recorrida, após o trânsito em julgado.
14. De resto, atribuir efeito suspensivo ao recurso no presente caso esvaziaria totalmente a utilidade do mesmo, dado que a ação seguiria os seus trâmites normais até à decisão do Tribunal da Relação, antecipando a decisão que a Recorrente pretende obter com o recurso.
15. Pelo que, não só não existe qualquer fundamento para que o presente recurso tenha efeito suspensivo, como a Recorrida não cumpriu os requisitos mínimos necessários para que esse efeito fosse por si requerido ao Tribunal.
16. Em terceiro lugar, o Despacho não é nulo, pois não contem qualquer contradição.
17. De facto, não é obrigatório nem necessário que o Tribunal Recorrido tome uma posição sobre a aplicação da LPE nesta fase processual, uma vez que essa é uma questão de mérito da causa.
18. No entanto, faz todo o sentido que considere desde já a sua possível aplicação de modo a evitar dúvidas quanto à potencial infração, bem como possíveis decisões contraditórias.
19. Em quarto lugar, a decisão de suspensão da instância preenche os pressupostos necessários referentes ao conceito de «outros motivos justificados», presente na segunda parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC.
20. É manifesto que todas e cada uma das alegações da Recorrente são baseadas na Decisão da AdC cuja impugnação se encontra em fase de recurso no âmbito do processo n.º …/….4YUSTR-W e que ainda não obteve sentença final por estar a aguardar o resultado do reenvio prejudicial dirigido ao TJUE.
21. Pelo que, embora não exista uma causa de prejudicialidade entre esta ação e o processo contraordenacional, é claro que ambos os processos estão de certo modo conectados.
22. A Recorrente não apresenta qualquer prova da existência da referida infração, limitando-se a remeter para a Decisão da AdC e dedica praticamente a totalidade da sua Petição Inicial a reproduzir essa mesma Decisão.
23. Existem vários precedentes judiciais que consideraram justificada a suspensão da instância de ações de indemnização por ilícitos contraordenacionais, quando está pendente uma decisão na esfera contencioso-administrativa que serve de fundamento a essa mesma pretensão.
24. Acresce que, a decisão sobre os documentos apreendidos no processo contraordenacional tem um impacto direto nos presentes autos, pois se a apreensão for declarada nula, a Recorrente não poderá valer-se daquela prova neste processo, ainda que a pretenda obter por ordem do tribunal, sob a doutrina do fruit of the poisonous tree.
25. Ademais, deve-se ter em conta que o acesso a esta prova já foi negado à Recorrente no processo contraordenacional, sendo que esta está a tentar desvirtuar a decisão já tomada ao tentar obter as mesmas provas por outra via.
26. Por outro lado, o recebimento do reenvio prejudicial do TJUE e a consolidação da Decisão da AdC, poderá vir a reduzir consideravelmente o volume dos articulados ou dos argumentos a apresentar, nomeadamente quanto à prática (ou não) da alegada infração e os seus contornos.
27. Além de que, sem esclarecer os efeitos e circunstâncias da Decisão da AdC, não será possível aos consumidores apresentarem convenientemente a sua posição, nem será possível aos Réus defenderem-se justamente.
28. A suspensão é, assim, benéfica para ambas as partes, tendo a própria Recorrente mencionado no artigo 363. da sua Petição Inicial que, se vier a ter uma decisão condenatória dos Réus no processo contraordenacional, muita da sua argumentação se pode tornar supérflua.
29. Em quinto lugar, a decisão de suspensão pode ser tomada a qualquer momento, não existindo nada na lei que impeça a suspensão da instância antes da apresentação das contestações, se verificados os pressupostos necessários para o seu decretamento.
30. No caso concreto, a suspensão da instância antes da contestação é o que faz mais sentido, dado que tem em vista a economia processual, permitindo eventualmente restringir o objeto dos autos, simplificando-os.
31. E o argumento de que os Réus até poderiam não querer contestar não colhe de todo, sendo que o BST deixa, no entanto, desde já claro que pretende contestar a ação.
32. Pelo contrário, se os Recorridos forem absolvidos, talvez a Recorrente pretenda – ela sim – desistir da ação, evitando sobrecarregar os tribunais portugueses, com muitas poupanças para os contribuintes.
33. De resto, não existe qualquer limbo jurídico criado no ordenamento jurídico pelo Despacho em que os consumidores fiquem desprotegidos, uma vez que a ação está apenas suspensa e não extinta.
34. Em sexto lugar, o Despacho não viola qualquer princípio constitucional ou do direito da UE, em particular o princípios da tutela jurisdicional efetiva ou o principio da efetividade da UE, nem priva os consumidores representados do efeito útil do direito de indemnização que lhe é conferido.
35. Esteve muito bem o Tribunal Recorrido em querer esperar aguardar pela jurisprudência sobre o caso concreto que poderá ser muito útil.
36. Os consumidores não são gravemente prejudicados pela suspensão do processo, uma vez que é um trâmite normal que pode surgir neste tipo de processos, principalmente um como o presente que é inerentemente complexo, o que o torna necessariamente mais longo.
37. De facto, o processo contraordenacional está a terminar, encontrando-se já marcada a leitura da decisão do TJUE para o dia 29 de julho de 2024, o que permitirá ao Tribunal emitir a sentença final pouco depois.
38. Neste contexto, é claro que não existe uma violação do direito dos consumidores de acesso à tutela da jurisdição efetiva já que, embora estes tenham de aguardar pelo desfecho do processo contraordenacional para o prosseguimento destes autos, esta espera não é de todo desproporcional, mas antes uma vicissitude normal dos processos em tribunal.
39. Parece ao BST que a Recorrente está, na verdade, é preocupada com o seus investidores, como de resto demonstrou no artigo 17 da sua Petição Inicial, não deixando de ser curioso que o fundador, dinamizador, ex-Presidente da Assembleia Geral e rosto público da Recorrente seja também o seu advogado.
40. Não existindo, de resto, qualquer sinal negativo que o Tribunal Recorrido esteja a dar ao ordenamento jurídico para os investidores, estando apenas a zelar pelos interesses de ambas as partes no processo (e os investidores não são parte na ação), utilizando um instrumento legal e legítimo, como a suspensão, para o fazer.
41. Se a Recorrente não explicou aos investidores os possíveis riscos e situações inerentes a este tipo de processos, de modo a angariar uma nova oportunidade financeira, isso é completamente alheio ao Tribunal Recorrido que validamente exerceu seu poder discricionário ao proferir o Despacho.
42. Adicionalmente, é de referir que o BST não fica em posição de vantagem face à Recorrente com a suspensão da instância, principalmente considerando que a Recorrente teve anos para preparar uma ação com mais de 4.000 páginas e 126 documentos, dos quais 3 constituem relatórios elaborados por economistas especializados e 9 pareceres da autoria de conhecidos especialistas em Direito.
43. O mesmo se dirá quanto ao tema da conservação da prova por parte dos Réus, sendo que só quando se obtiver uma decisão sobre esse tema, é que se poderá saber se esta prova poderá ser requerida pela Recorrente, pois de outro modo seria um claro abuso por parte da Recorrente e uma violação grave da privacidade e confidencialidade do BST.
44. Cumpre igualmente notar que o Despacho também não entra em contradição do artigo 6.º da CEDH, uma vez que não é por o Tribunal Recorrido suspender o processo que o mesmo não se irá resolver um prazo razoável.
45. Não faz sentido o Tribunal Recorrido não suspender a instância com base numa remota duração excessiva do processo, quando a suspensão é a decisão correta a tomar tendo em conta a ponderação dos interesses das partes (ou, no caso da Recorrente, dos consumidores que ela representa) e a economia processual.
46. Se assim não fosse (i.e. se aderíssemos aos argumentos da Recorrente), a norma que permite a suspensão da instância em casos como o presente constituiria necessariamente letra morta, pois existe sempre uma possibilidade da suspensão retardar o tempo em que determinada ação está pendente.
47. Pelo que o Tribunal Recorrido não deverá ter em conta as exageradas conjeturas invocadas pela Recorrente para tentar levar avante a sua pretensão.
48. Em sétimo lugar, o Tribunal Recorrido deverá rejeitar o pedido de reenvio prejudicial requerido pela Recorrente na medida em que:
          a) Não existe obrigatoriedade em proceder ao reenvio prejudicial;
         b) Não existe ligação entre o presente caso e qualquer norma ou princípio particular de Direito da União Europeia, dado que a Recorrente não invoca nem concretiza qual a violação em causa;
         c) O pedido de reenvio prejudicial da Recorrente debruça-se sobre uma questão de Direito interno – a irrecorribilidade de um despacho proferido ao abrigo do poder discricionário do juiz – cuja competência cabe somente aos órgãos jurisdicionais portugueses e não ao TJUE;
                                   d) Proceder ao reenvio prejudicial implica uma utilização desnecessária de recursos públicos e privados, um alargamento temporal do pleito e um incremento injustificado do impacto económico do mesmo.
49. Por tudo o exposto deverá o Tribunal da Relação considerar o recurso da Recorrente inadmissível.
50. Caso o presente recurso seja admitido (o que não se concede), deverá o Tribunal da Relação atribuir-lhe efeito meramente devolutivo e considerá-lo improcedente, por não provado.
51. Por fim, deverá o Tribunal da Relação rejeitar o pedido de reenvio prejudicial, por ausência de fundamento e por se relevar manifestamente inútil e prejudicial à presente ação,
Termos em que deve:
a) O presente recurso ser considerado inadmissível por irrecorribilidade do Despacho; ou
Caso assim não se entenda e o recurso seja admitido
b) Atribuir-se efeito meramente devolutivo ao recurso;
c) O recurso ser considerado integralmente improcedente, por não provado;
d) A proposta de reenvio prejudicial da Recorrente ser rejeitada.

UCI - UNIÓN DE CRÉDITOS INMOBILIARIOS, S.A., ESTABLECIMIENTO FINANCIERO DE CRÉDITO (SOCIEDAD UNIPERSONAL) – SUCURSAL EM PORTUGAL respondeu às alegações da Recorrente concluindo:
1. O Recurso é, em primeiro lugar, inadmissível, uma vez que, (i) as decisões tomadas ao abrigo de um poder discricionário não são objeto de recurso e (ii) a decisão de suspensão da instância nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC cai dentro da categoria de poderes discricionários contemplados na lei.
2. O Recurso é, em segundo lugar, inadmissível, uma vez que o Despacho Recorrido foi proferido no âmbito do poder discricionário da juíza e que determinou a suspensão da instância (i) não procedeu a uma adequação formal do processo, (ii) não adotou qualquer mecanismo de simplificação e agilização processual ao abrigo dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC  e (iii) não se pronunciou sobre qualquer nulidade prevista no artigo 195.º do CPC, pelo que não se enquadra no n.º 2 do artigo 630.º do CPC e como tal não conhece exceção à sua irrecorribilidade.
3. Ainda que o Recurso fosse admitido  o que meramente por cautela de patrocínio se equaciona  apenas terá efeito devolutivo nos termos do artigo 647.º do CPC.
4. O Despacho Recorrido não padece de nenhuma nulidade.
5. O Despacho Recorrido não é contraditório, pelo contrário, é bastante claro e coerente, no que concerne à interação entre a presente instância e ao processo n.º …/….4YUSTR-W.
6. Existe motivo justificado, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, para suspender a instância, conforme o Tribunal de 1.ª Instância deixou claro no Despacho Recorrido.
7. A suspensão da instância era a melhor decisão que o Tribunal poderia ter tomado, uma vez que agilizará o processo e permitirá aproveitar os esclarecimentos do TJUE, naquilo que há dúvidas, e permitirá dar uma resposta coerente ao tema da validade da apreensão de correios eletrónicos.
8. O pedido de reenvio prejudicial requerido pela Recorrente deve ser rejeitado, visto que (i) não existe qualquer ligação entre o presente caso e qualquer norma ou princípio de Direito da União Europeia e (ii) o pedido versa uma questão puramente interna, a irrecorribilidade de um despacho proferido ao abrigo do poder discricionário do juiz, pelo que (iii) recorrer ao reenvio prejudicial implica um alargamento temporal do pleito, um incremente injustificado do impacto económico do mesmo e uma utilização desnecessária de recursos públicos e privados.
9. Em tudo o demais, dá-se por reproduzida a fundamentação das contra-alegações de recurso do Recorrido Banco Santander Totta.
Termos em que deve:
          a) Considerar o Recurso inadmissível apresentado pela Ius Omnibus, por ser irrecorrível; ou, caso assim não se entenda e o recurso seja admitido,
          b) Atribuir ao Recurso apresentado pela Ius Omnibus efeito meramente devolutivo;
          c) Julgar o Recurso apresentado pela Ius Omnibus totalmente improcedente; e
          d) A proposta do reenvio prejudicial requerida pela Ius Omnibus ser rejeitada.

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, impõe-se apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. O despacho de suspensão é recorrível?
2. A suspensão compromete a efetividade do direito de acesso à justiça e à indemnização dos lesados por infrações concorrenciais?
3. A suspensão viola normas constitucionais portuguesas, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e o Direito da União Europeia?
4. O despacho recorrido é nulo devido a uma contradição insanável, nos termos indicados nas alegações de recurso?
5. É legítimo suspender a acção antes da apresentação das contestações, sem definição clara do objeto do processo?
6. A suspensão respeita os princípios da proporcionalidade e da igualdade das partes?
7. A suspensão compromete a preservação de meios de prova essenciais?
8. A suspensão não é justificável pela possibilidade de uma decisão de public enforcement» transitada em julgado?
9. A interpretação do artigo 272.º do CPC que permite a suspensão por “motivo justificado” por vários anos, sem medidas de preservação de prova, é constitucional?
10. Devem ser submetidas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) caso o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) não reconheça violações do princípio da efetividade ou caso entenda que não pode, ao abrigo do direito nacional, controlar o exercício da discricionariedade na decisão sub judice?


II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, na presente sede, os factos processuais lançados no relatório desta decisão.

Fundamentação de Direito
1. O despacho de suspensão é recorrível?
Ao ser agendado julgamento nos presentes autos de recurso afirmou-se a recorribilidade da decisão de suspensão da instância objecto impugnação judicial ora apreciada, pelo que esta questão perde algum relevo mas não em termos absolutos já que a resposta a dar à mesma é susceptível de contribuir para esclarecer o objecto legalmente admissível da impugnação judicial sub judice.
Em tal âmbito, merecem análise as seguintes referências da Recorrente, apontadas para justificar a recorribilidade sustentada:
1. Segundo a Impugnante, estaria ausente o poder discricionário do julgador para decretar a suspensão nesta fase processual;
2. Por outro lado, sempre justificaria a recorribilidade o facto de o direito de recurso ser imposto pelo Direito Europeu e constitucional.
3. Acresceria, ainda, a necessidade de sindicância da legalidade da decisão, dado que a mesma excederia os limites da discricionariedade.

Importa referir, quanto ao primeiro ponto, que o art. 152.º do Código de Processo Civil (CPC) nos indica directamente e de forma claramente verbalizada, a propósito da obrigação de administrar justiça, quando é que os juízes têm o dever de decidir. E a resposta que daí emerge é cristalina: os juízes devem decidir sempre que existam «matérias pendentes» em acções colocadas sob a sua responsabilidade decisória proferindo, em tais contextos, despachos ou sentenças.
Nada sendo excepcionado, tal regime aplica-se aos despachos «proferidos no uso legal de um poder discricionário» referidos da segunda parte do n.º 4 desse artigo.
Aliás, destinando-se estes, como os mencionados na primeira parte desse número, a prover ao «andamento regular do processo» e tendo os autos que «andar» desde o primeiro momento, sempre se imporia concluir que os referidos despachos podem ser proferidos desde que a acção deva ser considerada pendente.
E desde quando está a acção pendente? Bom, a resposta aqui está também simplificada por ser directamente dada pelo legislador no n.º 1 do art. 259.º do encadeado normativo acima referenciado. Nos termos desse preceito, a acção considera-se «proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 144.º».
Ora, neste contexto, conjugando os preceitos indicados, somos forçados a concluir que podem ser proferidos despachos no uso legal de um poder discricionário desde a apresentação em juízo da petição inicial.
Aplicando esta mandatória conclusão directamente extraída «à boca» das normas interpretadas, temos que assumir que a Recorrente poderia pôr em causa o carácter discricionário do poder exercido ou o não preenchimento das condições justificativas da sua prolação, mas nunca o tempo da decisão. O despacho apreciado podia ser proferido a qualquer momento.
Não seria, jamais, por esta via que emergiria a recorribilidade do decidido ou a adequação do recurso a tal faculdade. Trata-se de matéria desfocada pela Recorrente e que, por inexistência do sentido pretendido, não tem influência na ponderação da susceptibilidade de manifestação judicial de indignação perante o definido por um tribunal.
Já quanto ao concretamente decidido, essa temática só poderia ser objecto de recurso caso se patenteasse a inexistência de poder discricionário porquanto, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 152.º do mesmo Código, tal poder corresponde à «vis» de fazer escolhas à luz do «prudente arbítrio do julgador», o que corresponde a uma noção que atende e repeita à subjectividade da eleição do julgador ao qual apenas se exige prudência.
No que tange à legalidade da decisão, aí sim abre-se a possibilidade de controlo recursório, sob pena de se denegar o efectivo direito ao juiz enunciado, designadamente, no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art. 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. E o controlo de legalidade é, in casu, a avaliação do respeito pelo n.º 4 do art. 152.º e no n.º 1 do art. 272.º, ambos do Código de Processo Civil.
A decisão impugnada foi proferida ao abrigo do estabelecido na última parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC. Mandou a mesma aguardar pela «definitividade da sentença a proferir ou proferida no processo n.º …/….4YUSTR-W, que corre termos no J1» do TCRS.
Estamos, no apontado quadro, situados num espaço de aferição da natureza do poder do tribunal de suspender a instância por «outro motivo justificado», conforme viabilizado pela segunda parte do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
No caso apreciado, encontramo-nos diante de um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário baseado no n.º 4 do artigo 152.º do CPC, por envolver decisão incidente sobre matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador, já que estão verificados os respectivos pressupostos processuais acima enunciados.
Contrariamente aos despachos de conteúdo vinculado, a lei não impõe, aos depachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, um sentido decisório específico, permitindo ao tribunal decidir ou não decidir.
Compreendida no âmbito desta caracterização, a situação apreciada surge assinalada por o Tribunal «a quo» poder ordenar ou não a suspensão em função do seu reflectido e sensato juízo.
Que assim é resulta com nitidez do uso da palavra «pode» no n.º 1 do  art. 272.º do CPC, no seio da expressão «O tribunal pode ordenar a suspensão». Está aqui consagrada uma faculdade e não uma obrigação, pelo que tem que se concluir que tanto a suspensão como a manutenção do curso dos autos são lícitas desde que exista um motivo justificado para a imobilização de curso processual ou esse motivo seja inexistente.
Não parece afastar a discricionaridade a referência normativa a um «motivo justificado», indiciadora de um poder legalmente balizado, já que as condições ou pressupostos do exercício do poder de intervenção não podem ser confundidas com a sua natureza, que se extrai dos contornos que se vêm enunciando.
Aliás, aqui, «motivo justificado» é outra forma de dizer esteio do «prudente arbítrio» já que, à míngua de indicação legal esclarecedora e de sentido diverso, a justificabilidade do motivo só à luz desse «prudente arbítrio» pode ser determinada. A não ser assim, quais seriam, afinal, os concretos critérios vinculativos definidores da intervenção jurisdicional?
Ainda que se importassem, neste ponto, os limites ou requisitos negativos definidos no n.º 2 do art. 272.º quanto à prejudicialidade (acção prejudicial intentada unicamente para se obter a suspensão ou estado adiantado da causa em termos geradores de superiores prejuízos), apenas estaríamos, nesse contexto, perante uma maior densificação da forma de exercício do «prudente arbítrio» e não face a elementos descaracterizadores da discricionariedade e geradores de vinculatividade. 
No quadro apreciado, tem que se concluir, face ao dito, que a decisão que se quis impugnar constitui um despacho discricionário apenas podendo, pois, ser sindicado quanto à legalidade da sua prolação e não já quanto à forma de exercício do dito «prudente arbítrio» face ao disposto no n.º 1 do art. 630.º do Código sempre sob referência.
Conforme se referiu no despacho que admitiu o recurso,  «independentemente da irrecorribilidade dos termos do exercício do (assim maioritariamente considerado) poder discricionário concedido ao juiz do processo pela parte final do n.º 1 do art. 272.º do CPC, deve sempre admitir-se o controlo de legalidade da utilização dessa faculdade de suspensão».
Nestes contornos e pressupostos e apenas neles se avaliará o recurso ora sob ponderação, não sendo objecto de resposta as questões que extravasem a matéria da legalidade do exercício do poder discricionário (designadamente quanto à vertente «motivo justificado» do n.º 1 do  art. 272.º  do CPC e aos pressupostos negativos do n.º 2 do mesmo artigo), excluindo-se, pois, a análise dos contornos desse exercício e do cuidado e adequação a ela associados.  Está, assim, afastada a averiguação da coincidência do decidido com a solução processual tida por mais apontada à acertada resolução do litígio e pacificação e recomposição do tecido social.
Mostra-se certa e alinhada com o dito a menção já lançada no Acórdão deste Tribunal n.º 20/20.9YQSTR.L1, in http://www.dgsi.pt, no sentido de que «a regra da irrecorribilidade desse despacho, prevista no artigo 630.º n.º 1 do CPC, na prática é afastada na medida em que a legalidade do uso dos poderes discricionários pode ser impugnada mediante recurso, no qual seja invocada a ausência dos pressupostos previstos na lei, ou se alegue que o despacho em crise extravasa o quadro das possibilidades legais».

Quanto às afirmação feitas pela Recorrente para justificar a Recorribilidade da decisão que aqui quis colocar em crise, assente no facto de o direito de recurso ser imposto pelo Direito Europeu e constitucional, ela é válida em sede estrutural e relativa à arquitectura do sistema mas não afasta normas de direito adjectivo nacional que disciplinam e, ao fazê-lo, admitem e concretizam esse Direito ao recurso, como o é a o n.º 1 do art. 630.º do Código de Processo Civil que proscreve os recursos dos despachos «proferidos no uso legal de um poder discricionário», admitindo, em sede geral, os recursos das decisões judiciais no n.º 1 do art. 627.º
Relativamente à invocada necessidade de sindicância da legalidade da decisão por a mesma exceder os limites da discricionariedade, tal pode constituir um elemento relativo à legalidade do exercício dos poderes discricionários, sempre corporizando elemento válido para justificar o recurso.
Face ao exposto, responde-se afirmativamente à questão apreciada, ainda que com as condicionantes e restrições enunciadas, assim se compatibilizando a proscrição do recurso do n.º 1 do art. 630.º do Código de Processo Civil com o direito estrutural e fundamental de pôr judicialmente em causa o exercício de poder discricionário Ministério Público que respeita à sua legalidade.

2. A suspensão compromete a efetividade do direito de acesso à justiça e à indemnização dos lesados por infrações concorrenciais?
Esta questão emerge da associação de afirmações feitas nos pontos 143, 156, 159, 161, 162, 163 das alegações de recurso.
A avaliação do proposto tem sentido em sede deste recurso, mas apenas ao nível da ponderação da legalidade da prolação do despacho que se quis criticar (não já do seu conteúdo, definido de forma discricionária e irrecorrível face ao já explanado).
Para estear a pretensão, a Recorrente veio – ao arrepio do que fez nas apelações n.ºs 20/20.9YQSTR e 18/21.0YQSTR, aos quais se tem acesso no quadro do sistema Citius na vertente respeitante a este processo, de temática coincidente – mostrar indignação por a suspensão, especialmente por um período prolongado (estimado em 5 a 6 anos), poder tornar impossível ou excessivamente difícil a prova da infracção, do dano e da causalidade, assim violando direitos fundamentais dos consumidores.
Esta alegação não tem esteio fáctico. Desde logo, não é possível acompanhar a prognose da Recorrente no sentido de que o Recurso Penal  n.º …/….4YUSTR-W, mencionado no despacho de suspensão que aqui se quis impugnar, terá a duração referida.
Aliás, tal previsão assume muito pouco sentido se se atender a que foi proferida já nesse processo decisão final irrecorrível no quadro do exercício da jurisdição comum, em 10.02.205.
Revela-se, pois, destituído de sentido o alegado neste âmbito, desde logo por falta de suporte de facto.
Não se vislumbram nem foram validamente caracterizados riscos demonstrativos sempre podendo, de qualquer forma, a Recorrente lançar mão dos mecanismos de produção antecipada de prova – vd. os  arts. 78.º, n.º 1, al. d) e 419.º, 420.º e 422.º, todos do Código de Processo Civil.

Noutra perspectiva, não se entende em que termos poderia materializar-se, neste contexto, o risco de desincentivar o financiamento de futuras ações «follow-on» (leia-se de continuidade na sequência da tutela pública da concorrência).
Só seria assim se o financiamento das acções colectivas se tivesse transformado num puro e simples negócio condicionador do acto de julgar e os terceiros financiadores, nacionais ou internacionais, ávidos de acesso célere aos valores indemnizatórios atribuídos para ressarcimento de danos sofridos não por si mas pelos ditos consumidores, não pudessem ver a sua agenda de retorno de investimento beliscada pelas vicissitudes e contornos dos encadeados de actos processuais, fases, ocorrências e decisões proferidas nos processos.
Aliás, não se vê como não saltar deste ponto argumentativo para um outro, mais telúrico, dizendo: «as acções colectivas orientadas para a protecção dos direitos e interesses dos consumidores não podem nunca ser julgadas improcedentes, sob pena de tal facto operar o afastamento dos financiadores, logo gerando prejuízo para os ditos consumidores e para o Estado de Direito!».
Nesse perturbador cenário de «Justiça-negócio», materializar-se-ia, aí sim, a perspectiva avançada pela Recorrente de potencial agressão ao Estado de Direito mediante transformação do sistema de Justiça – último protector dos cidadãos, necessariamente focado em interesses superiores ao lucro e sustentabilidade, sobretudo protector de interesses de natureza imaterial e centrado na finalidade de entregar Justiça a quem dela se sinta privado – num vero mercado de investimento.
Muito bizarro e pouco sufragável à luz dos princípios que devem nortear os actos de administração de Justiça, orientados para a justa composição dos litígios e para a «constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi», seria sustentar terem os Tribunais que ponderar os interesses dos financiadores de acções (figura impensável há poucos anos) – necessariamente  estranhos aos pleitos mas focados nas indemnizações que são dos consumidores, no âmbito de um, «de jure condendo», discutível sistema de «opt-out» propiciador do recebimento por terceiros de quantias destinadas a indemnizar cidadãos, designadamente no âmbito do estabelecido – sem limites objectivos, quantificados e baixos (como os definidos no Direito alemão) – no n.º 6 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 114-A/2023 que, na graduação dos pagamentos, coloca os interesses dos referidos financiadores acima dos do próprio Estado.
Não é essa, seguramente, a função de um juiz e de um Órgão de Administração de Justiça num Estado de Direito Democrático.
Salvaguardando sempre o muito respeito devido e garantido, tem que se considerar completamente desajustada a referência subterrânea aos interesses dos financiadores e menção expressa aos resultados da sua exasperação pela demora no retorno do seus investimentos em «collective redress», no quadro do novel espaço que corre o risco de se tornar numa mera área de «Justiça-negócio».
É assim, apesar de se saber das muitas dificuldades associadas à obtenção de meios para a instauração e sustentação de acções colectivas, sendo por demais seguro que estamos ainda do limiar de novos tempos e novas soluções, abertas à imaginação, ao rigor e à busca ética de caminhos que não desvirtuem a nobre finalidade de protecção dos consumidores, a sociedade, a economia e a sã concorrência. Mister é que não se transforme o instrumento na própria obra.

Não se extraem dos autos elementos fácticos que inculquem a noção de que a prolação do despacho impugnado seria ilegal por afectar desproporcionalmente a acção popular, dificultando a distribuição de indemnizações.
Nada aponta nesse sentido.

3. A suspensão viola normas constitucionais portuguesas, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e o Direito da União Europeia?
Esta questão foi retirada da conjugação das alegações constantes dos pontos  143, 144, 161, 162, 163 das conclusões de recurso.
Segundo a Recorrente, a adopção da decisão que se pôs em crise agrediria normas constitucionais portuguesas, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) – art. 6.º – e o Direito da União Europeia.
Concretizando, estaria em causa a violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) (acesso à justiça e tutela jurisdicional efetiva), nos artigos 52.º, n.º 3, al. a) e 60.º, n.º 3 da mesma Lei Fundamental (direito à ação popular e proteção dos consumidores) – vd. pontos 161, 162, 163 das alegações.
Porém, não se colhe dos autos um conjunto de factos concretos que apontem para a virtualidade de o exercício do poder discricionário de acordo com o prudente arbítrio do julgador no âmbito da matéria apreciada poder gerar risco de se coarctar ou inviabilizar o acesso à Justiça e à tutela jurisdicional efectiva.
Afigura-se, face à posição de apoio à suspensão nos outros processos acima referidos e pelos termos do recurso, que a Recorrente não é opositora da ideia de suspensão da instância em acções de «follow-on» em matéria de direito da concorrência e consumo. 
O que antes resulta do cruzamento do alegado é que a Recorrente se auto-convenceu de que a suspensão será de cinco ou seis anos, o que contrariaria os interesses dos seus financiadores e colocaria em causa financiamentos futuros e também a afirmação dos direitos do consumidor, o que transformaria esta numa acção especial.
Acresceria que, não tendo a suspensão ocorrido na fase processual que a Impugnante elegeu como a adequada para o efeito, ou seja, tendo-se materializado num quadro ainda temporão, na sua visão do Direito adjectivo luso, ficaria prejudicada a produção da prova.
Porém, nada assim é. Nem é previsível que os autos condicionantes pendam mais cinco ou seis anos, nem existe fase processual vinculada à prolação de despachos como o criticado, nem a conservação e produção da prova são postas em crise pela decisão não aceite.
 O despacho criticado não viola a CRP por cercear o exercício do direito à acção popular e proteção dos consumidores. A acção está instaurada e em tónus de prosseguimento logo que se materialize a condição de levantamento da suspensão, em prazo previsivelmente curto, e será feita a protecção dos consumidores se a Impugnante tiver deduzido a sua pretensão de forma tecnicamente adequada e souber e puder fazer a demonstração fáctica que se imponha.
Por esta via, não existem condições para temer a privação do exercício do direito a um processo equitativo (e também em prazo razoável), sobretudo sabendo-se que a acção foi instaurada, está pendente perante um Tribunal sujeito à Constituição e à lei e é previsível a próxima materialização da condição de levantamento da suspensão.
Aliás num contexto temporal que não é o alegadamente temido, muito se estranharia, numa perspectiva que atendesse apenas ao tempo de pendência dos autos, que a Recorrente pugnasse por um reenvio prejudicial de efeitos, no que à duração do processo tange, também substancialmente dilatórios.
Não há, na adopção do despacho não aceite, incompatibilidade com o consagrado no 6.º da CEDH, contrariamente, pois, ao sustentado nos pontos 144, 161 e 162 das alegações de recurso.
Situação idêntica ocorre quanto à pretensa contrariedade do estabelecido no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), que estatui sobre o direito à acção e a um tribunal imparcial.
Estando fora de cogitação a falta de imparcialidade – vd. ponto 161 – não existe, em concreto, face ao já enunciado, risco de a Recorrente não ver apreciada, e em tempo útil, a sua pretensão de obtenção de tutela jurisdiconal, persistindo a Impugnante numa difusa tese que vê dificuldades demonstrativas se a suspensão ocorrer antes do saneamento do processo mas não no despacho saneador, como se extrai daqueles processos acima invocados. Porém, conforme já se deixou claro supra, o despacho analisado não tinha tempo próprio de prolacção ao nível do direito adjectivo constituído.
Menos sentido tem olvidar os mecanismos adjectivos da produção antecipada da prova e referir uma difusa dificuldade demonstrativa que não se patenteia que pudesse resultar da prolação do despacho questionado.
     Quanto a um potencial desrespeito ao princípio do primado do Direito da União Europeia, especialmente no contexto da proteção de direitos decorrentes de infracções concorrenciais – ponto 143 – não havendo riscos de descontrolada e inaceitável dilatação do tempo de pendência processual nem de compromisso da fase instrutória e sua eficácia e relevo, não há motivos para questionar a adequação da iniciativa decisória a tal princípio integrante do travejamento do Direito da União, Direito este, aliás, confluente, em matéria de protecção da livre e sã concorrência e do consumo e dos consumidores, com o Direito interno nacional, sobretudo por via de transposição.

4. O despacho recorrido é nulo devido a uma contradição insanável, nos termos indicados nas alegações de recurso?
Segundo a Recorrente (ponto 146 das alegações), o despacho criticado afirma não tomar posição sobre os efeitos de uma decisão de «public enforcement» transitada em julgado, mas simultaneamente assume que tal decisão clarificará a conduta anti-concorrencial e vinculará o tribunal, justificando a suspensão.
Não se vê, porém, contradição entre os dois âmbitos de afirmação. Não há colisão de natureza lógica entre referir-se que não se toma posição sobre a atribuição de efeitos vinculativos a uma decisão proferida num quadro de execução pública do Direito da concorrência e reconhecer-se efeitos potenciais da mesma ao nível do esclarecimento de condutas.
Convivem entre si, sem choques, as distintas dimensões possíveis do ressalto de uma determinada decisão judicial num outro processo.
Colisão existiria entre afirmar e negar a mesma realidade, não em admitir matizes e relevos distintos de um mesmo encadeado de factos.
É pela mesma ordem de razões que não existe oposição em não tomar ainda posição sobre a construção técnica e forma concreta de assegurar a coerência e interacção entre as acções de «public» e «private enforcement» e afirmar-se, como se fez na já invocada decisão deste Tribunal proferida no apelação n.º 20/20.9YQSTR.L1, que:
 Assim, embora com base em qualificação jurídica parcialmente diversa da que dele consta, deve manter-se o despacho recorrido que ordenou a suspensão da instância até ao transito em julgado da sentença que venha a ser proferida no processo n.º 71/18.3YUSTR-M.L1, porque os motivos nele indicados que correspondem à necessidade de assegurar a interacção coerente entre as regras aplicáveis às acções de indemnização (private enforcement) e as regras aplicáveis às acções por infracção ao direito da concorrência (public enforcement), constituem motivo justificado para a suspensão da instância na acção de  indemnização, à luz do disposto no artigo 272.º n.º 1, segunda parte, do CPC.

 Não se materializou a invocada nulidade.

5. É legítimo suspender a acção antes da apresentação das contestações, sem definição clara do objeto do processo?
Esta questão foi extraída dos pontos 147, 148, 150, 155 das conclusões de recurso.
Foi já dito o necessário sobre esta matéria.
Não se encontra entre os requisitos normativos subjacentes ao uso do poder enunciado na parte final do n.º 1 do  art. 272.º do Código de Processo Civil (e também do analisado art. 152.º) qualquer referente temporal. O juiz suspende a instância quando entenda ocorrer motivo justificado. O que determina o decretamento da imobilização processual é a materialização de um quadro circunstancial que, analisado de forma objectiva, técnica e racional, seja de molde a motivar de forma segura a suspensão. Não se encontra nesta equação qualquer inserção numa fase, momento ou compartimento processual.
Não existe, neste contexto, precocidade ou inadequação em função da fase processual.
Quanto ao mais invocado nesta sede [suspensão sem conhecimento das contestações, inidoneidade do despacho para não agilizar a acção, sustentação  em hipóteses remotas, «incerteza sobre a aplicabilidade do artigo 7.º(1) da LPE» ou possibilidade de contestação independentemente de uma decisão vinculativa], estamos situados fora das questões relativas à legalidade da prolação do despacho posto em crise e, consequentemente, atento o acima exposto, diante de um quadro de irrecorribilidade, pelo que não se entrará do tratamento dessa matéria.
Flui do dito ser negativa a resposta que se impõe dar e dá a esta questão.

6. A suspensão respeita os princípios da proporcionalidade e da igualdade das partes?
Esta pergunta assenta no alegado nos 148, 152, 154, 156 das conclusões acima transcritas.
Segundo a Recorrente, a suspensão seria «desproporcional» por os benefícios serem «incertos e baseados em hipóteses improváveis, enquanto os prejuízos para os lesados são certos e graves».
Esta não é matéria relativa à admissibilidade de prolação do despacho objecto de oposição perante tribunal superior. Refere-se, antes, ao mérito do decidido.
É pois, irrecorrível nesta vertente.
Prosseguindo na sua crítica, insurgiu-se a Recorrente por, na sua tese, a decisão favorecer as Rés, «permitindo-lhes anos para preparar defesas, em detrimento da Autora, violando a igualdade das partes e agravando a assimetria informativa» (pontos 154, 156).
Quanto à possibilidade de se gerar um insustentável atraso, susceptível de pôr em causa as finalidades da administração da Justiça e, nesse âmbito, ter relevo ao nível do esteio de legalidade da decisão critica, assim sendo aqui cognoscível, foi já dito o suficiente, não havendo indícios da base fáctica de sustentação, antes o facto de ter sido já proferida a decisão condicionante do termo da suspensão aponta em sentido distinto do temido.
O quadro circunstancial subjacente não é substancialmente distinto do existente nos processos acima referidos, em que a Recorrente pugnou pela suspensão. Não há riscos de ter ocorrido contrariedade à lei por esta via nem, como aí, de violação da igualdade das parte: quando esperam, esperam ambas as partes, o tempo corre igual para todos não tendo sentido que alguém prepare uma contestação em seis anos (o tal prazo invocado «ad terrorem» e destituído de verosimilhança) ou que seis anos para apresentar uma contestação representem, por si só, uma vantagem.
Quanto ao mais, estamos, uma vez mais, num espaço de discricionaridade e consequente irrecorribilidade à luz do estabelecido no n.º 1 do art. 630.º do Código de Processo Civil.

7. A suspensão compromete a preservação de meios de prova essenciais?
  Segundo a Recorrente:
     - A decisão de suspender os autos antes de decidir sobre a preservação de prova (requerida na petição inicial) é inadequada, especialmente dado o risco de perda de prova durante a suspensão prolongada (ponto 147 das alegações);
     - A validade de provas do processo de «public enforcement» (e-mails) não afecta o direito de acesso a provas independentes, que o tribunal deve garantir nos termos da LPE (ibidem ponto 158);
- A ausência de medidas de preservação de prova durante a suspensão torna impossível ou excessivamente difícil a prova da responsabilidade civil, violando direitos fundamentais (pontos 162, 163).

Como se vê do transcrito, a resistência da Recorrente é de natureza temporal (sendo que, por exemplo, em situação análoga mas apenas temporalmente divergente, nos autos de apelação n.º 20/20.9YQSTR.L1, consultável no espaço Citius referente ao presente processo, bem se vê a ora Recorrente a pugnar pela suspensão porque a decisão de suspensão foi proferida no despacho saneador).
Ora, quanto ao tempo da decisão apreciada, o que que havia a dizer sobre a matéria foi já acima enunciado.
Não se colhem nos autos elementos fácticos que inculquem a noção de que a suspensão decretada seja susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil a prova da responsabilidade civil assim violando direitos fundamentais.
O mais, extravasa já as questões de legalidade, ingressa no sector da adequação e converte-se em temática objecto de irrecorribilidade nos termos já enunciados.
É, consequentemente, negativa a resposta à presente questão.
8. A suspensão não é justificável pela possibilidade de uma decisão de «public enforcement» transitada em julgado?
Esta questão tem esteio nas conclusões 149, 153, 155 e 157.
Segundo a Recorrrente:
- A suspensão baseia-se em hipóteses remotas (existência e vinculatividade de uma decisão transitada em julgado), sem análise concreta da aplicabilidade do artigo 7.º(1) da LPE (ponto 149);
- A decisão de «public enforcement» não prova causalidade ou danos, pelo que a suspensão apenas atrasa a produção de prova sobre esses elementos, tornando-a desnecessária  (ponto 153);
- A incerteza sobre a vinculatividade da decisão não justifica a suspensão, pois as Rés podem contestar os factos independentemente de tal decisão (ponto 155).
- Não é necessário suspender a ação para evitar contradições com uma futura decisão de «public enforcement», pois o tribunal pode decidir posteriormente sobre sua relevância (ponto 157).

A questão proposta e suas confluentes problemáticas, ora enunciadas, são relativas à adequação do decidido e não à legalidade do judicialmente definido.
Situam-se, pois, num âmbito de irrecorribilidade, conforme já bastamente afirmado e sustentado no n.º 1 do  art. 630.º do Código de Processo Civil o que obsta à resposta a esta questão.

9. A interpretação do artigo 272.º do CPC que permite a suspensão por “motivo justificado” por vários anos, sem medidas de preservação de prova, é constitucional?
Segundo a Impugnante afirmou nos pontos 162 e 163 o despacho criticado envolveria inconstitucionalidade por violação dos artigos 20.º, 52.º, n.º 3, al. a) e 60.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao tornar a prova da responsabilidade civil impossível ou excessivamente difícil em acções de indemnização e acções populares.
À luz do invocado, está alegada a violação do direito de aceder ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, do direito de acção popular, do direito de defesa dos interesses colectivos ou difusos dos consumidores e do direiro a um processo equitativo. Tudo isto resultaria de se tornar difícil ou impossível a demonstração judicial da responsabilidade civil em acções de indemnização e acções populares.
Vemos que a tese da Recorrente sobre esta matéria é bem mais precisa e definida se cotejarmos a postura assumida no presente processo com as sustentadas nos autos acima indicados (apelações n.ºs 20/20.9YQSTR.L1 e 18/21.0YQSTR.L1.S1), de similar objecto. Neles a suspensão não violava tais direitos e era defensável por ter sido definida no despacho saneador. E a ora Recorrente aí bem pugnou pela suspensão. Já aqui, violaria a Constituição da República e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por ter sido proferida antes desse momento.
A questão seria, pois, temporal.
Porém, nem há limites processuais que imponham a decisão apenas na fase de saneamento do processo, como se viu, nem é expectável a tenebrosa suspensão por seis anos anunciada pela Recorrente quando foi já proferida (e em escasso lapso temporal) a decisão condicionante da imobilização processual.
Da mesma forma, conforme já se enunciou, está sempre à disposição dos nela interessados, neste como nos demais processos, a produção antecipada de prova, não havendo razões para temer mais dificuldades probatórias associadas à suspensão no momento em que foi decretada neste processo do que as expectáveis nos processos em que a Recorrente pugnou pela suspensão.
Não se materializa a agressão à tutela jus-constitucional temida nem risco de violação do travejamento protector emergente da norma invocada da CEDH.
Não há qualquer risco, previsível neste momento, para a efectividade da tutela jurisdiconal.
Responde-se, em consequência, de forma negativa à questão proposta e ora apreciada.

10. Devem ser submetidas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) caso o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) não reconheça violações do princípio da efetividade ou caso entenda que não pode, ao abrigo do direito nacional, controlar o exercício da discricionariedade na decisão sub judice?
De acordo com a tese da Recorrente, deveriam ser submetidas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) caso este Tribunal da Relação não reconhecesse (como não reconhece) violações do princípio da efetividade ou da discricionariedade.
Tais questões seriam as seguintes:
    a) São contrárias ao Direito da União Europeia e, em particular, aos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da efetividade, normas nacionais que não permitem a um tribunal de (1º grau de) recurso controlar se uma decisão discricionária de suspensão da ação judicial até ao trânsito em julgado de uma decisão de public enforcement da concorrência, por um tribunal de primeira instância numa ação de indemnização por infração do artigo 101.º do TFUE, priva o direito de indemnização dos lesados do seu efeito útil?
    b) No quadro de uma:
         (i) ação de indemnização interposta em representação opt out de consumidores lesados direta e indiretamente, que só têm de pedir a sua indemnização no final do processo;
       (ii) intentada após a entrada em vigor da transposição nacional da Diretiva 2014/104/UE;
 (iii) em que os meios de prova necessários para cumprir o ónus de prova do ilícito e danos estão na posse das Rés e terceiros;
 (iv) em que se alega uma infração do artigo 101.º do TFUE;
(v) em que as infrações alegadas se iniciaram em 2002 e terminaram em 2013;
(vi) em que não foram adotadas quaisquer medidas de produção ou preservação de prova;
(vii) em que o tribunal considera uma solução plausível de direito que a eventual decisão de public enforcement transitada em julgado não tenha efeito vinculativo na ação follow-on em causa;
é contrário ao Direito da União Europeia, e em particular ao princípio da efetividade e ao artigo 4.º da Diretiva 2014/104/UE, a suspensão da ação de indemnização por um tribunal nacional, ainda antes do termo do prazo para a contestação, e sem que a ação conheça qualquer desenvolvimento de tramitação, até que exista decisão definitiva no processo de public enforcement, o que previsivelmente demorará vários anos, sem antes ordenar medidas de produção ou preservação de meios de prova quanto à infração, danos e causalidade?

Esta temática suscita as seguintes considerações:
A figura do reenvio, que tem esteio normativo nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (TUE) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), faculta a elaboração e apresentação, a título prejudicial, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de questões incidentes sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos actos adotados pelas instituições europeias, com a finalidade de garantir a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União no respectivo espaço.
É um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes sejam necessários para a resolução do litígio que lhes caiba decidir (v.d, neste sentido, designadamente, os acórdãos do TJUE C-648/11, MA e Outros, C-279/12 - Fish Legal and Shirley, n.º 29, C‑314/96, Djabali, C‑225/02, García Blanco, e C‑197/10, Unió de Pagesos de Catalunya).
Estão excluídas da figura a interpretação das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.
O recurso a tal figura é da iniciativa exclusiva do órgão jurisdicional nacional chamado a dirimir o litígio (sendo irrelevantes as intenções expressas e os pedidos das partes).
Funciona como mecanismo de aferição da necessidade de reenvio a avaliação das condições particulares de cada processo em função dos factos alegados, do Direito brandido e do pedido.
O reenvio prejudicial é facultativo se a possibilidade de recorrer ao mesmo surgir num processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cuja decisão admita recurso ordinário. Só não será assim se o juiz nacional ponderar considerar inválido um acto da União, pois a competência para o fazer pertence, em exclusividade, ao TJUE – v.d os Acórdãos deste Órgão Jurisdicional Europeu Foto-Frost, 314/85, International Chemical Corporation, 66/80 e Partido Ecologista «Les Verts»/Parlamento Europeu, 294/83.
Já será obrigatório se a decisão a proferir não admitir recurso judicial ordinário de direito interno (e a questão for necessária e pertinente relativamente à solução – v.d. art. 267.º TFUE).
O TJUE apenas se pronuncia se o direito da União for aplicável ao processo principal.
O órgão jurisdicional de reenvio deve expor todos os elementos pertinentes, de facto e de Direito, que o levem a considerar que existam disposições do Direito da União aplicáveis.
Se o reenvio tiver por objecto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deverá ter-se em conta que as disposições da Carta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União (art. 51.º, n.º 1, da Carta). Tem que resultar do pedido de decisão prejudicial que, no processo principal, seja aplicável uma regra de direito da União diferente da Carta.
O TJUE procura dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cumpre extrair as consequências concretas da sua decisão, o que inclui omitir a aplicação da regra nacional declarada incompatível com o direito da União.

Uma primeira conclusão a extrair do supra-referido é a de que, neste momento, é meramente facultativa a opção pela formulação de questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial, sendo do Tribunal a opção por tal iniciativa, em caso de necessidade do esclarecimento, cabendo-lhe, em exclusividade, iniciativa nesse domínio.
Numa segunda linha, temos que a primeira questão suscitada não é sequer cogitável nestes autos quando se concluiu, pelas razões supra-indicadas, pela recorribilidade da decisão impugnada quanto às questões de legalidade – aqui se incluindo, particularmente, as atinentes à submissão ao princípio da efectividade na noção que este conceito assume, no âmbito temático analisado, quer ao nível do Direito da União Europeia quer nacional (vd., sobretudo, o art. 4.º da «DIRETIVA 2014/104/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de novembro de 2014 relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia» e o n.º 2 do art. 23.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho, vulgo submetida ao acrónimo «LPE» apesar do anglicismo que sustenta a escolha das duas últimas letras).
Quanto à segunda questão proposta, é mandatória e previsível a postura deste Tribunal face ao que já deixou enunciado. Se já se forneceram elementos para tornar manifesta a não colocação em risco do princípio da efectividade através da prolação do despacho ajuizado, é manifesto que não tem sentido perguntar se a decisão viola o estabelecido no art. 4.º da referida Directiva ou se tal artigo é compatível com esse preceito, não tendo rigor técnico perguntar-se genericamente se uma decisão de um tribunal é compatível com o Direito da União sem se precisar uma norma interpretanda.
Não assume qualquer sentido querer-se questionar o TJUE sobre a estrutura do processo civil nacional (particularmente sobre a permissão do despacho antes ou depois da contestação) sendo que o Direito adjectivo luso, como se viu, permite a suspensão a todo o tempo. É assim sobretudo sabendo-se que essa opção não tem qualquer consequência no âmbito da temática da efectividade, antes correspondendo a opção do legislador nacional destituída de relevo a tal nível, conforme acima analisado.
Menos se compreende o proposto se se atender à postura  assumida pela Recorrente nos dois processos aos quais se vem fazendo referência, nos quais pugnou pela suspensão.
Acresce que a formulação da segunda questão, geradora de uma dilação processual de anos, atento o tempo de pendência habitual dos reenvios prejudiciais, não seria, numa estrita abordagem temporal, benéfica para os interesses da eficácia e efectividade da tutela jurisdicional, particularmente quando se sabe que foi já proferida a decisão-condição no processo penal de tutela pública.
À míngua de factos concretos que apontem para o panorama «cataclísmico» desenhado pela Recorrente, de uma dilação adicional de seis anos, também não seria este o momento para ponderar um reenvio sem se conhecerem vestígios de riscos para a efectividade e sendo seguro que não se colocam ao TJUE questões teóricas, abstractas ou diletantes mas perguntas determinadas e precisas com vista à resolução de questões concretas de interpretação ou validade do Direito da União Europeia.
Não se pode, aliás, deixar de referir, sempre salvaguardando o muito respeito devido, que seria até escandaloso ficcionar um cenário tenebroso destituído de esteios fácticos e referir mesmo na própria questão a previsão de extensão de pendência que, crê-se, nenhum profissional experimentado ousaria  fazer neste momento à luz do conhecimento que se possui.
Menos se entende a porfia na referência a «medidas de produção ou preservação de meios de prova quanto à infração, danos e causalidade» ignorando o regime adjectivo vigente, designadamente o relativo à produção antecipada de prova.
Atento o exposto, é manifestamente improcedente esta vertente do recurso, pelo que se responde negativamente à questão apreciada.

Da conjugação de todas as respostas às questões suscitadas nos autos brota muito segura a conclusão pela improcedência da impugnação judicial que se decretará acto contínuo.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.
*
Lisboa, 02.05.2025
Carlos M. G. de Melo Marinho
José Paulo Abrantes Registo
Armando M. da Luz Cordeiro