MARCA
LOGÓTIPO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário

Sumário (elaborado pelo Relator):
I. o direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido.
II. Não é suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão o registo da marca na classe 33 da Classificação Internacional de Nice quando o requerente de tal registo é titular do logótipo prioritário e que tem sido utilizado no seu comércio de vinhos.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
1. SOCIEDADE DE VINHOS MOREIRA & MOREIRA UNIPESSOAL, LDA., recorre da sentença que julgou improcedente o recurso apresentado, e, em consequência, recusou o registo da marca nacional n.º 694944
.
Antecedentes, tal como descritos na sentença em recurso:
2. “SOCIEDADE DE VINHOS MOREIRA & MOREIRA UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º 500417547, interpôs recurso judicial da deliberação da Exma. Sra. Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferida em 20 de Dezembro de 2023, que recaiu sobre o pedido de modificação de decisão apresentado no âmbito do processo de registo da marca nacional n.º 694944
(adiante identificada como marca registanda), e revogou a decisão, proferida em 07 de Junho de 2023 (de concessão do registo da identificada marca na classe 33 da Classificação Internacional de Nice), e cuja publicação foi efectuada no Boletim da Propriedade Industrial de 5 de Janeiro de 2024.
A Recorrente alegou que o INPI não teve em consideração:
- O terceiro requisito do conceito de imitação estatuído no art. 238.º do CPI.;
- O facto de os sinais em confronto serem constituídos por siglas, e a jurisprudência aplicável a este tipo específico de sinais, no sentido de o elemento figurativo assumir maior preponderância, não devendo, para mais, ser negligenciada a componente conceptual da marca (o facto de M&M no sinal requerendo corresponder à firma da Recorrente Moreira & Moreira);
- o facto de a Recorrente utilizar o logotipo há mais de 25 anos. Finalmente, a Recorrente conclui, no sentido de dever ser repristinada a decisão de concessão de marca, inicialmente produzida pelo INPI, a qual assentou na seguinte fundamentação:
“(…)
ainda que os sinais partilhem as mesmas letras, o risco de confusão é excluído com segurança, uma vez que os sinais em conflito, são suficientemente estilizados de tal forma que a sua representação gráfica, é globalmente diferente e neutraliza o elemento nominativo comum, não conduzindo por isso, a uma constatação de que a concessão do pedido ora apreciado, atendendo, ao caso em concreto e, às suas particularidades (nomeadamente a coexistência de sinais dos litigantes, há muitos anos), possa induzir o consumidor em erro ou na crença, indevida, de que se tratam produtos com a mesma origem empresarial ou que alguma relação se estabelece entre as respetivas entidades que se propõem a introduzi-los no mercado..”
A Recorrida contra-alegou, tendo impugnado a factualidade alegada quanto à afirmação da actividade da Recorrente, como produtora de vinhos e ao carácter distintivo do sinal/logotipo de que é proprietária. No mais, impugnou juridicamente o alegado, pugnando pela correcção da aplicação do Direito plasmada na decisão. Pelos fundamentos expostos, a Recorrida concluiu no sentido da manutenção do decidido”.

3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu a seguinte sentença:
“Por todo o exposto, julgo improcedente o recurso apresentado, e, em consequência, recuso o registo da marca nacional n.º 694944

Custas pela Recorrente (artigo 527.º n.º 1 do Código do Processo Civil).”

Alegações da recorrente
4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente SOCIEDADE DE VINHOS MOREIRA & MOREIRA UNIPESSOAL, LDA. interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo que “deverá a presente sentença ser revogada por violação dos artigos 232.º n.º 1 al. b), al. h) e 238.º e 311º do CPI e substituída por outra, de CONCESSÃO do registo da marca nacional n.º 694944 “” para designar produtos da classe 33.
5. Apresentou as seguintes conclusões:
i. A Apelante considera inconcebível que a marca em apreço seja considerada uma IMITAÇÃO da marca da Apelada como veio decidir o Tribunal a quo na sentença recorrida, quando fez registar aquele sinal, sob a tipologia de logótipo, há 25 anos atrás… fazendo com que, neste caso, exista uma inversão do acto “imitador” pois o resultado visual da imitação – a simbologia já existia antes do sinal alegadamente “imitado”.
ii. Em bom rigor, como é que algo poderá ser cópia/imitação/usurpação de outro se este outro surgiu depois? Independentemente de se tratar de outra tipologia de direito, visam o mesmo sector de comércio.
iii. Na realidade para além da contrariedade a que se chega com a decisão impugnada, ignorando o Tribunal a quo a coexistência dos sinais ‘conflituantes’ no mesmo segmento de mercado, existe inclusive, no processo, prova de 49 Recurso de Apelação - Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão utilização de ambos nesse segmento de mercado relevante e a respectiva
coexistência durante toda a vigência dos sinais da Apelada, conforme, aliás se retira dos factos provados.
iv. Em primeiro lugar, Apelante impugna a inclusão do ponto b) tal como consta redigido, na ‘matéria de facto não provada’, pois na realidade o que ali se afirma é dedutivo e conclusivo, e tanto assim é que utilizou fraseologia indicativa do conceito de direito aqui em análise – fácil destrinça em dicotomia com fácil confusão a que se refere o art. 238.º do CPI. Como tal, sendo matéria conclusiva ou de direito, não deverá ser incluída como matéria de facto não provada, devendo ser eliminado esse ponto na sentença a quo.
v. Em segundo lugar, e quanto à matéria de facto provada, a Apelante sufraga duas alterações, a primeira referente ao ponto 12 que à semelhança do ponto 21 deveria também incluir a motivação inicial do INPI na concessão da marca, por ser relevante para a correcta interpretação e enquadramento do litígio tendo em conta as duas possíveis soluções de direito e entendimentos da entidade administrativa em sede da especificidade das normas de direito industrial. A alteração ao facto 12, com a transcrição/print do trecho decisório, à semelhança do que o Tribunal considerou por bem incluir no facto 21, possibilita a ponderação de todos os factores pertinentes para o bom julgamento da causa.
vi. Atenta às alegações da então recorrente e perante a existência de dois despachos da entidade administrativa em sentido contrário – um de concessão outro de recusa - teria, e têm particular interesse e relevância para a decisão da causa, o aditamento à matéria de facto provada no ponto 12 do segmento decisório do despacho de concessão junto como documento n.º 6, com a redacção sufragada no corpo das alegações de recurso.
vii. A segunda alteração à matéria de facto provada implica a melhor concretização e precisão do facto 17 devendo ser alterado para “A comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos (cfr. catálogo junto com doc. 14)” por força do teor do próprio documento que fundamenta a prova do facto (e que também foi alegado nos artigos 30º e 31º do recurso para o 50 Recurso de Apelação - Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão Tribunal a quo) e das alegações consideradas globalmente, ou seja, o facto da Apelante utilizar o signo/sinal registado como logótipo no comércio há muitos anos, inclusive apondo-os nos rótulos das garrafas de vinho como indicação da entidade/origem, e este sinal coexistir com as marcas da Apelada/Recorrida no
mesmo sector de actividade – vinhos.
viii. Nestes termos, deverá o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, alterando a redacção da matéria de facto considerada provada nos pontos 12 e 17 nos termos sufragados e constante do corpo das alegações e eliminando, na matéria de facto não provada o trecho conclusivo/de direito.
ix. A sentença a quo erra ao desconsiderar por completo o facto incontornável da Apelante ser detentora de um direito de propriedade industrial que é utilizado no mesmíssimo sector de comércio há mais de duas décadas, coexistindo portanto com as marcas da Apelada, existindo prova do uso dos sinais nos rótulos, e inclusive registado antes dessas.
x. Independentemente das diferentes modalidades de registo, o que se frisou, e se fez prova, por ser verídico, foi:
-> que existe um direito anterior,
- > e este direito é um sinal distintivo do comércio identificativo de uma certa origem,
-> e este direito é um logótipo,
-> e este direito é utilizado no mesmo sector de comércio (vinhos) para o qual a marca requerenda se destina.
-> e as composições figurativas de ambos são as mesmas.
-> E este direito coexistiu pacificamente no mesmo sector com os direitos da Apelada.
->inexistindo qualquer alegação e muito menos prova de indícios de confusão por parte do consumidor.
xi. Ao desconsiderar tais factores do caso concreto, chegou-se ao cúmulo, salvo o devido respeito por opinião contrária, de uma decisão que afirma que uma marca caracterizada por uma simbologia que já estava registada sob o logótipo é uma imitação de uma marca que surgiu posteriormente à criação daquela simbologia… Como é que se poderá imitar algo se a suposta cópia existia antes do objecto copiado?
xii. E sim são sinais distintivos do comércio em modalidades separadas, mas não deixa o logótipo, efectivamente em uso como resulta da matéria de facto provada, de ser um direito anterior da Apelante cujo sinal correspondem visualmente, i.e. é a mesma imagem que a marca cujo registo foi requerido pela Apelante, uma entidade cuja actividade comercial ao longo de 50 anos da Apelante foi o comércio de vinhos (facto 14) e foi nesse sector que utiliza o logótipo (factos 15, 16 e 17).
xiii. Ora, os sinais alegadamente ‘conflituantes’ coexistiram pacificamente no mercado de comércio de vinhos/bebidas, sem detecção de confusão, durante mais de 20 ou 10 anos (considerando as datas de concessão das marcas da Apelada) – argumento esse ignorado/posto de parte pelo Tribunal a quo mas acolhido pelo INPI no primeiro despacho.
xiv. Dos factos provados - 14 a 20 - resulta incontornável que a Apelante já detinha um direito anterior – um logótipo caracterizado pela simbologia e que o utiliza desde o registo no comércio de vinhos e apõe esse sinal no seu catálogo, e nos rótulos dos seus produtos e usa-o nas redes sociais.
xv. Também resulta do processo que a Apelada utiliza actualmente a marca n.º 518176 nos seus rótulos (documento n.º 5 junto pela Recorrente onde constam as fotografias apresentadas como provas de uso da marca).
xvi. Há, portanto, uma realidade de mercado assente na coexistência dos sinais que não poderá ser ignorada como foi na decisão em crise, e foi uma realidade de mercado demonstrada pois não só foi provado o uso de ambos – o logótipo da Apelante e a marca da Apelada – no processo como foi considerado facto notório que nesse mesmo comércio/sector onde se inserem e se utilizam os sinais em causa “os vinhos são produtos onde os rótulos são percepcionados visualmente pelo consumidor aquando da escolha e aquando da aquisição (…)” implicando que as configurações visuais, de design e figurativas dos sinais assumem maior peso e afastam, neste caso, a existência de imitação e indução do consumidor em erro ou confusão.
xvii. Nessa perspectiva, o INPI havia decidido, e bem que a insusceptibilidade de confusão e inexistência de imitação) é o único (entendimento) possível, uma vez que, os sinais da reclamante coexistem, com logotipo n.º 148 da requerente, sendo este anterior àqueles, e caracterizado por um conjunto idêntico ao que identifica o sinal ora apreciado, assinalando serviços do sector vinícola.
xviii. Tal entendimento não ofende, pelo contrário vai de encontro ao princípio da análise de conjunto, pois num mercado onde os consumidores percepcionam visualmente o sinal no momento da escolha e aquisição, é a composição e configuração estilística dos elementos MM sobrepostos, um a negrito em tom cinza escuro e outro em tom branco e o desenho do cacho de uvas que ocupam a maior parte da marca, aqueles que mais se destacam na impressão geral/global e de conjunto da marca (cfr. Acórdão de 11 de Novembro de 2009, T-162/08, EU:T:2009:432).
xix. No Acórdão de 11 de Novembro de 1997, Processo C-251/95, Sabèl, EU:C:1997:528, o Tribunal de Justiça da União Europeia estabeleceu como princípio base na avaliação do risco de confusão que “Ao avaliar a importância que deve ser dada ao grau de semelhança visual, fonética e conceptual entre os sinais, é conveniente ter em conta a categoria de produtos ou serviços em causa e as condições em que são comercializados (n.º 27).” (sublinhado nosso), e no caso dos autos resultou provado, sendo facto notório (facto 19), que essas condições de comercialização implicam a percepção visual da marca no momento do acto aquisitivo.
xx. Nessas circunstâncias, foi estabelecido pelo TJUE que a semelhança
ou dissemelhança visual desempenhar um papel mais importante, um “peso maior” na avaliação do risco de confusão (por exemplo: acórdãos de 14 de outubro de 2003, T-292/01, Bass, EU:T:2003:264, n.º 55; de 6 de outubro de
2004, T-117/03- T-119/03 e T-171/03, NL, EU:T:2004:293, n.º 50; de 18 de maio de 2011, T-502/07, McKenzie, EU:T:2011:223, n.º 50; e de 24 de janeiro de 2012, T-593/10, B, EU:T:2012:25, n.º 47, de 15 de Abril de 2010, T-488/07, EGLÉFRUIT / UGLIfruit EU:T:2010:145
xxi. Com efeito, as dissemelhanças visuais, podem ser, e são, decisivas na exclusão do juízo de confusão, não sendo “regra” absoluta ao contrário do entendimento da sentença em crise, que o elemento verbal é preponderante visto que dependerá da forma como as marcas são apresentadas e como o consumidor normalmente e habitualmente as percepciona e apreende.
xxii. E num mercado relevante onde reina a percepção visual da marca aos olhos do consumidor, e se multiplicam no comércio marcas compostas por letras e siglas, de imediato e numa impressão global surge a dissemelhança figurativa e visual óbvia entre os sinais em conflito.
xxiii. A sentença a quo erra novamente ao desconsiderar a jurisprudência a nível europeu, no sentido de que o risco de confusão pode ser excluído com segurança quando dois sinais conflituantes, embora contenham ou consistam na mesma letra ou uma combinação de letras não reconhecíveis como uma palavra, são estilizadas de maneira suficientemente diferente ou contêm um elemento figurativo suficientemente diferente (Decisão no Proc. T-187/10, G, EU:T:2011:202).
xxiv. Nesses casos “a impressão global dos sinais pode ser diferente se dois
sinais conflituantes, apesar de conterem ou serem formados pela mesma combinação de duas letras, forem estilizados de forma suficientemente diferente ou tiverem elementos figurativos suficientemente díspares para que a respetiva representação geral distinta neutralize o elemento nominativo comum”.
xxv. Desconsiderou-se ainda e sem qualquer justificação o facto dos sinais serem sinais curtos, em que as diferenças relevam para o consumidor, que não é equivalente a um simplório distraído, e a parte visual é uma forte componente de distinção, que o consumidor apreende, muito mais do que as semelhanças.
xxvi. Na prática, o entendimento vertido na sentença a quo, poderá chegar à consequência nefasta de gerar monopólios de letras do alfabeto sem razão plausível, e embora estejam devidamente grafadas, estilizadas e acompanhadas de figuras e designs completamente distintos.
xxvii. Ora, a conclusão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 83/18.7YHLSB.L1.S1, é de total aplicabilidade: “NB são duas letras do abecedário que têm de estar disponíveis para qualquer consumidor ou comerciante que também as pretenda usar na abreviatura do seu nome, ou por outro qualquer motivo, não tendo, por si só, qualquer carácter distintivo ou original, pelo que o enfase deste tipo de marcas tem de ser dado aos elementos figurativos.”
xxviii. A pertinência para o caso em apreço é auto-explicativa nessa mesma conclusão citada e contida no sumário, e não foi descontextualizada. Como reforço desse entendimento relativamente a siglas e combinações de letras a Apelante indicou a título não exaustivo várias decisões das instâncias europeias (incluindo em particular marcas precisamente compostas por Ms)
xxix. Tem-se feito notar que o carácter distintivo inerente às combinações de letras não é muito forte, dado o número limitado de letras do alfabeto, o grande número de significados que as siglas e abreviaturas podem ter e facto de os consumidores encontrarem frequentemente abreviaturas e combinações de letras de todos os tipos na vida quotidiana e nos negócios. (ver acórdão de 9 de Novembro de 2022, K WATER , T 610 /21, não publicado, EU:T:2022:700, n.º 56 e jurisprudência citada). decisão de 30 de Setembro de 2009, R 1113 /2008-1, «ESN (fig.) / ERN et al.» e de 17 de maio de 2011, R960/2010-4, «dn: / dm et al.», parágrafo 25),
xxx. Ou seja, a(s) letra(s) em si possuem um reduzido carácter distintivo ou um carácter distintivo fraco, e será com base na adição e adopção de elementos de design que adquire(m) aquela normal distintividade.
xxxi. Adquirindo-a mediante esses elementos, serão esses elementos que o consumidor apreende, tendo em conta a sua habituação com letras e siglas, conforme determina a jurisprudência citada e resulta aliás da experiência comum ( existência de inúmeras empresas que utilizam siglas e acrónimos).
xxxii. E ao contrário do que afirma a sentença a quo neste tipo de sinal o elemento “nominativo” não é preponderante, nem esse elemento, nos sinais em cotejo é uma palavra… São duas letras e um símbolo comercial cujo som é consumido (émeéme), não há qualquer neologismo, qualquer palavra nova, nenhuma palavra de fantasia criada para estes sinais. Não é um sinal de fantasia, não é um sinal forte.
xxxiii. Qualquer significado concreto da sigla será associado ao uso que dela é feito por parte da titular, e neste caso…resulta dos factos 17 (e catálogo documento nº 14)
e 18 que MM é Moreira & Moreira. E quanto a isso fez-se prova, e se assim não fosse não estaria escrito no facto 18 que usa M&M e que usa “Moreira & Moreira”… e tudo em veículos de promoção e publicidade! As redes sociais.
xxxiv. Deste modo, a sentença a quo encerra em si um grave erro de julgamento, pois sem ter em conta as circunstâncias particulares do caso concreto e a matéria de facto considerada provada (incluindo, além do mais, na matéria não provada uma conclusão de direito) atribuiu uma importância descompensada no “peso” da vertente nominativa, quando na realidade perante sinais compostos por letras ou combinação de 2 ou 3 letras não reconhecíveis como uma palavra, a existência de elementos figurativos de clara dissemelhança, como sucede no caso em apreço, possuirá, o que o TJUE refere como, um “peso” maior na comparação, gerando sinais cuja impressão global é divergente.
xxxv. No caso em apreço, são sinais em que todo o design não apresenta quaisquer pontos em comum mas optou-se por ignorar essa predominância da vertente figurativa/gráfica pese embora se tenha considerado facto notório o facto 19 e tendo sido estabelecido pelo TJUE que perante tais condições de comercialização dos produtos e mercado, a parte VISUAL/ figurativa/estilização gráfica – assume preponderância!
xxxvi. E mesmo que não se tivesse em atenção a, vulgo, prática de venda/compra, o mesmo Tribunal ensina que nos sinais deste tipo – siglas, letras – e existindo estilização suficientemente diferente e um figurativo diverso, está excluído o risco de confusão com segurança.
xxxvii. E nesse sentido, por exemplo no processo n.º T-241/16 - El Corte Inglés v EUIPO – de 4 Maio, 2018, o Tribunal declarou que a simples presença das mesmas letras nos sinais em causa não era suficiente para concluir pela susceptibilidade de confusão, confirmando que, como os sinais eram curtos, o público relevante provavelmente perceberia as diferenças entre eles com mais clareza. E como reforço desse entendimento já havia sido decidido no Acórdão Sabel o seguinte: a mera associação entre duas marcas que o público pode fazer pela concordância do seu conteúdo semântico não basta, por si, para concluir pelo risco de confusão (conclusão n.º 26 do Acordão).
xxxviii. Reforçando o impacto visual divergente dos sinais em confronto e a coexistência pacífica entre o direito anterior da Apelante e a(s) marca(s) da Apelada no mercado relevante, reitere-se o facto notório – facto 19 que demonstra as circunstâncias habituais do modo de venda e aquisição destes produtos, confirmando o entendimento do TJUE supra citado de que o elemento visual/figurativo possui mais peso do que o verbal.
xxxix. Erra portanto a sentença, quando afirma que o “carácter prevalente” era nominativo, e ainda quando, pese embora inclua na matéria de facto a identificação Moreira & Moreira associada a M&M na promoção do sinal, decida não relevar este facto na decisão.
xl. Em face das diferenças de design gráfico, figurativas (adiciona-se as conceptuais por resultar a utilização de Moreira & Moreira associada a M&M no facto 18) e com fundamento na impressão de conjunto entre os sinais em confronto, apenas se poderia concluir, como, aliás, concluiu inicialmente, e bem, o próprio INPI, que os sinais em confronto não são susceptíveis gerar risco de confusão, ou mesmo de associação ao público consumidor.
xli. A tudo isto acresce ainda o facto de sinal idêntico de tipologia diversa, o logótipo n.º 148, ter coexistido com os sinais da reclamante no mesmo sector relevante dos vinhos, conforme reconheceu inicialmente o INPI.
xlii. E se aquele direito anterior, utilizado e já registado é de idêntica simbologia com
a marca agora controvertida, não pode esta ser uma imitação de algo que veio depois.
xliii. Neste ponto, erra ainda, a decisão em crise ao descartar a chamada Teoria da Distância sem concreta fundamentação e apresentando um entendimento deveras restritivo dos seus pressupostos, pois o princípio inerente é este:
“o titular de uma marca não poderá exigir que a marca concorrente tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a marcas anteriores” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/05/2012 disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-
/BF28FD2AE67AAA0280257A0F003E47DF ).
xliv. Não deixa o princípio de ser aplicável, como o próprio INPI o aplica independentemente de pré-conhecimento de uma determinada marca ou de sinais fracos. Em todo o caso, sempre se dirá que o elemento comum dos sinais possui reduzida capacidade distintiva à luz da corrente jurisprudencial dominante supra citada (errando a sentença a quo nessa análise da capacidade distintiva no caso vertente).
xlv. Note-se, a Apelada pretendeu a recusa, invocado imitação e concorrência desleal, de uma marca que… já vimos, corresponde a um sinal anterior protegido e que pertence à Apelante e é utilizado nesse mesmo mercado mesmo antes das marcas da Apelada, o que consta da matéria de facto.
xlvi. O sinal da Apelante não é imitação se já existia antes do sinal da Apelada. E quando a Apelada registou o seu, pois bem, não se distanciou de outros, nomeadamente o da Apelante.
xlvii. Em todo o caso e mesmo não recorrendo ao referido princípio e teoria da distância, chega-se à mesma conclusão aqui defendida – não preenchimento do conceito de imitação devido às diferenças entre os sinais em confronto e a consequente incapacidade de risco de confusão entre os mesmos e as empresas titulares. Nessa sequência, há que concluir igualmente que não existe possibilidade de actos ou condutas que possam ser encaradas como concorrência desleal por parte da Recorrente.
xlviii. Sumarizando, desconsiderar por completo o facto da Apelante ter utilizado aquela designação e respectiva simbologia (registada sob logótipo) e aqui controvertida enquanto marca, de forma pública e reiterada no mercado de vinhos há décadas, e muito antes do registo mais antigo citado pela Recorrida que remonta a 2002 (factos 11, e factos 13 a 18), actuando nesse sector há mais de 50 anos e fazendo uso de idêntica simbologia – factos provados 13 a 17 – apondo-os nos seus produtos como identificador de origem empresarial– factos 15 e 17 – e coexistindo com os direitos de marca da Apelada desde que estes foram concedidos, remonta numa autêntica injustiça e vai contra os princípios orientadores no juízo de confundibilidade, não se podendo ignorar a realidade de mercado e as circunstâncias objectivas e provadas no caso concreto que compara sinais curtos constituídos por duas letras com estilizações, design e imagens claramente distintos, destinados a um mercado onde os consumidores apreendem visualmente o sinal e estão habituados a distinguir essa tipologia de marcas.
xlix. Existindo, portanto, violação dos artigos 232.º n.º 1 al. b), al. h) e 238.º e 311º do CPI a sentença deverá se revogada e substituída por outra, de CONCESSÃO do registo da marca nacional n.º 694944
”.

7.–A recorrida CAVE CENTRAL DA BAIRRADA, S.A., por sua vez, entende que “deverá manter-se na íntegra a sentença proferida, assim se fazendo JUSTIÇA.

Apresentou as seguintes conclusões:
a) Não se conformando com a sentença proferida, datada de 4 janeiro de 2025, em o Tribunal de Propriedade Intelectual: “julg(ar) improcedente o recurso apresentado, e, em consequência, recus(ar) o registo da marca nacional n.º 694944”, veio a Apelante veio dela interpor recurso.
b) Considera a Apelante que o ponto b) dos factos não provados não deve constar da matéria de facto não provada, devendo ser excluído dessa matéria.
c) De facto, bem entendeu o tribunal a quo, não ficou provado, que o consumidor dos produtos visados pela marca subjudice efetuará facilmente a destrinça entre os sinais: logótipo da Apelante e as marcas da Apelada.
d) Ficou, aliás provado, que a Apelante identifica as garradas de vinho com as sete marcas que é detentora (ponto 16 dos factos provados), e que o consumidor sempre
observou.
e) Já a Apelada, desde setembro de 2002, comercializou, e comercializa, garrafas de vinho com as marcas:


f) E são essas as marcas que ficam retidas na memória do consumidor.
g) A Apelante pretende, agora, registar a marca para vinhos:

h) Passando esta marca, pela primeira vez, a identificar os seus vinhos engarrafadas -nunca tendo sido o logótipo nem a firma a identificar as suas garrafas de vinho.
i) Assim, bem andou o tribunal a quo que concluiu: pela existência da total sobreposição nos carateres da marca subjudice e as marcas registadas, bem como a
ordem em que se encontram dispostas: “M&M”, e pela total identidade fonética entre a marca subjudice e as marcas registadas: os sinais serão lidos e pronunciados pela mesma forma.
j) Na jurisprudência“… concluiu (-se) que os produtos em causa abrangidos pelas duas marcas, ou seja, os vinhos, são idênticos e que os sinais possuem uma grande semelhança fonética e uma diminuta semelhança visual6. Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que, tendo em conta a forma como os consumidores designam os produtos em causa, e, portanto, a importância a atribuir à semelhança fonética, existe um risco de confusão entre os dois sinais na acepção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 40/94” – vd.: Acordão do Tribunal Geral de 23 de novembro de 2010, T-35/08, Artesa Napa Valley– para. 63.
k) Pelo que não merece reparo o ponto b) dos factos não provados, devendo improceder o requerido pela Apelante no ponto 21 das suas Alegações.
l) A Apelante pretende, ainda, nova redação dos pontos 12 e 17 da Matéria de Facto Provada, pretensão essa que não deverá ser atendida, pois, m) O que está em crise é a deliberação/despacho proferida pelo INPI a 20 de dezembro de 2023, e remetido às partes em 29 de dezembro de 2023 (pontos 9 e 10 da matéria de facto provada), sendo a que se encontra sujeita ao presente escrutínio judicial.
n) Quanto ao ponto 17, a Apelante parece pretender (custe o que custar) dar mais relevo ao logótipo, do que na realidade este sinal distintivo do comércio tem junto do consumidor deste tipo de produtos (vinhos engarrafados).
o) Na verdade, o que identifica as garrafas de vinho (da Apelante) são as sete marcas que ela registou – Ponto 16 da Matéria de Facto Provada.
p) E por conseguinte, não se pode considerar que o sinal M&M a que a Apelante alude, possa ser entendido, pelo consumidor, como o sinal distintivo das diversas garrafas de vinho que constam no referido catálogo.
q) Caso contrário, a Apelante estaria a infringir os direitos da Apelada bem como requisitos legais de rotulagem de vinhos engarrafados, fomentando a confusão junto do consumidor.
r) Ao contrário do que a Apelante refere , a decisão proferida pelo tribunal é irrepreensível, devendo se manter a factualidade dada como provada e não provada.
s) Com efeito, o tribunal a quo, face à matéria provada nos autos, apenas, poderia decidir no sentido em que decidiu.
t) Ora, por muito que a Apelante alegue e se socorra de argumentos falaciosos ou de
jurisprudência que, como se sabe, não é vinculativa e não é suficiente à boa decisão.
u) Pois, conforme já foi notado pelo Tribunal de Justiça Europeu, a jurisprudência proferida deverá ser sempre interpretada com cautela e tendo em conta as circunstâncias de cada caso.
v) Aliás, a Apelada, nas suas contra-alegações, apresenta jurisprudência, que, esta sim,
w) Tem em conta, em particular, o sector que agora é analisado: o sector da comercialização de vinho engarrafado.
x) Conforme bem sentencia o Tribunal a quo não há margem para dúvidas que "se mostram verificados os dois primeiros requisitos da imitação/associação” previstos no artigo 238° do CPI –(n/ sublinhado) – fls.19 da sentença do TPI:
- as marcas registadas da Apelada são prioritárias,
- todas as marcas em questão destinam-se a identificar vinho - classe 33.ª da
classificação de Nice.
y) No que concerne ao terceiro e último requisito legal é, desde logo, evidente que as marcas que estão nesta lide, são marcas fonética e conceptualmente idênticas, lêem-se, pronunciam-se e têm o mesmo conceito: M&M (ÉMEEÉME) – facto notório.
z) Concordando em pleno com o INPI, sendo que este Instituto considerou que existe total sobreposição entre os caracteres utilizados na marca registanda e nas marcas registadas e pelas ordens em que se encontram dispostos, uma vez que ambas utilizam a sigla: “M&M” e que existe total identidade fonética entre a marca registanda e as marcas registadas, uma vez que os sinais serão lidos e pronunciados pela mesma forma.
aa) A Apelante veio, ainda, argumentar que não deveria ignorado o direito que esta detém sobre o logótipo nº 148.
bb) Pretendendo demonstrar que tal detenção lhe daria o direito a ver registada a marca subjudice.
cc) Para além da ausência total de qualquer fundamentação legal, pois o logótipo e a marca têm uma destinação expressamente diferente, nos termos do art.ºs 208.º e ss e art.ºs 281.º e ss do CPI, respetivamente.
dd) Essa diferença legal ainda é mais gritante em matéria de rotulagem de vinhos, dado que é obrigatório a colocação de uma marca registada, não sendo suficiente um logótipo registado – Decreto-Lei nº 376/97, de 24 de dezembro e a Portaria nº 26/2017, de 13 de janeiro.
ee) Sendo, aliás, proibida a comercialização de garrafas de vinho sem a aposição de marca registada.
ff) Assim, e atendendo às circunstâncias e especificidades provadas nos autos, em particular a existência de diferenças legais relevantes quanto aos direitos em presença e ainda de uma regulamentação legal restritiva que, apenas, permite o engarrafamento de vinho com marcas registadas, dever-se-á, pois, concluir que, no caso subjudice, “a distinção entre logótipo e marca não é uma “desculpa”, é uma distinção conceptual que tem base legal” – fls. 20 da sentença do TPI.
gg) Por outro lado, acresce que a Apelante veio agora reconhecer (ponto 47 das alegações) que nunca reclamou nem defendeu o logótipo registado em face dos registos, subsequentes, das marcas da Apelada.
hh) Ora, tal circunstância foi agora reconhecida pela Apelada, demonstrando um comportamento abusivo e totalmente inusitado, que ultrapassa os limites da boa fé,
pois passados mais de 22 anos face ao primeiro registo de marca da Apelada, veio agora invocar um direito que nunca defendeu nem exerceu.
ii) Estamos, pois, salvo melhor opinião, em face de um abuso de direito nos termos do art.º 334.º do CC, na modalidade de “supressio”.
jj) Assim, o Tribunal a quo entendeu corretamente em não atribuir a relevância que
a Apelante pretende ao facto de esta deter um logótipo registado, para efeitos de concessão de outro tipo de registo: a marca subjudice.
Continuando,
kk) É ainda de realçar, que a comparação que o consumidor deste tipo de produtos realiza (vinhos engarrafados), não se faz colocando lado a lado as marcas, mas de forma sucessiva, isto é, o consumidor tem conhecimento de uma marca, retém na sua memória os elementos que preponderam (sigla “M&M) e depois quando encontra a outra marca, faz o referido exercício de comparação mental.
ll) A circunstância de, no caso dos vinhos, ser apresentado, previamente, o rótulo do vinho ao consumidor – facto notório 19 – em nada contradiz o acima referido, quanto à comparação sucessiva, bem pelo contrário: o consumidor visualiza o rótulo da marca na garrafa que lhe é apresentada e só depois faz o referido exercício de memória relativamente ao nome da marca que memorizou.
mm) Com certeza que sendo as marcas em conflito, compostas pelo mesmo elemento dominante – M&M – aquele consumidor irá seguramente acreditar que a
garrafa que lhe é apresentada fisicamente, tendo a marca “M&M”, tem a mesma origem empresarial que a outra que está na sua memória – o que neste caso não corresponde à verdade.
nn) No que concerne às alegações da Apelante quanto à coexistência dos direitos em questão (marcas registadas da Apelada e logótipo da Apelante), tendo em conta
as especificidades legais respeitantes à rotulagem e colocação no mercado de vinhos engarrafados e à obrigação de registo de marca, dever-se-á concluir que, não ocorreu a putativa coexistência, dado que até agora a Apelante não é detentora de uma marca registada “M&M”, sendo, apenas, detentora do logótipo nº 148, o qual não lhe permite identificar os vinhos engarrafados.
oo) De facto, nunca houve concorrência direta entre as marcas registadas da Apelada e o logótipo da Apelante, tendo em conta as restrições legais existentes, que apenas permitem que os vinhos engarrafados sejam identificados pelas marcas e não pelo logótipo.
pp) No que concerne ao princípio do distanciamento, resulta claro e em face dos factos provados, que é a própria Apelante que põe em causa aquele distanciamento,
através da última alteração ao seu objeto social, bem como com o pedido de registo
da marca subjudice – resulta, pois, que é a Apelante que pretende encetar uma concorrência direta com a Apelada e não o contrário.
qq) Assim, a sentença aqui em crise, que não merece qualquer reparo, concluiu e bem, que o douto despacho que recusou a marca fez uma análise correta dos critérios legais, pelo que deve ser mantido.
rr) E por isso, recusou o registo da marca nacional nº 694944.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos, exceto quanto aos que constituam o núcleo da resolução da questão; e as questões são as que resultam das conclusões das alegações do recorrente. Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido.
Assim, há duas questões a decidir:
1ª a sentença errou no apuramento dos factos?
2ª a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que ocorre o invocado risco de confusão entre a marca registanda da recorrente e as marcas da recorrida?
Vejamos a primeira dessas questões, ou seja, se a sentença errou no apuramento dos factos?
Fundamentação de facto
A recorrente, nas conclusões “iv” a “v”, “impugna a inclusão do ponto b) tal como consta redigido, na ‘matéria de facto não provada’, pois na realidade o que ali se afirma é dedutivo e conclusivo, e tanto assim é que utilizou fraseologia indicativa do conceito de direito aqui em análise – fácil destrinça em dicotomia com fácil confusão a que se refere o art. 238.º do CPI. Como tal, sendo matéria conclusiva ou de direito, não deverá ser incluída como matéria de facto não provada, devendo ser eliminado esse ponto na sentença a quo”. E “(…) quanto à matéria de facto provada, a Apelante sufraga duas alterações, a primeira referente ao ponto 12 que à semelhança do ponto 21 deveria também incluir a motivação inicial do INPI na concessão da marca, por ser relevante para a correcta interpretação e enquadramento do litígio tendo em conta as duas possíveis soluções de direito e entendimentos da entidade administrativa em sede da especificidade das normas de direito industrial. A alteração ao facto 12, com a transcrição/print do trecho decisório, à semelhança do que o Tribunal considerou por bem incluir no facto 21, possibilita a ponderação de todos os factores pertinentes para o bom julgamento da causa”.
Para a recorrida, contudo, não assiste razão à recorrente (conclusões “b” a “r“).
Apreciando.
O referido “ponto b” dos factos não provados constantes da sentença tem a seguinte redação:
“b. Que o consumidor médio dos produtos visados pela marca requerenda, para além de já estar familiarizado com o sinal em apreço em virtude da sua utilização no mercado pela Requerente há 27 (logotipo n.º 148), facilmente efectuará a destrinça entre os sinais em confronto, pelo facto de o elemento em comum – a sigla M&M, que se reporta à designação social da Recorrente, já possuir, por si, capacidade distintiva”.
Nas alegações, a recorrente, invoca que tal facto “não é um facto. É uma conclusão, é um juízo valorativo, baseado nos outros factos, esses sim factos, alegados pela Recorrente e que foram incluídos na matéria de facto provada. (10 e 11 das alegações)
É isento de dúvidas que da fundamentação de facto apenas devem constar factos. Já não é pacífico o que se deve entender por “facto” para este efeito (por todos, na doutrina cf. Miguel Teixeira de Sousa Do mesmo autor e no mesmo endereço "Factos conclusivos": já não há motivos para confusões!e “Juízos conclusivos": que los hay, los hay!”
, Algumas conclusões sobre os "factos conclusivos", in https://blogippc.blogspot.com/; e, na jurisprudência, o Acórdão do STJ de 27-04-2017 proferido no processo 273/14.1TBSCR.L1.S1 Para mais desenvolvimentos cf. o Ac. STJ de 11.03.2021 proferido no processo 1205/18.3T8PVZ.P2.S1).
Afirma Miguel Teixeira de Sousa no referido estudo, e com a nossa concordância:
“5. Por fim, cabe referir que a figura dos "factos conclusivos" foi construída (com ou se razão, isso não interessa agora apurar) quando no processo civil português havia uma estrita separação entre a decisão da matéria de facto pelo tribunal colectivo e a decisão da causa pelo juiz do processo. Terminada esta separação e decidindo o juiz da causa numa única sentença tanto a matéria de facto, como a matéria de direito, é absolutamente irrelevante se esse juiz se pronuncia sobre o preenchimento da previsão de uma regra jurídica umas linhas "abaixo" ou "acima". A verdade é que, em algum momento da sentença, o juiz tem de verificar se os factos provados são subsumíveis à previsão de uma regra jurídica.
Excluir da realidade processual os "factos conclusivos" é contrariar a solução que, de forma adequada, foi finalmente consagrada no regime processual civil português: a de que não há uma estrita separação entre a matéria de facto e a matéria de direito. Afinal, qualquer facto provado em processo só tem relevância se for um facto jurídico, ou seja, um facto que o acórdão qualifica como "facto conclusivo". Em direito, não há senão factos jurídicos, pelo que de duas, uma:
-- Do facto que é provado em processo não se pode inferir nenhum facto jurídico, porque esse facto não é subsumível à previsão de nenhuma regra jurídica; esse facto é um facto juridicamente irrelevante e não justifica a aplicação de nenhuma regra jurídica;
-- Do facto que é provado em processo pode inferir-se um facto jurídico, ou seja, um facto que é subsumível à previsão de uma regra jurídica; o tribunal pode aplicar esta regra, isto é, pode aplicar ao caso concreto a estatuição dessa regra.
6. Em suma: em vez de serem combatidos, os "factos conclusivos" devem ser vistos como algo inerente ao carácter inferencial da prova e ao preenchimento das previsões das regras jurídicas; a única coisa que se impõe fazer é substituir a equivocada expressão "factos conclusivos" pela correcta expressão "factos jurídicos".
(são nossos os destaques)
Há que ressalvar que, evidentemente, para o referido autor “consequências ou efeitos jurídicos não podem ser considerados provados”.
Atendendo à dificuldade inerente à classificação de um facto como um mero facto, ainda que jurídico, e as consequências ou efeitos jurídicos, nem sempre evidentes ou imediatos, a jurisprudência, contudo, tem mantido uma posição mais tradicional procurando deixar para a fundamentação de direito a apreciação se o facto preenche alguma regra jurídica.
Neste sentido, escreveu-se no referido acórdão STJ proferido no 273/14.1TBSCR.L1.S1:
“(…), o artigo 646.º, n.º 4, do CPC, na redação anterior à reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, determinava que se tivessem por não escritas as respostas dadas, em sede de julgamento de facto, sobre questões de direito, o que implicava, nomeadamente, ajuizar sobre o préstimo do teor dessas respostas para enunciar juízos de facto.
É certo que tal disposição não foi transposta para a atual versão do CPC, mas ainda assim deve manter-se o entendimento de que a questão de saber se determinado enunciado linguístico é adequado a descrever uma factualidade juridicamente relevante reconduz-se a uma questão de direito, de cuja solução dependerá o atendimento ou não, como espécie factual, da matéria ali vertida, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte (…)”[ A este propósito Miguel Teixeira de Sousa critica: “O que cabe perguntar é o seguinte: por que motivo, em vez de procurar "ressuscitar" uma regra que foi revogada, não se trabalha com o regime que está efectivamente em vigor?” (sítio eletrónico já referido, entrada “Jurisprudência 2023 (168)”)]
(…)
Como é sobejamente reconhecido, nem sempre se mostra, na prática, tarefa fácil fazer a destrinça entre um juízo de facto e um juízo de direito, tanto mais que os próprios juízos probatórios integram categorias lógicas sinteticamente representativas de uma realidade concreta em que concorrem múltiplas vicissitudes que seria difícil descrever até ao ínfimo pormenor.
Ora, no respeitante à formação do juízo probatório, já longe vão os tempos da tradição empírico-narrativista, em que dominava o lema de que factos são factos e não necessitam de ser argumentados. Com efeito, a verdade judicial é fruto de um raciocínio problemático, sustentado na razão prática mediante a análise crítica dos dados de facto veiculados pela atividade probatória, em regra, mediante inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência comum colhidas da normalidade social. Daí resulta que os juízos probatórios incluam, por vezes, segmentos de pendor conclusivo ou elementos categoriais compreensivos da realidade em análise.
No entanto, na sua formulação, há que estar prevenido contra a ocorrência de dois riscos frequentes: por um lado, a tendência para a generalização fácil do conhecimento empírico; por outro lado, o perigo de obnubilação da concretude factual pela via da abstração conceitual[15]. Assim, na valoração e formulação do juízo probatório, deve procurar-se o equilíbrio entre o sentido do real e a sua razão prática.
(…)
No seu recorte normativo, os factos podem ser configurados como realidades dinâmicas (troços do suceder) ou como realidades situacionais ou estáticas (troços dos ser). Por sua vez, as factualidades dinâmicas podem traduzir-se em ocorrências mais ou menos instantâneas, simples ou complexas, confinadas a determinados lapsos de tempo, ou assumir natureza duradoura, prolongando-se quer de forma ininterrupta (sem solução de continuidade) quer de modo sucessivo (com soluções de continuidade), mormente por integração de eventos reiterados.
Será, pois, em função da morfologia típica de cada facto juridicamente relevante que se deverá ajuizar sobre o quantum satis da respetiva densificação. Em regra, os factos instantâneos requerem maior grau de pormenorização, enquanto que os factos de feição duradoura ou continuada, em particular os ocorridos sob forma reiterada, não o exigem, bastando-se com uma espessura menos concentrada que seja, porém, reveladora dos traços fundamentais da sua distensão ao longo do tempo.
E quanto à terminologia a utilizar na descrição dos factos, devem evitar-se termos puramente jurídicos ou de significação abstracta ou de mera valoração, que comprometam a necessária objetividade, admitindo-se, todavia, o uso de termos conceituais de alcance semântico consensual, em função do contexto factológico em que se inscrevem”.
O facto, não provado, em apreciação encerra as aludidas dificuldades. Acresce, ainda, que engloba diversas realidades, sendo um facto complexo. A sua relevância, contudo, resulta, unicamente, de que dele consta (como não provado) que o consumidor facilmente efetuará a destrinça entre os sinais.
Afirmam-se (não esquecendo que se trata de um facto não provado), diversas realidades:
1ª o consumidor médio dos produtos visados pela marca requerenda, já está familiarizado com o sinal em apreço;
2ª O sinal em apreço já está em utilização no mercado pela Requerente há 27 (logotipo n.º 148);
3ª o consumidor médio dos produtos visados pela marca requerenda facilmente efectuará a destrinça entre os sinais em confronto;
4ª o elemento em comum – a sigla M&M, que se reporta à designação social da Recorrente, possui, por si, capacidade distintiva.
Atendendo ao que está em causa, não existirão grandes dúvidas em considerar as duas primeiras como meros factos; a 3ª como uma realidade de facto dinâmica apreendida de outros factos; e a 4ª, na parte final, como uma mera conclusão jurídica.

A realidade constante de 3 (o consumidor médio dos produtos visados pela marca requerenda facilmente efectuará a destrinça entre os sinais em confronto) não se trata de um efeito jurídico, ou consequência jurídica, em si. Sendo que tal facto é essencial à matéria em apreciação.
Tal como acima referido, concorda-se que “na valoração e formulação do juízo probatório, deve procurar-se o equilíbrio entre o sentido do real e a sua razão prática.
Prevê o art. 283.º, do Código da Propriedade Intelectual, citado na sentença:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) (…);
b) (…);
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que (…)
(são nossos os destaques)
Atenta a previsão normativa, cremos que é desaconselhável utilizar-se, na matéria de facto, um conceito, valorativo, utilizado pela norma a aplicar, devendo deixar-se essa apreciação para a valoração de direito.
É certo que, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, trata-se, apenas da apreciação umas linhas "abaixo" ou "acima". Contudo, prevendo o art. 607.º, n. 3, do Código de Processo Civil, uma determinada ordem para o conhecimento das questões (”Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”) afigura-se mais correto deixar tal apreciação para a fase da interpretação e aplicação das normas do que para a da discriminação dos factos provados ou não provados.
Entendemos, assim, pelo afastamento de tal facto da matéria de facto não provada, sem prejuízo da sua consideração a final, se necessário.
Quanto à matéria considerada provada, a recorrente alega que “O ponto 12 deveria também incluir a motivação inicial do INPI na concessão da marca, por ser esse relevante para a correcta interpretação e enquadramento do litígio tendo em conta as duas possíveis soluções de direito e entendimento em sede da especificidade das normas de direito industrial, possibilitando a ponderação de todos os factores pertinentes para o bom julgamento da causa”.
Sem prejuízo de se entender que existe um evidente desequilíbrio entre o que consta do facto provado sob o n. 12 e o que consta sob o facto 21, não podemos deixar de referir que, para o que está em apreciação, é a redação do facto 12 que se afigura correta.
A redação do facto 21 procede a uma descrição (verdadeira citação) da decisão impugnada sem interesse para os factos, tendo eventual interesse na fundamentação jurídica.

O que se impunha, no que respeita aos factos, era dar conta da existência de tais decisões, nada mais. A sua importância reside, unicamente, na aferição da legitimidade do recorrente de tais decisões, para aferir da tempestividade do recurso e, eventualmente, para apurar da existência de marcas prioritárias.
Atendendo à matéria em recurso e o disposto no art. 38.º, do Código da Propriedade Intelectual (“Cabe recurso, de plena jurisdição, para o tribunal competente das decisões do INPI, I. P. – é nosso o destaque), os fundamentos das decisões do INPI, podendo ter importância na fundamentação jurídica, são completamente espúrias factualmente.
Assim, mantém-se a redação constante do facto 12, sendo alterada a do facto 21 para o seguinte:
21- O INPI proferiu, em 20 de Dezembro de 2023, decisão que revogou a decisão, proferida em 07 de Junho de 2023 (de concessão do registo da marca nacional n. 694944 “na classe 33 da Classificação Internacional de Nice), e cuja publicação foi efectuada no Boletim da Propriedade Industrial de 5 de Janeiro de 2024.
Mais alega a recorrente que “O ponto 17 da matéria de facto provada carece de precisão devendo ser alterada a redacção de:
“A comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M (cfr. catálogo junto com doc. 14)”
Para
“A comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos (cfr. catálogo junto com doc. 14)”
Alega que o “aditamento sufragado resulta do teor do próprio documento que fundamenta a prova do facto (facto alegado nos artigos 30º e 31º do recurso para o Tribunal a quo)” (29 das alegações).
Na fundamentação da matéria de facto, o tribunal a quo justificou este facto 17 do seguinte modo:
A formação da convicção do Tribunal assentou no exame da documentação junta.
Esta fundamentação terá, pois, de nos remeter, tal como alega a recorrente, para o catálogo junto com documento 14.
E cotejando tal catálogo, as alegações da recorrente nos artigos 30º e 31º do requerimento inicial e atendendo à importância do aditamento requerido, verificamos que assiste razão à recorrente, devendo tal facto ser aditado dos elementos pretendidos.
Assim, o facto passará a ter a seguinte redação:
“17. A comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos (cfr. catálogo junto com doc. 14)”
Assim, a fundamentação de facto passa a ter os seguintes os factos provados:
1- A 8 de Novembro de 2022, a Recorrente depositou um pedido de registo de marca de tipologia mista, caracterizada pela seguinte imagem
(cfr. documento n.º 1 e n.º 2);
2- A marca destina-se a assinalar produtos na classe 33 da Classificação Internacional de Nice: “vinhos; aguardentes; licores.” (cfr. documento n.º 1 e n.º 2);
3- Em 17 de Novembro de 2022, o pedido de registo foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial, e no decurso do prazo de dois meses para a apresentação de oposições, de acordo com o consignado no artigo 17.º do CPI, veio a Recorrida Cave Central da Bairrada S.A. apresentar a sua oposição com base nos seguintes direitos marcários da sua titularidade:
- Marca nacional n.º 357302 caracterizada pela simbologia requerida a 9 de Julho de 2001 e concedida a 12 de Setembro de 2002, destinando-se a “bebidas alcoólicas (com excepção de cerveja)” inseridas na classe 33 da Classificação Internacional de Nice);
- Marca nacional n.º 518176 caracterizada pela simbologia requerida a 2 de Setembro de 2013 e concedida a 28 de Julho de 2014, destinando-se a “bebidas alcoólicas excepto cerveja” inseridas na classe 33 da Classificação Internacional de Nice; (cfr. documento n.º 3) (adiante identificada como “marcas registadas”);
4- A então Requerente e aqui Recorrente apresentou Contestação a 20 de Fevereiro de 2023 (cfr. documento n.º 4).
5- A 3 de Maio de 2023 a Recorrente foi notificada das provas de uso apresentadas pela Reclamante, na sequência da invocação do artigo 227.º n.º 1 do CPI na Contestação (cfr. documento n.º 5).
6- A 07 de Junho de 2023, é proferido pelo INPI o despacho de concessão da marca requerenda, tendo a reclamação da Recorrida sido julgada improcedente (cfr. documento n.º 6);
7-Inconformada, a Recorrida apresentou pedido de modificação de decisão a 7 de Agosto de 2023 (cfr. documento n.º 7).
8- A Recorrente pronunciou-se acerca do pedido na Resposta submetida a 30 de Agosto de 2023 (cfr. documento n.º 8).
9- A 20 de Dezembro de 2023 é proferida deliberação/despacho, remetido às partes intervenientes a 29 de Dezembro de 2023 (documento n.º 9).
10- O despacho recorrido foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 5 de Janeiro de 2024 (documento n.º 10).
11- A Recorrente tem o Logótipo – n.º 148, requerido a 29 de Abril de 1996 e publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 4/1996 (cfr. documento n.º 11 – extracto integral da base de dados do INPI e documento n.º 12 – publicação original do Logótipo n.º 148), caracterizado pelo sinal

12- O INPI havia decidido pela concessão do registo da marca aqui em litígio, (cfr. documento n.º 6).

13- A Recorrente actua no mercado desde 1974 (cfr. documento n.º 14);
14- Ao longo de 50 anos de existência a Recorrente dedicou-se ao comércio de vinhos (cfr. documento n.º 14).
15- E fez uso do logótipo que registou para assinalar essa mesma comercialização e actividade (cfr. documento n.º 14).
16- Comercializando vinhos sob várias designações das quais se destacam as seguintes marcas registadas e em vigor:
- Marca nacional n.º 156877 «ORVINHOS» na classe 33, concedida a 14.12.1970 (cfr. documento 15);
- Marca nacional n.º 162852 «VINHATÃO» na classe 33, concedida a
16.06.1972 (cfr. documento 16);
- Marca nacional n.º 162879 «BAGO PERFEITO» na classe 33, concedida a 10.07.1972 (cfr. documento 17);
- Marca nacional n.º 201483 «PÉ-DE-VENTO» na classe 33, concedida a 03.07.1986 (cfr. documento 18);
- Marca nacional n.º 237228 «MORIMOR» na classe 33, concedida a 04.02.1992 (cfr. documento 19);
- Marca nacional n.º 286799 «MONTANHÊS» na classe 33, concedida a 07.07.1994 (cfr. documento 20);
- Marca nacional n.º 320878 «MONTANHÊS» na classe 33, concedida a 31.03.1997 (cfr. documento 21);
- Marca nacional n.º 554886 «B DONA BINA» na classe 33, concedida a 25.01.2016 (cfr. documento 22).
17. A comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos (cfr. catálogo junto com doc. 14);
18- Nas redes sociais a Recorrente apresenta-se como Soc. de Vinhos M&M e nas suas publicações refere Moreira & Moreira (cfr. documento n.º 23).
19- Os vinhos são produtos onde são apostos rótulos e que são percepcionados visualmente pelo consumidor, aquando da escolha e aquando da aquisição, quer o consumidor os escolha directamente das prateleiras dos supermercados das secções de bebidas, quer solicite a ajuda de um funcionário numa loja especializada em bebidas, quer o encomende da internet, quer peça o vinho num restaurante pois é facto notório que lhe é apresentada a garrafa com a respectiva rotulagem por parte do empregado antes de servir (facto notório).
20- A Recorrente sofreu alterações do seu objecto social:
- A 3 de abril de 2009, o objecto social da Recorrente era:
“O exercício do comércio de vinhos e seus derivados” – Consulta a 4.06.2024 no link:https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx (cfr. doc.1, junto com o requerimento de Oposição.
- A 28 de abril de 2016, o seu objeto social foi alterado para:
“Comércio por grosso e a retalho de todo o tipo de bebidas alcoólicas” – Consulta a 4.06.2024 no link: https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx.(cfr. doc. 2, junto com o requerimento de Oposição).
-A 27 de abril de 2023 aquele objeto social passou a ser:
“Produção de vinhos de mesa e vinhos com denominação de origem a partir de uvas, de vinhos licorosos e licorosos com denominação de origem ou puros, inclui mistura, purificação e engarrafamento de vinhos. Comércio por grosso vinhos e outras bebidas alcoólicas e não alcoólicas incluindo o engarrafamento e certos tratamentos associados à atividade do comércio por grosso, comércio a retalho de todos os tipos de bebidas alcoólicas e não alcoólicas” (cfr. doc. 13 junto ao recurso judicial).
21- O INPI proferiu, em 20 de Dezembro de 2023, decisão que revogou a decisão, proferida em 07 de Junho de 2023 (de concessão do registo da marca nacional n. 694944 “na classe 33 da Classificação Internacional de Nice), e cuja publicação foi efectuada no Boletim da Propriedade Industrial de 5 de Janeiro de 2024.
E os seguintes factos não provados:
a. Há mais de cinquenta anos a Recorrente se tenha vindo a dedicar à produção vinícola sob marcas próprias, nomeadamente as referidas em 16.
Fundamentação de direito.
Importa, agora, apreciar a segunda das questões:
A sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que ocorre o invocado risco de confusão entre a marca registanda da recorrente e as marcas da recorrida?
A sentença em recurso fundamentou a sua decisão, em síntese, no seguinte:
i. as marcas registadas da Recorrida são prioritárias e todas as marcas se destinam a identificar vinho, enquanto produto inserido na classe 33.ª da categoria de Nice.
ii. existe total sobreposição entre os caracteres utilizados na marca registanda e nas marcas registadas e pelas ordens em que se encontram dispostos, uma vez que ambas utilizam a sigla: “M&M” e existe total identidade fonética entre a marca registanda e as marcas registadas, uma vez que os sinais serão lidos e pronunciados pela mesma forma, como apontado pelo INPI.
A sentença apreciou, ainda, a preexistência do logótipo descrito em 11 dos factos provados:
A Recorrente tem o Logótipo – n.º 148, requerido a 29 de Abril de 1996 e publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 4/1996 (cfr. documento n.º 11 – extracto integral da base de dados do INPI e documento n.º 12 – publicação original do Logótipo n.º 148), caracterizado pelo sinal

Entendeu-se na sentença que:
“(…) a distinção entre logotipo e marca não é uma “desculpa”, é uma distinção conceptual que tem base legal.
A isto acresce que se afigura de meridiana clareza que da circunstância de, aquando da concessão das marcas pré-existentes, não ter sido considerado relevante o logotipo da Recorrente não se pode retirar que agora as marcas da Recorrida devam também ser consideradas irrelevantes, para efeito de apreciação da existência de risco de confusão ou associação entre marcas.
É que se a decisão proferida no primeiro caso se reportava ao confronto de cada um dos sinais que a Requerida pretendia registar com os demais existentes, no caso sob apreciação, o que está em causa é o confronto do sinal que a Recorrente pretende registar como marca, com as marcas pré-existentes.
Em suma, a questão de saber se a existência do logotipo da Recorrente deveria, ou não, ter sido considerado obstativo da concessão das marcas pré-registadas não pode ser conhecido nestes autos a título incidental.
Assim, não se pode admitir a procedência desse argumento, uma vez que pressuporia a possibilidade de repristinação, nestes autos, de matéria anteriormente decidida e fixada.
Também não podem proceder os argumentos de que a utilização previa de um logotipo constitua facto relevante para a concessão de registo de marca, por ausência de suporte legal desse efeito. Aliás, conforme resulta das alíneas a) e b) dos factos não provados, não resultou provado o carácter distintivo do logotipo, como se de uma marca se tratasse.
Em suma, improcede a alegação de que o logotipo acima identificado poderia conceder alguma espécie de direito à Recorrente, no que respeita a matéria de marca”.
O Código da Propriedade Intelectual não define o que seja um logótipo, deixando tal tarefa para a jurisprudência e a doutrina Cf. em sentido muito crítico Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, noções fundamentais, 2ª ed. Reimp., Almedina, pp. 349 e segs.
, mas define-lhe determinadas características que não podem deixar de ser tomadas em consideração para a sua definição.
O art. 281.º, do Código da Propriedade Intelectual estabelece que o logótipo “deve ser adequado a distinguir uma entidade que preste serviços ou comercialize produtos” (n. 2). E o n. 1, estabelece o que pode constituir um logótipo “um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente por elementos nominativos, figurativos ou por uma combinação de ambos, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular”.
Assim, a jurisprudência e a doutrina têm considerado que:
Um logótipo é um sinal distintivo do comércio, adequado a distinguir uma entidade que preste serviços ou comercialize produtos (Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, pág. 353). Essa entidade pode ser uma pessoa individual ou colectiva, pública ou privada, desde que exerça uma actividade económica concreta, isto é, produza bens ou preste serviços ao mercado, tenha ou não fim lucrativo, revista ou não organização empresarial (Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2015, 6ª ed., p. 355), podendo ser utilizado, nomeadamente, em estabelecimentos, anúncios, impressos ou correspondência (art. 281º/2 do CPI).
A tutela dos logótipos pressupõe o seu registo, como resulta do art. 293º do CPI, nos termos do qual «o registo do logótipo confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível que seja destinado a individualizar uma actividade idêntica ou afim e possa causar risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor».
(por todos, cf. o Acórdão desta Relação de Lisboa de 29.06.2022 Proferido no âmbito do processo 320/21.0YHLSB.L1-PICRS e disponível in www.dgsi.pt).
A marca, por sua vez, destina-se a “distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” (art. 208.º, do Código da Propriedade Intelectual).
Estabelece, relevantemente, o art. 293.º do Código da Propriedade Intelectual quais os direitos conferidos ao titular do registo do logótipo:
1 - O registo do logótipo confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível que seja destinado a individualizar uma atividade idêntica ou afim e possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor.
(são nossos os destaques)
Em concretização desta previsão, estabelece o art. 232.º, n. 1, al d), do Código da Propriedade Intelectual, que:
“1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
(…)
d) A reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina ou a imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
(…)”
(são nossos os destaques)
Por sua vez, o Artigo 260.º, do mesmo diploma, estipula que:
“Para além do que se dispõe no artigo 33.º, o registo da marca é anulável quando, na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos artigos 232.º a 235.º, excecionando o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 232.º
Perante as referidas normas e os factos apurados, e ressalvado o devido respeito, não concordamos com a apreciação efetuada quanto à desvalorização do logótipo na titularidade da recorrente.
A sentença, em termos gerais, cita a jurisprudência aplicável, no entanto, não dá o devido relevo a alguns factos e regras que, a nosso ver, levam a uma conclusão contrária à da sentença.
Vejamos, em termos cronológicos o que os factos nos revelam:
1. O Logótipo – n.º 148, da recorrente, foi requerido a 29 de Abril de 1996 e publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 4/1996, caracterizado pelo sinal ;

2. A marca nacional n.º 357302 caracterizada pela simbologia foi requerida a 9 de Julho de 2001 e concedida a 12 de Setembro de 2002, destinando-se a “bebidas alcoólicas (com excepção de cerveja)” inseridas na classe 33 da Classificação Internacional de Nice);
3. A marca nacional n.º 518176 caracterizada pela simbologia foi requerida a 2 de Setembro de 2013 e concedida a 28 de Julho de 2014, destinando-se a “bebidas alcoólicas excepto cerveja” inseridas na classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
4. A 8 de Novembro de 2022, a Recorrente depositou um pedido de registo de marca de tipologia mista, caracterizada pela seguinte imagem

Mais se provou que a Recorrente actua no mercado desde 1974; que ao longo de 50 anos de existência a Recorrente dedicou-se ao comércio de vinhos e fez uso do logótipo que registou para assinalar essa mesma comercialização e actividade, comercializando vinhos sob várias designações, designadamente as descritas em 16, a comercialização desses vinhos, e muitos outros, da Recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos.
Perante os factos provados, resulta que a prioridade dos sinais em confronto (logótipo da recorrente, marcas registadas da recorrida e marca registanda da recorrente) é conferida, em primeiro lugar, ao logótipo.
Não oferece grandes dúvidas Cf. por todos o Acórdão do TJUE no processo C-251/95 de 11 de novembro de 1997 caso Sabel BV vs Puma AG Rudolf Dassler Sport, consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A61995CJ0251 “Esta apreciação global deve, no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceptual das marcas em causa, basear-se na impressão de conjunto produzida pelas marcas, atendendo, designadamente, aos elementos distintivos e dominantes destas. Com efeito, resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da diretiva, nos termos do qual “existe, no espírito do público, um risco de confusão...», que a perceção das marcas que tem o consumidor médio do tipo de produto ou serviço em causa desempenha papel determinante na apreciação global do risco de confusão. Ora, o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades” – 23., que a comparação entre sinais deve fazer-se através da “impressão de conjunto” (intuição sintética) e não por “dissecação de pormenores”.
Entende a sentença que “não se provou a existência de diferença conceptual entre as marcas, nem que o sinal registando tivesse carácter distintivo do acrónimo da designação social da Recorrente, conforme alíneas a) a d) dos factos não provados.” Sendo, evidentemente, um lapso a referência às alíneas “c” e “d”, dos factos não provados, por inexistência.
Mais se entendeu que “da matéria que resulta provada, a dissemelhança entre os sinais reconduz-se ao “lettering” e à utilização do elemento figurativo “cacho de uvas”. No mais, a marca registanda reproduz as marcas registadas”.
E que “o argumento de que a expressão “M&M” é um sinal fraco também não pode ser acolhido.
É que a junção das referidas letras com o “e comercial” cria o som “EMEEÉME”, som esse que tem carácter distintivo, não podendo – parece-nos – o carácter distintivo da marca ser analisado a partir das suas partes compostas, a saber olhando para as letras “M” e “e comercial”, vistas de “per se”, como se tratassem de realidades autónomas.
A junção das letras acima indicadas pela ordem em que ocorre cria uma nova palavra, uma nova realidade com carácter distintivo”.
Verificamos, pois, que a sentença procedeu à apreciação a existência do risco de confusão unicamente tendo em consideração as marcas registadas e a marca registanda:

Marcas registadas da recorridaMarca registanda da recorrente


Ou seja, a sentença em recurso ignorou o logótipo. Fê-lo por ter considerado que “o que está em causa é o confronto do sinal que a Recorrente pretende registar como marca, com as marcas pré-existentes” e que “a questão de saber se a existência do logotipo da Recorrente deveria, ou não, ter sido considerado obstativo da concessão das marcas pré-registadas não pode ser conhecido nestes autos a título incidental”. Mais considerou que “Também não podem proceder os argumentos de que a utilização previa de um logotipo constitua facto relevante para a concessão de registo de marca, por ausência de suporte legal desse efeito”.
Cremos, ressalvado o devido respeito, que a desconsideração do logótipo, prioritário às marca da recorrida, contraria as normas acima citadas, bem como os direitos conferidos ao titular do registo do logótipo.
O nosso direito industrial não confere maior importância, ou prioridade, à marca em relação ao logótipo, ou vice versa. O Código da Propriedade Intelectual determina a aplicação ao logótipo as formalidades processuais relativas às marcas (art. 287.º) bom como “com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 249.º” (Direitos conferidos pelo registo), aplicável às marcas.
Pela via empreendida pela sentença em recurso, chega-se à conclusão, que não podemos aceitar, que a marca registanda, da recorrente, que é quase uma reprodução exata do logótipo, por si registado, constitua imitação de outras marcas registadas posteriormente à data do registo do logótipo – e sua utilização intensiva, como os factos demonstram –, as quais (as marcas da recorrida), por consequência lógica das regras acima indicadas – de que avulta o 232.º, n. 1, al d), do Código da Propriedade Intelectual – não foram consideradas como suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão.
Em termos de mero silogismo lógico, é difícil compreender que o sinal

é suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão com os sinais

e ,

mas que, os mesmos sinais
e ,
já não sejam suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão com o sinal


Cremos que há, na apreciação do tribunal a quo, uma inversão material da regra da prioridade, pela desvalorização do logótipo, e desconsideração da finalidade do direito das marcas.

Pela prioridade do registos, os sinais em confronto são os seguintes:
Logótipomarcas recorridamarca registanda


Parece-nos evidente que, da análise de conjunto, o risco de confusão mais forte ocorre entre o logótipo e a marca registanda. O consumidor perante a visualização da marca registanda associá-la-ia, primeiramente, ao logótipo.
E tal associação, atenta a mesma titularidade – da recorrente – nunca seria suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
Não podemos esquecer que “o direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido Tribunal de Apelação do Sétimo Circuito, caso James Burrough, Ltd v. Sign of the Beefeater, Inc., 1976 (passagem extraída da tradução espanhola de FERNANDEZ-NOVOA, Fundamentos de Derecho de Marcas, Madrid, 1984, p. 45).”.
No caso, provou-se muito significativamente que a recorrente atua no mercado desde 1974; que ao longo de 50 anos de existência a recorrente dedicou-se ao comércio de vinhos e fez uso do logótipo que registou para assinalar essa mesma comercialização e actividade, comercializando vinhos sob várias designações, designadamente as descritas em 16, a comercialização desses vinhos, e muitos outros, da recorrente, é, e foi, feita sob o signo M&M que surge, na sua composição figurativa, no catálogo e nos rótulos dos vinhos.
Perante estes factos dificilmente se pode considerar que a introdução no mercado de uma nova marca, que é reprodução quase exata de um logótipo extensamente em uso nos mesmos produtos e serviços, seria violador da concorrência.
Invoca a recorrida que, a alegação da recorrente, respeitante aos direitos conferidos pelo registo do logótipo, configuraria “um abuso de direito nos termos do art.º 334.º do CC, na modalidade de “supressio””.
Não cremos que assim seja. A invocação de tais direitos, pela recorrente, surge em virtude da recusa do registo da marca, e não pelo não exercício aquando dos registos, e uso, das marcas da recorrida.
Atentos os factos provados e a matéria em discussão são, igualmente, irrelevantes as regras legais respeitantes à rotulagem do vinho.
Entendemos, pois, que a decisão em recurso não pode substituir, devendo ser dado procedimento ao recurso interposto pela recorrente.
As custas são da responsabilidade da recorrida por ter ficado vencida.

III. DECISÃO:
Pelo exposto, damos provimento ao recurso e, em consequência, determina-se o registo da marca nacional n.º 694944 “ ” para designar produtos da classe 33.

Custas pela recorrida.
Cumpra-se o disposto no artigo 34.º, n. 5, do CPI aplicável ex vi art. 46.º do mesmo diploma, após trânsito e baixa dos autos.

Lisboa, 2/5/2025
A.M. Luz Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho
José Paulo Abrantes Registo