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LIQUIDAÇÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Sumário
(cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC): I - A notificação/comunicação do obrigado à preferência, contendo todos os elementos necessários à decisão do preferente, configura uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para ambos. II - Caso algum (ou alguns) dos requisitos enunciados não se verifique no caso concreto, a declaração não pode ser considerada como proposta de contrato. Neste caso, constituirá somente um convite a contratar, ou seja, apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta. III - A comunicação extrajudicial prevista no art.º 416º, n.º 1, do Cód. Civil, contendo os elementos necessários à decisão do preferente, consubstancia uma verdadeira proposta contratual, sendo que a comunicação de preferir pelo titular da preferência traduz-se numa aceitação da mesma proposta, implicando a celebração de um contrato definitivo (v.g. compra e venda), desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma. IV - No caso da celebração do contrato projetado depender de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, designadamente quando aquele contrato exigir uma forma especial e a comunicação e a declaração de preferência forem efetuadas por documento escrito (v.g. carta), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (art.º 410º, n.º 2, do Cód. Civil), o que permitirá o recurso à execução específica prevista no art.º 830º, do C. Civil, em caso de não cumprimento. V - Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art.º 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art.º 1410º do Cód. Civil. VII - Qualquer despacho proferido sobre questão processual (no fundo, todos os despachos que decidam questão que não seja de mérito), uma vez transitado em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art.º 625º, nº 2 do CPC) decisão posterior transitada em julgado sobre a mesma questão que dele tenha sido objeto. VIII - Ao ser determinada a venda da verba apreendida para a massa insolvente a um terceiro, que não o apelante a quem foi comunicada a preferência, tal configura um definitivo não-cumprimento da obrigação, e que, no caso, por não se tratar de promessa com eficácia real é impeditiva do recurso à execução específica da promessa de compra e venda. IX - Em virtude do caso julgado formal formado na ação principal a apelada ficou impossibilitada de cumprir da sua obrigação, porque deixou de depender da sua vontade (artigo 801º, nº 1, do Código Civil), mas imposta por caso julgado formal formado dentro do processo.
Texto Integral
I. Relatório
AA., Lda., com sede na (…) instaurou contra a Massa insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora, com sede na (…), representada pelo seu administrador de insolvência, (…), ação declarativa de condenação pedindo que se reconheça: I – Que a declaração da R. constante da carta registada que dirigiu à Autora a 19/08/2020 onde se comunicava a intenção da Ré de vender o imóvel identificado no art.º 3 desta p. i. pelo preço de € 1.530.000,00, conferindo-lhe a faculdade de exercer o direito de preferência e a comunicação da A. comunicando à Ré o exercício da preferência, consubstancia um contrato promessa de compra e venda sujeito à execução específica.// II – A transmissão do direito de propriedade do ajuizado prédio, descrito no art.º 3 desta p. i. (prédio urbano composto de parcela de terreno, identificada por parcela B, que integra o campo de treinos com 7.700m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo, com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito na (…), descrito na (…) Conservatória do registo predial (…) sob o nº (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…) para a titularidade da A., pelo preço de 1.530.000,00€ (um milhão, quinhentos e trinta mil euros), pago do seguinte modo: a) Através do valor de € 153.000,00, titulado pelo Cheque n.º (…), no valor de € 153.000,00, sacado sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, à ordem da Ré e que lhe foi entregue pela A.// b) Através do valor de € 56.457,00, titulado pelo Cheque n.º (…), no valor de € 56.457,00 sacado sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, à ordem de “OO”, Lda., a título de comissão de venda e que lhe foi entregue pela A.// c) O valor remanescente, ou seja, 90% do valor da venda, no montante de 1.377.000 € através de depósito à ordem deste tribunal.// III – Que o incumprimento do ajuizado e consubstanciado contrato promessa de compra e venda por parte da R. ao não outorgar a escritura pública de compra e venda do imóvel torna-a responsável pelos prejuízos causados à A.// IV – Que a Ré está obrigada a indemnizar a A. pelo valor correspondente às rendas mensais referentes ao contrato de arrendamento tendo por objeto o prédio melhor identificado no art.º 3 desta p.i., e até que A. seja investida no direito de propriedade do aludido imóvel, seja por via contratual, seja por via judicial – através de decretanda sentença na presente acção, - por cada mês decorrido, desde a data da citação para presente ação até à data da celebração do contrato de compra e venda ou ao trânsito em julgado da sentença a proferir na presente acção.// B – Condenar-se a R. a: I – Reconhecer quanto vem peticionado e será judicialmente declarado.// II – A indemnizar a A. pelo valor correspondente às rendas mensais referentes ao contrato de arrendamento tendo por objeto o prédio melhor identificado no art.º 3 desta p.i., e até que A. seja investida no direito de propriedade do aludido imóvel, seja por via contratual, seja por via judicial – através de decretanda sentença na presente acção - , por cada mês decorrido, desde a data da citação para presente ação até à data da celebração do contrato de compra e venda ou ao trânsito em julgado da sentença a proferir na presente acção.// III – aceitar a compensação do valor da indemnização, a determinar em execução de sentença, com o preço da compra e venda.
Para o efeito alegou em síntese que: o Clube de Futebol Estrela da Amadora foi declarado insolvente nos autos principais, sendo que a Ré é proprietária do prédio urbano composto de parcela de terreno, identificada por parcela B, que integra o campo de treinos com 7.700m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo, com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito na (…), freguesia de (…), concelho (…), que corresponde à verba 2 da relação de activo da Ré// em 23/04/2014 a Massa insolvente cedeu à Autora o gozo e fruição de parte desse prédio, ou seja a sala de jogo do Bingo incluindo entrada, parte administrativa e cozinha/bar/copa, com entrada pela (…) // A cedência do gozo e fruição de parte desse prédio teve como finalidade e destino a instalação do estabelecimento comercial de jogo do bingo explorado pela Autora, e foi feito por dez anos, tendo o seu termo no dia 02.11.2024, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 10.000,00.// que no dia 17 de Agosto de 2022 a R. enviou à A. carta registada com viso de receção sob o Assunto: “Notificação para o exercício do Direito de Preferência” com o seguinte teor que descreve, através da qual a R. comunicou à A. a intenção de vender o aludido imóvel ao potencial comprador “CC”, SAD., NIPC (…);”, pelo preço de 1.530.000,00€// que com tal carta a R. comunicou à A. que esta poderia exercer o direito legal de preferência que lhe assiste, pelo preço e nas condições acima indicadas, para o que deveria comunicar-lho por escrito, por carta registada com aviso receção, com o envio dos respectivos pagamentos, no prazo de 10 (dez) dias corridos, a contar da receção dessa carta, sob pena de caducidade.// Após receber essa carta a A., enviou à R. carta registada datada de 29.08.2022, mediante a qual exerceu o seu direito de preferência// em 13/09/2022 a Autora foi informada da existência de outro preferente – a “CC” SAD, bem da necessidade de ser abrir licitação entre ambos os preferentes com vista a alcançar uma proposta final// A Autora recusou a licitação por entender que a SAD não tinha um direito da mesma natureza.// A Ré veio então informar que iria suscitar a questão judicialmente.// Entende a Autora que a Ré, com esta actuação, apenas se pretende eximir à outorga da escritura de compra e venda, inventando razões inexistente para obstar à sua realização.
Citada a ré contestou (cf. ref. citius 22213080) por exceção, arguindo a incompetência do Tribunal em razão da matéria, que deverá ser atribuída aos Juízos do comércio e a inutilidade da presente ação atento o facto de a questão da preferência se encontrar a ser objeto de decisão nos autos principais.
Alegou ainda que: no âmbito dos autos de insolvência, na sequência da Assembleia de Credores realizada em 06/09/2021 e de acordo com as superiores indicações e deliberações da Comissão de Credores, a R alcançou uma proposta final de 1.530.000,00€ para aquisição da verba 2, ou seja, o imóvel melhor indicado no artigo 3 e 4 da PI// Proposta obtida através do ”CC” – SAD, doravante designada apenas por SAD.// Todavia, e conforme salvaguardado, previamente ao depósito dos cheques caução entregues em cumprimento das condições de venda, o Administrador Judicial teria de proceder à notificação das entidades com direito de preferência, entre outras a A enquanto arrendatária da verba 2// No dia 08/07/2022, foi enviada para a morada da sede - e constante no contrato de arrendamento - da sociedade “AA”, Lda., aqui A, carta registada com AR, a qual veio devolvida por não reclamada// Nesta sequência, foi endereçada uma segunda (e final) notificação, agora por registo simples, nos termos da jurisprudência fixada para salvaguarda das mesmas, no dia 18/08/2022, a qual foi rececionada pelo destinatário a 19/08/2022// No dia 29/08/2022 foi enviada para a morada da encarregada da venda uma carta registada com AR, da parte da sociedade “AA”, Lda. a exercer o seu direito de preferência na aquisição da verba referente ao Bingo, pelo valor de 1.530.000,00€, tendo juntado para o efeito, em cumprimento das condições de venda, o cheque no valor correspondente ao sinal e à comissão de venda// Tendo sido conferido à SAD um direito de preferência na aquisição da verba 2, entendeu a R. que estar perante dois Direitos em confronto, o que implicaria uma eventual licitação entre interessados// Tendo questionado a A. do seu interesse em licitar com a SAD com vista a alcançar uma proposta final esta manifestou não aceitar// Relegou a R. a decisão do procedimento a adotar ao Juiz da Insolvência que ouviu Comissão de Credores// Entende por isso a Ré que não tinha qualquer obrigação de agendar a escritura, tanto mais que a questão dos direitos de preferência ainda não se mostrava esclarecida, o que apenas ao Tribunal cabia decidir, não podendo por isso ser responsabilizada.
Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má fé.
Foi proferido despacho (cf. ref. n.º 144371150) que conheceu da exceção de incompetência do Juízo Central Cível de Sintra - Juiz (…), em razão da matéria, absolvendo, em consequência, a ré da instância.
Por requerimento sob a ref. n.º (…) veio a autora nos termos do n.º 2 do art.º 99 do CPC solicitar a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Comércio de Sintra – Juiz (..), devendo correr por apenso ao processo de insolvência n.º (…), o que foi deferido por despacho de 14/09/2023 (ref. n.º…).
Em 15/01/2024 foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção inominada de inutilidade da ação improcedente, fixou o objeto do litígio e os Temas da prova (ref. n.º…).
Realizou-se audiência de julgamento com observância do formalismo legal, no âmbito da qual se ordenou a junção aos autos do Acórdão desta secção proferido em 5/03/2024 (cf. ref. n.º…) o qual julgando procedente o recurso interposto por “CC”, SAD, do despacho proferido no autos principais com data de 14.07.2023, com a referência (…) (suspensão da venda da verba n.º 2 até à decisão a proferir na presente acção) determinou o prosseguimento da liquidação nos termos definidos na decisão proferida no dia 12/03/2023.
As partes apresentaram alegações por escrito.
Em 2/07/2024 (cf. ref. n.º 151182117) foi proferida sentença que julgou improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos formulados e bem assim a autora do pedido contra ela formulado pela ré como litigante de má fé.
Não se conformando, a autora recorreu da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Em face da factualidade dada como provada, e a ação terá que proceder.
2. A notificação enviada pela Ré R (Recorrida) à Autora (Recorrente) descrita no ponto 12 dos factos provados pela sentença recorrida, datada de 18.08.2022 (recebida a 19.08.2022) constitui uma notificação para o exercício do direito de preferência, e portanto constitui uma proposta contratual.
3. O título da notificação é: «Assunto: Notificação para o exercício do Direito de Preferência», o que demonstra que o Recorrido estava a notificar a Recorrente para o exercício do direito de preferência.
4. Essa carta, faz a injunção à Recorrente para que, querendo, esta exerça o direito legal de preferência que lhe assiste pelo preço e nas condições acima indicadas.
5. E, para que a Recorrente, querendo exercer o direito de preferência, deveria comunicar por tal facto escrito, por carta registada com aviso receção, e envio dos respectivos pagamentos, no prazo de 10 (dez) dias corridos, sob pena de caducidade.”».
6. A Recorrente, enquanto declaratário normal, teria que interpretar a notificação como uma notificação para o exercício do direito de preferência e uma proposta de venda.
7. A Recorrente, provou (art.º 342º, n.º 1, do Código Civil), que a carta rececionada a 19.08.2022 que lhe foi dirigida pela Recorrida é, consubstancia um contrato de promessa de compra e venda da verba 2 sujeito a execução especifica.
8. A declaração da Recorrida expressa na carta de 18.08.2022 (e recebida a 19.08.2022), convidando a Recorrente a exercer o direito de preferência na alienação do imóvel do qual é arrendatária consubstancia uma proposta contratual.
9. Essa declaração de vontade da Recorrida, tendo a Recorrente como destinatária, na sequência da notificação para o exercício do direito de preferência (exercício de um direito potestativo), recebida que foi por esta perfecciona o contrato promessa de compra e venda.
10. Neste contexto, ocorreu a formação de um contrato-promessa decorrente da substância da comunicação para preferir por parte da R. (rececionada a 19.08.2022) e da sua aceitação por banda da Recorrente (comunicada a 29.08.2022).
11. A sentença recorria violou os art.ºs 1091º, n.º 1, a) e n.º 4 e os art.ºs 416º a 418º e 1410º (ex vi n.º 5 do art.º 1091º), do Código Civil.
12. Neste contexto e até que Recorrente seja investida no direito de propriedade do aludido imóvel, seja por via contratual, seja por via judicial – através de decretanda sentença na presente acção, deve a Recorrida ser condenada a pagar uma indemnização com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados à Recorrente.
13. Outrossim, pela não celebração atempada do contrato prometido.
14. Danos esses, correspondente ao valor da renda mensal que actualmente é de €10.000,00.
15. O acórdão da Relação de Lisboa de 12.02.2023 proferido no processo principal, que decide que a R. deveria vender o imóvel a outra entidade que não a Recorrente não constitui caso julgado perante esta, nem lhe é oponível.
16. Uma vez que a Recorrente não é parte no processo n.º (…) e não foi notificada daquela decisão.
17. Como consta desse mesmo aresto, a decisão aí proferida têm validade e autoridade de caso julgado tão somente e apenas dentro desse processo (Art.º 91º, n.º 2 do CPC).
18. Não sendo parte, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não tem autoridade nem efeito de caso julgado relativamente à Recorrente.
19. Acresce que esse acórdão contém decisão sobre matéria de facto contendo facto inverídico e falso, de que o direito de preferência da “AA”, Lda não teria sido exercido dentro do prazo que lhe fora determinado e como tal mostrar-se-ia já caduco quando foi exercido.
20. Esse aresto ignorava o facto (que ninguém o alegou, por banda da Recorrida, e a Recorrente não era parte nesse litígio) de que, por e-mail datado de 29.08.2022, a Recorrente enviou à Recorrida (para o endereço electrónico que constava da carta desta a notificá-la para o exercício do direito de preferência e ainda para o endereço eletrónico do Administrador Judicial (….)), um e-mail exercendo o direito de preferência.
21. Além do mais o prazo para o exercício do direito de preferência (exercido de facto pela Recorrente no prazo de 10 dias) é de 30 dias, nos termos do n.º 4 do art.º 1091 do CC, pelo que nunca teria caducado, pelo o douto aresto incorreu (e incorreria sempre) em vicio de violação de lei.
22. A Recorrente exerceu o direito de preferência tempestivamente, o que foi confessado pela Recorrida nos presentes autos (no artigo 8.º da contestação, a Recorrida aceitou os factos vertidos nos artigos 5. a 22. da PI e consta domo provado dos factos 13 ,14, 15 e 16 da sentença.
23. Essa confissão ocorreu também no depoimento pessoal do administrador de insolvência (…), que confirmou ter recebido esse email, no dia 20.03.2024, confirmado pelas testemunhas ouvidas na audiência, “DD” e “EE”, que confirmaram de forma clara e inequívoca, como consta da motivação da matéria de facto da sentença.
24. O despacho de 12.03.2023 proferido no processo de insolvência (não tendo verdadeiro carácter jurisdicional, pelo facto de a competência para a venda estar atribuída ao administrador de insolvência)” proferido pela Exma. Sra. Juiz no processo de insolvência, bem como o aresto proferido pela relação de Lisboa assentam num pressuposto errado que inquinou as suas decisões, tendo ainda incorrido em vicio de violação de lei (art.º 1091, n.º 4 do CC).
25. Esse despacho não dirime qualquer questão suscitada no processo, mas constitui um “parecer” para conforto do Sr. Administrador de Insolvência., pois a competência para o efeito de venda é exclusiva do Administrador de insolvência e não do Juiz (que só decide reclamações sobre as decisões daquele).
Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a acção.
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi devidamente admitido.
Recebida a apelação, foram dispensados os vistos com a concordância das Sras. Desembargadoras Adjuntas nos termos do disposto no art.º 657º, n.º 4 do CPC.
Cumpre decidir.
II. Do Objeto do recurso:
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
As questões a decidir são as seguintes:
- se a notificação enviada pela apelada à apelante constitui uma notificação para o exercício do direito de preferência, e por consequência constitui uma proposta contratual.
- em caso afirmativo, saber se é possível a execução específica do prédio urbano composto de parcela de terreno, identificada por parcela B, prometido vender.
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III. Fundamentação
De Facto
Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. O Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF (…) com sede (…) foi declarado insolvente no processo nº (…) - pendente no Tribunal Judicial da Comarca Lisboa Oeste -Juízo Comércio Sintra- Juiz (...).
2. Nesse processo foi designado e nomeado como administrador judicial da insolvência da Ré o Sr. Dr. (…).
3. A Ré é proprietária do prédio urbano composto de parcela de terreno, identificada por parcela B, que integra o campo de treinos com 7.700m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo, com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito (…), concelho (…), descrito na (…) Conservatória do registo predial (…) sob o nº (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…).
4. Este prédio integra o activo da Ré, estando identificada sob a verba 2 da relação de activo.
5. Em 23/04/2014 a Massa insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF (…) com sede (…), cedeu à Ré o gozo e fruição de parte desse prédio.
6. A parte do identificado prédio cuja fruição e gozo a R. cedeu à A. consiste na sala de jogo do Bingo incluindo entrada, parte administrativa e cozinha/bar/copa, com entrada pela (…).
7. Por via desse acordo escrito, a cedência do gozo e fruição de parte desse prédio teve como finalidade e destino a instalação do estabelecimento comercial de jogo do bingo explorado pela A.
8. Esse gozo e fruição foi acordado entre A. e R. pelo prazo de dez anos, tendo o seu termo no dia 02.11.2024.
9. Exploração essa que vem ocorrendo naquele espaço.
10. O aludido acordo de cedência do gozo e fruição de parte do identificado prédio ocorre, atualmente, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 10.000,00.
11. Que a A. vem pagando à R. por transferência bancária.
12. A 18 de Agosto de 2022 (recebida a 19.08.) a Ré enviou à Autora carta registada com aviso de receção com o seguinte teor: Assunto: Notificação para o exercício do Direito de Preferência Insolvente: Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF (…) Proc. (…) - Trib. Judicial Comarca Lisboa Oeste -Juízo Comercio Sintra- Juiz (…) Exmos. Senhores, (…), Administrador Judicial no âmbito do processo supra identificado vem pela presente informar da S/ intenção de proceder a adjudicação de: Verba 2: Parcela de terreno, identificada por parcela B, que integra o campo de treinos com 7.700m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito (…), freguesia de (…), concelho (…), 2ª C.R.P. de (…): (…), matriz (…). Adjudicatária: “CC”, SAD., NIPC (…); Valor: 1.530.000,00€ (um milhão, quinhentos e trinta mil euros); Condições de pagamento: - 10% do valor da adjudicação: 153.000,00€ à ordem de Massa Insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora (ver nota); - 3% sobre valor total adjudicação (acrescido de IVA a taxa de 23%): 56.457,00€ à ordem de “OO”, Lda., a título de comissão de venda (ver nota); - O valor remanescente, ou seja, 90% do valor da venda, deverá ser liquidado através de cheque visado ou bancário, no acto de Escritura de Compra e Venda, Data da escritura: A escritura pública será realizada no mais curto espaço de tempo, mas após a reunião de toda a documentação e notificação pela Massa Insolvente do adquirente/comprador com a antecedência de 15 dias, sem prejuízo de acautelar todos os direitos de preferência existentes (sendo da responsabilidade do comprador a reunião e obtenção de todos os documentos para efeitos de transação, como sejam, a haver, Licença de Utilização, Certificado Energético, Plantas ou outros -, assim como todas as despesas relacionadas com a mesma; A Escritura será realizada em Cartório Notarial a indicar pela Massa Insolvente, representada pelo Sr. Administrador Judicial, Dr. (…). Assim, querendo, poderão V. Exas. exercer o direito legal de preferência que lhes assiste, pelo preço e nas condições acima indicadas, para o que deverá comunica-lo por escrito, por carta registada com aviso receção, e envio dos respectivos pagamentos, no prazo de 10 (dez) dias corridos, a contar da receção da presente missiva, sob pena de caducidade.”
13. Após receber essa carta a A., enviou à R. carta registada datada de 29.08.2022.
Essa carta tem o seguinte teor: Assunto: Exercício do direito de preferência Insolvente: Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF (…) - Proc. n. (…) -Tribunal Judicial da Comarca Lisboa Oeste-Juízo Comercio Sintra - Juiz (…) Ex.mo Senhor, Fomos notificados, no dia 19.08.2022, na qualidade de arrendatária e titular de direito de preferência legal, para exercer, querendo, a preferência na aquisição do seguinte imóvel: Parcela de terreno, identificada por parcela 8, que integra o campo de treinos com 7.700 m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito (…), freguesia (…), concelho (…), (...) CRP (…) (…), matriz urbana: (…). Informados do projeto de venda, vimos exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel supra identificado, sendo a presente comunicação acompanhada por dois cheques: Cheque n.º (…), no valor de € 153.000,00, sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, a ordem de Massa Insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora Cheque n.º (…), no valor de€ 56.457,00 sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, à ordem de “OO”, Lda Agradecemos assim, que nos facultassem toda a documentação referente ao imóvel para agilização da compra e venda.»
14. A R. fez acompanhar a aludida carta dos dois identificados cheques, que introduziu no envelope respectivo.
a) Cheque n.º (…), no valor de € 153.000,00, sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, a ordem de Massa Insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora
b) Cheque n.º (…), no valor de€ 56.457,00 sobre o Banco Caixa Crédito Agrícola, à ordem de “OO”, Lda.
15. E, nesse mesmo dia 29.08.2022, a A. enviou à R. (para o endereço electrónico que constava da carta desta a notificá-la para o exercício do direito de preferência e ainda para o endereço eletrónico do Administrador Judicial Dr.(…), um e-mail com o seguinte teor (onde se anexou a carta e cheques.): –---------- Forwarded message --------- De: (…) Date: segunda, 29/08/2022, 14:45 Subject: Resposta de interesse pela compra das instalações do Bingo de Amadora To: <(…) Exmos Srs, Serve o presente email para enviar ao vosso conhecimento carta registada com 2 cheques emitidos à Massa insolvente e à “OO”, conforme vossas instruções, remetida pelo Correio hoje, que provam e nosso interesse e iniciam assim a aquisição das instalações descritas na verba 2, nas quais esta incluído a sala do Bingo e sobre as quais temos o direito de preferência. Gratos pela atenção, Com os nossos melhores cumprimentos, (…), Lda “AA”, Lda
16. A R. remeteu à A. um e-mail com o seguinte teor: «A terça, 13/09/2022, 13:46, <(…) > escreveu: Exmos. Srs., Acusamos a receção da vossa missiva a exercerem a vossa preferência, na aquisição da verba onde se insere o Bingo e o campo de treinos, apreendida no âmbito da lnsolvência em assunto. Todavia, na senda de Assembleia realizada no Tribunal, foi também atribuído ao “CC” Sad o direito de preferência nesta aquisição. Assim, havendo mais do que um titular do mesmo Direito, urge abrir licitação entre ambos com vista a alcançar uma proposta final, do maior valor alcançável. Nesta sequência, agradecemos que V. Exas. nos informem se pretendem e tem interesse em licitar com o outro preferente, ou não, por forma a agendarmos a diligencia. Agradecendo a atenção, muito agradecemos uma resposta ate amanha, por forma a contactarmos também o outro preferente. Aproveitamos ainda a oportunidade para solicitar um contacto mais direto como seja um número de telemóvel. Ao dispor.».
17. Por e-mail de 14.09.2022 a Autora respondeu que: « ----------- Forwarded message---------- De: “AA”<(…) > Date: quarta, 14/09/2022, 16:42 Subject: Re: lnsolvencia Estrela Amadora To:<(…) >,<(…) >, <(…) > Exmos. Senhores, Acusamos a receção do V / email que mereceu a nossa melhor atenção. Em primeiro lugar cabe referir que, devidamente notificados, exercemos o direito de preferência na aquisição do imóvel em questão, pelo que estão reunidos os requisitos para a concretização do contrato de compra e venda do imóvel. O invocado direito de preferência convencional (a favor “CC” Sad), mesmo que se confirme, será sempre preterido pelo nosso direito de preferência, porque legal, conforme estatui o art.2 422 do CC. Termos em que não caberá abrir qualquer licitação pois nunca estaremos perante um concurso de direitos da mesma natureza. Agradecemos assim, a disponibilização da documentação do imóvel para agilizar o processo e marcação da escritura em prazo razoável. Para qualquer questão poderão entrar em contacto com o nosso mandatário Dr. (…), desde já disponibilizando o seu telemóvel: (…) Desde já gratos, subscrevemo-nos com os nosso melhores cumprimentos, A Gerência (…)».
18. Em 14 de setembro de 2022, pelas 16:29 a R. enviou à A. um e-mail com o seguinte teor: «De: (…)> Enviada: quarta --feira, 14 de setembro de 2022 16:29 Para: (…) >; (…)> CC (…) <(…) > Assunto: RE: Insolvência Estrela Amadora Exmos. Senhores, Estando claro que se pode antever um litígio relativamente ao direito de preferência e tentando evitar que tal prolongue o processo de venda daquela verba, venho desta forma informar V. Exas. que irei colocar a questão à apreciação do juiz a atuar em conformidade com o que for despachado no processo judicial em causa. Sugiro a possibilidade das partes se entenderem, deixando aqui o prazo de 10 dias para que possam chegar a entendimento. Com os melhores cumprimentos, (…) Administrador Judicial”
19. Nos autos de insolvência, na senda da Assembleia de Credores realizada em 06/09/2021 e de acordo com as superiores indicações e deliberações da Comissão de Credores, a Ré almejou alcançar uma proposta final de 1.530.000,00€ para aquisição da verba 2.
20. Proposta obtida através do “CC” – SAD.
21. O Sr. Administrador Judicial procedeu à notificação das entidades com eventual direito de preferência, entre outras a A enquanto arrendatária da verba 2.
22. No dia 08/07/2022, foi enviada para a morada da sede - e constante no contrato de arrendamento - da sociedade “AA”, Lda., carta registada com AR, a qual veio devolvida por não reclamada,
23. Foi endereçada uma segunda notificação, agora por registo simples, no dia 18/08/2022, a qual foi rececionada pelo destinatário a 19/08/2022;
24. A 29/08/2022 foi enviada, para a morada da encarregada da venda uma carta registada com AR, da parte da sociedade “AA”, Lda. a exercer o seu direito de preferência na aquisição da verba referente ao Bingo, pelo valor de 1.530.000,00€, tendo juntado para o efeito, em cumprimento das condições de venda, o cheque no valor correspondente ao sinal e à comissão de venda.
25. Em ata da Assembleia de Credores consta que se atribuí à SAD um direito de preferência na aquisição da verba 2.
26. A Ré questionou a A. do seu interesse em licitar com a SAD com vista a alcançar uma proposta final.
27. O que esta manifestou não aceitar.
28. Por despacho proferido no processo principal a 12.03.2023, já transitado em julgado foi decidido: Do Direito de Preferência Na sequência dos requerimentos apresentados nos autos pela “CC”, SAD veio o Sr. Administrador solicitar ao tribunal que o instrua no caminho a seguir. Alega, em síntese, que na senda da Assembleia de Credores realizada em 06/09/2021, foi realizado no dia 30 de junho de 2022 o Leilão Presencial dos bens móveis e imóveis da Insolvente. Do referido Leilão, o qual não logrou registar licitações para a venda dos bens na Globalidade (1ª tentativa), ficou registada, no âmbito da tentativa de venda verba a verba (2.ª tentativa), uma proposta de 750.000,00€, para a verba 1 e 3, ou seja, o estádio e os respectivos bens móveis, e de 1.500.000,00€, para a verba 2, ou seja, o Bingo e o campo de treinos, Foram feitas licitações pelo “CC” – SAD. Com vista a apreciar as ofertas obtidas no Leilão, no dia 08 de julho de 2022, realizou-se no escritório do Administrador Judicial, a convite deste, uma reunião da Comissão de Credores, na qual estiveram presentes todos os Membros, bem como o licitante que registou as suas ofertas, a SAD. Nessa reunião foi decidido não aceitar as ofertas do leilão, abrindo-se, todavia, um espaço de negociação entre o licitante, enquanto único interessado até à data, e os Membros da Comissão de Credores. Negociação de onde resultou uma proposta final de 1.071.000,00€ para a verba 1 e 3 e de 1.530.000,00€ para a verba 2, no total de 2.601.000,00€, Propostas que vieram a ser aceites pela Comissão de Credores. Previamente ao depósito dos cheques caução entregues em cumprimento das condições de venda, o Administrador Judicial procedeu à notificação das entidades com direito de preferência sobre as verbas em causa, nomeadamente, a Câmara Municipal da Amadora e as entidades titulares de contratos de arrendamento sobre as verbas 1 e 2. Das referidas notificações, resultou que sobre a verba 1 não foi exercido qualquer direito de preferência, ficando a mesma adjudicada à SAD. No que tange à verba 2, veio a sociedade arrendatária do Bingo, a sociedade “AA”, Lda., exercer o seu direito legal de preferência. Nesta sequência, imediatamente, o AJ procedeu à comunicação à SAD dando-lhe conta de tal exercício – quer enquanto licitante, quer enquanto titular de direito de preferência, atribuído na Assembleia de Credores o que colocava ambos os preferentes em situação de terem de licitar entre si, O que foi recusado por ambos os preferentes. Alega ainda o Sr. Administrador que no dia 08/07/2022, foi enviada para a morada da sede – e constante no contrato de arrendamento - da sociedade “AA”, Lda. carta registada com AR, a qual veio devolvida por não reclamada. Nesta sequência, foi endereçada uma segunda (e final) notificação, agora por registo simples, no dia 18/08/2022, a qual foi recepcionada pelo destinatário a 19/08/2022. No dia 29/08/2022 foi enviada para a morada da encarregada da venda uma carta registada com AR, da parte da sociedade “AA”, Lda. a exercer o seu direito de preferência na aquisição da verba referente ao Bingo, pelo valor de 1.530.000,00€, tendo juntado para o efeito, em cumprimento das condições de venda, o cheque no valor correspondente ao sinal e à comissão de venda. Responde assim o Sr. Administrador ao requerimento apresentado pela “CC”, SAD e no qual se invocam várias vicissitudes, mas apenas uma com efectivo relevo jurídico: Da extemporaneidade do direito de preferência: Decorre do artigo 165.º do C.I.R.E., que “aos credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente e aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo”. O artigo 416, n.º 2 do Código Civil estabelece que “Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito no prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.” No presente caso, a “OO”, enviou no dia 18 de Agosto de 2022 uma segunda carta à “AA” para o exercício do direito de preferência, carta esse que é rececionada a 19 de Agosto de 2022 pela “AA”. Nessa missiva, a “OO”, fixa um prazo de 10 dias para exercício do direito de preferência, ou seja, um prazo mais longo que o previsto no 416 do CC. Segundo o Sr. Administrador no dia 29/08/2022 foi enviada para a morada da encarregada da venda uma carta registada com AR, da parte da sociedade “AA”, Lda. a exercer o seu direito de preferência na aquisição da verba referente ao Bingo, pelo valor de 1.530.000,00€, tendo juntado para o efeito, em cumprimento das condições de venda, o cheque no valor correspondente ao sinal e à comissão de venda. Ora, esta carta se foi enviada no dia 29.08. só chegou ao conhecimento do Sr. Administrador/Leiloeira em 30.08., o que aliás decorre do documento 5 junto com o requerimento de 12.10.2022 (refª…), ou seja, no 11º dia depois da notificação. Como estabelece o art.º 224 do CC a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida. A declaração de preferência (art.º 416.º, n.º 2, do CC) representa o acto de exercício de um direito potestativo constitutivo e, nessa medida, deve ser qualificada como um negócio jurídico unilateral receptício. Ora, como refere Dr. Carlos Lacerda Barata, em DA OBRIGAÇÃO DE PREFERÊNCIA (Contributo para o Estudo do artigo 416º do Código Civil, Coimbra Editora), pág. 142: “… como acontece com a denuntiatio, também a declaração de preferência constitui uma declaração receptícia. Portanto, para que seja eficaz deverá chegar ao poder do destinatário (o obrigado à preferência) dentro do prazo legalmente aplicável (normalmente oito dias a contar da receção ou conhecimento do aviso para preferir…).” Também o Prof. Inocêncio Galvão Telles, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 6º Ed., Coimbra Editora, nota de rodapé 2, pg 151, escreve: A declaração de preferência deve ser recebida dentro do prazo, não bastando que seja expedida dentro dele.” Para efeito da contagem do prazo de caducidade da declaração de preferência, a data relevante é a da chegada da declaração ao âmbito do poder ou da actuação do destinatário e não a data da sua expedição. Ou seja, se o prazo fixado para o exercício do direito de preferência são 10 dias, e a carta é enviada no 10º dia, a preferente “AA”, Lda sabia que a comunicação para exercer o direito de preferência ia chegar ao destinatário depois do prazo terminado e como tal, intempestivamente. (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021, Relator: Ilídio Sacarrão Martins, in www.dgsi.pt). Pelo exposto afigura-se que o direito de preferência da “AA”, Lda não foi exercido dentro do prazo que lhe foi determinado e como tal mostrava-se já caduco quando foi exercido. Por todo o exposto, e na sequência do pedido de auxilio feito pelo Sr. Administrador afigura-se que a verba 2 deve ser adjudicada à SAD concluindo-se as diligências com vista à celebração das necessárias escrituras. Notifique.
Factos Não provados
a) A Ré pretende eximir-se à outorga da escritura;
b) A actuação da Ré causou à Autora prejuízos.
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Ao abrigo do disposto nos arts. 662º, n.º 1, 663º, n.º 2 e 607º, n.º 3, do CPC aditam-se ainda os seguintes factos, resultantes dos autos de liquidação que correm os seus termos sob o apenso ZX) com relevância para a decisão da causa:
- Frustrada a venda dos bens apreendidos para a massa insolvente sob as verba n.ºs 1, 2 e 3, no dia 6 de setembro de 2021 realizou-se assembleia de credores para discutir a liquidação dos imóveis apreendidos nos autos, tendo sido votada favoravelmente a proposta de Venda por leilão dos 2 (dois) imóveis pelo valor global de €5.100.000,00 (cinco milhões e cem mil euros); ou, caso este esse valor não seja atingido, a venda do bingo por €3.000.000,00 (três milhões de euros) e a venda do estádio por €2.100.000,00 (dois milhões e cem mil euros), sendo conferida preferência ao “CF” e ao “CC” - SAD pelo valor de propostas que venham a ser apresentadas, sendo que na eventualidade de serem apresentadas propostas de valor inferior ao anunciado, ficarão dependentes de aprovação por parte da comissão de credores.
- Realizado o leilão presencial no dia 30 de junho de 2022 não foram registadas licitações para a venda dos bens na globalidade, ficando registada, na 2ª tentativa de venda uma proposta de 750.000,00€ para as verbas 1 e 3 (estádio e respetivos bens móveis) e de 1.500.000,00€ para a verba 2 (Bingo e campo de treinos);
- Foram feitas licitações pelo ”CC” – SAD.
- No dia 8 de julho de 2022 realizou-se no escritório do Sr. Administrador da Insolvência reunião da Comissão de Credores, na qual estiveram presentes os membros da Comissão de Credores, bem como o licitante que registou as suas ofertas “CC” SAD com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto 1- Decisão da comissão de credores sobre as ofertas obtidas no Leilão ocorrido em 30 de junho de 2022, pelas 11:00h, em que resultaram registadas de oferta no montante de 750.000,00€ para a verba 1 e 3 e 1.5000.00€ para a verba 2, apresentados por “CC”, SAD, de acordo com o disposto no art.º 161º do CIRE.
- Colocadas à apreciação da Comissão de Credores as propostas foram recusadas, abrindo-se negociação entre o proponente e os membros da Comissão de Credores, sem oposição nem intervenção do Administrador Judicial;
- Desta negociação resultou nova proposta de 1530.00,00€ para a verba 1 e 3 e 1.071.000,00€ para a verba 2. Esta nova proposta foi aceite pela maioria dos membros da Comissão de Credores presentes, com a única posição contra apresentada pela representante SIMAS.
- Mais se consignou que, nos termos do art.º 161º, n.º1, e por se tratar de um ato de especial relevo, estado aprovado pela Comissão de Credores o Administrador Judicial considera desde já a proposta adjudicada devendo a escritura ser realizada logo que esteja toda a documentação reunida e notificado o comprador com 15 dias de antecedência, sem prejuízo de acautelar todos os direitos de preferência existentes, devendo a mesma ser realizada no mais curto espaço de tempo possível. O comprador fica desde já notificado para proceder ao pagamento da comissão à “OO” e ao sinal de 10% à massa insolvente, em 3 dias úteis.
- Por Acórdão proferido por esta secção em 5/03/2024 no apenso AJ em que foi recorrente “CC” SAD, decidiu-se julgar a apelação procedente devendo os autos de liquidação prosseguir os seus termos nos moldes definidos na decisão prolatada no dia 12/03/2023 (decisão constante do ponto 28 dos factos provados).
Fundamentação de Direito
A questão desde logo colocada no presente recurso é a de saber se a notificação enviada pela ré à autora datada de 18/08/2022 e recebida pela primeira a 19/08/2022, constitui uma notificação para o exercício do direito de preferência, mostrando-se a ré, por via dela, vinculada perante a autora por proposta irrevogável.
A primeira instância, com a seguinte linha de argumentação, entendeu que aquela comunicação não consubstancia uma proposta contratual final, pelo que inexistindo proposta contratual inexiste, também, um putativo contrato de promessa encapotado: - um declaratário normal colocado na posição da Autora, que é a arrendatária do Bingo do Estrela da Amadora, ao ver a notificação que lhe estava a ser dirigida, consegue concluir, porque decorre da sua letra, e das especificidades e particularidade da venda em questão, de que é conhecedora, nomeadamente: - Que estamos perante a insolvência de um clube de futebol dos mais conhecidos no país, que não lhe é certamente desconhecida - “Assunto: Notificação para o exercício do Direito de Preferência Insolvente: Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF – (…)” - O objecto do contrato incide particularmente sobre – “um campo de treinos e o Bingo”; - A notificação contem uma menção expressa à necessidade de serem acautelados “todos os direitos de preferência existentes”. - um declaratário normal colocado na posição da Autora perante as condicionantes existentes sabe que esta missiva não traduz uma proposta de venda, pois não estão reunidas as condições para a outorga da escritura. Antes traduz uma auscultação das pretensões da Autora.
O apelante discordando desta fundamentação defende que a notificação que lhe foi enviada pela apelada, datada de 18/08/2022 (recebida a 19/08/2022) constitui uma notificação para o exercício do direito de preferência, e, portanto, constitui uma proposta contratual.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art.º 1º, nº 1 do CIRE que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.».
É um processo especial que, quanto à sua natureza, pode ser considerado misto, com uma fase marcadamente declarativa (até à declaração de insolvência) e outra claramente executiva (após a declaração de insolvência com liquidação de todo o património do devedor que integra a massa insolvente para satisfação dos credores ou através da aprovação de um plano de insolvência). - cf. Maria do Rosário Epifânio in Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 8ª edição, pág. 19.
Nos termos do nº 1 do art.º 17º do CIRE, o processo de insolvência é regido pelas regras deste código e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, «em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.»
Sem prejuízo, ao longo do CIRE, o legislador remeteu especificamente para algumas regras do CPC, em especial para as normas que regulam o processo executivo na parte relativa à tramitação de feição “executiva”, ou seja, a apreensão e liquidação, mas não só. A regra geral do art.º 17º, no entanto vale também para as remissões expressas, ou seja, a aplicação dos preceitos do CPC dá-se enquanto os mesmos não contrariem disposições do CIRE.
A liquidação do ativo insere-se na fase “executiva” do processo de insolvência e está orientada diretamente para a finalidade principal deste processo: conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores (cf. o Acórdão desta secção de 19/03/2024, proferido no processo n.º 2369/15.3T8BRR-L.L1-1, relatora Manuela Espadaneira Lopes, aqui segunda adjunta).
O artigo 165º do CIRE dispõe que aos credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente e aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo.
Em anotação ao art.º 165º referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, 2015, pág. 623, que “diferentemente do que acontece com relação aos credores garantidos, a quem a lei atribui um benefício particular no caso de aquisição de bens da massa, as especificidades do regime quanto aos titulares do direito de preferência consignadas em sede de processo executivo comum criam-lhe uma situação mais gravosa do que sucederia em caso de omissão. Na verdade, ao contrário do que à primeira vista poderá parecer, do que se trata é de, relativamente à modalidade da venda por propostas em carta fechada, construir um mecanismo que obriga o preferente ao exercício do seu direito logo que toma conhecimento do preço oferecido pela proposta vencedora, declinando-se no regime que resultaria, para a preferência negocial, do art.º 416º, nº. 2, do C. Civ, e para a preferência legal, das disposições específicas de cada caso (cfr. os art.ºs 819º, nº. 1, e 823º, do C. P. Civ.). (…) Nas demais modalidades não estão, por agora, fixadas peculiaridades, pelo que se seguem as regras gerais. Por força do disposto na alínea a) do nº 1, do art.º 1091º do Código Civil, o arrendatário de prédio urbano tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes. Concretizando o significado do artigo em anotação no que respeita ao regime aplicável aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, cremos que está, precisamente, em causa o poder-dever de os notificar antecipadamente do dia, hora e local aprazados para a venda, com o consequente ónus do exercício do direito nas condições do art.º 823º do C.P. Civ., sob pena da respectiva perda. Restará dizer que, tendo em conta a regra do nº. 1 do art.º 164º do CIRE, é de entender aplicável este regime sempre que efectivamente se recorra à venda por propostas em carta fechada, mesmo que sem respeito da disciplina típica dos art.ºs 819º e 820º do C.P. Civ.”
Relativamente ao direito de preferência no arrendamento de prédios urbanos, estatui a alínea a), do nº. 1, do art.º 1091º do Código Civil que “o arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes”.
Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2024, pág. 248, que: “O tempo e modo de exercício do direito de preferência variam consoante a modalidade da venda. Assim, na venda por propostas em carta fechada, por leilão e na adjudicação (art.º 801º, nº. 1), o preferente é interpelado de imediato e presencialmente para exercer o seu direito (…). Tratando-se de venda por negociação particular, o preferente tem de ser notificado dos termos do projeto de venda definido com o terceiro, podendo exercer tal direito no prazo de 8 dias (art.º 416º, nº. 2 (…))”.
No caso, dos factos constantes dos autos resulta que teve lugar, no dia 6 de setembro de 2021, assembleia de credores para discutir a liquidação dos imóveis apreendidos nos autos, tendo sido foi votada favoravelmente a proposta de Venda por leilão dos 2 (dois) imóveis apreendidos pelo valor global de €5.100.000,00 (cinco milhões e cem mil euros); ou, caso este esse valor não seja atingido, a venda do bingo por €3.000.000,00 (três milhões de euros) e a venda do estádio por €2.100.000,00 (dois milhões e cem mil euros), sendo conferida preferência ao “CF” e ao “CC” SAD pelo valor de propostas que venham a ser apresentadas, sendo que na eventualidade de serem apresentadas propostas de valor inferior ao anunciado, ficarão dependentes de aprovação por parte da comissão de credores.
Realizado o leilão presencial no dia 30 de junho de 2022 não foram registadas licitações pelo “CC” – SAD para a venda dos bens na globalidade, ficando registada, na 2ª tentativa de venda uma proposta de 750.000,00€ para as verbas 1 e 3 (estádio e respetivos bens móveis) e de 1.500.000,00€ para a verba 2 (Bingo e campo de treinos).
No dia 8 de julho de 2022 realizou-se no escritório do Sr. Administrador da Insolvência reunião da Comissão de Credores, na qual estiveram presentes os membros da Comissão de Credores, bem como o licitante que registou as suas ofertas do “CC” SAD. Por fazer parte da ordem de trabalhos, foi colocada à apreciação da Comissão de Credores tendo as propostas sido recusadas e abrindo-se negociação entre o proponente e os membros da Comissão de Credores, sem oposição nem intervenção do Administrador Judicial. Desta negociação resultou nova proposta de 1530.00,00€ para a verba 1 e 3 e 1.071.000,00€ para a verba 2. Esta nova proposta foi aceite pela maioria dos membros da Comissão de Credores presentes. Mais se consignou que, nos termos do art.º 161º, n.º 1, e por se tratar de um ato de especial relevo, estando aprovado pela Comissão de Credores, o Administrador Judicial considerou a proposta adjudicada, devendo a escritura ser realizada logo que toda a documentação estivesse reunida e notificado o comprador com 15 dias de antecedência, mas sem prejuízo de acautelar todos os direitos de preferência existentes, devendo a mesma ser realizada no mais curto espaço de tempo possível. Mais foi o comprador logo no ato notificado para proceder ao pagamento da comissão à “OO” e ao sinal de 10% à massa insolvente, em 3 dias úteis.
Do exposto se conclui que, frustrada a venda em leilão, a modalidade da venda adotada não foi nenhuma daquelas que se encontra prevista para a venda executiva (cf. art.º 811º do CPC), tendo a comissão de credores, - a quem a lei permite que se envolva e empenhe diretamente nos atos mais significativos da liquidação, os atos de especial relevo, em execução da ideia de que, sendo o processo destinado à satisfação dos seus interesses, são eles quem melhor pode avaliar o modo mais apropriado de alcançar esse desiderato (vide n.º3 do Preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE e Luís A. Carvalho Fernandes, in Ob. Cit., pág. 604), - negociado diretamente com o licitante e decidido aceitar a nova proposta por ele feita, de valor superior. Consequentemente, os preferentes teriam de ser notificados nos termos do disposto no art.º 416º, nº 2 do Código Civil, dos termos do projeto da venda, podendo exercer tal direito no prazo de oito dias ou no prazo mais alargado que lhes fosse concedido.
Dispõe, então, o art.º 416º, n.º 1 do Cód. Civil que: “Querendo vender a coisa que é objeto do pacto o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato”, prevendo o n.º 4 do art.º 1091º do mesmo diploma que a comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção.
Existe divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto à questão de saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, sendo, não obstante, largamente dominante a primeira posição (cf. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/03/2018, processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1, relator Vieira e Cunha, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/05/2020, processo n.º 3218/19.9T8LSB.L1-7, relatora Ana Rodrigues Silva e os Acórdãos do STJ de 27/11/2018, processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1.S1, relator Cabral Tavares). A notificação/comunicação do obrigado à preferência, contendo todos os elementos necessários à decisão do preferente, configura uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para ambos.
Para que a declaração negocial constitua uma proposta de contrato é indispensável que reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1.º) – Deve ser completa, isto é, deve conter toda a matéria sobre a qual vai recair o contrato ou, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato em causa; 2.º) – Deve exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar, e 3.º) – Deve revestir a forma exigida para o contrato em causa. Caso algum (ou alguns) dos requisitos enunciados não se verifique no caso concreto, a declaração não pode ser considerada como proposta de contrato. Neste caso, constituirá somente um convite a contratar, ou seja, apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta – Cf. Carlos Lacerda Barata, in Da Obrigação de Preferência, Contributo para o estudo do artigo 416.º do Código Civil, 2002, p. 105 apud Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/04/2021, processo n.º 45/20.4T8VRL.G1, relator: António Barroca Penha
Por seu turno, como refere Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 168 a notificação para preferir e a declaração de preferência formam, pelo seu encontro, um contrato-promessa, desde que na hipótese concreta obedeçam ao formalismo legalmente prescrito para ele. A primeira possui o significado de proposta e a segunda de aceitação, corporizando as duas, no seu conjunto, a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda. O obrigado à preferência promete vender e o titular da preferência promete comprar.
A comunicação extrajudicial prevista no art.º 416º, n.º 1, do Cód. Civil, contendo os elementos necessários à decisão do preferente, consubstancia uma verdadeira proposta contratual, sendo que a comunicação de preferir pelo titular da preferência traduz-se numa aceitação da mesma proposta, implicando a celebração de um contrato definitivo (v.g. compra e venda), desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma. No caso da celebração do contrato projetado depender de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, designadamente quando aquele contrato exigir uma forma especial (v.g. escritura pública) e a comunicação e a declaração de preferência forem efetuadas por documento escrito (v.g. carta), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (art.º 410º, n.º 2, do Cód. Civil), o que permitirá o recurso à execução específica prevista no art.º 830º, do C. Civil, em caso de não cumprimento – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/04/2021, processo n.º 45/20.4T8VRL.G1, relator: António Barroca Penha.
Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art.º 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art.º 1410º – cf. o já citado Acórdão do STJ de 27/11/2018.
Por outro lado, não constando a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente de documento assinado, não pode aplicar-se o regime do contrato-promessa, mas nasce, de qualquer modo, para ambos, a obrigação de contratar.
Se o preferente não celebrar o contrato dentro do prazo, perde o direito de preferência e é obrigado a indemnizar a outra parte; se o obrigado à preferência não celebrar o contrato dentro do prazo, responde igualmente pelos danos a que der causa.
Vejamos, assim se a comunicação do apelado, dirigida à apelante se pode entender como uma proposta de contrato.
Está provado que no dia 18 de Agosto de 2022 a Ré enviou à Autora carta registada com aviso de receção (recebida a 19.08.) com o seguinte teor: Assunto: Notificação para o exercício do Direito de Preferência Insolvente: Clube de Futebol Estrela da Amadora, NIF – (…) Proc. (…) -Trib. Judicial Comarca Lisboa Oeste - Juízo Comercio Sintra - Juiz (…) Exmos. Senhores, (…), Administrador Judicial no âmbito do processo supra identificado vem pela presente informar da S/ intenção de proceder a adjudicação de: Verba 2: Parcela de terreno, identificada por parcela B, que integra o campo de treinos com 7.700m2, Bingo com 1.950m2, balneário antigo com 280m2 e parte do logradouro com 2.675m2, sito na (…), concelho (..), (…) C.R.P. de (…) (…), matriz u: (…). Adjudicatária: “CC”, SAD., NIPC (…); Valor: 1.530.000,00€ (um milhão, quinhentos e trinta mil euros); Condições de pagamento: - 10% do valor da adjudicação: 153.000,00€ à ordem de Massa Insolvente de Clube de Futebol Estrela da Amadora (ver nota); - 3% sobre valor total adjudicação (acrescido de IVA a taxa de 23%): 56.457,00€ à ordem de “OO”, Lda., a título de comissão de venda (ver nota); - O valor remanescente, ou seja, 90% do valor da venda, deverá ser liquidado através de cheque visado ou bancário, no acto de Escritura de Compra e Venda, Data da escritura: A escritura pública será realizada no mais curto espaço de tempo, mas após a reunião de toda a documentação e notificação pela Massa Insolvente do adquirente/comprador com a antecedência de 15 dias, sem prejuízo de acautelar todos os direitos de preferência existentes (sendo da responsabilidade do comprador a reunião e obtenção de todos os documentos para efeitos de transação, como sejam, a haver, Licença de Utilização, Certificado Energético, Plantas ou outros -, assim como todas as despesas relacionadas com a mesma; A Escritura será realizada em Cartório Notarial a indicar pela Massa Insolvente, representada pelo Sr. Administrador Judicial,(…). Assim, querendo, poderão V. Exas. exercer o direito legal de preferência que lhes assiste, pelo preço e nas condições acima indicadas, para o que deverá comunica-lo por escrito, por carta registada com aviso receção, e envio dos respectivos pagamentos, no prazo de 10 (dez) dias corridos, a contar da receção da presente missiva, sob pena de caducidade.”
Apelando às normas relativas à interpretação do conteúdo da declaração, convocadas pelo Tribunal recorrido, não podemos deixar de discordar da solução alcançada de que a comunicação enviada constitui “um aviso da existência de projeto de contrato com terceiro, no sentido de que a Ré informa a Autora, avisa-a, de que tenciona celebrar o contrato sujeito à preferência e das condições ou cláusulas relevantes do respectivo projeto de contrato, de forma a que o preferente possa decidir se pretende ou não exercer o seu direito.”
O primeiro princípio essencial a considerar nesta matéria é o que resulta do n.º 1 do art.º 236.º do Código Civil – a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Este preceito acolhe a teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.
Por sua vez, quando estejam em causa negócios formais, como é o caso dos autos, estatui o art.º 238.º, n.º 1, do Cód. Civil que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respetivo documento.
Ora, quer a forma como foi expedida a missiva em causa - por carta registada - quer a sua a redação, máxime as expressões incluídas sob a epígrafe “Assunto” – “Notificação para o exercício do Direito de Preferência” e a sua conclusão: “Assim, querendo, poderão V. Exas. exercer o direito legal de preferência que lhes assiste, pelo preço e nas condições acima indicadas, para o que deverá comunica-lo por escrito, por carta registada com aviso receção, e envio dos respectivos pagamentos, no prazo de 10 (dez) dias corridos, a contar da receção da presente missiva, sob pena de caducidade.”, não deixa, desde logo perante as regras interpretativas inerentes à língua portuguesa, qualquer margem para dúvida de que com ele se pretendia dar cumprimento ao disposto no art.º 416º, n.º 1 do Cód. Civil, consubstanciando uma proposta contratual e não um mero aviso de projeto de venda.
Ensina Antunes Varela, "Direito das Obrigações", vol. I, 9.ª ed., pág. 227, nota 3, que: "Para que haja, em bom rigor, uma proposta contratual, é preciso que a declaração da parte cubra de tal modo os pontos essenciais da negociação, que a resposta afirmativa da outra parte baste para encerrar o acordo vinculativo por elas visado. Se na declaração inicial o autor deixa em branco um desses pontos (v.g., o preço da coisa que pretende vender) é porque pretende apenas, por via de regra, convidar o destinatário a fazer uma proposta contratual.
Por isso é certo que a recorrente, enquanto declaratário normal, teria de interpretar a notificação como uma notificação para o exercício da preferência,
Questão diversa é a de saber se a referida comunicação preenche claramente os enunciados requisitos legais da notificação prevista para a preferência, em vista da tomada de decisão pelo preferente e dessa maneira valer como verdadeira proposta contratual, devidamente aceite, de modo a entender-se que se concluiu um contrato-promessa (art.º 410º, n.º 2, do C. Civil), permitindo-se o recurso à execução específica prevista no art.º 830º, do C. Civil, como pretende o apelante. É que, como vimos supra, quando os requisitos exigidos no nº 1 do art.º 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá para os efeitos previstos nesse artigo, sem prejuízo de o preferente, em caso de alienação, poder socorrer-se da ação prevista no art.º 1410º do Cód. Civil.
No caso, na carta de 18/08/2022 constam três elementos relevantes: a manifestação da intenção da ré de proceder à venda da verba 2, a identificação o respetivo preço e modo de pagamento e o terceiro comprador. Mas também vemos que, quanto à celebração da escritura se diz que: “A escritura pública será realizada no mais curto espaço de tempo, mas após a reunião de toda a documentação e notificação pela Massa Insolvente do adquirente/comprador com a antecedência de 15 dias, sem prejuízo de acautelar todos os direitos de preferência existentes (sendo da responsabilidade do comprador a reunião e obtenção de todos os documentos para efeitos de transação, como sejam, a haver, Licença de Utilização, Certificado Energético, Plantas ou outros -, assim como todas as despesas relacionadas com a mesma; A Escritura será realizada em Cartório Notarial a indicar pela Massa Insolvente, representada pelo Sr. Administrador Judicial, (…)”. Ou seja, na comunicação efetuada não se mostra indicada a data da realização da escritura publica, fazendo-se ainda referência à necessidade de acautelar todos os direitos de preferência existentes, com o sentido permitido de que, para além do direito da apelante, poderiam existir outros a salvaguardar, o que inevitavelmente a poderia excluir da proposta.
O aviso para preferir deve conter todos os elementos que, face ao interesse objetivo e subjetivo do titular do direito de preferência, sejam necessários para uma correta formação da vontade de exercer ou não a opção de preferência. Ou seja, devem ser comunicadas ao preferente todas as informações que possam determinar a sua vontade de preferir ou não. Assim, e de acordo com a jurisprudência dominante, a comunicação deve conter a indicação do preço e demais cláusulas do contrato que revista conteúdo patrimonial, o prazo para o exercício da preferência, a menção das condições de pagamento, nalguns casos, quando haja um interesse relevante e objetivamente cognoscível pelo obrigado à preferência, o nome do terceiro e a data prevista para a outorga do contrato (cf. Acórdão do STJ de 27/11/2018, processo n.º 1458/17.1T8PRT.P1.S1, Relator Cabral Tavares, Acórdão da Relação de Lisboa de 25/05/2010, processo n.º 229/10.3YRLSB-7, relatora. Maria do Rosário Morgado e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/10/2016, processo n.º 474/14.2T8FAR.E1, relator Tomé de Carvalho).
No caso dos autos, como se viu, não se mostra indicada a data da realização da escritura de compra e venda, referindo-se de forma não concretizada que “será realizada no mais curto espaço de tempo”, ressalvando-se a necessidade de que se mostrem reunidos toda a documentação e a notificação de todos os preferentes, assim se deixando em aberto a possibilidade de o destinatário da comunicação (o apelante) não ser, a final, aquele que terá direito a preferir.
E, assim sendo, concluímos que a declaração que foi emitida pela Ré não pode ser entendida como reunindo todos os elementos de uma verdadeira proposta contratual correspondente a uma promessa de venda, de modo a que sendo uma declaração recetícia, o seu recebimento por parte da apelante e a posterior remessa de uma resposta afirmativa dentro do prazo que foi fixado pela ré, permitem identificar uma relação jurídica que reúne todos os requisitos formais e materiais de um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, nos termos do art.º 410º, nº 1, do Cód. Civil.
Por conseguinte, não existe fundamento para admitir a tese defendida pela apelante, no sentido da qualificação jurídica do relacionamento estabelecido entre a ré e a autora como um contrato-promessa de compra e venda que lhe justificasse, como pretende, o recurso à execução especifica prevista no art.º 830º do Cód. Civil.
Mas ainda que se defendesse que, no caso, a comunicação para a preferência reunia todos os requisitos essenciais, seria, de igual modo, inviável a execução especifica aqui pedida.
Como refere João Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 7ª edição, pág. 138: “(…) o pressuposto da chamada execução especifica do contrato promessa é a mora e não o incumprimento definitivo. Na verdade, se na hipótese de o promitente (no contrato promessa unilateral) ou um dos promitentes (na promessa bilateral) não cumprir, pontualmente, nos termos devidos, o contrato, a outra parte intenta ação de execução especifica, é óbvio que através desta acção manifesta a vontade de ainda obter a prestação devida. Equivale a dizer, portanto, que o credor considera como simples atraso a violação do contrato por parte do devedor, e por isso, insiste no cumprimento retardado (…) convém não esquecer, naturalmente, que a chamada execução especifica é, em última instância, no plano funcional, a mesma coisa que a ação de cumprimento: apenas se dirige à condenação do devedor no adimplemento da prestação, enquanto aquela produz imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso (sentença constitutiva)”.
Ana Prata in O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, págs. 390/91 refere que é inviável a execução específica não apenas quando o bem objeto do contrato final pereceu ou sofreu tal deterioração ou modificação que haja de ser considerado um aliud, como quando a celebração do negócio prometido dependa de uma legitimidade que a parte não tem ou não tem só por si. Essencial, portanto, quanto à obrigação de preferência, é – como em relação a qualquer obrigação – distinguir entre o seu incumprimento temporário, a mora do obrigado, e o definitivo não-cumprimento, que aqui reveste a forma de violação da obrigação (não se fala em impossibilidade do cumprimento, pois, apesar da violação, se o preferente dispuser da tutela da ação de preferência, a violação não consubstancia impossibilidade de cumprimento).
Está provado que por despacho proferido no processo principal a 12/03/2023, após se ter apreciado a questão suscitada pelo AI e pela “CC”, SAD, quanto à existência de mais do que um preferente, se decidiu, com fundamento na falta do exercício tempestivo por parte da apelante para o exercício da preferência, que a verba 2 deveria ser adjudicada à SAD, concluindo-se as diligências com vista à celebração das necessárias escrituras.
É certo, como argumenta a apelante, que o Acórdão desta secção de 5/03/2024, proferido no apenso AJ, que decidiu que haveria de ser cumprida a decisão constante do despacho de 12/03/2023 (caducidade do direito de preferência e consequente venda da verba n.º 2 à SAD) não tem efeito de caso julgado relativamente à apelante, que não a contraditou, nem sequer dela teve conhecimento, por não ser parte no processo. O reconhecimento, plasmado no referido despacho, de que o exercício do direito pela apelada não era tempestivo, opera apenas em relação às partes no processo e não também relativamente a quem não está na ação. No entanto, e como se referiu no referido aresto desta secção, aquela decisão formou caso julgado formal, vinculativo das partes intervenientes, designadamente da ré apelada, do AI e do tribunal, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, assim sendo independentemente de ambas as decisões terem ou não assentado nos pressupostos fáticos corretos, que, de modo algum, por via do presente recurso, cabe apreciar.
Como é sabido, o caso julgado pode ser material ou formal conforme resulta dos arts. 619.º e 620.º do Código de Processo Civil.
O caso julgado formal, tal como o caso julgado material, visa evitar a repetição de decisão judicial sobre a mesma questão, impedindo que seja contraditada ou repetida.
A sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa produz o efeito de caso julgado material.
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões de absolvição da instância (art.º 279º do CPC), de extinção da instância por causa diversa do julgamento (art.º 277º do CPC) ou a outas decisões interlocutórias que não sejam de mero expediente (art.º 152º, n.º 4, do CPC) e não decidam questões de mérito.
Assim, qualquer despacho proferido sobre questão processual (no fundo, todos os despachos que decidam questão que não seja de mérito), uma vez transitado em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art.º 625º, nº 2 do CPC) decisão posterior transitada em julgado sobre a mesma questão que dele tenha sido objeto – cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 3ª edição, págs. 752/753.
Ao ser determinada a venda da verba 2 a um terceiro, que não o apelante a quem foi comunicada a preferência, tal configura um definitivo não-cumprimento da obrigação, e que, no caso, por não se tratar de promessa com eficácia real – (para que um dado contrato promessa relativo a um imóvel seja dotado de eficácia real (art.º 413º, n.º1 do CC - é necessário que: a) o contrato conste de escritura pública ou documento particular autenticado; b) os seus outorgantes declarem expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; c) que seja feita inscrição no registo predial dos direitos emergentes da promessa) é impeditiva do recurso à execução específica da promessa de compra e venda. Em virtude do caso julgado formal formado na ação principal a apelada ficou impossibilitada de cumprir da sua obrigação, porque deixou de depender da sua vontade (artigo 801º, nº 1, do Código Civil), mas imposta por caso julgado formal formado dentro do processo.
Esta mesma a conclusão que havia chegado o aresto desta secção de 5/03/2024, proferido no apenso AJ, cujo entendimento se subscreve, ao afirmar que “não sendo o caso julgado formado pela decisão de 12/03/2023 oponível à arrendatária “AA”, Lda, considerando esta ter sido violado o seu direito de preferência, restará à mesma instaurar a respectiva acção de preferência, após a alienação do bem da verba n.º 2.”, por recurso à ação prevista no art.º 1410º do Código Civil (acrescentamos nós).
Em conclusão, improcedem as conclusões do presente recurso, pese embora por fundamentos distintos, confirmando-se a decisão proferida pelo tribunal a quo.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, embora por fundamentos diferentes, em confirmar-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.