PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PROGENITOR
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
FILIAÇÃO BIOLÓGICA
PRESSUPOSTOS
Sumário


I - A aplicação da medida de promoção e proteção traduzida na confiança do menor com vista a futura adoção pressupõe, sempre, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, o qual é aferível pela ocorrência, em cada caso, de alguma das situações plasmadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil.
II – No caso, em que está provado que a mãe da criança é preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha, telefona todos os dias para a instituição para saber como está a filha e cumpre o regime de visitas fixado, tendo evoluído na forma como acode às necessidades básicas da filha e que a mesma a reconhece como mãe, ainda que apresente alguns problemas de natureza psicológica, e de autonomia na organização das tarefas diárias (que “empurrará” para a mãe) - frequentando actualmente uma acção de formação profissional de técnica de acção educativa, não é de concluir, já que ela não tem condições para exercer a relação parental, não se verificando, assim, o requisito da al. d), do n.º 1, do art.º 1978 do C.C.

Texto Integral


Proc.º n.º Processo: Processo: 248/23.0T8TMR.E1.S1

Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC


*


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I.- Relatório

1.- Na presente ação de processo de promoção e proteção intentada pelo Ministério Público contra a AA, veio a ser proferido acórdão, datado de 29/10/2024, proferido pelo Juízo de Família e Menores de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, no âmbito do processo de promoção e proteção, que ali correu termos, foi decidido:

1) Aplicar à menor BB a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, medida que durará até ser decretada a adoção, medida não sujeita a revisão;

2) Nomear como curador provisório da criança a responsável técnica da instituição que a está a acolher;

3) Inibir do exercício das responsabilidades parentais, quanto à BB, os progenitores AA CC;

4) Que não haverá visitas por parte da família natural da criança.

2.- Inconformada com tal decisão dela apelou a mãe da menor - AA.

3.- Em 30/1/2025 proferido acórdão no Tribunal da Relação de Évora, terminando com o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, acordam julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

1 – Revogam o acórdão recorrido que aplicou a favor da menor BB a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção;

2 – Declaram imediatamente cessada a proibição de visitas à criança por parte dos pais e de qualquer outro elemento da sua família biológica;

3 – Aplicam à menor, até um prazo de seis meses, a medida de acolhimento residencial, com a possibilidade de alargamento do regime de visitas que se encontrava instituído até à data.

4 – Tendo em vista a preparação da entrega da menor à sua progenitora, para com ela ir viver, ordenam ao tribunal recorrido que diligencie junto dos serviços sociais competentes da área de residência de AA, a elaboração, em tempo útil, de um plano de intervenção que abranja a integração da progenitora da menor em programa de formação parental e lhe proporcione apoio psicoterapêutico, para além de outros que se afigurarem necessários, plano que deve começar a ser executado ainda durante a permanência da BB na instituição e cujo acompanhamento implicará a monitorização e avaliação da situação da criança bem como o resultado da utilização, pela progenitora, dos apoios definidos e que lhe hajam sido disponibilizados.

Sem custas.

Notifique

4.- Inconformado com tal acórdão dele interpôs revista o Sr.º Procurador-Geral Adjunto, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. Visa o presente recurso a apreciação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão proferido nos autos, no dia 30.01.2025, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto por AA, na qualidade de progenitora da menor BB, da sentença proferida em primeira instância e, em consequência: 1 – Revogou o acórdão recorrido que aplicou a favor da menor BB a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção;

2 – Declarou imediatamente cessada a proibição de visitas à criança por parte dos pais e de qualquer outro elemento da sua família biológica;

3 – Aplicou à menor, até um prazo de seis meses, a medida de acolhimento residencial, com a possibilidade de alargamento do regime de visitas que se encontrava instituído até à data.

4 – Tendo em vista a preparação da entrega da menor à sua progenitora, para com ela ir viver, ordenou ao tribunal recorrido que diligenciasse junto dos serviços sociais competentes da área de residência de AA, a elaboração, em tempo útil, de um plano de intervenção que abranja a integração da progenitora da menor em programa de formação parental e lhe proporcione apoio psicoterapêutico, para além de outros que se afigurarem necessários, plano que deve começar a ser executado ainda durante a permanência da BB na instituição e cujo acompanhamento implicará a monitorização e avaliação da situação da criança bem como o resultado da utilização, pela progenitora, dos apoios definidos e que lhe hajam sido disponibilizados.

2. Decisão tomada no Acórdão recorrido por ali ter sido considerado que “de momento e perante a factualidade julgada provada, não se nos afigura que se possa subsumir o caso em apreço à previsão do artigo 1978.º, n.º 1, do Cóigo Civil, ou seja, não se pode concluir pela inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos da filiação entre mãe e filha, não ocorrendo nenhum dos casos elencados nas alíneas do referido nº 1 e nomeadamente a prevista na alínea d) (que permitiria a verificação objetiva da não existência ou do comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação).

Consequentemente, a decisão de aplicação à menor BB da medida de promoção e proteção de confiança para a adoção deve ser revogada.

Resulta da factualidade provada que AA tem registado evolução na forma como cuida das necessidades básicas da filha e na forma de interagir com a mesma, mostrando-se interessada, carinhosa e preocupada com a filha, o que evidencia não ser impossível a evolução da progenitora na assunção do seu papel de mãe.

Porém, neste momento a progenitora revela ainda vulnerabilidades e fragilidades que podem comprometer a segurança e o bem-estar da BB.

A própria recorrente parece ter consciência dessas vulnerabilidades ao propor «a elaboração de um plano com vista à “desinstitucionalização” da BB envolvendo a ajuda e orientação da sua mãe nas áreas social, da psicologia, da psiquiatria, de educação parental que podem ajudá-la a exercer a parentalidade de forma plena e autónoma (…)».

3. No que concerne a CC, pai da menor, a matéria de facto apurada revela que a BB foi abandonada pelo seu pai.

4. Conforme julgado provado nos nºs. 63, 54 e 65, a última visita do pai à BB, na instituição, foi em 17-03-2024 e desde aí não mais contactou a instituição para notícias sobre a situação da sua filha e deslocou-se para o Brasil desde março de 2024.

5. Factos reveladores do desinteresse pela situação da sua filha BB, pelo que é manifesto o preenchimento do disposto na al. c), do nº 1, do artº 1978º, do Cód. Civil quanto a CC.

6. No que tange à situação de AA o Ministério Público discorda da solução adoptada pelo Tribunal da Relação de Évora por 31 de 37 considerar que se encontram preenchidos os pressupostos exigidos pelo artº 1978º, nº 1, al. d), do Cód. Civil. Com efeito,

7. Os factos descritos sob os nºs. 1 a 19, referentes ao período em que a BB e a sua mãe AA estiveram acolhidas no “CAV ...”, na ..., entre 29.09.2022 e 23.02.2023, revelam a inaptidão da mãe para cuidar da filha.

8. Durante esses primeiros meses de vida da criança a mãe não acordava de noite para amamentar ou dar o biberão a filha ou, quando o fazia, deixava-se dormir com a filha ao colo, na iminência da criança cair ao chão. Mais grave.

9. Não travava da higiene da BB, nem da cama onde a menina dormia, ficando os lençóis muito sujos. Deitava a fraldas sujas para debaixo da cama, revelando assim, não possuir noção quanto a cuidados básicos de higiene.

10. Quando a filha chorava AA pedia o auxílio de uma monitora da instituição, porque não sabia o que fazer e, para cúmulo,

11. Preparava muitas vezes mal o leite, colocando água fria directamente da torneira, dava o leite já frio à filha e lavava mal o biberão, deixando restos do leite no seu interior.

12. Com essa conduta, numa fase da vida da BB em que esta apenas tinha de ser alimentada, lavada, vestida e acarinhada a conduta objectivamente adoptada por AA falhou redondamente e colocou em perigo a segurança e a saúde da BB.

13. Nesse período de cinco meses, em que AA esteve a tempo inteiro com a sua filha, beneficiando ainda do acompanhamento, auxilio e supervisão permanentes das técnicas e monitoras da instituição, revelou não possuir as competências necessárias para cuidar de uma criança, o que mostra que não é verdade que nada tenha sido feito para ajudar AA a adquirir tais competências, como indicado no Acórdão Recorrido.

14. Face à essa situação, a criança ingressou no “CAT 1”, em ... e, pouco depois, em 18.05.2023, no “CAT 2”, em ..., como Plano de Intervenção, datado de 31.05.2023, homologado a 06.06.2023, a ser cumprido pela mãe.

15. Tratou-se de um plano simples, que incidia, essencialmente sobre o banho, a mudança da fralda e a alimentação da BB (sem exigir a lavagem das roupas ou a preparação da alimentação) e, ainda assim, um ano depois, AA apresentava as dificuldades descritas sob o nº 32 dos factos provados. Ou seja,

16. Durante esse período, de um ano, não existiu uma verdadeira evolução ao nível dos cuidados prestados por AA à sua filha, nos termos explicitados no nº 32 e 39, da factualidade julgada provada.

17. Apesar do Plano de Intervenção implementado e de terem decorrido 2 anos e meio desde o nascimento da BB.

18. AA, apesar de já ter completado 41 anos de idade, não se conseguiu autonomizar da casa da sua mãe, por não obter integração estável no mercado de trabalho e não revelar autonomia na organização das tarefas diárias, as quais são realizadas quase exclusivamente pela sua mãe (avó paterna da BB), daí a desorganização da casa onde reside retratada nos nºs. 33 e 31, dos factos provados e de viver dos rendimentos que obtém com a bolsa de formação profissional, a pensão pela morte do pai e a prestação social de inclusão.

19. Falta de autonomização que não pode ser desligada das suas características pessoais retratadas no relatório de perícia médico-legal, descritas nos nºs. 43, 43-A, 43-B, dos factos julgados provados:

20. AA apresenta uma perturbação da personalidade não especificada, com resultados elevados na personalidade paranoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)».

21. Na verdade AA, com os factos julgados provados sob os nºs. 2 a 19, colocou em grave risco a segurança e a saúde da sua filha BB.

22. E desde então, ao longo dos dois anos seguintes de vida da criança, não revelou o interesse nem a capacidade para reverter essa situação, mantendo o mesmo comportamento relativamente ao trato da sua filha, devido às suas características pessoais atrás descritas, assim comprometendo de forma acentuada a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação, como exigido, pelo artº 1978º, nº 1, al. d), do Cód. Civil.

23. Afigura-se ao Ministério Público que, como bem considerado no Acórdão proferido em primeira instância, inexiste uma relação própria da filiação entre a BB e os seus progenitores.

24. O pai abandonou-a e a mãe não logra conseguir prover à satisfação das suas necessidades mais básicas, como a alimentação e a higiene, apesar do investimento que já foi realizado nesse sentido como resulta da factualidade julgada provada.

25. Nem é previsível que um ou mais novos planos de intervenção logrem fornecer a AA as ferramentas necessárias de forma a que consiga prover ao sustento, segurança, saúde e educação da BB atento o percurso de vida da mãe da menor e as condutas e omissões retratadas na factualidade julgada provada.

26. Se a mãe não logra, desde o nascimento da BB, prover de forma satisfatória, por si própria, a algo tão básico como a alimentação e higiene da sua filha, como poderá pensar-se que conseguirá responder às suas necessidades quando estas exigirem actividades e atitudes mais complexas à medida que a BB vai crescendo?

27. Como decidido no Ac. do STJ, proferido no Proc. nº 1614/04.5TBESPE.P1.S1

“IV - Sempre que os factos demonstrem a falta de capacidade dos progenitores para assumir plenamente as suas responsabilidades parentais, é de concluir que não existem ou que estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação em conformidade com o que dispõe o art.º 1978.º do Código Civil.

V - Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre os progenitores e a criança; é necessário ainda que essa ligação afectiva se concretize em actos que demonstrem aptidão dos progenitores para exercerem plenamente as suas responsabilidades parentais.”

28. O Acórdão recorrido não deixa de reconhecer as fragilidades apresentadas por AA mas acaba, segundo a interpretação do recorrente, na análise dos pressupostos exigidos pelo artº 1978º, nº 1, do Cód. Civil, por se focar na perspectiva da mãe e no interesse desta quando, o comando do nº 2, desse preceito impõe que o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.

29. O interesse da BB não consiste em crescer numa instituição à espera que a mãe adquira as competências mínimas que a habilitem a tomar conta da sua filha, como o Tribunal da Relação de Évora reconhece que não possui, de momento.

30. Tendo a BB passado toda a sua vida institucionalizada -já atingiu os dois anos e seis meses de idade- sem que tenha existido, da parte da mãe uma verdadeira evolução positiva no sentido de lograr prover, por si própria, às necessidades básicas da sua filha, mostra-se esgotado o tempo que lhe foi concedido para que o lograsse, o que não conseguiu apesar do apoio de que beneficiou ao longo de quase todo esse tempo.

31. É altura de atentar no tempo da BB e de se providenciar no sentido de lhe encontrar uma família que a acolha.

32. Para tanto, importa que concedendo provimento ao recurso Vªs. Exªs. revoguem o Acórdão recorrido, por violar o disposto no artº 1978º, nºs. 1, al. d) e 2, do Cód. Civil, e reponham a decisão proferida em primeira instância, por ser essa a que se adequa ao interesse da menor.

Decidindo como aqui sustentado Vossas Excelências, afirmarão a JUSTIÇA”

5.- Respondeu a recorrida, mãe da menor - AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

I. O Acórdão impugnado deu parcialmente provimento ao recurso da Recorrida, mãe da menor BB, alterando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância no que tange à matéria de facto e de direito, reforçando que a melhor forma de respeitar o superior interesse da criança é a de revogar a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, bem como, a entrega da menor à sua progenitora, para com ela ir viver.

II. Do douto Acórdão do Tribunal Da Relação De Évora provou-se que

“1) BB nasceu em ... de Agosto de 2022 e é filha de CC e de AA;

2) Na sequência de acordo de promoção e proteção de 28 de Setembro de 2022 a BB foi acolhida, juntamente com a sua mãe, na Instituição de CAV ..., na ..., em 29 de Setembro de 2022;

2-A) A menor e a sua mãe forma sinalizadas pelo Núcleo Hospitalar De Apoio A Crianças E Jovens Em Risco do Centro Hospitalar Do ... porque segundo a informação dos técnicos de saúde daquele hospital a mãe não reunia critérios para a alta social porque carecia de supervisão e apoio permanente no préstimo de cuidados ao bebé e não existia retaguarda familiar segura;

3) Neste acordo de promoção e protecção, a mãe da criança assumiu os deveres, além do mais, de seguir as orientações das técnicas, assegurar as necessidades físicas da criança e satisfazer as necessidades emocionais e afectivas da criança e promover um ambiente familiar e estável;

4) Eliminado;

5) No período compreendido entre 29 de Setembro de 2022 e 19 de Janeiro de 202, em que a mãe da BB esteve com a filha na casa de acolhimento da ..., a primeira não acordava de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixava-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão;

5-A) À data a mãe da BB estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta;

5-B) Na CAV ..., na ..., a mãe da criança tinha acompanhamento prestado pela psicóloga que ali exercia funções;

6) Eliminado;

7) Passava grande parte do tempo ao telemóvel;

8) Não tratava da higiene da sua filha e da sua cama ou não arrumava o seu quarto;

9) Os lençóis da sua filha chegaram a estar muito sujos, sem que a mãe da BB os mudasse;

10) A mãe da BB, em contrário do que lhe foi aconselhado, não cuidava de prender os lençóis para prevenir uma asfixia da criança;

11) Atirava as fraldas sujas para debaixo da cama;

12) Atirava as embalagens para debaixo da cama;

13) Quando a filha chorava, a mãe da BB pedia o auxílio de uma monitora da instituição;

14) Saía para o exterior com a filha sem levar, muitas das vezes, os utensílios necessários ao seu cuidado;

15) Preparava muitas vezes mal o leite, colocando água fria directamente da torneira, e dava o leite à filha já frio;

16) Lavava mal o biberão, deixando restos de leite no seu interior antes de o colocar a esterilizar;

17) Eliminado;

18) No dia 23 de Janeiro, a mãe da criança saiu da instituição pelas 15:00, informando que ia ao hospital, e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de Janeiro;

19) Durante o período acima referido a mãe da BB esteve nas urgências do hospital e não contactou a casa;

20) A 23 de Fevereiro de 2023, a BB ingressou no CAT 1, em ...;

21) E a mãe da menina foi para casa da sua mãe (avó materna), em ...;

22) Por acordo de promoção e protecção de 17 de Abril de 2023 foi aplicada a medida de promoção protecção de acolhimento residencial, pelo período de 1 ano, a rever dentro de seis meses, e ficou estabelecido que a criança seria transferida para instituição o mais perto possível da residência da mãe, a mãe poderia visitar a criança na instituição, nos termos a definir por esta em articulação com a EMAT e a mãe comprometeu-se a cumprir os objectivos a serem definidos no plano de intervenção na ser apresentado pelo EMAT;

23) Em 18 de Maio de 2023 a BB ingressou no CAT 2 do Centro Social Interparoquial de ...;

24) Por despacho de 06 de Junho de 2023 foi homologado o plano de intervenção apresentado pela EMAT, a ser acatado pela mãe;

25) Até ao início de Agosto de 2023, após dois meses de visita, duas vezes por semana, a mãe apresentava dificuldades a dar banho completo à menina e em tomar a iniciativa de mudar a fralda; tirava fotografias à menina;

26) Por despacho de 19 de Outubro de 2023 foi determinada a manutenção da medida de promoção e protecção de acolhimento familiar;

27) No dia 07 de Março de 2024, a casa da mãe e da avó materna encontrava-se desarrumada, desorganizada e pouco limpa, com as camas por fazer, roupa acumulada e espalhada pelos quartos e louça acumulada na pia;

28) Até início de Março de 2024, a mãe realizou duas visitas por semana à sua filha, na instituição;

29) Consta do relatório social datado de 08 de Março de 2024, subscrito por DD, anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 15 de Março de 2024, o seguinte “As visitas decorrem com normalidade.

A mãe já é mais autónoma a dar banho à filha.

Quando dá banho prepara a roupa para vestir a seguir ao banho e prepara a roupa para o dia seguinte.

Nestas visitas a mãe prepara e aquece o almoço ou o jantar para dar à menina e brinca com a menina. A mãe tem algumas dificuldades, no entanto tem vindo a evoluir favoravelmente.

É preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina.

A mãe telefona todos os dias para saber como está a maenina (…).;

30) Por despacho de 11 de Abril de 2024, determinou-se a prorrogação por mais um ano da medidade promoção e protecção de acolhimento familiar;

31) No dia 23 de Maio de 2024 constatou-se na casa da mãe e da avó materna que o quarto destinado à menina não se encontrava organizado e arrumado, a cozinha e sala continuavam desorganizadas;

32) Escreveu-se no relatório social de acompanhamento da execução da medida, datado de 14 de Junho de 2024 que “A mãe, embora visite a filha com regularidade semanal continua sem demonstrar competências no exercício da sua função parental.

A mãe não sabe gerir os comportamentos da filha, não saber impor regras e não saber interpretar as razões dos choros da criança.

A prestação de cuidados de higiene à filha é muito básica necessitando da orientação da educadora para alguns pormenores, nomeadamente, no cuidado de hidratação da pele, pois BB apresenta pela atópica com necessidade regular de aplicação de cremes específicos.

Quanto à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca, pois as refeições estão previamente confecionadas, porém, denota-se a ausência de alguns cuidados na sua ministração”;

33) Em 28 de Agosto de 2024, a mãe esperava que a BB lhe fosse entregue e preparou o quarto para a receber;

34) Nesse dia, a mãe não soube identificar equipamento de infância a frequentar pela BB, caso esta viesse a integrar o agregado familiar materno;

35) A mãe realizou visitas à sua filha BB no CAT 2 do Centro Social Interparoquial em ... duas vezes por semana: uma durante a semana, entre cerca das 18:10 às 19:20 e outra ao fim de semana, entre cerca das 12:00 até às 15:20;

36) A mãe visitou a BB no CAT 2 do Centro Social Interparoquial em ... nos dias 8, 10, 17, 19, 24 e 31 de Março; 7, 11, 14, 19 e 28 de Abril; 3, 8, 15, 19, 23 e 30 de Maio; 4, 9, 13, 19, 28, e 30 de Junho; 3, 7, 11, 19, 21, 26 e 28 de Julho; 2, 4, 6, 16, 19, 22 e 29 de Agosto;

37) A mãe não solicitou a concessão de mais dias para visitas;

38) A mãe telefonou para essa instituição todos os dias para saber como se encontrava a BB;

39) Do relatório social subscrito pela directora do CAT 2, datado de 29 de Agosto de 2024, que se mostra anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 09 de Setembro de 2024, consta, no que à progenitora respeita, e na síntese da evolução da situação familiar e resultados de intervenção o seguinte:

“A mãe, embora visite a filha com regularidade semanal, e apesar de se notar alguma evolução na sua autonomia continua a demonstrar algumas dificuldades no exercício das suas competências parentais.

Não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança.

Relativamente à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca ou a ajudar a comer sozinha, uma vez que as refeições já estão feitas e a mãe apenas aquece ou arranja os alimentos.

No banho nem sempre se lembra de colocar o creme para a pele atópica, no entanto como a BB já está mais crescida consegue dar o banho com mais autonomia.

É preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha.

Liga todos os dias para saber da menina.

No entanto, ao longo destes 15 meses de institucionalização da filha, continua a revelar algumas dificuldades que já deveriam ter sido ultrapassadas . (…)”;

39-A) A mãe da BB estimula a criança, brincando com ela e quando a menina chora opor não querer ir dormir e está mais inquieta, por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la;

40) A mãe e a avó materna participaram na festa do 2.º aniversário da menina, no dia 19 de Agosto, a mãe trouxe bolo, decorações de festa, a roupa, calçado e acessórios para a menina usar no dia de anos;

41) A mãe telefonou para a instituição para saber como se encontrava a BB;

42) Em Setembro, a mãe da BB continua a visitá-la duas vezes por semana nos termos acima referidos;

43) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item conclusões, o seguinte:

“Relativamente à avaliação instrumental, a nível cognitivo remeter para a capacidade intelectual inferior à média, sugerindo dificuldades na capacidade de raciocínio lógico-abstracto.

Quanto à sintomatologia, remete para uma pessoa com elevada vulnerabilidade ao stress, marcada por elevada intolerância à frustração, demonstra elevada instabilidade e alterações de humor.

Destaca-se ainda elevada ansiedade, demonstrando ser uma pessoa com ansiedade manifesta, com expressão de dificuldades psicológicas através de somatizações com períodos persistentes de queixas físicas frequentes, que apresenta de modo dramático e exagerado.

Sobre a personalidade, os resultados obtidos remetem para perturbação da personalidade não especificada.

Remete para um perfil de pessoa que se mostra segura de si, com tendência a teatralizar, sente-se especial segura das suas ideias, com exagero das qualidades e diminuição dos defeitos, recusando pessoas que não aceitam a sua imagem, tolera mal a frustração e facilmente atinge sentimentos de humilhação face à crítica.

Estas pessoas sentem o mundo como um lugar competitivo, o que promove a desconfiança e necessidade de se defender, mostram-se por vezes hostis, considerando que aceitar é sinal de fraqueza.

Acresce que apesar de se mostrarem fortes, necessitam de receber afeto, ser aceites, necessitando assim de fazer chamada de atenção.”.

43-A) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: “No Mini-Mult (inventário multifásico de personalidade de Minnesota-versão reduzida) destaca-se nas escalas de validade transmite uma imagem extremamente patológica de si mesma, com um pensamento não convencional, elevada instabilidade, alterações de humor.

Salienta-se um sistema de defesas precário, com pouco controlo da emoção e do comportamento e dificuldades na adaptação social e ocupacional.

As escalas clínicas remetem para uma pessoa descrita como rígida, hostil, ressentida, desconfiada e que sente prejudicada pela vida e impulsiva.”.

43-B) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: “No MCMI-III (inventário multiaxial de Millon III), nas escalas de validade demonstra uma tendência a apresentar-se de modo socialmente aceitável, contudo mostra capacidade para assumir dificuldades emocionais que na sua perceção são mais aceitáveis.

Considera-se um protocolo pouco frequente, que enquadra Perturbação De Personalidade, contudo apresenta elevação significativa em várias escaladas de personalidade, assim não é possível especificar aperturbação de personalidade. Apresenta resultados elevados na personalidadeparanoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)”.

44) Eliminado.

45) Eliminado.

46) Eliminado.

47) Eliminado.

48) Eliminado.

49) Eliminado.

50) Eliminado.

51) Eliminado.

53) Eliminado.

54) Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de Abril de 2024, o seguinte: “Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta.

Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a percepção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões.”.

54-A) Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de Abril de 2024, o seguinte: “Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Factores de protecção:

(…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma.”.

55) Eliminado.

56) Eliminado.

57) A mãe da BB, aquando da permanência no CAV ..., na ..., não gostava que lhe fizessem reparos quanto ao modo de interagir com a filha.

58) A mãe da BB mentia quanto ao desempenho das tarefas para cuidados da BB e provocava conflitos com a equipa educativa.

59) A mãe da BB mostrava-se desanimada e manifestava falta de apoio suficiente junto da equipa técnica mas fora da instituição e com outras pessoas apresentava-se divertida.

60) Eliminado.

61) A mãe da BB não se conseguiu autonomizar da casa da sua mãe, por não conseguir integração estável no mercado de trabalho e não revelar autonomia na organização das tarefas diárias, as quais são realizadas quase exclusivamente pela sua mãe (avó paterna da BB).

61-A) A mãe da BB frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de acção educativa que teve início em 14 de Dezembro de 2023 e tem final previsto para 30 de Junho de 2025.

61-B) A mãe da BB recebe mensalmente o valor de € 700,00 proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão.

62) É a mais nova numa fratria de três e cortou relações com os dois irmãos.

63) A última visita do pai à BB, na instituição, foi em 17 de Março de 2024.

64) E desde aí não mais contactou a instituição para notícias sobre a situação da BB.

65) Desde Março de 2024 que o pai da BB se encontra no Brasil.

66) A demais família da BB não se mostra com capacidade e vontade de a acolher com permanência.

67) A BB chama a sua progenitora por “mãe” e reconhece a mesma, procurando-a para brincar quando ela chega para a visita.”.

III. O processo em causa reveste a natureza de jurisdição voluntária e, nessa medida, não comporta recurso para o Supremo Tribunal De Justiça, nos termos do artigo 988.º, n.º1 do CPC.

IV. Vem a presente resposta ao Recurso apresentado pelo Ministério Público mostrar que a Recorrida considera dever ser (revogada) alterada a decisão em causa, e substituída a medida de promoção e protecção, que no caso concreto deverá ser aplicada, pelas previstas no artigo 39.º e no artigo 41.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, por serem as adequadas à salvaguarda e defesa dos interesses em causa, os da menor e os da sua mãe, uma vez que a prova produzida o fundamenta, e impõe, em cumprimento da lei aplicável.

V. Relativamente à matéria de facto, a Recorrida dispensa-se agora de repetir a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas, declarações da progenitora, em que funda o seu requerimento, uma vez que a mesma já se encontra assinalada.

VI. Assim,

VII. Quanto aos factos mencionados no ponto 18) cumpre esclarecer que factos foram considerados provados com base no depoimento de uma testemunha, no sentido em referência, concatenado com o documento intitulado declaração junto aos autos em debate judicial.

VIII. Ora, a declaração em causa, junta aos autos, foi emitida pelos Serviços Do Hospital De ..., e comprova a entrada e permanência da Recorrida nos seus serviços de Urgência, no período assinalado.

IX. Comprovado esse facto, alegadamente valorado, ao ponto 18) dos factos provados, deverá esclarecer-se e dizer-se que, durante o período de ausência, a mãe da BB permaneceu nas Urgências do referido Hospital.

X. Assim, e quanto ao ponto 19) cumpre esclarecer que durante o período de tempo que a mãe da BB esteve nas Urgências do Hospital De ..., a ora Recorrida quando saiu da instituição indicou o local para onde iria.

XI. Ora, se a mãe da BB saiu da instituição e referiu o local para onde iria e não contactou a casa, passando a imagem de que a mãe da BB agiu com negligência e despreocupação com a BB, o que não é verdade!!!

XII. Cumpre esclarecer que existe até à presente data uma evolução do comportamento da mãe da BB e no relacionamento entre mãe e filha, bem como, nas suas condições de vida actuais.

XIII. No quadro do acolhimento inicial que durou cerca de 5 (Cinco) meses, admite-se como possível que a mãe da BB pudesse estar a viver num estado depressivo (depressão pós-parto), sentindo-se “assoberbada“ com o facto de ter sido mãe e ter que cuidar de uma bebé, a sua primeira e única filha, sentindo a falta de apoio por parte da sua mãe (avó materna), de quem se encontrava afastada, bem como, do pai da BB que se encontrava ausente.

XIV. Estas circunstâncias pessoais da mãe não podem nem devem ser ignoradas quando se procura caracterizar, e enquadrar, o seu comportamento nos primeiros meses de vida da BB, bem como, relativamente à forma como dela cuidou.

XV. Importa referir que,

XVI. Acerca destas questões pronunciaram-se várias testemunhas, em sede de

Debate Judicial, sendo que, a Educadora na CAV ..., na ..., referiu que a mãe da BB comentava que se sentia deprimida pela falta de apoio do pai da filha e pelo facto da sua mãe se encontrar longe,

XVII. Todavia,

XVIII. Nessa altura, a Psicóloga da CAV ..., na ..., avaliou e acompanhou a mãe da BB, mencionou que a mãe da BB vivia com algumas dificuldades, designadamente em lidar com o facto de ter sido mãe e, paralelamente poder estar a viver com uma depressão pós-parto.

XIX. Assim e, salvo melhor opinião, aquando da caracterização do comportamento da mãe da BB, durante os primeiros meses de vida da filha, deverá ter-se em conta que os factos e perceções decorrentes dos mesmos testemunhos, que evidenciam a probabilidade do eventual quadro depressivo (depressão pós-parto) em que a Recorrida estaria viver, o que, origina/justifica as limitações no seu comportamento e possibilitam uma melhor avaliação da sua conduta relativamente aos cuidados que prestou à sua filha.

XX. Contudo, acerca da factualidade vertida no ponto 39) importa esclarecer que a mãe da BB visita a menor desde Maio de 2023, sendo que, consegue proporcionar estímulos à menor,

XXI. Verificando-se uma evolução favorável por parte da mãe da BB.

XXII. Até porque, foi considerado provado o facto de a mãe da BB brincar com a menor, levando-lhe brinquedos novos, tem o cuidado de lhos apresentar, pelo que, consegue assim estimular a filha.

XXIII. Considera-se como provado o facto de que também se verifica uma evolução da mãe da BB quanto às suas actuais condições de vida Recorrida,

XXIV. Isto porque, a mãe da BB, actualmente, frequenta uma acção de formação profissional de Técnica De Acção Educativa, pelo que, mensalmente aufere um rendimento mensal de cerca de € 700,00 (Setecentos euros).

XXV. Sempre com o pensamento e motivação de criar as melhores condições possíveis para que possa ter a sua filha BB consigo, o que, salvo melhor opinião, revela-se de extrema importância conhecer-se tais condições.

XXVI. Desta forma, demonstra-se que não é verdade o que o Ministério Público alega no seu recurso para o Supremo Tribunal De Justiça, nomeadamente, quando menciona o seguinte: “25. Nem é previsível que um ou mais novos planos de intervenção logrem fornecer a AA as ferramentas necessárias de forma a que consiga prover ao sustento, segurança, saúde e educação da BB atento o percurso de vida da mãe da menor e as condutas e omissões retratadas na factualidade julgada provada.”, o que, se impugna.

XXVII. Aliás, a Recorrida impugna todo o vertido no recurso apresentado pelo Ministério Público para o Supremo Tribunal De Justiça, considerando-se que o mesmo não corresponde à realidade, até porque, ficou demonstrado que a mãe da BB se preocupa com a filha,

XXVIII. Razão pela qual, tem feito um esforço e uma evolução notória ao longo deste período, pelo que, não é verdade quando o Ministério Público no ponto 26 do seu recurso para o Supremo Tribunal De Justiça que “(…) não revelou interesse nem a capacidade para reverter essa situação, mantendo o mesmo comportamento relativamente ao trato da sua filha”, até porque, ficou provado que a mãe da BB evoluiu a sua autonomia quanto aos cuidados que presta à sua filha,

XXIX. Assim como, o facto de a mãe da BB já ter demonstrado e dado provas de que conhece algumas das práticas educativas parentais adequadas (como por exemplo, dar conselhos, explicar à BB o que fez mal, elogiar quando a menor se porta bem), até porque, também ficou provado que a mãe da BB se mostra motivada para estar com a filha e centra-se nas características positivas da mesma, pelo que, se impugna o vertido no ponto 23 do recurso do Ministério Público para o Supremo Tribunal De Justiça que refere “Afigura-se ao Ministério Público que, como bem considerado no Acórdão proferido em primeira instância, inexiste uma relação própria da filiação, como exigido, pelo artigo 1978.º, n.º1, alínea d) do Código Civil.”.

XXX. Desta forma, considera-se que a decisão de aplicação da medida de promoção e protecção de confiança da BB a instituição com vista a futura adopção, viola o disposto no artigo 36.º, n.º5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 68.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 69.º, n.º1 e 2 da Constituição da República Portuguesa; no artigo 4.º e 34.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro; no artigo 1878.º do Código Civil, no artigo 1885.º do Código Civil, no artigo 1978.º do Código Civil; no artigo 9.º, n.º1 e o artigo 21.º, ambos da Convenção Sobre Os Direitos Da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20/11/1989 e aprovada por Portugal.

XXXI. A decisão tomada, que tem a consequência de cortar e fazer cessar de forma irreversível o vínculo afetivo (próprio da filiação) da BB com a sua mãe biológica, não salvaguarda nem assegura a melhor defesa do seu superior interesse, nos termos em que este assenta também, e primordialmente, na continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas.

XXXII. Efectivamente,

XXXIII. A prova produzida, e que deve ser valorada no caso concreto, impõe decisão diversa daquela que foi tomada, com o objectivo de assegurar a efectiva prossecução dos interesses da sua filha e também os da sua mãe, com preservação do vínculo afectivo existente, que é próprio da filiação, de tal modo que a adopção só pode ser considerada, e decretada, quando, de todo, se encontre esgotada a possibilidade de aplicação das outras medidas de promoção e protecção.

XXXIV. Decorre do artigo 1978.º do Código Civil que para que o Tribunal, no âmbito de um processo de promoção e protecção possa confiar a criança com vista a futura adopção, é essencial a constatação de não existem, ou se encontram seriamente comprometidos, os vínculos afectivos próprios da filiação, consideração que é contrariada pela prova produzida nos autos, que não consubstancia, objectivamente, a verificação de qualquer das situações nele elencadas.

XXXV. A factualidade provada nos autos evidencia um quadro de EVOLUÇÃO da mãe da BB, no que concerne ao exercício das suas competências parentais, com fragilidades é certo, mas com evolução favorável, o que não pode deixar de convocar para o juízo de que a mãe da BB evoluiu nas suas capacidades e progrediu nas suas competências a cuidar da filha, e assegurou, igualmente, as condições necessárias para a receber em casa, omissão que anteriormente lhe tinha sido apontada.

XXXVI. Esta capacidade de evoluir, de melhorar a sua prestação em relação à filha, é reveladora de que a sua mãe é capaz de colmatar e ultrapassar as suas fragilidades intrínsecas e de adequar o seu comportamento à satisfação das necessidades da filha.

XXXVII. A evolução na satisfação das necessidades e o reforço do seu vínculo afectivo com a filha é patente na prova feita nos autos.

XXXVIII. Isto porque, em Agosto de 2023 se constatava que a mãe da BB apresentava grandes dificuldades em fazer face às necessidades da BB, como dar-lhe o banho completo sem a ajuda de terceiros e tomar a iniciativa de lhe mudar a fralda,

XXXIX. Mas a verdade é que em Março de 2024 a mãe da BB mostrou-se mais autónoma a dar banho à filha e preparava a roupa para a vestir a seguir ao banho e para o dia seguinte, preparava e aquecia o almoço ou o jantar a dar à menina, brincou com esta, foi carinhosa e atenciosa e revelou dificuldades, mas com evolução favorável.

XL. Em 23 de Maio de 2024 constatou-se que na casa da mãe e da avó materna o quarto destinado à menina não se encontrava organizado e arrumado, a cozinha e sala continuavam desorganizadas.

XLI. Em 28 de Agosto de 2024, a mãe esperava que a BB lhe fosse entregue e preparou quarto para a receber.

XLII. E é evidenciada, de que:

a) A mãe brinca com a menina, leva-lhe brinquedos novos e tem o cuidado de lhos apresentar e de brincar com ela e consegue assim estimular a filha;

b) A mãe e a avó participaram na festa do 2.º aniversário da menina no dia 19 de Agosto e a mãe trouxe bolo, decorações de festa, a roupa, calçado e acessórios para a menina usar no dia de anos;

c) A BB chama a sua progenitora por mãe e reconhece a mesma, procurando-a para brincar quando ela chega para a visita!

d) A mãe sempre a visitou 2 (Duas) vezes por semana – em cumprimento do plano estabelecido pela EMAT;

e) A mãe telefonou TODOS OS DIAS para a instituição para saber como se encontrava a BB;

f) A mãe foi carinhosa e atenciosa e preocupada com a filha;

g) Salvo melhor opinião, todos estes factos consubstanciam o cuidado e zelo da mãe, o amor e preocupação com a filha, o forte vínculo afetivo que as une, pelo que, e diversamente ao que foi alegado no recurso apresentado pelo Ministério Público para o Supremo Tribunal De Justiça;

h) Pelo que, se discorda que a referência às limitações da mãe que impedem que alguma vez venha a ser capaz de um desempenho responsável da parentalidade e que “alguém com notórias limitações a vários níveis (intelectuais, psicológicas e psiquiátricas) é incapaz de um exercício pleno e autónomo das responsabilidades parentais…”, e tendo em conta a prova produzida nos autos, impõe e justifica considerar premente e necessário o recurso aos meios e recursos disponíveis, legalmente previstos, de forma a assegurar a defesa do interesse da BB através da ajuda, orientação e educação da sua mãe;

i) Cumprindo-se, dessa forma o preceito constitucional de que “os filhos não podem ser separados dos pais”, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e determinando-se uma medida de promoção e protecção respeitadora – e concretizadora – dos princípios orientadores elencados no artigo 4.ºda LPCJP dos quais se destacam o interesse superior da criança e do jovem, a proporcionalidade e actualidade, a responsabilidade parental e a prevalência da família;

j) Assim sendo, a factualidade provada nos autos, a situação da criança e da sua mãe, sua família biológica, deve convocar o Tribunal a – revogando a decisão de confiança com vista a futura adopção – aplicar a medida que, da conjugação de todos esses interesses, é adequada a remover a situação de perigo da BB, e dá prevalência à sua integração na família, junto de sua mãe, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos originais, e que, simultaneamente, promova e auxilie a progenitora a assumir e cumprir devidamente os seus deveres parentais;

k) No caso concreto, e, reitera-se, ponderando a prova produzida, a defesa do superior interesse da criança passa também pela obrigação de não descurar, e ao invés, investir, na “melhoria das competências parentais da sua mãe, proporcionando-lhe a ajuda e orientação de técnicos competentes nas diversas áreas de intervenção, que vão desde a área de assistência social, da psicologia e da psiquiatria, bem como a educação parental, com frequência de programa, ou programas, de formação tendo em vista omelhor exercício das suas funções parentais”,

l) Caso contrário, violam-se o disposto no artigo 36.º, n.º5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 68.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 69.º, n.º1 e 2 da Constituição da República Portuguesa; no artigo 4.º e 34.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro; no artigo 1878.º do Código Civil, no artigo 1885.º do Código Civil, no artigo 1978.º do Código Civil; no artigo 9.º, n.º1 e o artigo 21.º, ambos da Convenção Sobre Os Direitos Da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20/11/1989 e aprovada por Portugal que prescreve que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária no superior interesse da criança;

m) A aplicação de medidas de promoção e protecção – em meio natural de vida – designadamente as previstas nos artigos 39.º e 41.º da LPCJP foi requerida pela mãe da BB, mantendo e reiterando tal requerimento também agora, junto dos Conselheiros do Supremo Tribunal De Justiça;

n) Requer-se assim, e por todo o exposto, ao Venerando Supremo Tribunal De Justiça, que mantenha a decisão proferida em Acórdão pelo Tribunal Da Relação De Évora, nomeadamente,

o) Revogar o acórdão recorrido que aplicou a favor da menor BB a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção;

p) Declarar imediatamente cessada a proibição de visitas à criança por parte dos pais e de qualquer outro elemento da sua família biológica;

q) Aplicar à menor, até um prazo de seis meses, a medida de acolhimento residencial, com a possibilidade de alargamento do regime de visitas que se encontrava instituído à data;

r) Ter em vista a preparação da entrega da menor à sua progenitora, para com ela ir viver, ordenam ao Tribunal recorrido que diligencie junto dos serviços sociais competentes da área de residência de AA, a elaboração, em tempo útil, de um plano de intervenção que abranja a integração da progenitora da menor em programa de formação parental e lhe proporcione apoio psicoterapêutico, para além de outros que se afigurarem necessários, plano que deve começar a ser executado ainda durante a permanência da BB na instituição e cujo acompanhamento implicará a monitorização e avaliação da situação da criança bem como o resultado da utilização, pela progenitora, dos apoios definidos e que lhe hajam sido disponibilizados;

s) Buscando-se assim o efectivo cumprimento do desígnio contido nos preceitos constitucionais que determinam “que o Estado protege os progenitores na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, (…) protegendo igualmente as crianças com vista ao seu desenvolvimento integral e no âmbito de um ambiente familiar normal” conforme o disposto no artigo no artigo 68.º, n.º1 e no artigo 69.º, n.º1 e 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE V.EXCIAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR VIA DELE, SER MANTIDO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, POR TODO O SUPRA EXPOSTO.

FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL, NECESSÁRIA E TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!”

6.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“Por ser tempestivo (artigo 102.º/1 da Lei n.º 147/99, de 01.09 e artigo 638.º/, 2.ª parte, do CPC), legalmente admissível (artigo 629.º/1 e 671.º/1 e 671.º/3, a contrario, e 674.º/1, e 674.º/1, todos do CPC), e interposto por quem tem legitimidade (artigo 123º da Lai n.º 147/99, de 01.09), recebe-se o recurso de Revista interposto pelo Ministério Público, o qual sobe nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo (artigo 676.º/1 do CPC). Notifique. Oportunamente, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.

7.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso.

Antes de entrarmos na analise do recurso, e, como questão prévia, cabe apreciar se o recurso é admissível, porquanto a recorrida refere que revestindo o processo em causa natureza de jurisdição voluntária e, nessa medida, não comporta recurso para o Supremo Tribunal De Justiça, nos termos do artigo 988.º, n.º1 do CPC, ou seja, parece pretender dizer que não cabe recurso para o STJ.

O recorrente notificado da resposta ao seu recurso nada disse.

Apreciando

O presente recurso de revista vem interposto no âmbito de um processo de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo que efectivamente se integra na categoria dos processos de jurisdição voluntária (cfr.º art.º 100.º da LPCJP), sujeitos à disciplina prevista nos artigos 986.º a 988.º do CPC).

Dispõe o n.º 2 do art.º 988.º que “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Na verdade, nos processos de jurisdição voluntária, “o predomínio da oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, justifica a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no artigo 988.º, n.º 2, do CPC, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.”, como é dito no acórdão deste STJ de 30-05-2019, 5189/17.7T8GMR.G1.S1, relatado por Tomé Gomes, no mesmo sentido, Ac.s deste Tribunal de 21-10-2010 Proc.º n.º 327/08.3TBENT.E1.S1, relatado por Álvaro Rodrigues e de de 20-01-2010, relatado por Lopes do Rego, onde assim foi decidido).

No entanto, “ na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.” (cfr. acórdãos supra citados).

Assim, concluem os citados acórdãos que aqui subscrevemos “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.

Da leitura do recurso interposto pelo sr.º Procurador-Geral Adjunto, parece resultar que em seu entender o tribunal “a quo” terá, feita errada interpretação do art.º 1978.º, n.º 1, mormente da alínea d), do C.C., quando refere, na conclusão 2 “Decisão tomada no Acórdão recorrido por ali ter sido considerado que “de momento e perante a factualidade julgada provada, não se nos afigura que se possa subsumir o caso em apreço à previsão do artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, não se pode concluir pela inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos da filiação entre mãe e filha, não ocorrendo nenhum dos casos elencados nas alíneas do referido nº 1 e nomeadamente a prevista na alínea d)”, pelo que, nesta vertente, nada obsta ao recebimento e conhecimento do recurso.

Nesta medida, e como referido, não está este Tribunal impedido de verificar se houve ou não “erro, na interpretação do art.º 1987.º, do C.C. (cfr. Acs. Supra citados)

Assim, nesta medida, não assiste razão à recorrida, quando parece referir que o recurso não deveria ser recebido.

O que este Tribunal não pode conhecer, é a medida em concreto aplicada, se entender que não houve errada interpretação do preceito, desde logo, por força do n.º 2, do art.º 988.º, do C.P.C., por a mesma ter sido aplicada segundo critérios de oportunidade e conveniência, como resulta do acórdão recorrido.

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber:

- Se o tribunal errou na interpretação do art.º 1987.º, n.º 1, do C.C., mormente a sua alínea d).
III- Fundamentação

1.- Factos provados.

«1) BB nasceu em ...-08-2022 e é filha de CC e de AA.

2) Na sequência de acordo de promoção e proteção de 28-09-2022 a BB foi acolhida, juntamente com a sua mãe, na Instituição de CAV ..., na ..., em 29-09-2022.

2-A) A menor e a sua mãe foram sinalizadas pelo Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar do ... porque segundo a informação dos técnicos de saúde daquele hospital a mãe não reunia critérios para a alta social porque carecia de supervisão e apoio permanente no préstimo de cuidados ao bebé e não existia retaguarda familiar segura.

3) Neste acordo de promoção e proteção, a mãe da criança assumiu os deveres, além do mais, de seguir as orientações das técnicas, assegurar as necessidades físicas da criança e satisfazer as necessidades emocionais e afetivas da criança e promover um ambiente familiar e estável.

4) Eliminado.

5) No período compreendido entre 29.09.2022 e 19.01.2023, em que a mãe da BB esteve com a filha na casa de acolhimento da ..., a primeira não acordava de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixava-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão.

5-A: À data a mãe da BB estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta.

5-B) - Na CAV ..., na ..., a mãe da criança tinha acompanhamento prestado pela psicóloga que ali exercia funções.

6) Eliminado.

7) Passava grande parte do tempo ao telemóvel.

8) Não tratava da higiene da sua filha e da sua cama ou não arrumava o seu quarto.

9) Os lençóis da sua filha chegaram a estar muito sujos, sem que a mãe da BB os mudasse.

10) A mãe da BB, em contrário do que lhe foi aconselhado, não cuidava de prender os lençóis para prevenir uma asfixia da criança.

11) Atirava as fraldas sujas para debaixo da cama.

12) Atirava as embalagens para debaixo da cama.

13) Quando a filha chorava, a mãe da BB pedia o auxílio de uma monitora da instituição.

14) Saía para o exterior com a filha sem levar, muitas das vezes, os utensílios necessários ao seu cuidado.

15) Preparava muitas vezes mal o leite, colocando água fria diretamente da torneira, e dava o leite à filha já frio.

16) Lavava mal o biberão, deixando restos de leite no seu interior antes de o colocar a esterilizar.

17) Eliminado.

18) No dia 23 de janeiro, a mãe da menina saiu da instituição pelas 15:00, informando que ia ao hospital, e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro»;

19) Durante o período acima referido a mãe da BB esteve nas urgências do hospital e não contactou a casa.

20) A 23.02-2023, a BB ingressou no CAT 1, em ....

21) E a mãe da menina foi para casa da sua mãe (avó paterna), em ....

22) Por acordo de promoção e proteção de 17-04-2023 foi aplicada a medida de promoção proteção de acolhimento residencial, pelo período de 1 ano, a rever dentro de seis meses, e ficou estabelecido que a criança seria transferida para instituição o mais perto possível da residência da mãe, a mãe poderia visitar a criança na instituição, nos termos a definir por esta em articulação com a EMAT e a mãe comprometeu-se a cumprir os objetivos a serem definidos no plano de intervenção a ser apresentado pelo EMAT.

23) Em 18-05-2023 a BB ingressou no CAT 2 do Centro Social Interparoquial de....

24) Por despacho de 06-06-2023 foi homologado o plano de intervenção apresentado pela EMAT, a ser acatado pela mãe.

25) Até ao início de agosto de 2023, após dois meses de visitas, duas vezes por semana, a mãe apresentava dificuldades a dar banho completo à menina e em tomar a iniciativa de mudar a fralda; tirava fotografias à menina.

26) Por despacho de 19-10-2023 foi determinada a manutenção da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar.

27) No dia 07-03-2024, a casa da mãe e da avó materna encontrava-se desarrumada, desorganizada e pouco limpa, com as camas por fazer, roupa acumulada e espalhada pelos quartos e louça acumulada na pia.

28) Até início de março de 2024, a mãe realizou duas visitas por semana à sua filha, na instituição.

29) Consta do relatório social datado de 08.03.2024, subscrito por DD, anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 15.03.2024, o seguinte: «as visitas decorrem com normalidade. A mãe já é mais autónoma a dar banho à filha. Quando dá banho preparar a roupa para vestir a seguir ao banho e prepara a roupa para o dia seguinte. Nestas visitas a mãe prepara e aquece o almoço ou o jantar para dar à menina e brinca com a menina. A mãe tem algumas dificuldades, no entanto tem vindo a evoluir favoravelmente. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina. A mãe telefona todos os dias para saber como está a menina. (…)».

30) Por despacho de 11-04-2024, determinou-se a prorrogação por mais um ano da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial.

31) No dia 23-05-2024 constatou-se na casa da mãe e da avó materna que o quarto destinado à menina não se encontrava organizado e arrumado, a cozinha e sala continuavam desorganizadas.

32) Escreveu-se no relatório social de acompanhamento da execução da medida, datado de 14.06.2024 que «A mãe, embora visite a filha com regularidade semana continua sem demonstrar competências no exercício da sua função parental. A mãe não sabe gerir os comportamentos da filha, não sabe impor regras e não sabe interpretara as razões dos choros da criança. A prestação de cuidados de higiene à filha é muito básica necessitando da orientação da educadora para alguns pormenores, nomeadamente no cuidado de hidratação da pele, pois BB apresenta pele atópica com necessidade regular de aplicação de cremes específicos. Quanto à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca, pois as refeições estão previamente confecionadas, porém, denota-se a ausência de alguns cuidados na sua ministração».

33) Em 28-08-2024, a mãe esperava que a BB lhe fosse entregue e preparou o quarto para a receber.

34) Nesse dia, a mãe não soube identificar equipamento de infância a frequentar pela BB, caso esta viesse a integrar o agregado familiar materno.

35) A mãe realizou visitas à sua filha BB no CAT 2 do Centro Social Interparoquial em ... duas vezes por semana: uma durante a semana, entre cerca das 18:10 às 19:20 e outra ao fim de semana, entre cerca das 12:10 até às 15:20.

36) A mãe visitou a BB no CAT 2 do Centro Social Interparoquial em ... nos dias 8,10,17,19,24 e 31 de março, 7,11,14,19 e 28 de abril, 3,8,15,19,23 e 30 de maio, 4,9,13, 19, 28 e 30 de junho, 3,7, 11,19,21, 26 e 28 de julho, 2, 4, 6, 16, 19, 22 e 29 de agosto.

37) A mãe não solicitou a concessão de mais dias para visitas.

38) A mãe telefonou para essa instituição todos os dias para saber como se encontrava a BB.

39) Do relatório social subscrito pela diretora do CAT 2, datado de 29.08.2024, que se mostra anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 09.09.2024, consta, no que à progenitora respeita, e na síntese da evolução da situação familiar e resultados de intervenção o seguinte:« A mãe, embora visite a filha com regularidade semanal, e apesar de se notar alguma evolução na sua autonomia, continua a demonstrar algumas dificuldades no exercício das suas competências parentais. Não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança. Relativamente à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca ou a ajudar a comer sozinha, uma vez que as refeições já estão feitas e a mãe apenas aquece ou arranja os alimentos. No banho nem sempre se lembra de colocar o creme para a pele atópica, no entanto como a BB já está mais crescida consegue dar o banho com mais autonomia. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha. Liga todos os dias para saber da menina. No entanto, ao longo destes 15 meses de institucionalização da filha, continua a revelar algumas dificuldades que já deveriam ter sido ultrapassadas.(…)».

39-A) - A mãe da BB estimula a criança, brincando com ela e quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la.

40) A mãe e a avó materna participaram na festa do 2.º aniversário da menina, no dia 19 de agosto, a mãe trouxe bolo, decorações de festa, a roupa, calçado e acessórios para a menina usar no dia de anos.

41) A mãe telefonou para a instituição para saber como se encontrava a BB.

42) Em setembro, a mãe da BB continuou a visitá-la duas vezes por semana nos termos acima referidos.

43) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item conclusões, o seguinte: «(…) Relativamente à avaliação instrumental, a nível cognitivo remete para a capacidade intelectual inferior à média, sugerindo dificuldades na capacidade de raciocínio lógicoabstrato. Quanto à sintomatologia, remete para uma pessoa com elevada vulnerabilidade ao stress, marcada por elevada intolerância à frustração, demonstra elevada instabilidade e alterações de humor. Destaca-se ainda elevada ansiedade, demonstrando ser uma pessoa com ansiedade manifesta, com expressão de dificuldades psicológicas através de somatizações com períodos persistentes de queixas físicas frequentes, que apresenta de modo dramático e exagerado. Sobre a personalidade, os resultados obtidos remetem para perturbação da personalidade não especificada. Remete para um perfil de pessoa que se mostra segura de si, com tendência a teatralizar, sente-se especial segura das suas ideias, com exagero das qualidades e diminuição dos defeitos, recusando pessoas que não aceitam a sua imagem, tolera mal a frustração e facilmente atinge sentimentos de humilhação face à crítica. Estas pessoas sentem o mundo como um lugar competitivo, o que promove a desconfiança e necessidade de se defender, mostram-se por vezes hostis, considerando que aceitar é sinal de fraqueza. Acresce que apesar de se mostrarem fortes, necessitam de receber afeto, ser aceites, necessitando assim de fazer chamada de atenção».

43-A) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No Mini-Mult (inventário multifásico de personalidade de Minnesota-versão reduzida) destaca-se nas escalas de validade transmite uma imagem extremamente patológica de si mesma, com um pensamento não convencional, elevada instabilidade, alterações de humor. Salienta-se um sistema de defesas precário, com pouco controlo da emoção e do comportamento e dificuldades na adaptação social e ocupacional. As escalas clínicas remetem para uma pessoa descrita como rígida, hostil, ressentida, desconfiada e que sente prejudicada pela vida e impulsiva».

43 B) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No MCMI-III (inventário multiaxial de Millon III), nas escalas de validade demonstra uma tendência a apresentar-se de modo socialmente aceitável, contudo mostra capacidade para assumir dificuldades emocionais que na sua perceção são mais aceitáveis. Considera-se um protocolo pouco frequente, que enquadra Perturbação de Personalidade, contudo apresenta elevação significativa em várias escaladas de personalidade, assim não é possível especificar a perturbação de personalidade. Apresenta resultados elevados na personalidade paranoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)».

44) Eliminado.

45) Eliminado.

46) Eliminado.

47) Eliminado.

48) Eliminado.

49) Eliminado.

50) Eliminado.

51) Eliminado.

53) Eliminado.

54) Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a perceção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões».

54-A) - Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Fatores de proteção: (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma».

55) Eliminado.

56) Eliminado.

57) A mãe da BB, aquando da permanência no CAV ..., na ..., não gostava que lhe fizessem reparos quanto ao modo de interagir com a filha.

58) A mãe da BB mentia quanto ao desempenho das tarefas para cuidados da BB e provocava conflitos com a equipa educativa.

59) A mãe da BB mostrava-se desanimada e manifestava falta de apoio suficiente junto da equipa técnica, mas fora da instituição e com outras pessoas apresentava-se divertida.

60) Eliminado.

61) A mãe da BB não se conseguiu autonomizar da casa da sua mãe, por não conseguir integração estável no mercado de trabalho e não revelar autonomia na organização das tarefas diárias, as quais são realizadas quase exclusivamente pela sua mãe (avó paterna da BB).

61-A - A mãe da BB frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de ação educativa que teve início em 2023/12/14 e tem final previsto para 2025/06/30.

61-B - A mãe da BB recebe mensalmente o valor de 700,00€ proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão.

62) É a mais nova numa fratia de três e cortou relações com os dois irmãos.

63) A última visita do pai à BB, na instituição, foi em 17-03-2024.

64) E desde aí não mais contactou a instituição para notícias sobre a situação da BB.

65) Desde março de 2024 que o pai da BB se encontra no Brasil.

66) A demais família da BB não se mostra com capacidade e vontade de a acolher com permanência.

67) A BB chama a sua progenitora por “mãe” e reconhece a mesma, procurando-a para brincar quando ela chega para a visita.

2.- O Direito

O recorrente pugna pela revogação do acórdão recorrido, desde logo, por violação da al.ª d), do n.º 1, do art.º 1978.º, do C.C. e n.º 2, do mesmo preceito.

Entendendo, que se verificam as condições para ser aplicar à menor BB a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, medida que durará até ser decretada a adoção, medida não sujeita a revisão, como aliás foi entendido, em 1.ª instância.

Opinião oposta tem a recorrida que pugna pela manutenção do acórdão recorrido.

De acordo com o preceituado no art.º 38-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978 do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adoção.

O artigo 1978º n.º 1 do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adoção, pode ser decidida pelo Tribunal, a confiança judicial protege o interesse da menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ela viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação - Cons. Gomes Leandro - "O Novo Regime Jurídico da Adopção", pág. 273; "Curso de Direito da Família" - Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2ª ed., I, pág. 57.

Esta proteção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36º expressamente reconhece no seu n.º 6 que os filhos podem ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles.

Por sua vez a adoção tem consagração constitucional no n.º 7 do mesmo preceito.

Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjetivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direito da Criança.

Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso" - Dr. Campos Mónaco - "A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais", Coimbra Editora, 2004, pág. 152.

Revestindo os presentes autos a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a), da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança, será este o critério primordial a ter em conta na apreciação do caso subjudice.

O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspetos: físico, intelectual, moral, religioso e social.

E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.

A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é, na infância, desenvolvendo-se na adolescência, infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.

São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afetos.

E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança.

Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afetiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adoção.

Esta visão plasmada na nossa lei da adoção, está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adoção e de crianças.

A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vetor fundamental que deve influenciar a aplicação do direito.

Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afetivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais.

É certo que o processo de promoção e proteção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adoção (a adoção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) –veja-se o artigo 4º, al. f),g) e i) da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989.

No entanto tal princípio não é absoluto.

Há situações em que e apesar dos laços afetivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos.

Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável.

Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica.

Como se sabe a personalidade da criança constrói-se na puerícia e desenvolve-se na adolescência, sendo essencial que nestes dois momentos a criança seja feliz e saudável, para que na idade adulta seja uma pessoa equilibrada, cabendo a quem exerce o poder paternal cuidar e prestar os cuidados indispensáveis ao seu desenvolvimento.

Estabelece o art.º 1978.º do Código Civil que:

“Com vista a futura adoção, o tribunal pode confiar o menor a casal a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) se o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos;

b) se tiver havido consentimento prévio para a adoção;

c) se os pais tiveram abandonado o menor;

d) se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ou a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”

Do n.º 2 do citado normativo legal resulta que na verificação das situações previstas no n.º 1 o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses do menor.

Por fim, do n.º 3 do mesmo normativo resulta que se considera existir uma situação de perigo quando se verificar alguma das situações qualificadas pela legislação relativa à promoção e proteção dos interesses dos menores.

O desinteresse distingue-se do abandono porquanto este representa um comportamento ativo – afastamento – em que existe já a quebra do vínculo afetivo da filiação. Por outro lado, o desinteresse pressupõe uma situação omissiva mas em que ainda há contacto com o menor, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do vínculo afetivo da filiação.

O perigo que enquadra o disposto no al.ª d) do citado art.º 1978.º do Código Civil tem necessariamente de traduzir-se na ação ou omissão suscetível de criar um dano grave na segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.

O perigo exigido nesta alínea é aquele que se apresenta descrito no art.º 3.º da L.P.C.J.P., sem que pressuponha a efetiva lesão, bastando, assim, um perigo iminente ou provável.

Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares, no dizer de Maria Clara Sottomayor, in Temas de Direito das Crianças, 2016, Almedina, p. 318.

Como se sabe o adulto constitui a instância matricial de definição da criança, em termos genéticos e ontogénicos, individuais e sociais, psicológicos e culturais.

Do ponto de vista psicológico, os adultos, especialmente aqueles mais próximos oferecem às crianças “(…) olhares com vista para os seus olhos” – E. Sá, Psicologia dos Pais e do Brincar – 1995, 2.ª edição, Lisboa: Fim de Século. Porém, o olhar do adulto não é abstracto ou isolado, nem alheio ao facto de ser olhado. As imagens dialogantes, mutuamente desenvolvidas, entretecidas nas malhas da relação do afecto, são construções feitas por referência a outras imagens, envolvendo no conhecimento de si o conhecimento do outro, tecendo a identidade de cada criança na trama de uma infinidade de referências que directa e remotamente participam na sua definição – neste sentido Paula Cristina Martins, in Das dificuldade (dos) menores aos problemas (dos) maiores: elementos de análise das representações sociais sobre as crianças em risco, citando P. Martins, A Avaliação como factor estruturante e promotor do desenvolvimento pessoal, Psicologia, Educação e Cultura, ano 2001, vol. V, n.º 1, 63-70, monografia recolhida em https://repositorium.sdum.uminho.pt.

A capacidade de retenção e de memorização de crianças de tenra idade é incontestável, principalmente quando relacionadas com vivências traumatizantes, estas possuem a capacidade de reter esses momentos, quer exteriorizando-os e relatando-os, ainda que de forma figurada, quer os reprimindo e guardando para si – (cfr. neste sentido Pedro Strecht, Preciso de Ti, Perturbações Psicossociais em crianças e adolcentes, 2001, Assírio e Alvim).

Em suma o que releva para ser aplicada esta ou aquela medida, é o superior interesse da criança, reclamando uma análise sistémica e sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência ( cf. Ac RC de 27 de Abril de 2017, proc.º n.º 268/12.0TBMGL.C2, relatado por Jorge Arcanjo, ).

A aplicação da medida de promoção e proteção traduzida na confiança do menor com vista a futura adoção pressupõe, sempre, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, o qual é aferível pela ocorrência, em cada caso, de alguma(s) das situações plasmadas nas alíneas do n.º 1 daquele normativo.

A verificação de alguma das situações enunciadas naquele preceito legal não está associada a um comportamento culposo/censurável dos pais, podendo o perigo resultar objetivamente da situação detetada.

No sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, processo n.º 1906/20.6T8VCT.G1.S1, relatado por Catarina Serra, escreveu-se o seguinte: «II.-Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afetivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afetiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, atos ou atitudes que revelem que o(s) progenitor(es) tem(têm) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. III – Sempre que os factos demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel de pais da criança é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afetivos próprios da filiação”».

Feitos tais considerandos é altura de voltar ao caso em apreço, e verificar se a conduta da recorrida se enquadra, nos requisitos do art.º 1978.º, do C.C.

As instâncias têm entendimento diferente sobre esta matéria.

A 1.ª instância para acolher a verificação da al.ª d), do n.º 1, do citado art.º 1978.º, refere, entre o mais: “… não deve manter-se a colocação da criança em instituição ou em acolhimento familiar a aguardar a possibilidade, meramente teórica, de o progenitor vir adquirir as condições necessárias para a acolher.

(…)

Na situação vertente, importa desde logo, considerar que já decorreram dois anos desde o nascimento da BB e que a sua mãe, pese embora o investimento realizado – primeiro com a sua permanência por cerca de 6 meses no CAV ... com a menina, e, depois desde 18/5/2023 até hoje, com visitas bissemanais no CAT 2 e ainda não demonstra autonomia para conseguir cuidar da filha.

(…)

Na condução da sua vida, em termos práticos, não se basta a si mesma, por não revelar autonomia nas tarefas diárias, as quais são realizadas quase exclusivamente pela sua mãe (avó paterna da BB), ainda não conseguiu integração estável no mercado de trabalho)

Por sua vez o acórdão recorrido, para afastar a verificação dos requisitos do n.º 1, do art.º 1978.º, mormente a sua alínea d), refere no segmento que se transcreve:

Da matéria de facto provado resulta que a progenitora da BB beneficiou de acompanhamento psicológico mas apenas enquanto esteve no CAV ..., na ..., e em termos que não estão especificados. Com efeito, e apesar de, desde o início, se terem identificado dificuldades desta mãe quer na prestação de cuidados à filha, de forma autónoma, quer na gestão de atividades domésticas, não se procurou implementar a aplicação da medida de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe – por força da qual a progenitora da menor poderia beneficiar de um programa de formação para o melhoramento do exercício da parentalidade (cfr. artigo 41.º/1 da LPPCJP) -, optando-se, ao invés, por aplicar e prorrogar ao longo de todos estes meses a medida de acolhimento institucional “à espera” que a mãe adquirisse, por si, as competências parentais que, note-se, as técnicas sociais têm por adequadas. Não é demais sublinhar que as competências parentais constroem-se na experiência do dia-a-dia e, no caso, e excluindo o tempo que passou com a filha na casa de acolhimento da ..., o convívio entre a progenitora AA e a BB, sua filha, cinge-se às visitas em contexto institucional, com as limitações próprias do mesmo (as visitas a serem assistidas por membros da casa de acolhimento, o que dificulta a interação familia), duas vezes por semana, no horário estipulado pela instituição (ainda que tendo em atenção as possibilidades de transporte de AA, que recorre ao comboio para se deslocar entre a sua casa e a casa de acolhimento).

É, pois, apenas nessas visitas bissemanais que a mãe da BB tem oportunidade de desenvolver as suas competências quanto à forma de cuidar das necessidades básicas da criança como lavá-la, vesti-la e dar-lhe de comer. Realça-se na decisão recorrida, e como aspeto negativo, que AA “não diligenciou por mais convívios”.

Porém, ela limitou-se a cumprir o programa estabelecido, não tendo sido alegado e provado que a mesma tivesse sido informada da possibilidade de pedir mais visitas. Visitas a que a progenitora não falta e durante as quais revela carinho e preocupação com a filha, interagindo com a mesma através de brincadeiras e pegando-lhe ao colo quando esta chora. E o facto é que AA tem evoluído na prestação de tais cuidados à filha, como decorre da factualidade provada assente nos relatórios sociais juntos aos autos e no depoimento da testemunha DD, diretora da casa de acolhimento onde se encontra a BB. Afirma-se no acórdão recorrido que «ainda que com o suporte do CAFAP ou apoio de terceiro tal não aconteceria, por ser notória a ausência de recursos internos para lidar com os desafios colocados por uma criança. Não se perspetiva que, ainda que com recurso à mera imitação ou reprodução como aconteceu até aqui, se consiga incutir na mãe da BB a iniciativa e desenvoltura mínima para um exercício ajustado da parentalidade» (negritos nossos). O trecho da decisão supra transcrito contém duas asserções: (a) nem com apoio junto da mãe, providenciado por instituições do Estado ou por terceiros, a mãe alguma vez adquirirá competências para cuidar e educar a filha de forma autónoma, fruto das suas limitações cognitivas; (b) a evolução nos cuidados a prestar à sua filha e na forma como vem interagindo com ela resulta de uma aprendizagem pela repetição/imitação de atos e não de uma tomada de consciência e assimilação do que é necessário a um exercício adequado da parentalidade. Esta última asserção reproduz um juízo de valor da testemunha EE que afirmou em julgamento que a mãe da BB “decora atos”, “aprende com os atos repetidos”, concluindo aquela testemunha que AA nunca será capaz de, por si, exercer as competências parentais relativamente à filha BB. Acontece que o juízo sobre a existência de competências parentais e sobre a capacidade de evolução da progenitora na aquisição e exercício de tal competência é um juízo técnico-pericial e a testemunha em causa – que é assistente social (subscreveu os relatórios sociais de acompanhamento da execução da medida datados, respetivamente, de 14.06.2024 e de 09.09.2024) - não depôs na qualidade de perita, sendo que o seu contacto direto com a progenitora da BB limitou-se às visitas domiciliárias à mãe e à avó materna da BB (em número de três, segundo afirmou nem sede de debate judicial). Quanto à primeira asserção, dir-se-á que o juízo sobre a capacidade do progenitor, ou a falta de capacidade, para identificar as necessidades de desenvolvimento/crescimento da criança e de adequação do comportamento para responder a tais necessidades é, como supra se assinalou, um juízo técnico- pericial, tal como o juízo sobre a possibilidade de o estabelecimento de uma parentalidade autónoma ser potenciado pela integração da progenitora em programas psicoterapêuticos dirigidos às suas patologias e/ou em programas de educação parental. Sucede que o relatório de perícia psiquiátrica médico legal não se pronuncia sobre se a examinanda tem efetivamente capacidade para identificar as necessidades da sua filha inerentes a cada etapa do desenvolvimento e crescimento e também vontade para adequar, em conformidade, o seu comportamento de forma a responder a essas necessidades ou se a mãe da BB é capaz de melhorar as suas competências parentais e colmatar as suas fragilidades se for apoiada em termos de integração em programa psicoterapêutico, de acompanhamento médico e em programas para formação em educação parental. Efetivamente, no relatório da perícia psiquiátrica médico-legal são identificados como fatores de risco para as competências parentais da progenitora da BB «o percurso escolar com intercorrências, pautado por dificuldades de aprendizagem, dificuldades nas relações com pares e percurso profissional instável, sem hábitos de trabalho, com desresponsabilização pelos insucessos a nível escolar e profissional; recebe prestação social de inclusão de 240,00€”; dinâmicas relacionais predominantemente superficiais, com ruturas; relação com o outro progenitor pouco presente, atualmente não descreve apoio de outros para cuidar da menor. Histórico de doença mental desde a adolescência, com seguimento psiquiátrico percecionado como pouco securizante. Capacidade intelectual inferior à média; sintomatologia clínica marcada por vulnerabilidade ao stress, elevada intolerância à frustração e manifesta ansiedade. Perturbação da personalidade não especificada, marcada por instabilidade emocional», a par de alguns fatores de proteção, mas não se procedeu – ou pelo menos não é claro que se tenha procedido - a um balanceamento dos mesmos (fatores de risco versus fatores de proteção) para aferir se os fatores de risco identificados superam de forma intolerável os fatores de proteção referidos; tão pouco tal relatório evidencia ter sido ponderada a evolução registada pela mãe na prestação de cuidados à filha e na sua forma de interação com a mesma, não havendo também qualquer menção à vinculação entre mãe e filha. Acresce que não se nos se afigura que “o percurso escolar” supra descrito no relatório social, “as dificuldades de aprendizagem de conteúdos escolares”, “os insucessos a nível escolar e profissional” possam determinar a inibição da progenitora para criar a sua filha, sujeitando esta última a adoção. Refira-se que, nos termos do disposto no artigo 13.º da Constituição da República, todos os cidadãos são iguais perante a lei (n.º 1) e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, da sua instrução, situação económica e condição social (n.º 2); e relativamente aos traços de personalidade ali apontados - vulnerabilidade ao stress, elevada intolerância à frustração e manifesta ansiedade; perturbação da personalidade não especificada, marcada por instabilidade emocional – pergunta-se: quantos pais não sofrem de ansiedade, vulnerabilidade ao stress e intolerância à frustração? Constitui isso motivo para inibir os pais de criar os seus filhos, dirigindo-os para a adoção? No relatório pericial é referido que a progenitora da BB tem uma capacidade intelectual inferior à média, mas desde quando as pessoas menos inteligentes não podem ser pais e educar os filhos? Ali também se refere que “há um histórico de doença mental desde a adolescência” mas não se identifica o tipo de doença mental de que padecerá a examinanda e, muito menos, se relaciona o seu défice de capacidade intelectual com tal “doença”; aliás, o que perpassa pelo relatório pericial é que a progenitora da BB «é seguida em consultas de psiquiatria na ULSMT desde 2013 “por depressão, andava triste e desmotivada”» e que a mesma está medicada (com sertalina, diazepan e olanzapina). Sublinha-se que embora se identifiquem no referido relatório pericial fatores securizantes/de proteção para as competências paternais da examinanda, não foi feito um balanceamento entre eles e os fatores de risco ali identificados e nada foi referido sobre possibilidade de melhormento das competências parentais de AA e de suprimento das suas fragilidades se houver apoio da mesma em termos de integração em programa psicoterapêutico, de acompanhamento médico e em programas para formação em educação parental, quando a factualidade provada até releva que, sem qualquer apoio, a progenitora se tem esforçado por melhorar o seu desempenho no que respeita à satisfação das necessidades básicas da criança, note-se, daquelas que lhe é permitido desempenhar em contexto institucional. É também apontado pelas técnicas sociais como sendo um handicap de AA – ou seja, algo que a progenitora ainda não conseguiu alcançar apesar do tempo decorrido desde a institucionalização da filha - que aquela “não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança”. Para além de não estarem concretizados em factos as regras que supostamente a progenitora da menor deveria ter imposto à filha, e não terá imposto, dir-se-á que no que respeita a “regras” não existe uma forma exata de educar e que aquilo que para uns será correto, para outros poderá já não o ser; quanto aos choros, ainda que a mãe da menor eventualmente nem sempre saiba descodificar os sinais que a filha lhe procura transmitir através daquele comportamento (fome, sono, cansaço?), o que merce destaque, quanto a nós, é que a progenitora não fica indiferente ao mesmo, pois está provado que quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, a mãe por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la. Não se olvida que a mãe da BB evidenciava fragilidades aquando do nascimento da filha (cfr. facto provado n.º 2-A), que as mesmas não foram supridas decorridos seis meses durante os quais a mãe viveu com a filha em instituição e que, ainda hoje, evidencia vulnerabilidades como por exemplo ao nível da gestão doméstica (cfr. factos provados n.ºs 61 e 27), que nem sempre conseguirá antecipar algumas necessidades da filha (cfr. por exemplo os factos provados n.ºs 33 e 34) e tem também vulnerabilidades ao nível da sua personalidade (de acordo com os dados clínicos de AA, esta é seguida em consultas de psiquiatria desde 2013 e do relatório pericial ressalta que a mesma é vulnerável ao stress e à ansiedade, instável e com alterações de humor). Contudo, a legitimidade da intervenção não se pode confundir com os pressupostos para a confiança com vista à adoção. E há que salientar que estamos perante uma mãe que é preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina, telefona todos os dias para a instituição para saber como está a filha e cumpre o regime de visitas fixado. Mais: tem evoluído na forma como acode às necessidades da filha e a BB reconhece-a como mãe. Está também provado que a progenitora da menor está a frequentar uma ação de formação e que os seus rendimentos não se resumem ao subsídio para a inclusão. Por fim dir-se-á que não está comprovada a impossibilidade de mudança do comportamento parental da progenitora, ou seja, uma incapacidade para identificar as necessidades da filha e de moldar o seu comportamento para a satisfação dessas necessidades à medida do crescimento e desenvolvimento da BB, ainda que haja de recorrer à sua integração em programas adequados a tal desiderato. In casu, o processo judicial de promoção e proteção nunca foi direcionado para a aplicação de uma medida de apoio junto da mãe e parte-se da petição de princípio de que se a evolução da progenitora ao longo dos 15 meses de institucionalização da filha continua a revelar “algumas dificuldades” que, supostamente “já deveriam ter sido ultrapassadas” (cfr. relatório subscrito em 29.08.2024 pela Diretora Técnica do CAT 2, anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 09.09.2024, onde se afirma que «este serviço não perspetiva que a progenitora venha a adquirir competências parentais, pessoais e sociais, essenciais à promoção de um adequado desenvolvimento integral da filha») então estão comprometidas as suas competências parentais ao ponto de se ter de aplicar a medida de confiança para adoção”.

No fundo, temos dois pontos de vista, sobre a mesma realidade.

Temos para nós, no seguimento do defendido no Ac. deste Tribunal, de 9/5/2023, proc.º n.º 327/22.0T8OBR.P1.S1, relatado por Pedro Lima Gonçalves, que se é certo que viver institucionalizada não é um projeto de vida aceitável para uma criança com cerca de 4 anos. A institucionalização visa tão só a defesa temporária da criança, a fim de acautelar situações de sofrimento no seio da família, não serve para perpetuar o acolhimento. Esta resposta social tem, igualmente, como desiderato encontrar um projeto de vida para a criança que permita o seu pleno desenvolvimento, em primeiro lugar junto à família biológica, se esta demonstrar ter condições para tanto, mas caso tal não aconteça, deve ser procurada uma resposta junto de outra família que com condições e amor para acolher a criança. O tempo da criança urge.

Assim, e antes de se concretizar a rutura familiar, importa proporcionar à progenitora e à menor um acompanhamento que permita aprofundar os laços afetivos que começaram a desenvolver-se entre a progenitora e a menor, não se devendo seguir o caminho de imediato quebrar os laços familiar”.

Advogamos o entendimento que a criança, deve ficar aos cuidados, de família de sangue, só assim, não será se tal não for possível, tendo por base e sempre o superior interesse da criança.

Que dizer no caso em apreço.

A resposta será dada, da matéria de facto, e da sua interpretação.

Da matéria de facto provada, resulta que a menor, desde a data do seu nascimento, 19-08-2022, até aos dias de hoje, se encontra institucionalizada, o que começa a ser tempo em demasia.

Porém, este facto tem e deve, ser conjugado com outros factos, para se aquilatar o melhor interesse da criança.

Como resulta dos factos 5 a 16, enquanto esteve com sua filha, no CAV ... entre 29.09.2022 e 19.01.2023, a mesma não mostrou condições mínimas para ficar com a sua filha, basta atentar, no referido em tal matéria.

Da matéria de facto vertida entre os factos 16 a 42, com uma preparação da mãe da menor, até poderia vir a ser possível, que a mesma criasse hábitos diferentes, de arrumação e de tratar da sua filha.

Dos factos 43, 43-A, 43-B, 54 e 54-A, matéria de relevo, quanto à mãe da menor, resulta:

43) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item conclusões, o seguinte: «(…) Relativamente à avaliação instrumental, a nível cognitivo remete para a capacidade intelectual inferior à média, sugerindo dificuldades na capacidade de raciocínio lógicoabstrato. Quanto à sintomatologia, remete para uma pessoa com elevada vulnerabilidade ao stress, marcada por elevada intolerância à frustração, demonstra elevada instabilidade e alterações de humor. Destaca-se ainda elevada ansiedade, demonstrando ser uma pessoa com ansiedade manifesta, com expressão de dificuldades psicológicas através de somatizações com períodos persistentes de queixas físicas frequentes, que apresenta de modo dramático e exagerado. Sobre a personalidade, os resultados obtidos remetem para perturbação da personalidade não especificada. Remete para um perfil de pessoa que se mostra segura de si, com tendência a teatralizar, sente-se especial segura das suas ideias, com exagero das qualidades e diminuição dos defeitos, recusando pessoas que não aceitam a sua imagem, tolera mal a frustração e facilmente atinge sentimentos de humilhação face à crítica. Estas pessoas sentem o mundo como um lugar competitivo, o que promove a desconfiança e necessidade de se defender, mostram-se por vezes hostis, considerando que aceitar é sinal de fraqueza. Acresce que apesar de se mostrarem fortes, necessitam de receber afeto, ser aceites, necessitando assim de fazer chamada de atenção».

43-A) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No Mini-Mult (inventário multifásico de personalidade de Minnesota-versão reduzida) destaca-se nas escalas de validade transmite uma imagem extremamente patológica de si mesma, com um pensamento não convencional, elevada instabilidade, alterações de humor. Salienta-se um sistema de defesas precário, com pouco controlo da emoção e do comportamento e dificuldades na adaptação social e ocupacional. As escalas clínicas remetem para uma pessoa descrita como rígida, hostil, ressentida, desconfiada e que sente prejudicada pela vida e impulsiva».

43 B) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No MCMI-III (inventário multiaxial de Millon III), nas escalas de validade demonstra uma tendência a apresentar-se de modo socialmente aceitável, contudo mostra capacidade para assumir dificuldades emocionais que na sua perceção são mais aceitáveis. Considera-se um protocolo pouco frequente, que enquadra Perturbação de Personalidade, contudo apresenta elevação significativa em várias escaladas de personalidade, assim não é possível especificar a perturbação de personalidade. Apresenta resultados elevados na personalidade paranoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)».

54) Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a perceção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões».

54-A) - Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Fatores de proteção: (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma».

As ações dos pais e dos filhos, na sua mútua convivência, são factos que expressam os seus estados mentais, cognitivos e afetivos, e revelam se esses “vínculos próprios da filiação” existem ou não existem, estão em processo de construção, de consolidação ou desagregação e permitem, ainda, efetuar um juízo de prognose sobre se no futuro tais vínculos serão ou não algo de existente, de real, de efetivo e se os progenitores têm capacidade ou não de exercer os poderes parentais.

No caso em apreço resulta que a mãe da criança é preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha (29 e 39 e 39º-A e 40), telefona todos os dias para a instituição para saber como ela está, cumpre o regime de visitas fixado, evoluiu na forma como acode às necessidades básicas da filha, que a reconhece como mãe (67) e se – pese embora apresente alguns problemas de natureza psicológica e de autonomia na organização das tarefas diárias (que “empurrará” para a mãe) - frequenta actualmente uma acção de formação profissional de técnica de acção educativa (educativa, note-se), temos para nós, não se poder concluir, desde já, que ela não tem condições para exercer a relação parental, pelo que, não se verifica o requisito da al. d), do n.º 1, do art.º 1978 do C.C, tanto mais, que embora apresente algumas falhas no exercício da função parental, verifica-se que a mãe tem evoluído e se sente até motivada ( 54-A), ao que acresce, que, apesar da evolução, nunca lhe foi dada a oportunidade de cuidar da filha na sua casa, com o devido enquadramento e supervisão ( como nota, aliás, o acórdão recorrido).

Acresce ainda, o facto já referido da menor chamar mãe à sua progenitora, a reconhecer como tal, procurando-a para brincar quando ela chega para a visita, o que mostra existir um laço forte em filha e mãe.

Assim, como já referimos, temos para nós, não se mostrar já “seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação”, que é um requisito do art. 1978º, nº 1 do CC.

Face ao exposto, não vislumbramos razão para censurar o acórdão recorrido.

IV- Decisão

Face ao exposto, decide-se, julgar a revista improcedente.

Sem custas, por o M.P. estar isento delas.

Lisboa, 29/4/2025

Pires Robalo (relator)

António Magalhães (adjunto)

Henrique Antunes (adjunto)