OFENSA DO CASO JULGADO
AÇÃO EXECUTIVA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO SURPRESA
Sumário


Tendo a revista sido admitida ao abrigo do disposto na parte final da alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC (ofensa de caso julgado) por, alegadamente, o acórdão recorrido violar um despacho proferido pela 1.ª instância, que havia transitado em julgado, tal revista improcede se se constatar que o acórdão recorrido tão só anulou a decisão recorrida por esta constituir uma decisão-surpresa, não tendo tomado posição (a Relação) quanto ao juízo formulado quer na decisão recorrida, quer no mencionado despacho transitado em julgado.

Texto Integral


Processo n.º 2391/20.8T8ACB.C1.S1

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Conforme requerimento executivo, de fl.s 1 a 4, a Caixa Económica Montepio Geral, intentou contra os executados AA e BB, a presente execução para pagamento de quantia certa, pelo valor global de € 169 021,75, fundamentando o seu crédito em mútuos que lhes concedeu, para aquisição de habitação própria, sobre cujo imóvel foi constituída hipoteca a seu favor e que os mesmos incumpriram, o que originou a resolução de tais contratos.

2. O crédito exequendo veio a ser cedido a Lc Asset 1 SARL, também já identificada nos autos e que agora, figura como exequente, por cessão de créditos efetuada a seu favor pela CEMG.

3. No que ao presente recurso interessa, vieram os executados manifestar intenção de beneficiar do incidente de retoma do contrato de crédito, nos termos do disposto no artigo 28.º, do DL 74-A/2017, de 23.6, defendendo verificarem-se os respetivos requisitos.

Concomitantemente, requereram a notificação da exequente para “apresentar e comprovar documentalmente qual o montante relativo a prestações vencidas e não pagas entre a data de incumprimento e a data de resolução dos contratos de crédito/mútuo, bem como os juros de mora e despesas que o mutuante tenha incorrido, para que os ora requerentes possam proceder a tal pagamento, sendo suspensas as diligências de venda do imóvel e sendo declarado procedente o presente incidente de retoma do contrato de crédito, nos termos do artigo 28.º, do DL 74-A/2017, de 23/6 e por conseguinte extinta a execução que corre termos nos autos principais”.

4. A exequente veio opor-se ao requerido, por extemporâneo, com o fundamento de já, àquela data, se encontrar a decorrer a venda através de leilão eletrónico do bem penhorado.

5. Conforme despacho proferido em 07.12.2023, entendeu-se que se verificavam os requisitos para ser deduzido o referido incidente de retoma do crédito, tendo sido dada sem efeito a realização da venda em curso, ficando os autos a aguardar até à decisão final, transitada em julgado, que fosse proferida quanto à extinção ou eventual prosseguimento da execução no contexto de tal incidente. Mais se consignou o seguinte:

ii) e, antes de mais, determina-se que a exequente, em 10 dias, venha aos autos indicar qual o montante das prestações vencidas e não pagas até ao mês dessa informação (entenda-se, segundo o plano normal de amortização ou reembolso dos empréstimos dos autos, caso não existisse a resolução, e não as prestações vencidas antecipadamente), bem como os juros de mora (relativos a tais prestações “normais”, desde a data de vencimento de cada uma) e as eventuais despesas em que a exequente tenha incorrido até à data, quando documentalmente justificadas (documento que deve ser junto pela exequente no mesmo prazo), e ainda o IBAN para a entrega desses montantes por parte desses executados”.

6. Em resposta, a exequente alegou que, por ter adquirido o crédito originário através de cessão, não tinha os meios necessários para a contabilização dos juros de mora de acordo com as cláusulas contratuais que vigoravam antes da resolução dos contratos, cobrança de prémios de seguros associados aos contratos e eventuais bonificações de juros, pelo que desconhecia os respetivos valores, tendo solicitado à cedente os extratos bancários relativos à cessão, onde constavam os valores vencidos até à data da cessão de créditos e, a partir destes dados apurou qual a taxa de juros aplicável. Indicou a taxa de juros remuneratórios e moratórios e acrescentou que “Quanto ao valor do capital vencido, a aqui Exequente viu-se forçada a recorrer à criatividade, tendo por referência o último montante imputado em cada um dos contratos, a título de prestação de capital vencida, multiplicando-o por 14 (catorze) meses – de Novembro de 2022 a Janeiro de 2024”.

Referiu, ainda, que a Agente de Execução devia juntar aos autos o valor das custas da execução, a imputar aos executados.

Com base em tais pressupostos, apresentou os valores descritos no artigo 12.º de tal requerimento, indicando os montantes relativos a capital vencido, juros remuneratórios, cláusula penal, despesas bancárias e seguros, relativamente a cada um dos dois contratos celebrados, indicando o valor global de € 38 557,53 e € 28 854,83, respetivamente para cada um deles. A que acresceriam as custas da execução.

Concluiu requerendo que, se assim não se considerasse, deveria “ser determinado judicialmente o retorno dos créditos para a esfera jurídica da entidade cedente, pois apenas assim será possível assegurar que a realidade dos contratos seja a que existiria num cenário de cumprimento dos mesmos”.

Juntou documentos.

7. Respondendo, os executados referiram que o facto de a exequente não dispor de todos os elementos para quantificar os créditos a que tinha direito não os podia prejudicar no seu direito a requerer a retoma dos contratos, defendendo que o tribunal determinasse a retoma dos créditos e dos contratos à esfera do banco cedente, por ser a “única capaz de acautelar a total satisfação do instituto suscitado pelos executados”. Relativamente aos cálculos apresentados, os executados alegaram que os créditos relacionados não se encontravam documentalmente comprovados, inexistia fundamento para a cláusula penal, nem se mostravam justificados os cálculos usados relativamente aos juros remuneratórios.

Concluíram requerendo se determinasse o regresso dos contratos de crédito à esfera do banco cedente, para que se pudesse dar cumprimento ao disposto no artigo 28.º do DL 74-A/2017, de 23/6, retomando-se os contratos de crédito nas suas exatas condições, sendo igualmente determinado que os montantes apurados pela exequente não se encontravam documentados e/ou não eram devidos, ordenando-se o cálculo dos mesmos, se necessário por perito nomeado para o efeito.

8. A exequente contrapôs que os executados apenas tinham em vista protelar o início do pagamento necessário para a requerida retoma, sem que se referissem à subida dos juros, atenta a subida da Euribor.

A exequente terminou requerendo que, para o caso de os cálculos que apresentou não fossem aceites, “deverão os cálculos ser reformulados na sua totalidade”.

9. Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida decisão em 01.3.2024, que se passa a reproduzir, na parte relevante:

Por outro lado, igualmente se afigura não poder ser aqui considerado ou determinado o “retorno” do crédito para a esfera jurídica da mutuária, o que apenas poderá ocorrer, se for caso disso, no âmbito da liberdade contratual, ou seja, caberá à exequente e à mutuária, se for essa a vontade, acordarem na recompra do crédito cedido (o que respeita à relação contratual entre cedente e cessionário, que aqui não cabe apreciar), não podendo o Tribunal, nesta execução, operar ou determinar tal operação (ainda que se possa equacionar, em termos práticos, que tal recompra seja a solução que aparentemente melhor servirá os interesses de ambas as partes e permitirá a retoma em termos de alguma “normalidade”, se assim se pode dizer – mas, mesmo que tal não suceda, afigura-se que, no limite, caberá à exequente assumir toda a logística inerente à existência de um empréstimo em curso, com tudo o que isso implica).

Dito isto, importa agora apreciar o cumprimento do despacho ref. ...64 por parte da exequente, para se avançar, desde já, que se entende que a exequente não procedeu à indicação dos valores relevantes para permitir a retoma do empréstimo. Aliás, afigura-se estar patente no requerimento ref. ...07 que a exequente, com o devido respeito, não o consegue fazer e se limitou a “avançar” um valor meramente conjectural e artificial (obtido, nas palavras da própria exequente, através de “criatividade”), que não tem correspondência com os termos impostos pelo art. 28.º do DL n.º 27-A/2017 e inviabiliza o pagamento por parte dos executados, conforme os próprios invocam na sua resposta (ref. 10420796).

Portanto, deveria a exequente ter procedido à indicação do montante das prestações vencidas e não pagas até ao mês dessa informação (entenda-se, segundo o plano normal de amortização ou reembolso dos empréstimos dos autos, caso não existisse a resolução, e não as prestações vencidas antecipadamente), bem como dos juros de mora (relativos a tais prestações “normais”, desde a data de vencimento de cada uma) e as eventuais despesas em que a exequente tenha incorrido até à data, quando documentalmente justificadas, sendo que, para tal efeito, caso fosse necessário, caberia à exequente proceder às diligências que entendesse convenientes, incluindo junto da cedente (o que fez, segundo invocado, mas sem resultado relevante, certo que, como acima dito, entende-se que não cabe aqui intervenção do Tribunal junto da cedente ou quanto à cessão de créditos) e da AE.

A questão que agora se coloca é a de saber qual a consequência a retirar no que respeita aos presentes autos, considerando que está inviabilizado, pela própria exequente, a fixação do pagamento necessário por parte dos executados para a retoma do crédito.

A esse respeito, propende-se a considerar ser aplicável o entendimento que se encontra secundado no Ac. da RC de 28/03/2023 (2194/20.0T8SRE.C1), também em hipótese de cessão de créditos (cessionário que não é instituição de crédito), com ausência de informações para efeitos do pagamento no contexto da retoma do crédito.

No caso concreto, tal como no caso apreciado no aludido Ac. da RC (embora, naturalmente, com enquadramento algo diverso), estando verificados os demais requisitos previstos no art. 28.º do DL n.º 27-A/2017, verificou-se que o pagamento não ocorreu dado que a exequente não prestou as informações necessárias para apurar o montante em dívida para tal efeito. Nessa sequência, veio a ser entendido na decisão de primeira instância, confirmada no aludido Ac. da RC, que “verificam-se todos os requisitos legais previstos no art.º 28.º/1 do DL.74-A/2017, com excepção do pagamento por facto exclusivamente imputável à Exequente, o que configura uma excepção dilatória inominada que impõe a absolvição dos Executados da instância executiva. A instauração de nova Acção Executiva contra os Executados exigirá a alegação e demonstração de que lhes foi facultada a possibilidade de exercerem o direito à retoma do crédito, previsto no art.º 28.º/1 do DL.74-A/2017, e que tal retoma não ocorreu por facto imputável aos Executados” (também se referindo “passando a solução da questão pela recompra do crédito pela mutuante ou pela cessão do crédito pela Cessionária a uma outra instituição de crédito”).

Transpondo para o caso concreto, em que não houve pagamento por parte dos executados para efeitos do aludido normativo, afigura-se que tal sucede por motivo imputável à própria exequente, que não logrou proceder à indicação que lhe foi determinada (antes, conforme a própria assumiu, não o consegue fazer e recorreu à “criatividade” para “imaginar”, se assim se pode dizer, um valor total para tal efeito), pelo que se entende que haverá concluir pela verificação de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente à extinção da execução (por ausência de informação sobre os valores que seriam devidos, inviabilizadora da retoma do contrato de crédito por parte dos executados, enquanto direito imperativo que lhes assiste, mesmo perante a cessionária, ora exequente).

Acrescenta-se que, conforme também se menciona no aludido Ac. da RC, “O princípio do inquisitório não afasta a autoresponsabilidade das partes, quanto à obrigação de indicarem, nos momentos próprios, os meios de prova necessários à demonstração do que alegam”, pelo que, no caso concreto, entende-se que não cabe proceder a quaisquer eventuais diligências para apuramento de qual o valor que poderia ser devido para efeitos da retoma do crédito, nem proceder a qualquer tipo de reformulação, que a exequente também não apresentou. Por fim, importa consignar que a instauração de uma nova acção executiva contra os executados, quanto ao crédito exequendo, exigirá a alegação e demonstração de que lhes foi facultada (pela ora exequente ou por outra eventual entidade, se for caso disso) a possibilidade de exercerem o direito à retoma do crédito, previsto no art. 28.º, n.º 1, do DL n.º 74-A/2017 (mas não nos termos liquidados pela ora exequente) – ou seja, mediante prévia notificação com a indicação do montante das prestações vencidas e não pagas, segundo o plano normal de amortização ou reembolso dos empréstimos dos autos, caso não existisse a resolução (e não as prestações vencidas antecipadamente, nem qualquer outra quantia calculada abstractamente), bem como dos juros de mora (relativos a tais prestações “normais”, desde a data de vencimento de cada uma) e as eventuais despesas (quando documentalmente justificadas) –, e ainda que tal retoma não ocorreu então por facto imputável aos executados (falta do pagamento dos valores efectivamente devidos para tal retoma).

Face ao exposto, julga-se verificada a aludida excepção dilatória inominada e, em consequência, declara-se extinta a presente execução, mais se decidindo que a instauração de uma eventual nova execução, quanto ao crédito em causa nos autos (ambos os empréstimos id. no r.e.), fica sujeita ao cumprimento do disposto no antecedente parágrafo.

Fixa-se a taxa de justiça do incidente no mínimo legal, a cargo da exequente (art. 527.º do CPC, e art. 7.º, n.º 4, do RCP). Não são devidas outras custas nesta fase dos autos, sendo que os executados beneficiam de apoio judiciário na modalidade de dispensa.”.

10. Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a exequente, LC Asset, tendo a Relação de Coimbra, por acórdão datado de 10.7.2024, julgado a apelação procedente, emitindo o seguinte dispositivo:

Nestes termos se decide:

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, devendo no Tribunal recorrido, após a baixa dos autos, dar-se cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, nos termos expostos.

Custas, a fixar a final.”

11. Os executados interpuseram o presente recurso de revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões:

“1. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e do qual se recorre ofendeu o princípio do caso julgado relativamente ao despacho de 07/12/2023, transitado em julgado, que determinava a aplicabilidade do regime previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, e fixava o ónus da exequente apresentar contas nos autos;

2. As decisões transitadas em julgado adquirem força obrigatória, vinculando as partes e o tribunal, pelo que o acórdão recorrido não podia contrariar o despacho proferido em 07/12/2023;

3. A exequente, ao não cumprir o ónus de apresentar as contas, violou a obrigação processual que sobre si recaía, sendo que tal incumprimento constitui exceção dilatória, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, n.º 2 do CPC, devendo a consequência ser a absolvição da instância dos recorrentes;

4. A exequente/recorrida, ao não cumprir o ónus processual que lhe foi imposto, sabia ou devia saber que tal incumprimento implicaria a absolvição da instância dos recorrentes, pelo que o despacho de absolvição da instância não pode ser qualificado como decisão surpresa, não havendo violação do princípio do contraditório, conforme o artigo 3.º, n.º 3 do CPC;

5. Ao decidir que o processo deveria baixar à primeira instância para novo contraditório, quando já havia uma decisão transitada em julgado que vinculava as partes e o tribunal, o acórdão recorrido contraria os artigos 342.º do Código Civil, bem como os artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 619.º do CPC;

6. A absolvição da instância dos recorrentes é a única solução processualmente adequada, dado o incumprimento da exequente e a inexistência de factos novos que justifiquem a reabertura do contraditório sobre uma matéria já decidida.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação do Acórdão recorrido, confirmando-se a decisão que determinou a absolvição da instância,

Assim se fazendo JUSTIÇA!”

12. Não houve contra-alegações.

13. A Relação de Coimbra recebeu a revista atendendo à invocação de ofensa de caso julgado (artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC).

13. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como resulta do Relatório supra, o acórdão recorrido incidiu sobre decisão proferida numa ação executiva na qual se considerou que se verificava uma exceção dilatória inominada que determinava a extinção da execução.

O processo de execução contém normas específicas quanto ao recurso das decisões proferidas no seu âmbito.

Assim, no art.º 854.º do CPC estipula-se o seguinte:

Revista

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Assim, na linha de uma política limitativa do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em sede de processo de execução a revista apenas será possível dos acórdãos da Relação que sejam proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução – ressalvados os casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão ora em análise não foi proferido no seio de qualquer dos procedimentos mencionados no art.º 854.º do CPC. Por conseguinte, a revista apenas será admissível se constituir um dos casos em que é sempre admissível recurso para o STJ.

Nesse sentido os recorrentes sustentam a revista na alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC.

Isto é, a revista assenta na alegada violação de caso julgado. O caso julgado alegadamente ofendido é o formado pelo despacho proferido pela 1.ª instância em 07.12.2023, referido supra em I.5.

Nesses termos foi a revista recebida.

Por conseguinte, o objeto deste recurso é o seguinte: se o acórdão recorrido violou o caso julgado formado pelo despacho proferido pela 1.ª instância em 07.12.2023.

2.1. O factualismo a levar em consideração é o que consta do Relatório supra.

2.2. O Direito

Existe caso julgado quando a apreciação jurisdicional de uma determinada questão ganha foros de definitividade, sendo insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º do CPC), ficando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC (caso julgado material – art.º 619.º n.º 1 do CPC), ou apenas dentro do processo (caso julgado formal – art.º 620.º do CPC).

Como já dizia o Prof. Alberto dos Reis em meados do século passado, ”a razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança nas relações jurídicas. Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior” (Código de Processo Civil anotado, volume III, reimpressão, 1985, Coimbra Editora, pág. 94). De igual modo, não pode sentença posterior compelir alguém ao cumprimento de uma obrigação de que sentença anterior, transitada em julgado, o havia absolvido, posto que não tenha ocorrido posteriormente à sentença facto cuja não verificação motivara o decaimento (art.º 621.º do CPC).

Visa-se, conforme decorre do art.º 580.º do CPC, evitar a repetição de uma causa, repetição essa que ocorre quando se propõe ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 581.º do CPC).

Sendo que no n.º 2 do art.º 580.º do CPC expressamente se enuncia, como ponto de orientação essencial a levar em consideração para se ajuizar da verificação da excepção de litispendência e do caso julgado que “tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”

Isto exposto, vejamos se entre o acórdão recorrido e o despacho proferido pela 1.ª instância em 07.12.2023 existe uma relação de contradição, de derrogação, pelo acórdão recorrido, do que foi decidido, com trânsito em julgado, por esse despacho (o qual não foi alvo de recurso).

Conforme decorre do supra relatado em I. 3 a 5, o mencionado despacho deferiu a pretensão, apresentada pelos executados, de que fosse suspensa a tramitação da execução, que já se encontrava na fase de venda do imóvel penhorado/hipotecado, a fim de que, nos termos requeridos pelos executados, lhes fosse possibilitado efetuar o pagamento das quantias devidas nos termos dos empréstimos dados à execução, calculadas de forma a que os devedores, uma vez pago o devido até à data, retomassem os pagamentos devidos (“retoma do contrato”) conforme a normal execução do contrato, assim se pondo fim à execução. Nesse sentido, o tribunal da 1.ª instância rejeitou os obstáculos contra tal requerimento aduzidos pela exequente, maxime no que concerne à extemporaneidade desse requerimento e, dando sem efeito a realização da venda eletrónica do imóvel penhorado, determinou que a exequente indicasse as quantias que estavam em dívida pelos executados, no pressuposto da peticionada “retoma do contrato”.

Ora, o acórdão recorrido não questionou minimamente tal decisão. De facto, o acórdão não se pronunciou acerca da decisão de suspensão da tramitação executória e não questionou o direito invocado pelos executados, de retoma do contrato. O acórdão recorrido nem sequer se pronunciou acerca da verificação dos pressupostos da exceção dilatória inominada invocada no despacho recorrido, proferido em 01.3.2024, que decidiu a extinção da execução. A Relação limitou-se a constatar que a 1.ª instância proferira tal decisão sem cumprir o contraditório, na medida em que as partes não haviam sido alertadas para a eventual consideração, pelo tribunal, do aludido obstáculo à prossecução da execução. Assim, havia sido proferida uma decisão-surpresa, em violação do disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC, o que ditava a anulação da decisão, a fim de que fosse dada, previamente, às partes, a possibilidade de discutir a questão.

Não cabe a este Supremo Tribunal de Justiça apreciar se se verifica a aludida exceção dilatória inominada, nem se ocorreu a prolação de uma decisão-surpresa. A este Supremo Tribunal de Justiça compete, nos termos da revista excecionalíssima prevista na parte final da alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC, avaliar se o acórdão recorrido violou decisão jurisdicional preteritamente proferida, na medida em que afrontou juízo jurisdicional transitado em julgado. Ora, como se viu, não existe qualquer contradição entre o acórdão recorrido e o apontado despacho proferido em 07.12.2023.

Consequentemente, a revista é improcedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.

As custas da revista, na vertente das custas de parte, são a cargo dos recorrentes, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lx, 29.04.2025

Jorge Leal (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Anabela Luna de Carvalho