I. Como é jurisprudência unanime os poderes de cognição do tribunal de recurso delimitam-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), que devem resultar diretamente do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).
II- Do recurso interposto por um dos do-arguidos resulta das respectivas conclusões que o recorrente impugna, em parte, o julgamento da matéria de facto e suporta essa impugnação remetendo para meios de prova testemunhal e, portanto, traduz no recurso uma invocação de erro de julgamento, além de que parte das questões de Direito invocadas (imputação do crime de sequestro e da agravante) estão conexas com a matéria de facto e valoração de provas, subsistindo, como se refere na decisão de incompetência
III. Se essa impugnação da matéria de facto está bem ou mal efetuada de acordo com o preceituado no nº3 do art. 412 do CPP é questão relativa ao mérito do recurso e a apreciar pela instância competente, não devendo ser objeto de interpretação ou correção oficiosa em detrimento do alegado pelo recorrente e que, sem contraditório, desatenda ao âmbito e objeto do recurso, o qual versa matéria de facto e de Direito e não exclusivamente de Direito.
IV. Enquanto tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 432.º, do Código de Processo Penal – cf. artigo 434.º do Código de Processo Penal.
V. Nos presentes e visto o objecto do recurso interposto pelo arguido embora este impugne matéria de direito, também impugna matéria de facto, nos termos supra expostos e para cujo conhecimento não é competente o Supremo Tribunal de Justiça, mas antes o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual cabe também conhecer do recurso interposto pelo seu co-arguido, o qual, ainda que só vise matéria de direito, está abrangido pela norma do n.º 8, do artigo 414.º, do Código de Processo Penal.
Decisão sumária
I – Relatório:
1. Por acórdão do Tribunal Coletivo, proferido no processo comum coletivo n.º 252/24.0PKLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de ...- Juiz ..., foram os arguidos e ora recorrentes AA e BB condenados, nos termos seguintes:
a) O arguido AA pela prática, em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de sequestro agravado, previsto e punido, pelo artigo 158, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal (absolvendo-o quanto à agravante prevista na alínea e), do n.º 2), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
b) O arguido AA, pela prática, em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) roubo agravado, previsto e punido, pelo artigo 210, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea i) do n.º 1 do artigo 204, do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
c) O arguido AA, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
d) O arguido BB, foi condenado pela prática, em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de sequestro agravado, previsto e punido, pelo artigo 158, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal (absolvendo-o quanto à agravante prevista na alínea e), do n.º 2), na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
e) O arguido BB, foi, ainda, condenado pela prática, em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto e punido, pelo artigo 210, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea i) do n.º 1, do artigo 204, do mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
f) Em cúmulo jurídico destas penas parcelastes, foi o a arguido BB, condenado , na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
2. Inconformados com o decidido no Acórdão da 1ª instância recorreram ambos os arguidos para o tribunal da Relação de Lisboa retirando das respectivas motivações as seguintes conclusões:
Arguido AA (transcrição).
«I. Arguido recorre da decisão que o condenou na pena única de 7 (sete) anos de prisão pela prática em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal e de em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.
II. No que se reporta à medida da pena, atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a medida da pena, não tendo sido considerado pelo Acórdão Recorrido as demais circunstâncias que impunham um juízo de prognose favorável.
III. O processo de socialização do Arguido foi marcado pela morte da mãe e avó materna, antes dos seus 5 anos de idade e consequente institucionalização no “Centro...”, por precaridade do agregado familiar paterno.
IV. Durante a institucionalização, o arguido beneficiou sempre do apoio paterno.
V. Aos 14 (catorze) anos, o arguido estabeleceu relação com um grupo de pares com comportamentos desviantes e delitivos, vindo a adotar estes comportamentos, realizando algumas fugas de instituição, que levaram à sua expulsão.
VI. Viveu, então, algumas vezes em situação de sem-abrigo, passando a integrar o agregado familiar paterno, continuando a manter comportamentos com pares marginais e com estilo de vida desestruturado, com problemas de adição a estupefacientes.
VII. Ao nível do percurso escolar, este foi formado por diversas retenções, tem concluído o 9.º ano de escolaridade em contexto prisional.
VIII. O consumo de cannabis iniciou-se aos 10 (dez) anos de idade, o qual manteve ao longo da sua vida, influenciando a sua capacidade de construção de projetos pessoais que visassem a sua autonomização, facilitando ainda o contacto com pares com problemas delitivos e com semelhante estilo de vida.
IX. Mais tarde fez uma incursão pelo consumo de cocaína, em conjunto com consumos abusivos de álcool.
X. É progenitor de uma criança com 9 (nove) anos de idade, que resulta de uma relação afetiva que cessou aquando da sua segunda privação da liberdade.
XI. A criança está entregue aos cuidados da avó materna e o arguido não mantém relação com aquela.
XII. O primeiro contacto do arguido com o Sistema de Administração da Justiça Penal ocorreu quando o mesmo tinha 18 (dezoito) anos de idade, acabando por cumprir 4 (quatro) anos de prisão efetiva, em virtude de haver beneficiado de liberdade condicional durante o período de 1 (um) ano.
XIII. À data dos factos, o arguido encontrava-se a viver sozinho numa casa camarária, atribuída ao seu progenitor, que veio a falecer em ... de 2022.
XIV. Sem qualquer apoio familiar, o arguido vivia em isolamento social, num bairro muito problemático e com graves problemas ao nível da marginalidade.
XV. Sobreviva do RSI, no valor de €193 (cento e noventa e três euros) e de biscates que realizava de forma muito irregular.
XVI. Encontrava-se numa fase ativa de consumos de cocaína e álcool, em virtude de uma recaída após o falecimento do seu progenitor.
XVII. Apresenta um projeto de vida incerto, desprovido de apoio familiar, desconhece o estado da casa que foi assaltada e manifesta o desejo de integrar a Associação ....
XVIII. Durante a presente privação de liberdade, o arguido mantém um comportamento adequado.
XIX. Apresenta dificuldades de descentração e de pensamento reflexivo sobre o modo de vida e das suas consequências, apresentando uma atitude de vitimização e desresponsabilização.
XX. O quantum da pena parcelar, assim como o quantum da pena única a ser aplicada ao Recorrente, deveria situar‐se em patamares bastante inferiores aos aplicados, sob pena de a não ser assim, qualquer outra pena a ser aplicada, se afigurar desadequada, desproporcional e desnecessária, acrescido do facto de as expectativas da Sociedade em geral no que se refere às finalidades da mesma.
XXI. No estabelecimento de moldura penal do concurso, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena única é também o que decorre da finalidade da punição, firmado pelo legislador no artigo 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados e a ressocialização do agente.
XXII. Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade face à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente, essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta.
XXIII. Tanto porque a moldura penal resultante da pena aplicada a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme, e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme colectivo que provoca.
XXIV. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais, com a opção politico-criminal de tratar a pequena criminalidade preferencialmente através de medidas de diversão e consenso, acautelando-se assim os custos de uma estigmatização e de um aprofundamento da conflitualidade.
XXV. No que se refere à moldura concreta a ser aplicada ao Recorrente, é consabido que, a pena conjunta deve ser definida, tendo em consideração, as exigências gerais de culpa e de prevenção.
XXVI. Para efeitos de determinação da medida concreta da pena, a nosso ver, o Tribunal recorrido não considerou devidamente, a importância que apresenta a consistência do critério da proporcionalidade da pena em função das finalidades que se pretendem alcançar com a mesma.
XXVII. A decisão recorrida não teve em consideração o princípio da proporcionalidade.
XXVIII. Não é suposto ser aplicada uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta, nem a que é exigida para a tutela do bem jurídico em causa.
XXIX. Na operação do cálculo da pena única, há que ter em conta a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, assim como a “representação” das penas parcelares que acrescem à pena mais grave, possa ser solvida por uma fracção cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento.
XXX. As necessidades de prevenção especial, devem ser aferidas por referência à personalidade do Recorrente.
XXXI. Sempre deveriam ser tidos em consideração, a integração ou desintegração familiar, o apoio com que poderá contar a esse nível e as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.
XXXII. Para efeitos de prevenção especial e no que concerne à ponderação dos factores existentes no caso concreto, importa ter em conta o percurso de vida e processo de socialização do Recorrente.
XXXIII. Embora tivesse feito constar dos factos provados, a factualidade constante do Relatório Social, a mesma não foi tida em consideração, como deveria ter sido, para efeitos de dosimetria da pena e aplicação da mesma, em concreto.
XXXIV. O Recorrente interiorizou verdadeiramente a situação que vive e mostra motivação para a alteração comportamental, aderindo a intervenção técnica em meio prisional
XXXV. É nesse sentido e interpretação que devem ser aplicadas as normas constantes dos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, em conjugação com o disposto no artigo 1.º do Código de Processo Penal e ainda de acordo com o disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do artigo 49.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e também do artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, estes de aplicação vinculatória, por via do artigo 16.º da CRP – o que expressamente e desde já se refere, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPP.
XXXVI. A pena de sete anos de prisão pelos crimes praticados contra o ofendido deverá ser reduzida, para uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão.
Termos em que, tendo em conta todo o exposto, devera este Tribunal da Relação de Lisboa, conceder provimento ao presente recurso, o que se requer mui respeitosamente, revogando o acórdão recorrido, tudo com as demais consequências legais».
Arguido o arguido BB (transcrição)
« I – O Recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido no dia 26/11/2024, que condenou o Recorrente por um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e e) do Código Penal e de um crime de roubo agravado, previsto pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 204.º, n.º2, al.i) do Código Penal.
II – O Acórdão condenou o ora recorrente, pela prática do crime de sequestro agravado, na forma do artigo 158, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e por crime de roubo agravado, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
III – O Recorrente foi absolvido da agravante prevista na alínea e) do n.º 2) do artigo 158.º do Código Penal. E, em cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
IV – O ora Recorrente, já encontra-se privado da sua liberdade há cerca de 01 ano, desde o dia 10/02/2024, estando actualmente no EP..., período mais do que suficiente para cumprir todos os critérios de prevenção geral e específica.
V – O ora Recorrente arriscava ser condenado por dois crimes, cujas condenações poderiam atingir o máximo de 10 (dez) anos pelo crime de sequestro agravado e ainda 15 (quinze) anos pelo crime de roubo agravado.
VI – O Recorrente impugna o próprio mérito da sua condenação, bem como revela interesse na substancial atenuação das penas impostas, especificamente para que a pena seja reduzida para uma condenação inferior a 05 anos, possibilitando a aplicação de uma pena suspensa na sua execução, ainda que mediante à severo regime de prova.
VII - Quanto ao crime de sequestro agravado, o Acórdão aplicou uma pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, situação com a qual o Recorrente não se conforma, motivo pelo qual reivindicamos a absolvição; ou, subsidiariamente que seja afastada a agravante da alínea b) do n.º 2 do artigo 158.º do CP; ou ainda a redução da pena para o mínimo legal.
VIII – O Recorrente nunca privou a liberdade do ofendido CC, não era e nem nunca foi proprietário, arrendatário ou possuidor do referido imóvel, que jamais esteve sob a sua esfera de vigilância, já que não pairam dúvidas de que o coarguido AA sempre foi a única pessoa responsável pelo imóvel onde ocorreram os factos narrados nos autos.
IX – O ofendido CC referiu na sessão do dia .../.../2024, entre os minutos 01:02:43 e 01:02:57, que o Recorrente não tinha a chave para entrar na casa e que não tinha a chave do quarto, isso porque “quem tinha tudo era o AA” e revelou também que, para entrar na casa, o Recorrente tinha que pedir autorização ao AA.
X – O ofendido CC respondeu na sessão do dia .../.../2024, entre os minutos 01:05:49 e 01:05:52, que quando foi trancado no quarto, disse que quem o trancou, foi o arguido AA.
XI – O Recorrente não recebeu qualquer contraprestação, comissão ou qualquer outra vantagem com a disponibilização de um quarto ou do espaço, que só foi cedido pelo coarguido ao ofendido, pelo que nada tem a ver com os negócios celebrados entre as referidas pessoas.
XII – O Recorrente nunca prestou qualquer contributo para o crime de sequestro, e, de forma alguma, restringiu a liberdade do ofendido CC, até porque este jamais teve as chaves do imóvel e do quarto, razão pela qual apenas o coarguido AA praticou o referido crime.
XIII – O mero facto de o Recorrente ser uma das pessoas que estava no referido imóvel, não é suficiente para fazer número e só por si, ter constrangido a liberdade do ofendido CC, uma vez que inexiste qualquer prova de contributo específico.
XIV – A informação prestada pelo ofendido CC é específica e confirma que o Recorrente não tinha as chaves e que quem tinha tudo, era o AA. Logo, nunca foi o Recorrente a trancar o ofendido na casa, tampouco foi o Recorrente a trancar a porta do quarto, sendo certo que nunca impediu a saída do ofendido, tampouco o privou da sua liberdade.
XV – Não está provado que o Recorrente tenha praticado o crime de sequestro agravado, pois nunca restringiu a liberdade do ofendido CC, não teve qualquer ingerência, tampouco domínio final sobre tais factos, que foram praticados exclusivamente pelo coarguido AA, sem que se possa influir ou presumir um contributo específico do Recorrente.
XVI – Dada a ausência de provas específicas da prática do crime de sequestro agravado pelo Recorrente, deve o mesmo ser absolvido do crime, dada a ausência de qualquer contributo deste para constranger a liberdade do ofendido CC.
XVII - Caso o Tribunal da Relação de Lisboa não endosse esse raciocínio, o Recorrente considera que não se justifica a incidência da agravante prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal, uma vez que não restou provado que o Recorrente praticou ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano.
XVIII – O Recorrente nunca torturou ou perpetrou qualquer tratamento cruel, degradante ou desumano ao ofendido, tampouco resta evidente, de forma específica, que tenha sido o Recorrente a causar qualquer ofensa à integridade física grave ao ofendido.
XIV – É bem verdade que o Recorrente admitiu que agrediu o ofendido com uma vassoura, mas, as referidas agressões não causaram qualquer espécie de ofensa à integridade física grave, tampouco pode ser confundido com um tratamento cruel, degradante ou desumano.
XV – Logo, o crime de sequestro não poderia ser agravado, na forma da alínea b) do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal, motivo pelo qual pondera-se sempre que, quando muito, seria a hipótese legal prevista no artigo 158.º, n.º 1 do Código Penal, que comportar pena até 03 anos ou multa, muito inferior à moldura penal agravada, que vai de 02 a 10 anos.
XVI – Como tese subsidiária, caso o Tribunal da Relação de Lisboa ainda consiga vislumbrar algum contributo do Recorrente para a prática do crime de sequestro agravado, na forma da alínea b) do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal, por menor e residual que seja esse contributo, requer que a pena seja reduzida para o limite legal mínimo de 2 anos.
XVII – Já no que diz respeito ao crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea i) do n.º 1 do artigo 204, do mesmo diploma legal, observamos que o Acórdão aplicou uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, quando a moldura penal prevê pena entre 3 (três) e 15 (quinze) anos, situação com a qual o Recorrente também não se conforma.
XVIII – O próprio Acórdão reconheceu que: “Não pode olvidar-se o facto de a iniciativa ter pertencido ao coarguido AA”. Assim, percebemos claramente que sempre foi o coarguido que teve o integral domínio final sobre os factos e toda a ingerência sobre a situação.
XIX – A ponderar a existência do alegado contributo, prestado pelo Recorrente, este foi um contributo extremamente reduzido e diminuto.
XX – Nunca existiu qualquer comportamento de perversidade do Recorrente, jamais existiu especial censurabilidade, tampouco foram determinados por avidez ou por motivos torpes ou fúteis, razão pela qual discordamos da condenação, em especial a dosimetria da pena.
XXI – O Recorrente não tem antecedentes, pelo que ostenta CRC limpo, não tem quaisquer outros processos pendentes, sendo certo que tem uma profissão digna e sempre trabalhou licitamente, o que torna inquestionável a sua inserção social, profissional e familiar.
XXII – Nesse sentido, a pena deve ser sempre reduzida para uma condenação que não seja superior a 05 (cinco) anos, o que torna viável e pertinente a suspensa na sua execução, na forma do artigo 50.º do CP.
XXIII – O Recorrente tem uma família constituída, pessoas que estão dispostas a lhe acolher que demonstraram total disponibilidade para ajudar no processo de reinserção social.
XXV – Assim que for restituído à sua liberdade, o ora recorrente pretende ir viver com a sua companheira, constituir família, ser pai e trabalhar dignamente, tendo um relacionamento amoroso, tanto é que a sua companheira esteve presente em algumas das sessões de julgamento e, demonstra total disponibilidade para ajudar na sua reinserção social.
XXVI – O Recorrente também é uma pessoa muito religiosa, tanto é que sempre compareceu nas Audiências, com o seu terço, e este sempre frequentou a igreja e se dedicava às atividades religiosas, assim como toda a sua família.
XXVII – Muito sinceramente, não se compreende uma condenação tão severa quando o próprio Acórdão reconhece um contributo residual do ora recorrente, sendo certo ainda que estamos diante de um cidadão que tem um CRC limpo, não tem antecedentes, tampouco processos pendentes, uma pessoa que tem uma profissão, sempre trabalhou e tem todo o apoio familiar, inclusive depois da sua reclusão, iniciou um relacionamento.
XXVIII – Nesse sentido, o Acórdão deveria mais bem valorado as condições pessoais do arguido, ora. Recorrente, bem como a sua inserção social, profissional e familiar e a sua situação económica integrada, sendo de relevo ainda a sua conduta anterior, conforme o direito e que se reflete na ausência de antecedentes, inexistência de processos e CRC limpo.
XXIX – A pena fixada em 05 anos e 03 meses de prisão, revela-se manifestamente exagerada e desproporcionada, não atentou adequadamente em função da culpa atribuída ao agente e às exigências de prevenção geral e específica, pelo que a imposição de uma pena tão severa e de cumprimento efectivo, é desajustada e deve ser reformada.
XXX – Até porque resulta dos factos dados como provados que o Recorrente não tem, nem nunca teve, uma predisposição criminosa, sempre pautou a sua vida pelo direito, é social, profissionalmente e familiarmente integrado, motivo pelo qual estes atos surgem na sua vida de uma forma isolada.
XXXI – Parece-nos, salvo o devido respeito, que é muito, que o Tribunal a quo não ajuizou bem quanto à dosimetria da pena a ser aplicada ao arguido, ora recorrente, pelo que fez uma errada e precipitada interpretação do preceito contido no artigo 71º do Código Penal. Portanto, deveria ter sido aplicada uma pena inferior aos 05 (cinco) anos, mas outra significativamente mais leve, e sempre suspensa na sua execução.
XXXII – A possibilidade jurídica de vir a ser aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, na forma do artigo 50.º do Código Penal, após o julgamento do Recurso contra a condenação, é uma possibilidade real, pois o Recorrente tem uma condenação muito próxima dos 05 anos, existindo fundamentos sólidos para atenuação da pena, situação que possibilita a aplicação do referido instituto jurídico.
XXXIII – Diante das peculiaridades do caso, a pena deve ficar suspensa na sua execução, ainda que sujeita a um severo regime de prova, conforme estipulado pelos artigos 50.°, n.º 1 e 51.°, do Código Penal, razão pela qual consideramos que foram violados ainda os artigos 70.º e 71.º do Código Penal, assim como o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, com a imposição de um severo regime de prova, o qual será cumprido religiosamente e com todo afinco, por um cidadão que anseia a sua efetiva reinserção social, na forma do artigo 50.º, nº 2 e 3, do Código Penal.
TERMOS EM QUE, E, NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, DEVE SER DETERMINADA UMA SUBSTANCIAL ATENUAÇÃO DAS PENAS IMPOSTAS AO RECORRENTE, POR SE REVELAREM EXCESSIVAS, INJUSTAS E DESPROPORCIONAIS, POR ESTAMOS DIANTE DE UM CIDADÃO COM CRC LIMPO, QUE NÃO TEM QUAISQUER OUTROS PROCESSOS PENDENTES E QUE SEMPRE ESTEVE INSERIDO SOCIAL, PROFISSIONAL E FAMILIARMENTE.
O RECORRENTE CONSIDERA, DE FORMA JUSTIFICADA, QUE NÃO ESTÁ PROVADA A PRÁTICA DO CRIME DE SEQUESTRO AGRAVADO, PELO QUE REQUER A REFORMA DO ACÓRDÃO, PARA DETERMINAR A SUA ABSOLVIÇÃO; OU, SUBSIDIARIAMENTE,QUE SEJA AFASTADA A HIPÓTESE DA AGRAVANTE DA ALÍNEA B) DO N.º 2 DO ARTIGO 158.º DO CÓDIGO PENAL; OU NA REMOTA HIPÓTESE DE O TRIBUNAL ENTENDER POR MANTER A CONDENAÇÃO NA FORMA DO N.º 2, REQUER A SUA REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL, SITUAÇÃO DE REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL QUE TAMBÉM DEVE SER APLICADA NO CRIME DE ROUBO AGRAVADO. PORTANTO, A CONDENAÇÃO DEVE SER REDUZIDA PARA UMA PENA INFERIOR AOS 05 (CINCO) ANOS.
PARA ALÉM DISSO, REQUER QUE A PENA DE PRISÃO APLICADA SEJASUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO E SUJEITAÀ SEVERO REGIME DE PROVA, QUE SERÁ RELIGIOSAMENTE CUMPRIDO PELO RECORRENTE.
FAZENDO, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA».
3. Distribuído os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, no exame preliminar, foi considerado que os recursos interpostos pelos arguidos visavam, apenas, matéria de direito, afirmando-se, designadamente, quanto ao recurso apresentado pelo arguido BB “…[c]om efeito o mesmo não indica nenhum facto que considere incorretamente julgado nem em bom rigor as provas que impõem decisão diversa da recorrida por referência a tais factos ou as provas que devem ser renovadas. Assim, nesse particular subsiste a verificação da existência de alguma nulidade da decisão ou dos vícios da decisão de conhecimento oficioso. Acresce que, a discordância do arguido quanto à condenação pelo crime de sequestro, por não ser o responsável pela residência onde os factos ocorreram e por os factos provados não integrarem a al. d) do n.º 2 do art. 158.º, do CP, se configura igualmente como uma discordância na aplicação do direito aos factos provados. Destarte afigura-se que os recursos em questão versam sobre matéria de direito, mormente, subsunção dos factos provados no crime de sequestro agravado, as medidas das penas parcelares e única e a verificação da existência dos vícios da decisão do art. 410.º, n.º 2, do CPP ou de nulidades de conhecimento oficioso.[…] Em face de todo o exposto há que reconhecer que a competência para conhecer do mérito dos referidos recursos cabe ao Supremo Tribunal de Justiça. Assim, declara-se este Tribunal da Relação de Lisboa incompetente para conhecer dos referidos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB por ser nos termos sobreditos para tanto competente o Supremo Tribunal de Justiça.(…)”
4 . Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça tendo na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitido parecer, no qual fez constar, em síntese, que o objeto do recurso apresentado pelo arguido BB, ainda que este impugne a matéria de direito, também impugna a matéria de facto, isto é, insurge-se quanto à dosimetria da pena única mas discorda, igualmente, da sua condenação pela prática do crime de sequestro por entender que do mesmo deveria ter sido absolvido pois não era detentor da chave da residência do coarguido, onde os factos ocorreram e, como tal, não era responsável por ela nem tinha qualquer dever de vigilância, sendo certo, porém, que, ainda que se mantenha a condenação, não deve tal crime ser agravado pela al. d) do art. 158.º, do CP, por não se ter provado qualquer facto respeitante a essa agravante.
Pretende, assim, a sua absolvição pela prática do crime de sequestro, subsidiariamente, a condenação pelo crime de sequestro não agravado, a condenação em penas parcelares próximas do limite mínimo e a condenação em pena única não superior a 5 anos de prisão, suspensa na execução.
Deste modo, defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que, quanto ao crime de sequestro o recorrente BB impugna a matéria de facto dada como provada para cujo conhecimento não é competente o Supremo Tribunal de Justiça, mas antes o TRL, ao qual cabe também conhecer o recurso interposto pelo arguido AA, que, ainda que só vise matéria de Direito, está abrangido pela norma do n.º 8, do artigo 414.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual, “Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.
Conclui que tendo os recorrentes dirigido o recurso ao TRL, que é competente para conhecer de facto e de Direito, cabe a este a competência–regra em matéria de facto, sob pena de infração às normas de competência em razão da matéria, que importa nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, al. e), do Código de Processo Penal, a par com a infração das regras de competência em razão da hierarquia (artigo 414.º, n.º 8 e 427.º do Código de Processo Penal).
5. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer.
6. Após exame preliminar, cumpre, pois, antes de mais conhecer da (In)competência do Supremo Tribunal de Justiça em razão da matéria e da hierarquia para conhecimento do presente recurso nos temos do art.417º, nº6 do CPP
Como é jurisprudência unânime os poderes de cognição do tribunal de recurso delimitam-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal «ad quem» quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), que devem resultar diretamente do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro)
São, pois, as conclusões que o recorrente extrai da motivação que delimitam o objecto do recurso. Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal «ad quem» se também se encontrarem sumariadas nas respetivas conclusões.
Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objeto do recurso.
Por outro lado, também não devem ser conhecidas questões referidas nas conclusões, que não tenha sido tratadas no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes)” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14–11–2024, no processo n.º 596/02.2PBVIS.C1.S1.
Posto isto e tendo em conta as conclusões do recurso do arguido BB, acima transcritas na sua integralidade, resulta, manifestamente, das mesmas, como, aliás. o próprio recorrente afirma refere no início do seu recurso que este pretende recorrer da « (…) matéria de facto e de direito do Acórdão proferido no dia 26/11/2024, que condenou o Recorrente por um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e e) do Código Penal e de um crime de roubo agravado, previsto pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 204.º, n.º2, al.i) do Código Penal».
E, na verdade, lendo as conclusões do seu recurso delas resulta claramente que o recurso deste arguido tem por fundamento a medida das penas parcelares e a dosimetria da pena única (matéria de direito) mas tem, igualmente, por objecto a impugnação da matéria de facto.
Com efeito, o arguido afirma nas conclusões do seu recurso que não deveria ter sido condenado pelo crime de sequestro uma vez que «não era detentor da chave da residência do coarguido, onde os factos ocorreram e, como tal, não era responsável por ela nem tinha qualquer dever de vigilância» e, «ainda que se mantenha a condenação, não deve tal crime ser agravado pela al. d) do art. 158.º, do CP, por não se ter provado qualquer facto respeitante a essa agravante». Pretende, assim, a sua absolvição pelo crime de sequestro em que foi condenado ou, subsidiariamente, a sua condenação pelo crime de sequestro não agravado, a condenação em penas parcelares próximas do limite mínimo e a condenação em pena única não superior a 5 anos de prisão suspensa na execução.
E, prossegue impugnando a matéria de facto em termos que se voltam a transcrever nas partes mais evidentes:
« VIII – O Recorrente nunca privou a liberdade do ofendido CC, não era e nem nunca foi proprietário, arrendatário ou possuidor do referido imóvel, que jamais esteve sob a sua esfera de vigilância, já que não pairam dúvidas de que o coarguido AA sempre foi a única pessoa responsável pelo imóvel onde ocorreram os factos narrados nos autos.
IX – O ofendido CC referiu na sessão do dia .../.../2024, entre os minutos 01:02:43 e 01:02:57, que o Recorrente não tinha a chave para entrar na casa e que não tinha a chave do quarto, isso porque “quem tinha tudo era o AA” e revelou também que, para entrar na casa, o Recorrente tinha que pedir autorização ao AA.
X – O ofendido CC respondeu na sessão do dia .../.../2024, entre os minutos 01:05:49 e 01:05:52, que quando foi trancado no quarto, disse que quem o trancou, foi o arguido AA.
XI – O Recorrente não recebeu qualquer contraprestação, comissão ou qualquer outra vantagem com a disponibilização de um quarto ou do espaço, que só foi cedido pelo coarguido ao ofendido, pelo que nada tem a ver com os negócios celebrados entre as referidas pessoas.
XII – O Recorrente nunca prestou qualquer contributo para o crime de sequestro, e, de forma alguma, restringiu a liberdade do ofendido CC, até porque este jamais teve as chaves do imóvel e do quarto, razão pela qual apenas o coarguido AA praticou o referido crime.
XIII – O mero facto de o Recorrente ser uma das pessoas que estava no referido imóvel, não é suficiente para fazer número e só por si, ter constrangido a liberdade do ofendido CC, uma vez que inexiste qualquer prova de contributo específico.
XIV – A informação prestada pelo ofendido CC é específica e confirma que o Recorrente não tinha as chaves e que quem tinha tudo, era o AA. Logo, nunca foi o Recorrente a trancar o ofendido na casa, tampouco foi o Recorrente a trancar a porta do quarto, sendo certo que nunca impediu a saída do ofendido, tampouco o privou da sua liberdade.
XV – Não está provado que o Recorrente tenha praticado o crime de sequestro agravado, pois nunca restringiu a liberdade do ofendido CC, não teve qualquer ingerência, tampouco domínio final sobre tais factos, que foram praticados exclusivamente pelo coarguido AA, sem que se possa influir ou presumir um contributo específico do Recorrente.
XVI – Dada a ausência de provas específicas da prática do crime de sequestro agravado pelo Recorrente, deve o mesmo ser absolvido do crime, dada a ausência de qualquer contributo deste para constranger a liberdade do ofendido CC.
XVII - Caso o Tribunal da Relação de Lisboa não endosse esse raciocínio, o Recorrente considera que não se justifica a incidência da agravante prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal, uma vez que não restou provado que o Recorrente praticou ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano.
XVIII – O Recorrente nunca torturou ou perpetrou qualquer tratamento cruel, degradante ou desumano ao ofendido, tampouco resta evidente, de forma específica, que tenha sido o Recorrente a causar qualquer ofensa à integridade física grave ao ofendido.
XIV – É bem verdade que o Recorrente admitiu que agrediu o ofendido com uma vassoura, mas, as referidas agressões não causaram qualquer espécie de ofensa à integridade física grave, tampouco pode ser confundido com um tratamento cruel, degradante ou desumano».
Em suma , decorre do recurso interposto pelo arguido BB que o recorrente impugna, em parte, o julgamento da factualidade e suporta essa impugnação remetendo para meios de prova testemunhal e, portanto, traduz no recurso uma invocação de erro de julgamento, além de que parte das questões de Direito invocadas (imputação do crime de sequestro e da agravante) estão conexas com a matéria de facto e valoração de provas.
Por outras palavras, a apreciação da matéria de direito depende da valoração de provas a que o recorrente aludiu e contestou não cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, a não ser através dos mecanismos dos erros–vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e estes apenas com recurso ao texto da decisão recorrida.
Acresce que, não pode o Tribunal da Relação afirmar que o recurso do arguido não tem por objecto a impugnação da matéria de facto porque tal impugnação não obedeceu aos requisitos exigidos pelo art. 412º do Código de Processo Penal que dispõe no seu nº3, que quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida c) as provas que devem ser renovadas.
E isto porque, tais considerações sobre se o requerente deu ou não cumprimentos aos requisitos que a lei impõe, nos termos do citado art,412º, nº 3 do CPP para impugnação da matéria de facto reconduz-se já ao conhecimento de questões suscitadas no recurso e nessa medida à decisão sobre uma parte do mesmo .
Se essa impugnação está bem ou mal efetuada é questão relativa ao mérito do recurso a apreciar pela instância competente, não devendo ser objeto de interpretação ou correção oficiosa em detrimento do alegado pelo recorrente e que, sem contraditório, desatenda ao âmbito e objeto do recurso, o qual versa matéria de facto e de direito e não exclusivamente de direito.
Prosseguindo,
Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal, das decisões proferidas em 1ª instância recorre-se, em regra, para o tribunal da Relação, que conhece de facto e de direito – artigo 428.º do Código de Processo Penal.
Só assim não é quando se trate de acórdão do tribunal coletivo ou do júri que tenha condenado em pena de prisão superior a 5 anos e o recurso verse exclusivamente sobre questões de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP. caso em que a impugnação é obrigatoriamente dirigida, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 432.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
Enquanto tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 432.º, do Código de Processo Penal – cf. artigo 434.º do Código de Processo Penal.
Nos presentes autos e visto o objeto do recurso interposto pelo arguido BB, o arguido ainda que impugne matéria de direito, também impugna matéria de facto, nos termos supra expostos, para cujo conhecimento não é competente o Supremo Tribunal de Justiça, mas antes o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual cabe também conhecer do recurso interposto pelo arguido AA, pois que, embora o recurso deste arguido só vise matéria de Direito, está abrangido pela norma do n.º 8, do artigo 414.º, do Código de Processo Penal que dispõe que «Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto”.
Assim, tendo os recorrentes dirigido o recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, que é competente para conhecer de facto e de Direito, cabe a este a competência–regra em matéria de facto, sob pena de infração às normas de competência em razão da matéria, que importa nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, al. e), do Código de Processo Penal, a par com a infração das regras de competência em razão da hierarquia (artigo 414.º, n.º 8 e 427.º do Código de Processo Penal). Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20–11–20024, no processo n.º 823/22.0PDAMD.L1.S1. onde se afirma que sempre que no mesmo recurso ou no caso de pluralidade de recursos, esteja em causa o conhecimento de matéria de facto, não incumbe ao Supremo, mas sim ao Tribunal da Relação o julgamento dos mesmos por força do disposto nos artigos 414º, nº 8 e 428º do Código de Processo Penal .
III - Decisão
Nestes termos, declaro a incompetência deste Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento do objeto dos recursos interpostos nos presentes autos, cujo conhecimento é da competência do Tribunal da Relação de Lisboa, em conformidade com os artigos 32.º, n.º 1, 33.º, n.º 1, 414.º, n.º 8, 427.º, 432.º, n.º 1, alínea c) e 434.º, todos do Código de Processo Penal.
Notifique e, oportunamente remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
(Certifica-se que a presente decisão foi processada em computador pela relatora e integralmente revista e assinada eletronicamente pela sua signatária).
Ana Costa Paramés
Lisboa, 08.05.2025