Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACÇÃO DE ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
Sumário
1. A alteração do regime fixado sobre o exercício das responsabilidades parentais, tem como pressuposto uma de duas situações, o incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime, ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que alterem os pressupostos existentes à data em que foi fixado e imponham a alteração do que estiver estabelecido, seja as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. 2. O ónus de alegação dos factos concretos que objectivamente consubstanciem a ocorrência das ditas circunstâncias supervenientes justificativas da alteração, cabe ao progenitor requerente da alteração, sem prejuízo, naturalmente e atenta a natureza de jurisdição voluntária do processo, do poder inquisitório do juiz na aferição de factos relevantes no âmbito da pretensão formulada. 3. E, de qualquer modo, o critério fundamental e primordial que deve guiar o decisor na definição do regime das responsabilidades parentais é sempre o do superior interesse das crianças, que não se deve confundir com o interesse dos pais, na medida em que este apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele. 4. Ao terem sido alteradas as circunstâncias que existiam à data em que foi fixado o regime de regulação do poder paternal por terem decorrido praticamente 10 anos sobre o mesmo, tendo o menor actualmente 12 anos de idade, o que necessariamente acarreta mudanças na sua vida, na sua vivência e nas suas relações e interesses, e tendo-se alterado o contexto de vida do progenitor requerente, que entretanto casou e teve uma outra filha, necessariamente se tem de haver como verificada uma alteração superveniente das circunstâncias existentes à data da homologação do acordo. 5. A decisão de arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais prevista no nº 4 do artigo 42º do RGPTC, deve filiar-se num juízo valorativo assente em factos que, objectivamente analisados, permitam concluir que essa alteração se revela, em concreto, infundada ou desnecessária tendo em conta o superior interesse da criança. 6. É a própria lei que, salvaguardando a necessidade de um maior apuramento das circunstâncias concretas subjacentes ao pedido de alteração tendo em vista a aferição do seu fundamento/ou falta dele e ou desnecessidade, prevê a possibilidade de serem realizadas as diligências que forem tidas como necessárias e adequadas à tomada de decisão sobre o arquivamento ou prosseguimento dos autos, conforme decorre do n. 6 do artigo 42º do RGPTC, sabendo-se, é certo, que o prosseguimento de pedido infundados ou desnecessários, sobretudo em casos de desacordo dos progenitores, poderá ser um factor de instabilidade, de potencial conflito e de desestabilização, bem como de retardamento inútil. 7. É inquestionável o reconhecimento nas normas de direito nacional e internacional, do direito da criança a ter voz no processo, a poder pronunciar-se sobre as questões que directamente lhe digam respeito e que possam condicionar o seu modo de vida e que não se limita à tomada de declarações como meio de prova, mas que tem a sua tónica no direito a ser ouvida, participar e a emitir a sua opinião livre relativamente às decisões que lhe digam respeito e que possam afectar a sua vida, considerando naturalmente a sua idade e nível de maturidade para as compreender, como o é, a possibilidade de ver alterado o modo fixado da sua residência.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3a SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
AA requereu a ALTERAÇÃO DO ACORDO DE REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, ao abrigo do disposto nos art.º 42º do R.G.P.T.C relativamente ao menor BB, o que faz contra a mãe deste, CC.
Arguindo que a situação que melhor defende os reais interesses do menor será a alternância de residências, entre a casa do pai e a casa da mãe, semanalmente, pede a alteração do acordo celebrado no ponto I – “destino do menor”, bem como o ponto III “visitas, férias e festividades”, em conformidade com a nova realidade, sem prejuízo de se assegurarem as festividades e férias de forma repartida.
Mais requer, neste novo regime, o não pagamento de pensão de alimentos, uma vez que o menor passará igual tempo com ambos os progenitores, devendo alterar-se igualmente o ponto II “alimentos”, eliminando-se os nºs 2, 3 e 6 do acordo vigente, permanecendo no mais, uma divisão igualitária das despesas do menor entre os progenitores, designadamente, despesas escolares e despesas de saúde, mediante apresentação da respetiva fatura.
Para sustentar a requerida alteração, argui:
-O Requerente e a Requerida, são pais do menor BB, nascido em ../../2012;
- Requerente e Requerida viveram uma relação amorosa da qual resultou o nascimento do menor BB, relação esta que terminou em 2015;
- As partes procederam nos autos principais aos que os presentes correm por apenso, à regulação das responsabilidades parentais por acordo, celebrado em ../../2015;
- Estabeleceram os progenitores do BB, essencialmente:
a) A residência do menor junto da progenitora;
b) Pagamento de pensão de alimentos pelo ora requerente, no valor de €150,00 mensais, quantia a atualizar de acordo com os índices do I.N.E., acrescida de metade do valor das despesas escolares e de saúde, mediante a apresentação da respetiva fatura;
c) Regime convivial livre do progenitor com o filho, estabelecido de acordo com contacto prévio com a mãe e visitas em fins de semana alternados, recolhendo o pai o menor em casa da mãe às sextas-feiras, pelas 19h, e aí entregá-lo ao domingo, pelas 18h, bem como jantar às quartas feiras, com pernoita e entrega no dia seguinte na escola;
- Pretende o requerente alterar o acordo estabelecido, para um que estabeleça a residência alternada do menor, pelo período de uma semana com cada progenitor;
- Entendendo que tal regime, será o que melhor acautela o superior interesse do menor, BB, cujos convívios com o requerente são, como sempre foram, agradáveis e saudáveis, sem qualquer oposição das partes.
- sugere a sua guarda e cuidado desde sexta-feira, recolhendo-o cada progenitor na sua respetiva semana no estabelecimento escolar, até sexta feira da semana seguinte, onde o entregará e iniciará a semana com o outro progenitor;
- sustenta que tal regime asseguraria uma igualdade de convívio para ambos os progenitores, sendo que cada um privaria com o menor uma semana e um fim de semana, sem prejuízo de outras visitas que se possam estabelecer, designadamente a meio da semana, mantendo por exemplo, à quarta feira, um dia de jantar e pernoita com o progenitor com quem não reside naquela semana;
- O requerente vive em casa própria e com condições para receber o menor, num ambiente feliz, normal e salutar, a sua residência é próxima da residência da requerida, distando somente 3.0km, distância percorrida em aproximadamente 6 minutos;
- O menor frequenta a escola E. B. 2, 3 ..., pelo que para além da proximidade entre as residências dos progenitores, a proximidade destas à escola também se verifica, e entre os progenitores existe diálogo no que concerne ao menor.
- O progenitor exerce funções na Polícia de Segurança Pública, Comando Distrital ..., num horário fixo de segunda a quinta feira, das 08h00 às 18h00, auferindo mensalmente aproximadamente €1647,21.
- O menor tem uma elevada relação de proximidade com o pai, cuja figura de referência na vida do menor é igualmente relevante, pelo que entende o Requerente que o regime peticionado, aliado à liberdade de visitas dos progenitores será o mais benéfico para o menor.
- A família do requerente é muito próxima e o menor gosta de estar e fraternizar com os seus membros, pelo que beneficiará igualmente desta maior convivência com os seus familiares.
- O requerente é casado, o menor tem muito boa relação e é próximo da sua esposa, DD, com quem convive já desde 2018, os quais têm uma filha de 3 anos, nascida em ../../2021, com quem o menor BB se dá muito bem e por quem nutre muito carinho;
- O menor é muito próximo de ambos os progenitores e o deferimento do pedido de alteração do exercício das responsabilidades parentais promoverá a manutenção dessa proximidade com ambos os progenitores;
- Um cumprimento do acordo celebrado enfermaria inevitavelmente esta relação entre pai e filho porquanto convívios somente em fins de semana quinzenais não permitem o mesmo nível de proximidade e confiança a que já estão o requerente e o menor habituados, o que prejudicaria cabalmente o bem-estar do menor.
- Não existe nos presentes autos nada que impeça a residência alternada do menor, antes sendo o mais desejado para este e o que melhor defende os reais interesses do menor.
- Neste novo regime, não haverá lugar a pagamento de pensão de alimentos, uma vez que o menor passará igual tempo com ambos os progenitores, permanecendo no mais, uma divisão igualitária das despesas do menor entre os progenitores.
*
Citada a requerida, veio a mesma deduzir oposição ao pedido de alteração, que sustenta na seguinte alegação:
- O menor BB, atualmente com 12 anos de idade, vive com a mãe desde que os progenitores se separaram, no verão de 2015;
- O regime de convívio com o requerente é o indicado pelo requerente, todavia com grande abertura no que toca às visitas e permanência do menor com o pai, não existindo problemas nem dificuldades dessa ordem entre o requerente e a requerida;
- O BB, é um adolescente equilibrado, sensato e responsável, é um jovem feliz, bem enquadrado na família e na sociedade, com bom aproveitamento escolar;
- Manifesta abertamente que se sente confortável com o atual regime de responsabilidades parentais, até porque, como consta do regime estabelecido, encontra-se e permanece com o pai sempre que algum deles manifeste essa vontade;
- Alterar as rotinas estabelecidas nesta fase da vida do jovem BB significaria uma alteração substancial da sua referida condição de vida, com forte componente de destabilização e de perturbação;
- Não se encontra no articulado do requerente nenhum facto ou circunstância associada ao jovem BB que justifique a alteração do regime em vigor.
- Trata-se de um mero interesse ou vontade do pai, sendo que a proximidade reclamada entre ele e o filho sempre existiu.
Não havendo fundamento para alterar o que está bem.
*
Notificados para alegar, face à possibilidade de decisão imediata, ambos os progenitores vieram manter as suas posições já vertidas nos autos.
O Ministério Público emitiu parecer coincidente com a posição manifestada pela progenitora/requerida.
*
Por decisão proferida nos autos, foi decidido arquivar os autos, nos termos do artigo 42º n.4 do RGPTC, por ausente fundamento de alteração.
*
Inconformado com a decisão, dela recorreu o progenitor/ requerente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. Vem o presente recurso da douta sentença de 06-01-2025, que decidiu no sentido de que ora se recorre: “Ausente fundamento para alteração, determinamos o arquivamento dos autos (art. 42.º, n.º 4 RGPTC).” 2. Entende o requerente que a sentença proferida enferma de erro de apreciação, violação do disposto nos arts. 6.º e 7.º do CPC e nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC, não acautelando o princípio orientador do superior interesse da criança e que deveriam ter prosseguido os autos. 3. O Requerente peticionou a alteração da regulação das responsabilidades parentais contra a Requerida, que são os progenitores do BB, nascido em ../../2012, que se encontram regulados por acordo homologado por sentença de ../../2015, pretendendo a determinação de residência alternada entre os progenitores, que atualmente se encontra fixada com a progenitora e cessação da pensão de alimentos fixada. Invocou, para tanto: - ser esse o regime que melhor acautela o superior interesse do menor, porquanto permitirá paridade de convívio com ambos os progenitores, não obstante o cumprimento zeloso do acordo celebrado da parte de ambos os progenitores; - a boa relação existente entre o menor e o progenitor requerente e igualmente com a progenitora; - bom relacionamento do menor com a actual esposa do progenitor requerente e demais família paterna; - o nascimento, entretanto, de uma irmã consanguínea, em 2021, com a qual o menor BB estabeleceu e nutre um bom relacionamento; - condições e disponibilidade económica, horária e habitacional para implementação do regime; - a elevada proximidade entre as residências da progenitora e do progenitor (distando somente 3.0km) e bem assim de cada uma destas face ao estabelecimento de ensino frequentado pelo menor; - existência de diálogo entre progenitores acerca do menor; - a decorrência de 10 anos desde a fixação do acordo em vigor; 5. Tendo a Requerida pugnando pela improcedência do pedido, por considerar inexistir circunstância superveniente justificativa de qualquer alteração ao acordo, as partes pronunciaram-se, na sequência de convite do Tribunal “atenta a eventual apreciação de imediato no pedido”. 6. Proferiu o douto Tribunal a sentença de que se recorre, considerando que o requerimento inicial padece de ausência de fundamento, determinado o seu arquivamento nos termos do art. 12.º n.º 4 do RGPTC, fundamentando, no essencial que nada vem alegado quanto a debilitação da aptidão económica do A para continuar a prestar a mensalidade nem quanto a menor capacidade para cuidar de BB sem a ajuda de esposa e que deveria ter exposto os factos caracterizadores da situação existente aquando a fixação do regime vigente e da situação actual, para se aferir de concretas modificações justificativas da alteração pretendida. 7. A decisão proferida desrespeita os princípios e deveres de gestão processual e de cooperação, ínsitos nos artigos 6.º e 7.º do CPC, não apreciando devidamente o articulado apresentado, que fundamentou devidamente a pretensão requerida. 8. Padece assim a sentença de erro de apreciação, porquanto a lei permite a alteração da regulação das responsabilidades parentais, quando se verifiquem circunstâncias supervenientes, bem como quando exista motivo ponderoso, que no caso está invocado, designadamente pela idade atual do menor, tendo decorrido quase 10 anos desde a fixação por acordo do regime em vigor, bem como o nascimento superveniente de uma irmã, com quem o BB poderia passar a conviver mais tempo. 9. A pretensão do requerente está assim alicerçada ora em circunstâncias supervenientes ora em motivo ponderoso, não existindo, no mais, qualquer motivo em contrário, que obste ao pretendido. 10. Mais, a pretensão deduzida tem acolhimento doutrinal e jurisprudencial, e forte expressão prática, designadamente, quando surjam irmãos. Vários e cada vez mais são os defensores do regime de residência alternada (quando verificados os pressupostos gerais e concretos que, in casu, foram alegados e se terão por verificados, pois que não foram colocados em causa), como “solução ideal” e “preferencial”, nas palavras de Jorge Duarte Pinheiro, que encontra acolhimento legal, nos preceitos constitucionais, art. 36, nº4 da CRP, 18.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e instrumentos europeus. 11. Imputando a ausência de fundamento do pedido do requerente, mal andou o Tribunal, que fez errada interpretação da matéria de facto e da sua subsunção no direito. 12. Ensina a prática que a maioria dos acordos destas matérias homologados pelos nossos tribunais, são resultado de verdadeiras de imposições e correspondentes cedências dos progenitores. Não raras vezes, é fixada residência junto de um dos progenitores, não porque o outro tenha menos competências parentais ou menos condições, mas porque um “impõe” e o outro “cede”. Casos estes em que cabe ao Ministério Público, considerando devidamente acautelados os interesses do menor promover a respectiva homologação, mas revelando-se este, bem como o Tribunal, na generalidade, pouco conhecedores das questões de fundo, sejam elas as motivações, condições e verdadeiras intenções de cada progenitor, limitando-se a uma mera confirmação do resultado alcançado como o pretendido. 13. O acordo em vigor, não obstante ser pautado por cumprimento por parte dos progenitores, é mais um de milhares com a mesma redação, que preveem visitas do menor a casa do progenitor com quem não reside, sendo o menor assim residente com um, visitante do outro. 14. A expectativa do alcance destes acordos está intimamente ligada à possibilidade de, posteriormente, virem a ser alterados “quando as coisas acalmam”, no sentido aqui pretendido, sob pena de, vingando entendimento diverso, estarmos perantes verdadeiros acordos quase imutáveis, salvo raras e graves ocasiões que imponham a sua modificação, o que se entende não ser a ratio das normas vigentes. 15. Ainda que assim não fosse, veja-se o Ac. do TRL de 07-10-2021, em que foi relatora Ana de Azeredo Coelho, disponível em www.dgsi.pt e tão bem destrinça o que se deve entender por “Circunstâncias supervenientes”, que não deverão ser circunscritas a factos externos, objetivos, de tempo e espaço. 16. Assim, crê-se que se mostra devidamente fundamentado o pedido, estando suficientemente alegados os factos essenciais, designadamente os nucleares, que permitem individualizar o direito em causa, bem como os complementares, como é ónus da parte fazer, nos termos do disposto no art. 5º do CPC. 18. Entendimento diverso do Tribunal, sempre faria impender sobre este o poder-dever de gestão processual, convidando a parte ao aperfeiçoamento do seu articulado, em observância igualmente do princípio da cooperação - arts. 6.º e 7º do CPC. 19. No que concerne à ausência de fundamentação quanto à eventual cessação de pagamento de pensão de alimentos, dir-se-á que o requerente não alegou debilidade económica, mas apenas a possibilidade dessa alteração como resultante da procedência da alteração da residência da criança para residência alternada, que casuisticamente deverá sempre ser ponderada - veja-se o disposto no art. 1906º, n,º 6 do CCivil. 20. A omissão da prática de acto ou formalidade que a lei prescreva, neste caso, do poder-dever de gestão processual, de convite ao aperfeiçoamento ou concretização por parte do requerente, designadamente das circunstâncias que concretamente se verificavam aquando o acordo alcançado e homologado e as actuais, constitui nulidade processual nos termos do disposto no art. 195.º do CPC. 21. Destarte, a jurisdição voluntária em que o incidente dos autos se insere capacita o Juiz de poderes inquisitórios para efectuar as diligências de averiguação e de instrução reputadas por necessárias (art. 986.º, n.º 2 do CPC), pelo que por todos os argumentos aduzidos se entende que os autos deveriam ter prosseguido a sua tramitação. 22. A decisão exarada errou nos termos acima aduzidos e errou por não ponderar o interesse do menor, cujo superior interesse é o critério orientador para a decisão judicial. Pelo que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida, seguindo-se os ulteriores termos.».
*
Foram apresentadas contra-alegações pela progenitora/requerida, nas quais pugna pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O recorrente assenta toda a sua pretensão de alteração do regime de responsabilidades parentais do menor BB em conclusões e chavões retirados da jurisprudência, sem identificar um mínimo de factos e circunstâncias justificativas, que aconselhem essa alteração à luz do superior interesse da criança. 2. Tal não se deve a esquecimento ou algum lapso do recorrente, pois simplesmente não dispõe de nada para apresentar. 3. Em sentido contrario, é o próprio recorrente a reconhecer que o filho menor não só não tem o foco de vida centrado na figura materna, como, pelo contraio, tem forte ligação ao pai, olhando-o como figura de referência.4. A jurisprudência indicada pelo recorrente, nos casos em que já existe um regime de residência estabelecido, vai no sentido da ponderação de todas as “circunstâncias relevantes” para a fixação da residência alternada do menor, independentemente do mútuo acordo dos progenitores, significando que as circunstâncias a ponderar existam e que de algum modo sejam diferentes daquelas que presidiram à fixação do regime estabelecido e em vigor. 5. O BB é um pré adolescente equilibrado, sensato e responsável. 6. É um jovem feliz, bem enquadrado na família e na sociedade, com bom aproveitamento escolar. 7. O regime de responsabilidades parentais estabelecido vigora sem alterações desde o seu início, há cerca de 10 anos, tendo funcionado sempre de forma harmoniosa e sem conflitos entre os progenitores. 8. Ao referir que teme que a limitação dos convívios a fins-de-semana quinzenais obste ao nível de proximidade e confiança a que ele e o menor estão habituados, manifesta o recorrente quão injustificado e incongruente é o seu pedido, pois, por um lado, reconhece que existe proximidade e confiança e, por outro lado, que apenas pretende acautelar o que hipoteticamente possa alterar (perder) no futuro, que seria o cumprimento do acordo em vigor, mediante as visitas quinzenais. 9. Trata-se, todavia, de uma alegação deliberadamente incompleta, pois os contactos estabelecidos no regime em vigor não se limitam aos fins-de-semana, a meio da semana e aos dias festivos, porquanto “O pai privará com o menor sempre que quiser e mediante contato prévio com a mãe.” (cfr. artigo 7 Acordo em vigor). 10. E o recorrente nunca viu dificultado o exercício pleno desse direito. 11. O convívio do BB com a irmã mais nova, nascida do atual casamento do recorrente, estará sempre limitado e condicionado pela diferença de idades de ambos, fosse qual fosse o regime de residência habitual do BB. 12. Em qualquer caso, o regime de aberto de contatos e permanência com o recorrente permite que esse convívio seja extensivo à irmã mais nova do BB. 13. Aos doze anos, o BB está numa fase de transição para a adolescência, onde a estabilidade emocional é particularmente importante. 14. Depois de dez anos de estabilidade, segurança e confiança, alterar o regime de residência do BB para residência alternada, sem nada que o justifique, constitui uma alteração desnecessária e nessa medida forçada, geradora de insegurança, ansiedade e perturbação na vida do menor, o qual, nesse contexto, teria sempre de ser ouvido (cfr. artigo 5.º do RGPT). Nestes termos, e sempre com mo douto suprimento de VV. Excias., deve o recurso interposto ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, como é de inteira Justiça!»
*
O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pelo indeferimento da apelação, por em síntese:
- O regime em vigor assegurar já todo o convívio necessário e tem sido este o regime que até agora funcionou e que tem proporcionado a normal evolução e o desenvolvimento do menor, com o estabelecimento de laços de afetividade, segurança e equilíbrio emocional. - O recorrente não invoca factualidade subsumível a uma “alteração das circunstâncias” mas antes uma declaração de vontade de que aquilo que agora quer é uma guarda partilhada, deixando de pagar a prestação de alimentos. - O regime vigora há praticamente 10 anos, tendo funcionado sempre de forma pacífica e harmoniosa, com grande estabilidade e confiança entre todos os envolvidos. - Não se antecipa, assim, a presença de uma circunstância superveniente que torne necessário alterar o que está estabelecido, devendo a douta decisão merecer inteira confirmação pois encontra-se conforme com o disposto no art. 42º, nº 4, do RGPTC.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do recurso
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
*
Face às conclusões da motivação do recurso, a questão a decidir centra-se em saber se se verificava fundamento legal para a presente causa findar por ausência de fundamento, nos termos determinados pelo Tribunal a quo ou se, ao invés, deve a mesma prosseguir seus termos, se necessário mediante convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial ou de outras diligências instrutórias.
*
III – Fundamentação fáctica.
Os factos a ter em conta são os que constam do relatório, a que acresce o seguinte, resultante da consulta electrónica dos autos:
i.- No âmbito do Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º: 3584/15...., os progenitores em acta de CONFERÊNCIA DE PAIS, de 23 de Outubro de 2015, alcançaram o seguinte acordo de regulação das responsabilidades parentais do filho menor, o qual foi homologado por sentença:
«ACORDO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
I – DESTINO DO MENOR:
1 - O menor BB fica confiado á guarda e cuidados da mãe, e a viver com a mesma, sendo que as questões de particular importância serão exercidas por ambos os progenitores, salvo situações de manifesta urgência em que um deles pode agir sozinho, com o dever de informação assim que possível.
II – ALIMENTOS:
2 - O pai do menor pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de € 150,00, que depositará até ao dia 8 do mês a que respeita, por transferência bancária na conta da mãe com o NIB ...23, do Banco 1..., agência de ....
3 – Essa quantia será anualmente actualizada, em Janeiro, em função dos índices de preços ao consumidor publicado pelo I.N.E. (Instituto Nacional de Estatística), do ano anterior e na mesma proporção.
4 -O pai suportará metade das despesas escolares (infantário, futuramente livros e outro material escolar, incluindo batas) que a mãe venha a efectuar com o menor, mediante a apresentação da respectiva factura.
5 – O pai suportará ainda metade de outras despesas que ocorram, designadamente, saúde, medicamentosas e outras necessidades, mediante a apresentação da respectiva factura.
6 - O subsídio familiar a crianças e jovens atribuído será percepcionado pela mãe.
III - VISITAS, FÉRIAS E FESTIVIDADES
7 - O pai privará com o menor sempre que quiser e mediante contacto prévio com a mãe.
8 - O menor passará alternadamente os fins- de - semana, com cada um dos progenitores, de 15 em 15 dias, devendo o pai recolhê-lo às sextas pelas 19h na casa da mãe, e aí entregá-lo, ao domingo, até às 18h00m.
9 – O menor irá jantar às quartas – feiras com o pai, passando a noite na residência do mesmo, devendo este recolhê-lo pelas 17 horas no infantário e levá-lo no dia seguinte á Escola.
10 – O menor passará alternadamente as festividades do Natal e Ano Novo com ambos os pais, ou seja, dia 24 de Dezembro com a mãe, dia 25 de Dezembro com o pai, dia 31 de Dezembro com a mãe e dia 01 de Janeiro com o pai, e assim sucessivamente.
11 – Passará também, o menor, com o pai, o aniversário do pai e o “dia do pai” e passará o aniversário da mãe e o “dia da mãe” com a mãe.
12 – No dia do aniversário do menor, este irá almoçar com a mãe e irá jantar com o pai.
13 - Quanto às celebrações da páscoa, serão passadas alternadamente com ambos os pais, iniciando-se em 2015, o domingo de páscoa com a mãe e segunda – feira com o pai.
14 – No que tange às férias da Páscoa, o menor passará uma semana com cada um dos progenitores, alternadamente.
15 - Relativamente às férias de verão, o menor passará quinze dias com o pai, em período a combinar com a mãe com dois meses de antecedência.
16 – No tocante ao carnaval, será a combinar entre os progenitores.
17 - O pai obriga-se a avisar a mãe do menor com a antecedência caso não possa passar aqueles períodos ou celebrações com o menor.
18 - Os progenitores consentem, reciprocamente, com aviso prévio, que o menor viaje dentro da União Europeia, com o outro a título de férias ou outro motivo que não implique uma ausência superior a um mês.»
*
IV. Fundamentação de Direito:
Iniciaram-se os presentes autos com o pedido do Requerente, pai do menor BB, nascido em ../../2012, actualmente com 12 anos de idade, de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais que se mostra fixado por acordo dos progenitores desde 23 de Outubro de 2015, requerendo a sua alteração para residência alternada do menor com o pai e com a mãe, que atualmente se encontra fixada com a progenitora e, concretamente, que o menor passe uma semana com o pai/requerente e uma semana com a mãe, alternadamente, cessando a prestação de alimentos fixada, passando a uma divisão igualitária das despesas.
Em suporte de tal alteração o progenitor requerente aduz que a residência alternada asseguraria o superior interesse do menor, pois permitirá a igualdade nos convívios com ambos os progenitores, com os quais o menor tem uma relação muito próxima, mantendo com o pai uma elevada relação, tendo-o como “figura de referência”, relação que se estende à família paterna, sua actual esposa e filha dessa relação, de 3 anos de idade, por quem o menor nutre muito carinho. Sustenta ter condições e disponibilidade económica, horária e habitacional para implementação do regime; existir proximidade entre as residências da progenitora e do progenitor (distando somente 3.0km) e bem assim de cada uma destas ao estabelecimento de ensino frequentado pelo menor; existência de diálogo entre progenitores acerca do menor e a decorrência de 10 anos desde a fixação do acordo em vigor.
Sustenta, outrossim, que a decisão proferida desrespeita os princípios e deveres de gestão processual e de cooperação, ínsitos nos artigos 6.º e 7.º do CPC e de erro de apreciação, não tendo apreciado devidamente o articulado apresentado, ao considerar que este padece de ausência de fundamento, designadamente quanto à situação existente aquando a fixação do regime vigente e da situação actual para se aferir de concretas modificações justificativas da alteração pretendida, porquanto para além das circunstâncias supervenientes, que sustenta ter alegado, sustenta justificar-se a alteração quando haja motivo ponderoso, que considera ter invocado, sendo que a residência alternada, verificados que sejam os seus pressupostos, constitui a “solução preferencial” como tem vindo a ser defendido na doutrina e jurisprudência.
Aduz, ainda, que a omissão da prática de acto ou formalidade que a lei prescreva, neste caso, do poder-dever de gestão processual, de convite ao aperfeiçoamento ou concretização por parte do requerente, designadamente das circunstâncias que concretamente se verificavam aquando o acordo alcançado e homologado e as actuais, constitui nulidade processual nos termos do disposto no art. 195.º do CPC, e o processo de jusrisdição voluntária, em que o incidente dos autos se insere, capacita o Juiz de poderes inquisitórios para efectuar as diligências de averiguação e de instrução reputadas por necessárias (art. 986.º, n.º 2 do CPC), sustentando que os autos deveriam ter prosseguido.
Apreciemos:
Para fundamentar a improcedência da alteração requerida escreveu-se na decisão sob sindicância:
«A pretensão de AA é legível, quer que o filho passe uma semana com ele e uma semana com a mãe e quer deixar de suportar a mensalidade relativa a alimentos.
0 fundamento trazido não é apropriado a tal finalidade.
0 que se extrai do teor das alegações é que BB beneficia da proximidade do pai e da família paterna, mantêm relação elevada, estão habituados a proximidade e confiança, os convívios sempre foram agradáveis e saudáveis. O A dispõe de casa com condições e ambiente feliz e com boa localização e tem um horário regular ao longo da semana. Pai e mãe mantém diálogo e o menor deseja residência alternada. 0 que sucedia 2015 é ignorado pelo A na exposição.
De novo, face ao tempo do acordo homologado, encontra-se o casamento em 22. e o nascimento de outra criança em 21, sendo a nova esposa do pai e a irmã bebé pessoas com quem BB tem excelente relação. Nada vem alegado quanto a debilitação da aptidão económica do A. para continuar a prestar a mensalidade nem quanto a menor capacidade para cuidar de BB sem a ajuda de esposa.
0 que se extrai da exposição do A é que sempre (6°) o menor tem beneficiado de um relacionamento feliz e ligação excelente a ele e à restante família paterna, atribuindo-se a si próprio a condição de figura de referência para BB (15º).
Teme o A. que a limitação dos convívios a fins-de-semana quinzenais obste ao «nível de proximidade e confiança a que ele e o menor estão habituados» (23°); a limitação adviria do «cumprimento do acordo». Sucede que os contactos estabelecidos não se limitam aos fins de semana (n.8 do acordo, ap. C, acta de 23 de Outubro de 2015) antes se alargam a jantar e pernoita de quarta para quinta (n.9) a festividades, aniversários, férias de Páscoa e de Verão (n. 10-n.l6) e ainda foi fixada a seguinte regra: 7 - o pai privará com o menor sempre que quiser e mediante contacto prévio com a mãe.
A proximidade com o menor não advém de inobservância do acordo, antes da previsão neste de esquema alargado de convívios (sempre que quiser e mediante contacto prévio). E do bom senso e diálogo dos pais. (13º)
Para poder ser eventualmente acolhida alteração, exige-se do requerente um esforço de dupla exposição: a situação existente aquando da fixação do regime vigente e a actual situação, de modo a poder detetar-se a modificação na realidade que justifique a alteração; “para a obrigação seja modificável com base na alteração das circunstancias aquele que a pretenda deve alegar as …existentes no momento em que aquela foi contraída e as…presentes no momento em que se requer a modificação dessa obrigação” (ac RG 08-06-2017, R. M. Nogueira p- 7380/05.4TBGMR, in dgsi.pt).
Decisão
Ausente Fundamento para alteração, determinamos o arquivamento dos autos (art. 42º n.º4 RGPTC)»
Vejamos se no contexto fáctico alegado e fundamentos invocados para a alteração requerida pelo progenitor, pai do menor, é manifesta a sua improcedência, com a consequência do imediato arquivamento dos autos, nos termos do n.4 do artigo 42º do RGPTC como decidido, ou, se ao invés, os autos deverão prosseguir com a realização ou não de outras diligências tendentes a aferir da bondade da alteração requerida, considerando o superior interesse do menor.
Resulta do disposto pelo artigo 42.º, n.º 1, da Lei 141/2015, de 8 de Setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, doravante RGPTC), que “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.” (negrito nosso)
Como se salienta no Ac. desta R.G. de 23-03-2023[1] «Do citado normativo resulta que a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ter lugar em dois tipos de situações distintas: i) no caso de o incumprimento do acordo ou da decisão final estabelecida para as responsabilidades parentais derivar de ambos os pais ou de terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada; ou ii) no caso da existência de circunstâncias supervenientes (objetivas ou subjetivas) que justifiquem ou tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
O acordo ou a sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais não são, pois, imutáveis. (…)
Dizem-se supervenientes, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou por outro motivo ponderoso (art. 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).
As «circunstâncias supervenientes», justificativas da modificação de anterior decisão de regulação de responsabilidades parentais (art. 42.º, n.º 1, do RGPTC e art. 988.º, n.º 1, do CPC), hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída àqueles factos ou com uma diferente interpretação jurídica sobre situações de facto [Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 438; na jurisprudência, Ac. do STJ de 13/09/2016 (relator Alexandre Reis) – segundo o qual, para tal efeito, a publicitação dum acórdão uniformizador de jurisprudência não constitui alteração da situação de facto existente no momento da decisão inicial – e o Ac. da RL de 28/03/2019 (relatora Gabriela Fátima Marques), disponíveis in www.dgsi.pt. ].
Circunstâncias supervenientes não são necessariamente factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, podendo os estados de espírito, emoções e sentimentos consubstanciar tal superveniência de circunstâncias. Concretamente, deve ter-se como circunstância superveniente a atender o estado de espírito da criança, as suas emoções e a sua dificuldade em integrar uma relação. Pela razão simples de que são relevantes na perspectiva do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral [Cfr. Ac. do STJ de 27/01/2022 (relator Manuel Tomé Soares), in www.dgsi.pt.].
A circunstância superveniente, para justificar a alteração da decisão, deve ser significativa, no sentido de a regulação existente já não corresponder à satisfação dos "interesses do menor "[Cfr. Ac. 14/01/1992 (relator Martins da Costa), in www.dgsi.pt.].
Por outras palavras, as modificações às decisões iniciais de regulação das responsabilidades parentais devem ser excecionaisa fim de não ser prejudicada a necessidade de a criança viver num ambiente estável e a continuidade das suas relações afetivas profundas. O citado art. 42º do RGPTC deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que só alterações de circunstâncias que tenham uma repercussão grave na saúde, segurança, educação ou vida da criança servirão de fundamento para alterar a regulação inicial. A discricionariedade judicial para modificar a guarda está substancialmente limitada, desempenhando a defesa da estabilidade do ambiente e das relações afetivas da criança, um fator decisivo a favor dos progenitores com quem a criança tem vivido até ao momento [Cfr. Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 8ª ed, Almedina, 2021, pp. 113/114.].
Como salienta Tomé d`Almeida Ramião [Cfr. Regime do Processo Tutelar Cível (…), p. 168.], o legislador admite que possam ocorrer factos supervenientes que não justifiquem alterar a regulação das responsabilidades parentais, pelo que nem todos os factos supervenientes a justificam [Designadamente, ao afirmar que “justifiquem a sua revisão” (art. 988º, n.º 1 do CPC) ou “tornem necessário alterar o que estiver estabelecido” (art. 42º, n.º 1, do RGPTC).]. Compete ao requerente o ónus de alegar e provar os factos supervenientes que justificam e fundamentam a sua alteração, como factos constitutivos que são desse efeito pretendido [Cfr. Ac. da RG de 10/07/2019 (relatora Eugénia Cunha), Ac. da RE de 09/03/2017 (relator Tomé Ramião) e Ac. da RL de 23/10/2012 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), em www.dgsi.pt.], devendo igualmente propor os termos do novo regime [Cfr. Ac. da RP de 9/12/2008 (relator Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt.].
Assim, para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração «deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se » [ Cfr. Ac. da RL de 7/04/2011 (relator Henrique Antunes) e o Ac. da RG de 29/10/2020 (relator Paulo Reis, aqui 2º adjunto), in www.dgsi.pt.].
Como refere João Nuno Barros em anotação ao art. 42.º do RGPTC [Cfr. Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado, de Cristina M. Araújo Dias, João Nuno Barros, Rossana Martingo Cruz, 2021, Almedina, pp. 341/342.]“, para além da premissa de que a natural evolução da criança impõe que, não raras vezes, surjam, no seu normal desenvolvimento e crescimento, circunstâncias supervenientes que implicam, ou justificam, a alteração do acordo ou decisão judicial prévias relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a verdade é que a própria natureza de jurisdição voluntária dos processos tutelares cíveis (…) assim o possibilita (…)”.» (negrito nosso)
Resulta deste breve excurso pela doutrina e jurisprudência, que a alteração do regime fixado sobre o exercício das responsabilidades parentais, tem como pressuposto uma de duas situações, o incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime, ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que alterem os pressupostos existentes à data em que foi fixado e imponham a alteração do que estiver estabelecido, seja as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (cfr. 988º n.1 do CPC).
O ónus de alegação dos factos concretos que objectivamente consubstanciem a ocorrência das ditas circunstâncias supervenientes justificativas da alteração, cabe ao progenitor requerente da alteração, sem prejuízo, naturalmente e atenta a natureza de jurisdição voluntária do processo, do poder inquisitório do juiz na aferição de factos relevantes no âmbito da pretensão formulada.
E, de qualquer modo, conforme é sabido, o critério fundamental e primordial que deve guiar o decisor na definição do regime das responsabilidades parentais é sempre o do superior interesse das crianças, cfr. arts. 40º,n.º 1, do RGPTC e 1906º, n.º 8 do Código Civil (que não se deve confundir com o interesse dos pais, na medida em que este apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele)[2].
Importa ainda atentar no que dispõe o n.º 8 do art.º 1906º do Código Civil: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”
No caso em apreciação, resulta incontestado que a alteração do acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais, maxime quanto à residência do menor, não vem sustentado numa situação de incumprimento do acordo fixado.
Pelo contrário, o recorrente afirma o cumprimento zeloso do acordo celebrado por parte de ambos os progenitores e centra o fundamento da alteração na maior paridade de convívio com ambos os progenitores que a “residência alternada” permitirá, arguindo o tempo decorrido desde a fixação dos termos da regulação (praticamente 10 anos), a relação de proximidade existente com o progenitor requerente e o fortalecimento desta, bem como com a família paterna, a actual esposa e filha de três anos de idade com quem o menor se dá muito bem e por quem nutre muito carinho, condições familiares, habitacionais e proximidade física e bom relacionamento no cumprimento pelos progenitores dos termos do acordo, alteração que, em suma, aponta ser no superior interesse do menor.
O tribunal recorrido entendeu que os fundamentos trazidos pelo requerente não são apropriados à alteração requerida, uma vez que não foram trazidos aos autos factos que sustentem uma modificação da realidade que justifique a alteração.
O Ministério Público na resposta que apresentou ao recurso, sustenta que aquilo que o recorrente invoca, na verdade, não é factualidade subsumível a uma “alteração das circunstâncias” antes uma declaração de vontade de que aquilo que agora quer é uma guarda partilhada, deixando de pagar a prestação de alimentos.
Vejamos:
Julgamos inquestionável, tendo em conta que já passaram praticamente 10 anos sobre a homologação do acordo fixado quanto à regulação do exercício da responsabilidade parental, que o quadro circunstancial necessariamente se alterou supervenientemente.
De facto, desde logo, alterou-se a idade do menor, que à data tinha 3 anos de idade e hoje tem 12 anos de idade, o que necessariamente acarreta mudanças na sua vida, na sua vivência e nas suas relações e interesses. Mas também se alterou o contexto familiar do requerente, que, ao que se depreende da sua alegação, voltou a casar e dessa relação nasceu uma filha, irmã do menor, que tem hoje 3 anos de idade, o que naturalmente configura uma situação diversa da existente à data do acordo celebrado 10 anos antes, e que necessariamente se tem de haver como alteração superveniente das circunstâncias existentes à data da homologação do acordo[3].
A questão que se coloca, é, pois, a de saber se tal alteração de circunstâncias importa agora, e de acordo com o superior interesse do menor, com a primazia deste como sujeito de direitos e o seu direito a manter relações estáveis e gratificantes com ambos os progenitores[4], uma alteração do que então ficou estabelecido, maxime quanto à residência do menor ou se ao invés e considerando o quadro vivencial actual e o interesse do menor e sua estabilidade emocional e vivencial, essa alteração não se justifica.
É sabido, como salienta Tomé d`Almeida Ramião, que: «O próprio legislador admite a existência de factos supervenientes que não justifiquem ou tornem necessária a alteração, ao afirmar que «justifiquem a sua revisão” (art.° 988.°/1 do C.Proc.Civ.) ou “tornem necessário alterar o que estiver estabelecido” – n.1. Dito de outro modo, o legislador admite que possam ocorrer factos supervenientes que não justifiquem alterar a regulação das responsabilidades parentais. Donde, nem todos os factos supervenientes a justificam.
Do que se depreende da decisão recorrida, o tribunal considerou que os fundamentos invocados pelo requerente progenitor não eram aptos a justificar qualquer alteração do regime fixado, porquanto para além do mais não tinham sido alegados factos relativos à situação existente aquando da fixação do regime e a nova realidade que justificasse a alteração, mormente quanto à debilitação da aptidão económica do A. para continuar a prestar a mensalidade, ou menor capacidade para cuidar do BB sem a ajuda da esposa.
É certo que dos factos aduzidos pelo requerente resulta também que o regime fixado tem funcionado de forma pacífica e harmoniosa, sem incidentes conhecidos, num cumprimento zeloso do acordo pelos progenitores, com bom senso e diálogo e naturalmente conscientes do benefício da sua flexibilidade e amplitude, aliás prevista na sua cláusula 7- (ao estabelecer que para além dos fins de semana de 15 em 15 dias e ao jantar e pernoita semanal, festividades, aniversários, férias de Páscoa e de verão, o pai privará com o menor sempre que quiser e mediante contacto prévio com a mãe) tem vindo a permitir o estabelecimento de fortes laços de proximidade e afectividade do menor com o pai, que se atribui como “figura de referência na vida do menor”, bem como com a família nuclear paterna onde se inclui a irmã de 3 anos, entretanto nascida do relacionamento do pai com a sua actual mulher, num inquestionado relacionamento salutar e próximo com ambos os progenitores. Tal, todavia, não significa que, se possa afastar in limine a alteração desse regime se circunstâncias supervenientes o justificarem e a mesma puder configurar-se como acrescento significativo para o menor e um benefício positivo para o seu desenvolvimento e equilíbrio emocional, sempre na perspectiva do seu maior interesse.
Como referimos, é inquestionável, a nosso ver, que as circunstâncias que existiam à data em que foi fixado o regime de regulação do poder paternal se alteraram, e alteraram de forma relevante, pois, de facto, passaram quase 10 anos e a idade do menor, circunstâncias de vida, interesses, relacionamentos, desenvolvimento e maturidade, são naturalmente diferentes das existentes naquela altura, como o são, as actuais circunstâncias de vida do progenitor requerente, que entretanto casou e teve uma outra filha, arguindo ter condições pessoais, habitacionais, familiares e económicas para poder actualmente partilhar com a mãe a residência do menor, existir relação afectiva forte do menor com o pai e com a mãe e proximidade das residências de ambos e destas ao estabelecimento de ensino que frequenta, o que, na sua alegação, permitiria um maior convívio do menor para com o progenitor e a irmã, entretanto nascida, a real presença de dois pais na vida da criança e contribuiria para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades parentais entre os progenitores, num regime de igualdade, factores que considera consubstanciarem um motivo ponderoso na alteração requerida para a “residência alternada”, que sustenta como a solução preferencial acolhida na jurisprudência, que cita.
Independentemente da análise teórica de carácter geral sobre as virtualidades desse regime, e de sabermos que a sua maior adequação e justificação concreta, à luz do superior interesse do menor não prescinde da concretização factual de um circunstancialismo que aconselhe a alteração[5], para além de que, sempre diremos, não resultar da lei que a residência alternada tenha sido erigida pelo legislador (cfr. art. 1906º n.6 do CC[6]) como o regime regra ou sequer presunção legal (como se salienta no Ac. da R.G. de 23.03.2023[7] ), e não resultar, na doutrina e jurisprudência, a afirmação unânime da sua absoluta bondade, que aponta benefícios e contraindicações ao regime de residência alternada, como exaustivamente se explana no acórdão supra citado, deste tribunal da Relação, a verdade é que a avaliação requerida sobre o benefício da alteração do regime da residência e da situação que melhor se adequa ao interesse do menor, de acordo com o contexto da sua actual vivência, não prescinde de uma análise aturada sobre a mesma, considerando para além do mais o tempo decorrido ( 10 anos) sobre a sua fixação.
Tal questão, partilha da residência, é a questão fulcral, e é neste âmbito que deve ser aferida, em função do interesse do menor, o fundamento e justificação da alteração requerida, pelo que não acompanhamos o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, na parte em que considerou, para o efeito requerido, a relevância da falta de alegação da diferença de rendimentos do pai no momento da fixação do regime e no actual, visto que a questão da prestação de alimentos não é a questão nuclear (não está em causa a sua cessação ou modificação por alteração da situação financeira daquele), mas subsidiária em relação ao regime de residência, que se visa alternada; ou da menor capacitação deste para cuidar do menor naquela altura; o que evidencia também que, em nosso entender, não se justificava qualquer convite ao aperfeiçoamento, já que se bem vemos, não padece o requerimento inicial de deficiências formais ou processuais, tendo sido alegados os factos essenciais nos quais assenta a sua pretensão, o que torna despiciendas quaisquer outras considerações sobre a arguida nulidade feita a propósito desta questão.
Diz-nos o n.4 do artigo 42º do RGPTC, que junta a alegação do requerido ou findo o prazo da mesma, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo condenando em custas o requerente.
E, foi no pressuposto dessa ausência de fundamento para a alteração, que na decisão recorrida foi determinado o arquivamento dos autos.
Não podemos, no entanto, e como já se anuncia do que vimos de expor, subscrever tal arquivamento liminar, o qual pressupõe um juízo valorativo que se terá de impor com evidência sobre a falta de fundamento ou desnecessidade da pretensão.
Como se refere no Ac. RP de 15.05.2020, processo 5874/17.3T8MTS-B.P1, in www.dgsi.pt «A decisão de arquivamento do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais prevista no nº 4 do artigo 42º da Lei nº 141/2015, de 8.09 (que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível) deve filiar-se num juízo valorativo assente em factos que, objectivamente analisados, permitam concluir que essa alteração se revela, em concreto, infundada ou desnecessária tendo em conta o superior interesse da criança.»
É certo que o regime fixado há praticamente 10 anos, tem, segundo o alegado e que não se vislumbra contraditado, funcionado de forma pacífica e harmoniosa, tem permitido um regime de convívios livre, próximo, saudável e gratificante do menor com o pai, com quem aquele mantém uma relação afectiva de proximidade e confiança, e com a sua actual esposa e com a irmã de 3 anos- fruto desse relacionamento- e restante família paterna, e proporcionado o estabelecimento adequado de laços de afetividade, o que em abstracto poderia conduzir à ilação da inexistência de fundamento para alterar o regime vigente, uma vez que o modelo actual funciona bem e ao que tudo indica sem incidentes.
Todavia, perante a alegada e indubitável alteração das circunstâncias do contexto de vida, seja em função da idade do menor e reflexos desta, seja vivencial do pai e família com o seu casamento e nascimento de uma irmã do menor, e desejo do requerente em acompanhar mais de perto o menor no seu crescimento pessoal e educacional, não poderá em nosso entender concluir-se, sem mais, e pelo menos sem que tivessem sido efectuadas diligências instrutórias prévias destinadas a habilitar o tribunal, com base em dados objectivos concretos sobre o contexto actual de vida do menor e dos seus progenitores e funcionamento do modelo estabelecido, bem como, desde já adiantamos, com a perspectiva do menor relativamente à dita alteração, pela inexistência de fundamento ou desnecessidade da requerida alteração, por não existirem pressupostos fácticos suficientemente apurados que nos permitam concluir que tal decisão de arquivamento seja conforme ao superior interesse deste.
E, sob este conspecto, não podemos deixar de acentuar que considerando a natureza deste processo como de jurisdição voluntária (como vem consagrado no art.º 12º do RGPTC), o julgador não está sequer sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto, conhecendo de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas partes, tendo em vista o superior interesse do menor, enquanto critério orientador de qualquer decisão a tomar (cfr. arts. 986.º, n.º 2 e 987.º do Código de Processo Civil).
Nessa medida, é a própria lei que salvaguardando a necessidade de um maior apuramento das circunstâncias concretas subjacentes ao pedido de alteração tendo em vista a aferição do seu fundamento/ou falta dele e ou desnecessidade, prevê a possibilidade de serem realizadas as diligências que forem tidas como necessárias e adequadas à tomada de decisão sobre o arquivamento ou prosseguimento dos autos, conforme decorre do n. 6 do artigo 42º do RGPTC, sabendo-se, é certo, que o prosseguimento de pedido infundados ou desnecessários, sobretudo em casos de desacordo dos progenitores, poderá ser um factor de instabilidade, de potencial conflito e de desestabilização, bem como de retardamento inútil.
Ora, é exactamente no âmbito desse normativo que, considerando a situação dos autos, entendemos que deveriam ter sido encetadas diligências instrutórias que permitiriam maior concretização dos fundamentos da alteração e apuramento do contexto de vida actual dos progenitores e do menor, sua inserção, relacionamentos, estabilidade emocional e vivencial e desenvolvimento integral, dado o tempo decorrido desde a fixação do regime vigente, bem como e com especial enfoque, a audição do menor, dada a sua idade (12 anos), salvo algum impedimento devidamente explicitado, para que possa expressar a sua opinião quanto a tal matéria, a qual lhe diz directamente respeito e sobre a qual tinha e tem o direito de se pronunciar, para no alcance de tal perspectiva, ser possível ao tribunal tomar de forma sedimentada a decisão que se impunha quanto ao fundamento do prosseguimento dos autos, ou da falta deste.
É inquestionável o reconhecimento nas normas de direito nacional (de que são exemplo o disposto nos artigos 4º n. 1, al. c), 5º, ns. 1 e 2, 35º n.3, do RGPTC) e internacional[8], do direito da criança a ter voz no processo, a poder pronunciar-se sobre as questões que directamente lhe digam respeito e que possam condicionar o seu modo de vida, como se salienta no exaustivo e elucidativo Ac. R.L. de 10-11-2022[9] para o qual remetemos em maior abordagem da questão, e que não se limita à tomada de declarações como meio de prova (n. 6 do artigo 5º), mas que tem a sua tónica no direito a ser ouvida, participar e a emitir a sua opinião livre relativamente às decisões que directamente lhe digam respeito e que possam afectar a sua vida, considerando naturalmente a sua idade e nível de maturidade para as compreender, como o é, a possibilidade de ver alterado o modo fixado da sua residência e cujo arquivamento precoce dos autos de alteração, in casu, privou o menor de ser ouvido sobre essa questão.
Destarte e com todo o respeito, não podemos acompanhar a decisão do tribunal recorrido, que, perante os fundamentos de facto alegados e sem que fossem realizadas quaisquer diligências instrutórias, concluiu liminarmente pela falta de fundamento da alteração requerida, procedendo ao arquivamento dos autos nos termos do citado artigo 42º n.4, impondo-se, ao invés e conforme acima evidenciámos, que os autos prossigam e que nesta fase liminar, ao abrigo do n. 6 do artigo 42º do RGPTC, sejam averiguados os pressupostos de facto necessários a habilitar o tribunal a proferir uma decisão que se mostre conforme com o interesse do menor quanto aos pressupostos do prosseguimento da providência tutelar requerida, e para a qual se impõe, face ao tempo decorrido desde que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais (cerca de 10 anos):
ð que seja determinada a elaboração de um relatório ao ISS com informação concretizada sobre o modo como tem decorrido a execução do aludido acordo, nomeadamente:
i) quanto à forma como têm decorrido os convívios da criança com o progenitor e seu relacionamento com os elementos desse agregado familiar (sua meia irmã e com a actual esposa do pai);
ii) com visita domiciliária, acerca das atuais condições habitacionais e sócio familiares do actual agregado do progenitor;
iii) vinculação da criança a cada um dos progenitores;
iv) desenvolvimento emocional e integração social e escolar do menor;
v) condições habitacionais e sócio familiares da progenitora.
ð que seja determinada a audição do menor para que possa ser pronunciar-se sobre a alteração requerida.
ð e, bem assim, as demais diligências instrutórias que o tribunal possa entender por pertinentes à aferição requerida.
Aqui chegados e face a todo o exposto, considerando ter sido alegado um quadro fáctico que consubstancia uma alteração superveniente das circunstâncias e impondo-se, face ao tempo decorrido sobre a regulação das responsabilidades parentais, a realização de diligências instrutórias que permitam, de forma sustentada e na posse dos elementos fácticos pertinentes quanto ao contexto dos factos alegados, habilitar o tribunal a proferir decisão quanto ao prosseguimento dos autos, deverá proceder o recurso e os autos prosseguir na primeira instância, devendo o Tribunal proceder à realização das diligências instrutórias que acima ficaram elencadas nos termos do art.º 42º, n.º 6 do RGPTC .
*
V. Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos com a realização das diligências instrutórias acima determinadas, nos termos do artigo 42º n. 6 do RGPTC e, designadamente, elaboração de relatório social com o objecto aí especificado e audição do menor.
Custas pela apelada.
[1] Processo 39/19.2T8MLG-A.G1, in www.dgsi.pt [2] Cfr. Ac. da RG de 10/07/2019 (relatora EugéniaCunha), in www.dgsi.pt. e João Nuno Barros, Regime Geral do Processo Tutelar Cível (…), p. 344. [3] Cfr. a propósito Ac. da Relação de Coimbra de 30.05.2023, processo 1362/18.9T8CLD-A.C1, da relatora Maria João Areias, in www.dgsi.pt [4] Cfr. Acórdão do TRP de 27-06-2022, disponível in www.dgsi.pt. [5] Como se refere no Ac. deste tribunal da Relação de Guimarães de 23.03.2023, in www.dgsi.pt “A prossecução do interesse do menor acarreta que o julgador proceda à sua concretização em face do circunstancialismo concreto, e não de um qualquer modelo estereotipado, recorrendo para o efeito aos valores familiares, educativos e sociais que, sendo dominantes em dado momento, informam a vivência do menor e permitem determinar as necessidades e as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral” [6] “6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.” (negrito nosso) [7] Processo 39/19.2T8MLG-A.G1, in www.dgsi.pt [8] Cfr. a propósito e entre outros, o artigo 12º Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 (Resolução da Assembleia da República 20/90, de 12 de Setembro e Decreto do Presidente da República 49/90, de 12 de setembro); art.º 3.º, alínea b) e 6.º, alínea b), §3 da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança de 25 de Janeiro de 1996 (Resolução da Assembleia da República 7/2014, de 13 de Dezembro de 2013, e Decreto do Presidente da República 3/2014, de 27 de Janeiro). [9] Processo 3007/22.3T8LRS-B.L1-6, in www.dgsi.pt