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LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
CESSÃO DE CRÉDITO
EMBARGOS DE EXECUTADO
FACTOS ESSENCIAIS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
I - Cedido o crédito resultante do negócio subjacente à subscrição da livrança, igualmente esta se transmite como acessório de garantia do pagamento do crédito. II – Quando é emitida uma livrança em branco é porque houve, prévia ou simultaneamente à sua emissão, um acordo quanto ao critério do preenchimento e pelo qual as partes ajustaram os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária. III – Pretendendo opor-se à execução, recai sobre o embargante o ónus de alegação e prova da relação subjacente à emissão do título cambiário bem como dos factos concretos integradores do preenchimento abusivo da livrança. IV – Não se mostrando cumprido esse ónus de alegação dos factos essenciais e constitutivos dos fundamentos de embargos - falta de factos relativos quer à relação causal quer ao pacto de preenchimento -, os embargos devem ser liminarmente indeferidos, não havendo lugar ao convite ao aperfeiçoamento.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
Inconformada com a decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado, veio a embargante AA dela interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões:
I. A douta decisão “a quo” considerou demonstrado factos que, na óptica da Recorrente não poderia ter sido dado como assentes, por não ter sustentação nos documentos juntos, do que resultou uma visão incorrecta da realidade em desfavor da Recorrente.
II. O Tribunal a quo considerou que os contratos de cessão de créditos juntos nos autos comprovam a transmissão do crédito por cessão. Entende a recorrente que não, conforme aliás, alegou.
III. Em nenhum dos contratos de cessão de créditos (transmissão de créditos entre o Banco 1... e a Sociedade EMP01..., S.A (anterior EMP02...); desta última operou-se uma cessão de créditos para a sociedade EMP03..., S.A.R.L.; desta para a sociedade EMP04..., S.A.R.L., e por último desta ara a exequente nos autos) não resulta a identificação de qualquer crédito sobre a executada, pois não consta desses documentos a identificação ou menção de nenhum dos executados.
IV. E do documento n.º 4 não se vislumbra a correspondência entre os créditos cedidos e o contrato identificado no requerimento executivo. Ou seja, quanto à descrição do contrato aparece apenas um número, não se sabendo sequer que tipo de contrato se trata, não bastando a mera referência para um documento, que nem sequer foi junto.
V. Pelo que, perante estes documentos por si só, não se vislumbra a cessão de um crédito onde esteja inserida alguma dívida dos executados.
VI. Pelo que, esteve mal o tribunal ao considerar esta matéria como assente, uma vez que os contratos de cessão juntos não comprovam a transmissão do crédito, devendo essa matéria ser sujeita a discussão.
VII. Entendeu o tribunal a quo que a recorrente limita-se a invocar genericamente o abuso no preenchimento da livrança, de forma vaga e conclusiva.
VIII. Analisando os embargos, verifica-se que a embargante alegou que a livrança foi entregue em branco, sem valor, sem data de vencimento e sem pacto de preenchimento, refere ainda que não sabe a data de resolução do contrato associado à livrança, se é que ocorreu e se deve algum valor.
IX. Embora, efectivamente não tenha sido muito precisa, mostram-se pelo menos alegados factos suficientes para que se entenda a causa de pedir e o que se pretende, ou seja que houve abuso de preenchimento da livrança e que esta foi preenchida de forma arbitrária. Não sendo destituída de qualquer alegação, que possam configurar uma ineptidão.
X. Não esquecendo que, a oposição à execução mediante embargos de executado embora seja uma acção declarativa, está ligada à acção executiva, pela qual o executado pretende impedir a produção dos efeitos do título executivo.
XI. E que nos auto não se encontra junto o contrato que terá dado origem à livrança, bem como não está junto qualquer pacto de preenchimento. Perante a ausência desses elementos tornava-se complicado à embargante concretizar muito mais.
XII. Chama-se à colação uma situação em todo idêntica à dos autos e que mereceu o seguinte entendimento pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo n.º 5118/22.6T8VNF-B.G1, de 07-12-2023 “Tendo sido invocada, na petição de embargos, a excepção «abuso de preenchimento» da livrança dada à execução alicerçada na alegação factual e concreta de que «a livrança foi preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco, e sem o consentimento do Embargante» e de que «nem deu qualquer autorização para o seu posterior preenchimento», o Embargante/Recorrente deu efectivo cumprimento ao ónus de alegação factual que sobre si recai, deduzindo um fundamento de embargos de executado que se enquadra no âmbito de previsão do art. 731º do C.P.Civil de 2013, e que depende de demonstração probatória, pelo que, em consequência, jamais pode, em sede liminar, qualificar este fundamento como manifestamente improcedente.
XIII. De todo o modo, caso o Tribunal considerasse que os factos alegados não eram suficientes, sempre teria de haver convite a aperfeiçoamento do articulado dos embargos de executado. Não o tendo feito, o Tribunal violou o artigo 590.º, n.º 4 do CPC, o que implica a existência de uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, também do mesmo diploma legal.
XIV. Refira-se ainda que a embargante alegou que a falta de dados concretos por parte da exequente, quanto à data de incumprimento mostra-se fundamental para a verificação de eventual prescrição cambiária. E que certamente essa data não coincidirá ainda com a data de preenchimento. O que se deduz atendendo a que alegadamente valor de juros de mora é muito superior ao próprio capital. O que impede a sua defesa nessa questão. Mostra-se assim, por uma questão de justiça, essencial discutir a presente causa.
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A Recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
São três as questões a apreciar:
- se os documentos juntos com o requerimento inicial são suficientes para demonstrar a transmissão do crédito por cessão;
- se foi cumprido o ónus de alegação dos factos integrativos do abuso de preenchimento da livrança;
- se há necessidade de apurar os factos relativos à data de incumprimento.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos
Na primeira instância foram considerados assentes os seguintes factos relevantes:
1. A Exequente EMP05... – Stc, S.A. instaurou a execução para pagamento da quantia de 18 337,90 € (Dezoito Mil Trezentos e Trinta e Sete Euros e Noventa Cêntimos) contra BB e AA.
2. Como título executivo apresentou a livrança emitida pelo Banco 1... subscrita em 22/07/2014 pelos Executados, no montante total de 18.313,93€, com data de vencimento em 25/03/2024, cujo original foi junto à execução em 09-05-2024.
3. No requerimento executivo a Exequente alegou, para justificar a sua legitimidade:
« 1.º - Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 20 de Dezembro de 2015, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução ao Banco 1..., S.A. e na sequência da qual foi constituída a sociedade EMP01..., S.A. (inicialmente designada por “EMP02...”), tendo-se determinado a transferência para a mesma, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., S.A., ao abrigo do disposto nos artigos 145.º-E, 145.º -G e 145.º- H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o artigo 17.º -A da Lei Orgânica do Banco de Portugal.
2.º - A EMP01..., S.A. foi, assim, investida na posição de titular dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 1..., S.A. - cf. artigo 412.º do CPC.
3.º - Por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2016, a EMP01..., S.A. cedeu à sociedade EMP03..., S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os ora Executados AA e BB, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes – cfr. Contrato de cessão de créditos que ora se protesta juntar como Doc. n.º 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
4.º - A carteira de créditos objeto de cessão inclui o Contrato n.º ...43 com a referência interna n.º ...89.
5.º - Posteriormente, por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2022, a EMP03...., cedeu à sociedade EMP04..., essas mesmas responsabilidades bancárias - cf. Contrato de cessão de créditos que ora se protesta juntar como Doc. n.º 2, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
6.º - Por fim, por contrato de cessão de créditos outorgado em 29 de Junho de 2022, a EMP04.... cedeu-os à sociedade EMP05... - STC, S.A., ora Exequente, sendo por isso a actual titular do direito de crédito, tendo-lhe sido transmitidas todas as garantias e acessórios do mesmo, incluindo, indemnizações e outras obrigações e, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações - cf. Contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. n.º 3, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
7.º - A responsabilidade bancária ora reclamada integra o perímetro da cessão e encontra-se identificada na linha 8723 da base de dados extraída do CD corresponde ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a EMP01..., S.A. e a EMP03..., S.A.R.L., ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a EMP03..., S.A.R.L. e a EMP04...., e ao Anexo 3 (“Empréstimos”) do “Contrato de Compra e Venda” celebrado entre a EMP04.... e a EMP05... - STC, S.A., ora Exequente, cfr. print referente ao contrato aqui em crise que se junta como Doc. n.º 4.»
4. Com o requerimento executivo a Exequente juntou: como Doc. n.º 1 o contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2016, pelo qual a EMP01..., S.A. cedeu à sociedade EMP03..., S.A.R.L. o crédito sobre os Executado(a)(s); como Doc. n.º 2 o contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2022, pelo qual a EMP03...., cedeu à sociedade EMP04... o crédito sobre os Executado(a)(s); como Doc. n.º 3 o contrato de cessão de créditos outorgado em 29 de Junho de 2022, pelo qual a EMP04.... cedeu à sociedade EMP05... - STC, S.A. o crédito sobre os Executado(a)(s).
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3.2. O Direito 3.2.1. Da transmissão do crédito
A embargante começa por considerar que não devia o tribunal a quo ter dado como assente a transmissão de créditos para a exequente, uma vez que os contratos de cessão juntos aos autos não comprovam essa transmissão.
Não lhe assiste razão.
A exequente no requerimento executivo explanou toda a sucessão de transmissões, juntando para o efeito a respetiva documentação das cessões de crédito celebradas.
Das mesmas decorre que:
Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 20 de Dezembro de 2015, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução ao Banco 1..., S.A. e na sequência da qual foi constituída a sociedade EMP01..., S.A. (inicialmente designada por “EMP02...”), tendo-se determinado a transferência para a mesma, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., S.A., ao abrigo do disposto nos artigos 145.ºE, 145.º -G e 145.º- H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o artigo 17.º -A da Lei Orgânica do Banco de Portugal.
A EMP01..., S.A. foi, assim, investida na posição de titular dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 1..., S.A.
Por contrato de cessão de créditos celebrado a ../../2016, a EMP01..., S.A. cedeu à sociedade EMP03..., S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os Executados AA e BB, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes.
Posteriormente, por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2022, a EMP03...., cedeu à sociedade EMP04..., S.A.R.L, as mesmas responsabilidades bancárias.
Por sua vez, por contrato de cessão de créditos celebrado a ../../2021, a EMP04..., S.A.R.L, cedeu à exequente EMP05... – STC, S.A., os créditos que detinha sobre os executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas.
Resulta, pois, manifesta a transmissão do crédito para exequente operada com as cessões de créditos.
Nesta conformidade e, em consequência, irreleva a alegação da recorrente de que não resulta a identificação de qualquer crédito sobre a executada, por não constar desses documentos a identificação de nenhum dos executados. Irreleva, desde logo, por constar expressamente da medida de resolução ao Banco 1... que se operava a transferência para a EMP01..., S.A, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., depois porque os contratos de cessão fizeram-se acompanhar da listagem dos créditos, onde se inclui o contrato aqui em causa.
Com a transmissão do crédito transmitiu-se a livrança que a mesma cauciona.
Com efeito, cedido o crédito resultante do negócio subjacente à subscrição da livrança, igualmente esta se transmite como acessório de garantia do pagamento desse crédito.[1]
A letra e a livrança podem ser validamente transmitidas a terceiros, quer através do endosso, quer mediante cessão ordinária de créditos (arts. 77.º e 11.º da LULL), sendo esta a única forma de transmissão caso tenham inscritas as palavras “não à ordem” ou expressão equivalente.
Por conseguinte, uma vez que os contratos de cessão juntos comprovam a transmissão do crédito por cessão, é a Exequente a legítima portadora da livrança oferecida à execução, e pode acionar os seus subscritores pelo seu não pagamento.
3.2.2. Preenchimento abusivo da livrança
Alega a embargante que a livrança terá sido entregue em branco, sem valor, sem data de vencimento e não sabendo se existiu ou não pacto de preenchimento, referindo ainda que não sabe a data de resolução do contrato associado à livrança, se é que ocorreu, e se deve algum valor.
A alegação da Embargante, como bem identifica a sentença, apresenta-se de forma abstrata, conclusiva, hipotética e interrogativa, não permitindo alcançar e compreender, por referência à relação fundamental causal, que a livrança por si subscrita em branco foi preenchida de forma divergente com o pacto de preenchimento.
Ora, quem assina um título em branco tem, ou deve ter, a consciência de que aquele documento se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a entidade que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade.[2]
Donde, não basta ao subscritor que admite ter assinado a livrança limitar-se a afirmar de forma genérica que o preenchimento foi abusivo, sem especificar em que termos se concretiza esse abuso (ou ainda, como no caso, dizer que desconhece a existência de um pacto e que o preenchimento pode ter sido abusivo).
A situação dos autos, contrariamente ao afirmado, é distinta da relatada no acórdão desta Relação de 07.12.2023, processo n.º 5118/22.6T8VNF-B.G1, citado pela recorrente, pois que aí o abuso de preenchimento da livrança alicerçava-se na alegação factual e concreta de que «a livrança foi preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco, e sem o consentimento do Embargante».
É este segmento essencial da falta de consentimento, tratada naquele aresto, que aqui a embargante não assegura, pretendendo permanecer num limbo de dúvida, com o fito de beneficiar de um «provável abuso de preenchimento». As coisas não são assim.
Como explica Pedro Pais de Vasconcelos “É típico que a livrança em branco tenha por preencher o montante e a data do vencimento. Não tem de ser sempre assim, mas é assim que sucede na normalidade dos casos”[3]. E acontece porque, em muitos casos não é possível prever, ao tempo da concessão do crédito, qual virá a ser o seu valor ao tempo do vencimento e só ao tempo do vencimento se apura, se liquida, o montante em dívida[4].
Pode haver letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento, mas quando o haja, o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. Nisto se traduz o contrato de preenchimento, que é o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, o tempo de vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, e outras condições relativas ao seu conteúdo.[5]
Na situação presente, assume a embargante ter entregue e assinado como subscritora a livrança, assim como assume a embargada ter preenchido o título quanto ao valor e data de vencimento.
Sempre que é emitida uma livrança em branco tem que ter havido, prévia ou simultaneamente à sua emissão, um acordo quanto ao critério do preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular, uma convenção executiva e designa-se por “pacto de preenchimento”, como bem afirma Pedro Pais de Vasconcelos[6].
A defesa da embargante para vingar só poderia ter por fundamento o desajuste quanto ao pacto de preenchimento.
Impondo-se-lhe a alegação do negócio jurídico que constitui a relação fundamental causal extracambiária, se a celebração desse negócio extracambiário e a subscrição da livrança em branco foi acompanhada de pacto de preenchimento e qual o teor específico desse pacto de preenchimento e, por último, o relato descritivo e factual sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento da relação fundamental e a sua conjugação com o teor do pacto de preenchimento.
Esse ónus, que lhe competia, não foi cumprido.
Assim, impõe-se concluir como na sentença, de que a alegação apresentada pela Embargante não permite alcançar que a livrança por si subscrita em branco foi preenchida de forma divergente com o pacto de preenchimento, de que resulta não ter a alegação a virtualidade processual de obstar à cobrança coativa da obrigação cambiária de que a embargante é devedora de acordo com a literalidade do título executivo, título de crédito por si subscrito.
Tratando-se de falta de factos (e não insuficiência de factos), quer os relativos à relação causal quer ao pacto de preenchimento, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.
Como decidiu a Relação de Coimbra, no acórdão de 25.10.2024 “Pretendendo o embargante invocar meios de defesa com base na relação causal e nos acordos outorgados com vista ao preenchimento da livrança, deverá, sob pena de indeferimento liminar dos embargos, alegar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito que o exequente pretende exercer. O ónus de alegação dos factos essenciais e constitutivos dos fundamentos de embargos, não pode ser suprido nem por despacho de aperfeiçoamento, nem por eventual contestação que venha a ser oposta pelo exequente (à semelhança da possibilidade prevista para as petições iniciais, no artº 186º, nº 3 do C.P.C.), uma vez que a sua existência é condição prévia de admissão dos embargos.”[7]
3.2.3. Necessidade de apurar os factos relativos à data de incumprimento.
Sustenta, por último, a embargante que alegou a falta de dados concretos por parte da exequente quanto à data de incumprimento, se houve ou não resolução, o que se mostra fundamental para a verificação de eventual prescrição cambiária.
Inverte a embargante a posição dos intervenientes, quanto à repartição do ónus da prova.
Estando em causa uma execução cambiária não tinha a exequente de provar a relação subjacente, bastando-lhe apresentar o título de crédito assinado pela executada.
Sobre a devedora recaía, em sede de oposição à execução, alegar e provar a inexistência da obrigação fundamental, ou os seus diferentes termos, para se isentar da responsabilidade resultante da subscrição da letra.[8]
Com efeito, é isento de controvérsia que numa execução baseada numa livrança que reúna os requisitos previstos na Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, o exequente não carece de alegar no requerimento executivo a relação fundamental subjacente à emissão do título, porque a obrigação do executado é formal e abstrata, decorre de ter aposto a sua assinatura no título. Caso a livrança se encontre no domínio das relações imediatas, pode o subscritor defender-se por embargos de executado, alegando a inexistência de dívida, a inexigibilidade do valor reclamado ou qualquer outra circunstância capaz de neutralizar o título, cabendo-lhe a prova dos pertinentes factos.
Ou seja, nos embargos de executado não é o embargado que tem o ónus da prova do seu crédito mas sim o embargante que tem o ónus da prova dos fundamentos pelos quais sustenta que o crédito não existe ou é inexequível.
Para tal sobre si recai o ónus de alegação desses factos.
Alegação que a embargante não fez.
Nestes termos, bem andou a decisão recorrida em indeferir liminarmente os embargos de executado deduzidos pela embargante, ao abrigo do disposto no artigo 732.º, nº1, alínea c), do CPC.
Improcede, pois, a apelação.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
[1] Neste sentido, o acórdão do STJ de 22.11.2016, disponível em www.dgsi.pt. [2] Acórdão da Relação do Porto de 18.03.2024, processo nº 4179/22.2T8VLG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. [3] In Revista de Direito Comercial 2018-03-09 – Aval em Branco, págs. 367 e segs. [4] Acórdão do STJ de 18.02.2020, processo nº11901/18.0T8PRT-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [5] Lei Uniforme sobre Letras e Livranças anotada de Abel Pereira Delgado, anotação ao art. 10. [6] Ob. cit. pág. 387. [7] Proferido no Processo nº 97/24.8T8SRE-A.C1 e disponível em www dgsi.pt. [8] Neste sentido, Acórdão do STJ, de 14.09.2021, disponível em www dgsi.pt.