DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
AÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO CONTRA ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário


1 – Não existe fundamento para declarar a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide se a declaração de insolvência do réu já tinha sido proferida quando foi proposta a ação indemnizatória contra aquele réu na qualidade de administrador de uma sociedade, com fundamento no disposto no art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais, estando tal facto alegado na petição inicial.
2 – Tal responsabilidade não pode ser afirmada em relação a quem, tendo sido administrador, havia já renunciado às suas funções, ainda que o facto da renúncia não conste do registo comercial, pois que, não tendo aquela qualidade, não podiam já praticar atos de administração lesivos dos credores sociais, pressuposto da responsabilidade extracontratual a que se reporta aquela norma.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base na sentença da 1.ª Instância):
EMP01..., S.L., intentou contra:
1.º EMP02..., S.A.,
2.º AA,
3.º BB,
4.º CC,
5.º EMP03..., Lda., e
6.º DD
a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, na qual pede que:
a) seja declarado nulo o negocio jurídico alegado no art.º 17.º da petição inicial e, por via disso, a transmissão dos bens móveis operada entre 1.ª e a 5.ª rés;
b) seja declarado nulo o negocio jurídico alegado no art.º 41.º da petição inicial e, por via disso, a transmissão da cessão de posição contratual entre a 1.ª e 5.ª rés;
c) seja ordenado o cancelamento do registo da cessão de posição contratual alegada no art.º 41.º da petição inicial, a favor da 5.ª ré, em relação a imóvel registado na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...17, e bem assim de todos os subsequentes que se venham a verificar.
Subsidiariamente, pede que:
d) seja declarada ineficaz a transmissão dos bens móveis relativos ao contrato de compra e venda alegado no art.º 17.º da petição inicial, operadas entre a 1.ª e 5.ª rés; e
e) se reconheça que tem direito à restituição dos bens móveis ao património da 1.ª ré, na medida do seu direito de crédito, tendo ainda a possibilidade de os executar, nos termos do art.º 616.º, n.º 1, do Código Civil (doravante C. Civil), no património do obrigado à restituição;
f) seja declarada ineficaz a transmissão da posição contratual relativa ao acordo alegado no art.º 41.º da petição inicial, operado entre a 1.ª e a 5.ª rés; e
g) se reconheça que tem direito à sua restituição ao património da 1.ª ré, na medida do seu direito de crédito, tendo ainda a possibilidade de a executar, nos termos do art.º 616.º, n.º 1, do C. Civil, no património do obrigado à restituição;
cumulativamente com todos os pedidos anteriores, pede que:
h) sejam os 2.º, 3.ª, 4.º e 6.º réus condenados solidariamente com a 1.ª ré até à concorrência do valor real económico de cada transmissão alegada nos art.ºs 17.º e 41.º da petição inicial, de participação social em que intervieram com o seu direito de crédito, que ascende à presente data a € 1.191.989,03, a que acresce juros à taxa legal contados desde a data da propositura da ação e até integral pagamento.
            Alega, para tanto e em síntese, que, por via de relações comerciais entre ambas estabelecidas, é credora da 1.ª ré, no montante de € 893.118.00, acrescido de juros de mora, da qual esta se confessou devedora, em 1 de junho de 2014, crédito esse que já foi judicialmente reconhecido.
            Mais alega a autora que a 1.ª e a 5.ª ré, administradas, respetivamente, pelos 2.º, 3.º e 4.º réus e pelo 6.º réu, em conluio e com o objetivo de ocultar o património da 1.ª ré, em seu prejuízo e de todos os demais credores, simularam a venda de bens móveis e a cessão de posição contratual no leasing relativo às instalações da 1.ª ré.
            Esses negócios foram celebrados de má-fé e dos mesmos resultou prejuízo para a garantia patrimonial do crédito da autora, já que, em resultado dos mesmos, se viu impedida de obter a satisfação do seu crédito no processo de insolvência em que foi visada a 1.ª ré.
Todos os negócios jurídicos de compra e venda de bens móveis e acordo de cessão de posição contratual em contrato de atrás assinalados e enquadramento factual dos mesmos, foram realizados em conjugação de esforços e de vontades entre as partes neles intervenientes com o propósito de prejudicar os seus credores, incluindo a autora, pelo que cada um dos 2.º, 3.ª, 4.º e 6.º réus responde civil e solidariamente com a 1.ª ré até à concorrência do valor económico real de cada um dos negócios simulados e do seu crédito.
Os réus EMP03..., Lda. e DD contestaram, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial e invocando as exceções de ilegitimidade ativa, de falta de capacidade judiciária da ré EMP02..., de ilegitimidade passiva e de prescrição.
O réu AA contestou, por sua vez, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial, invocando as exceções de abuso de direito, de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade da 1.ª ré, do 2.º réu, da 3.ª ré, do 4.º réu e do 6.º réu, de preterição de litisconsórcio necessário e de inoponibilidade da nulidade dos negócios invocados pela autora.
Os réus BB e CC contestaram, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial e invocando as exceções de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade passiva da 3.ª ré e do 4.º réu, de preterição de litisconsórcio necessário e de prescrição.
A autora exerceu o contraditório relativamente às exceções invocadas pelos réus nas respetivas contestações, pugnando pela sua improcedência.
Por despacho de 31/03/2020 foi a autora convidada a requerer a intervenção principal provocada de Banco 1....
A autora requereu então a intervenção principal da Banco 1..., que foi admitida por despacho de 04/09/2020.
A interveniente Banco 1... contestou, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial e invocando as exceções de ineptidão da petição inicial, de falta de personalidade e de capacidade judiciária da 1.ª ré, de ilegitimidade da autora e da 1.ª, 2.º, 3.ª, 4.º e 6.º réus, de incompetência do Tribunal em razão da matéria e de prescrição.
Por despacho datado de 06/11/2020 foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência em razão da matéria, de ineptidão da petição inicial, de falta de personalidade e de capacidade judiciária da 1.ª ré, de ilegitimidade ativa e de ilegitimidade passiva, relegando-se para a decisão final a apreciação das exceções perentórias de abuso de direito, de inoponibilidade a terceiros da nulidade dos negócios jurídicos e de prescrição.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e foi então proferida sentença nos seguintes termos:
a) Julgo extinta a instância, por impossibilidade da lide, no que se refere ao pedido formulado na alínea h) da Petição Inicial contra o 2.ª Réu, AA;
b) Julgo, no mais, improcedente a ação e, em consequência, absolvo os Réus do pedido. com observância do formalismo legal”.
Inconformada, veio a autora apresentar recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
[…]
66.º Da matéria de Direito:
I) Da inutilidade da lide em relação ao 2.º R.:
Tendo sido indeferido o pedido de exoneração do passivo, a declaração de insolvência mostra-se manifestamente inócua, incorrendo a sentença “a quo” em manifesto erro de direito e de interpretação e aplicação das normas jurídicas, ut artigos 235.º e 236.º, do CIRE.. Assim, o Ac. TRP, DE 03/06/2024, P. 1330/20.0T8PVZ.P1, Relator: Anabela Morais, in www.dgsi.pt.
67.º II) Dos efeitos do registo:
Nos termos dos artigos 25.º, do C.P.C., 166.º, do C.S.C., 3.º, n.º 1, al. m) e 14.º, do C.R.C., os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo, cfr. Ac. TRL, de 30/06/2009, P. 8763/2008-1, Relator: Afonso Henrique, in www.dgsi.pt.
68.º Ora, o Tribunal “a quo” ao considerar que os 3.º e 4.º R.R. não representavam a 1.ª R., por força da alegada renuncia à gerência, incorreu em erro na aplicação do direito e interpretação das normas jurídicas, já que face à aqui Recorrente nenhum efeito lhe poderia ser imputado.
69.º III) Do exercício de funções de administração de facto:
Nos termos do artigo 64.º, do C.S.C. são deveres fundamentais dos gerentes ou administradores da sociedade: “1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.”.
70.ºUm administrador de direito que não exerce, de facto, está, por opção, ou seja, com dolo, a não exercer o dever de cuidar, ao menos na modalidade do dever de controlo, com gravidade acrescida em situação de dificuldades em que o cenário de insolvência é um dos possíveis, cfr. entre outros o Ac. TRL, de 23/03/2021, P. 1396/11.4TYLSB, Relator: Fátima Reis Silva, in www.dgsi.pt “.
71.ºA opção de se manter inativo e nada fazer viola lei imperativa, não é uma opção legítima e não funciona como causa de exclusão de responsabilidade. Por essa razão tem sido entendido de forma unânime pela jurisprudência que a equiparação dos administradores de direito aos administradores de facto prevista n.º 2 e 3 do art.º 186.º do CIRE não visa isentar de responsabilidade os gerentes de direito que não exerçam as funções de facto, mas, pelo contrário, visa estender a responsabilidade legal aos atos praticados pelos administradores de facto – cfr. neste exato sentido, Acs. TRP de 26/11/19 (Lina Baptista), de 22/10/19 (Vieira e Cunha), de 10/12/19 (Aristides Rodrigues de Almeida), TRC de 11/10/16 (Maria João Areias), frisando que a circunstância de um administrador se alhear da administração não o isenta do cumprimento das obrigações legais correspondentes, em especial se a respetiva violação se concretizar em comportamento por omissão) e de 20/09/16 (também relatado por Maria João Areias), concluindo pela afetação de um administrador de direito que esteve nomeado cerca de um ano num caso de violação do dever de manter a contabilidade organizada e de falta de colaboração com o Administrador da Insolvência, de 14/04/2015 (Anabela Lunda de Carvalho), e TRG de 21/05/20 (Anizabel Pereira), de 05/03/20 (Rosália Cunha) e de 02/05/19 (Margarida Sousa).”.
72.º IV)Dos pressupostos da simulação:
Da materialidade tida como demonstrada resultou que, pese embora a formalização de contratos onerosos, os mesmos foram gratuitos, uma vez que não se comprovou o recebimento por parte da 1.ª R., do valor acordado correspondente, para além de todos os demais indícios supra explanados, tais como a inexistência prévia da fatura, a inexistência de elementos contabilísticos, acertos de contas infundado, estando os negócios em crise viciados por simulação (ut artigo 240.º, do C.C.), cfr. Ac. do TRG, de 21/11/2019, P. 503/18.0T8GMR.G1, Relator: Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt.
73.º É notório que os R.R. pretenderam ocultar os negócios realizados, não procedendo aos competentes registos, alterações de sede, criando sedes fantasma, deslocando mercadorias, trabalhadores, maquinarias, etc., tudo consabido dos R.R., e praticado com o intuito de prejudicar os credores da 1.ª R., bem sabendo das dificuldades que esta enfrentava e que mais cedo ou mais tarde seria perseguida pelos mesmos.
74.º No que concerne à prova, e como se pode ler no Ac. TRG, de 18/04/2024, P. 525/22.7T8PRG-A.G1, Relator: Elisabete Moura Alves, in www.dgsi.pt, “Ora, como é sabido, a prova da simulação não representa, por norma, uma tarefa fácil, pois dificilmente existe prova direta da mesma. Nessa medida, necessita em regra, do recurso ao uso de presunções judiciais alicerçadas em conjunto de indícios como, por ex., o indício affectio (relações familiares, de amizade, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre os intervenientes, o indício pretium vilis (preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado), entre outros.”.
75.º Já no supra mencionado Ac. do TRG, de 21/11/2019, P. 503/18.0T8GMR.G1, Relator: Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt, “As provas, di-lo o artigo 342.º, do C.C., têm por função a demonstração da realidade dos factos. Porém, através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos “factos” – “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”, o que implica que tem a justiça de bastar-se com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.
76.º Aqueles que efetuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no ato que praticam, sendo que, por essa razão, há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do ato jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados.
77.ºDentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam atos simulados.
78.º Se o simulador alega a existência de uma motivação atendível, para a celebração do negócio, esta não deve ser admitida como válida sem que venha acompanhada da sua oportuna demonstração, cfr.            Ac. Do TRP, de 24/09/2024, P.7810/22.6T8PRT.P1, Relator: Alexandra Pelayo, in www.dgsi.pt.
79.º
Sem prescindir,
V) Da impugnação pauliana:
In casu, e tal como amplamente firmado na sentença “a quo” é inquestionável a existência e anterioridade do crédito da aqui Recorrente, assim como, que a 1.ª R. ficou esvaziada de ativo, passível de ressarcir os seus credores, em particular o da Recorrente.
80.ºAcresce que os negócios perpetrados foram gratuitos, mas mesmo que assim não fosse é ostensiva a má-fé dos intervenientes, dando-se por reproduzido o supra exposto, pelo que não se podem aceitar as considerações tecidas quanto à cessão de posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária.
81.º A este respeito em caso muito semelhante, o Ac. do STJ, de 21/02/2023, P. 2232/05.6TBPNF.P1.S1, Relator: Tavares de Paiva, in www.dgsi.pt , “É do conhecimento comum que a garantia patrimonial dos credores (sempre decisiva na constituição do crédito) é assegurada pelos bens dos devedores deles conhecidos, daí que qualquer alienação onerosa envolva sempre, para o credor do alienante, o risco de impossibilidade ou agravamento da possibilidade de satisfação do seu crédito, logo a eventualidade do prejuízo..Com um quadro factual do tipo do que acabamos de descrever parece não haver duvidas que estamos perante um negócio que visou sobretudo tornar impossível a satisfação do crédito dos AA ou pelo menos agravar a impossibilidade da sua satisfação. Ainda no domínio da realização coativa da prestação não se pode esquecer que o credor tem o direito de exigir o respetivo cumprimento judicial, em conformidade com o disposto no art. 818 do C. Civil, segundo o qual “ o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando seja objeto de ato praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado”.
82.º Fazendo o confronto com o caso em apreço, temos que aquele negócio da cessão da posição contratual nos moldes em que foi feito é completamente ineficaz em relação aos AA, o que equivale dizer o veículo que foi objeto do mesmo continua na esfera patrimonial da 1ª Ré .
83.º VI)Responsabilidade dos administradores:
O artigo 78.º, do C.S.C. consagra um caso de responsabilidade civil extracontratual, cfr. Ac. TRL, de 20/12/2022, P. 4113/11.5TCLRS.L1-7, Relator: Edgar Taborda Lopes, in www.dgsi.pt “atendendo “ao alargamento da letra do número 1, do artigo 78.° do Código das Sociedades Comerciais, que permite a imputação de danos por violação de normas de proteção resultantes de disposições contratuais, além das disposições legais imperativas vigentes, parece-nos que a violação de toda e qualquer norma de conduta, por parte dos gerentes e administrador da sociedade que, através de uma análise ex ante seja idónea à diminuição do património social da sociedade, tendo em conta a bitola do gerente ordenado e criterioso do artigo 64.° do Código das Sociedades Comerciais, revelam para completude desta norma remissiva incompleta, devendo ser convocadas na aplicação do caso concreto”.
84.º In casu e atento o volume de dívidas que já assolava a 1.ª R.. deveriam ter cuidado de a apresentar à insolvência e não de dissipar o património existente, resultando numa conduta esperada, em conformidade com os deveres do “bom” administrador – numa analogia ao standard do administrador criterioso e ordenado contemplado no CSC pela alínea a) do n.º 1, do artigo 64.º”.
Responderam a este recurso a interveniente Banco 1..., pugnando pela manutenção da decisão nos termos em que foi proferida.
            Subsidiariamente, e para a hipótese de ser entendida como procedente alguma das questões suscitadas pela recorrente, requereu ainda a reapreciação da matéria de facto quanto aos pontos 29, 30, 31 e 47 da matéria de facto provada, nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, (doravante C. P. Civil).
            Também responderam ao recurso interposto os réus BB e CC, pugnando pela manutenção da decisão proferida.
O réu AA respondeu também ao recurso interposto, mas, tendo o ato sido praticado fora de prazo, sem que tivesse sido paga a multa ou a taxa de justiça devida, foi ordenado o desentranhamento daquela resposta.

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No despacho em que admitiu o recurso interposto, o Mm.º Juiz que presidiu à realização da audiência de discussão e julgamento pronunciou-se sobre as nulidades que foram arguidas perante a sentença que proferiu.
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O recurso de apelação foi admitido com efeito meramente devolutivo e a subir imediatamente e nos próprios autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
1.
se a sentença proferida é nula;
2.
se existe fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto, na parte impugnada pela autora recorrente.
3.
se, alterada ou não aquela decisão, há fundamento para alterar a decisão proferida, no que se reporta:
a - à decisão que julgou extinta a instância, por impossibilidade da lide, quanto o pedido da alínea h) da petição inicial, e no que se reporta ao 2.º réu AA;
b - à decisão que julgou improcedente a pretensão indemnizatória deduzida contra os 3.º e 4.º réus;
d - à decisão que julgou não verificados os pressupostos relativos à existência de um negócio simulado e/ou suscetível de impugnação pauliana.
4.
Em caso de procedência de qualquer das pretensões do recorrente, apreciar ainda a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada, de forma subsidiária, pela interveniente Banco 1....
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III – Fundamentação de facto:

Estando parcialmente impugnada a matéria de facto provada e não
provada, a matéria de facto relevante para a apreciação desta apelação será descrita apenas após a apreciação daquela impugnação.

IV - Do objeto do recurso:
1.
Da nulidade da sentença:
Alega a recorrente que a sentença proferida é nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil, elaborando para o efeito uma única conclusão (a 4.ª) e estando tal alegação relacionada com a não prova de determinados factos e a prova de outros.
Sobre essa arguição escreveu o Mm.º Juiz a quo no despacho a que alude o art.º 617.º, n.º1, do mesmo diploma:
            “Estabelece o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, que “É nula a sentença quando (…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
            Segundo referem J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, págs. 736 e 737, “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença (…) quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.
            Pereceria, assim, que a única contradição relevante seria a que ocorre entre a fundamentação e o dispositivo da sentença.
            Contudo, a contradição na própria fundamentação pode projetar-se na decisão, tornando-a ambígua ou obscura e, desse modo, gerando a nulidade a que se refere o normativo acima citado.
            Nesse sentido, defendem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2014, págs. 604 e 605, que:
            “A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível.
            Não é, pois, no segmento decisório final da sentença que, necessariamente, se situa a obscuridade ou a ambiguidade geradora da ininteligibilidade (…). A novidade contida nesta alínea, isto é, a relevância dada à ambiguidade ou obscuridade da sentença em sede de tipificação das causas da sua invalidade, prende-se com a exclusão de tais elementos viciadores como fundamentos do pedido de esclarecimento da sentença (art. 669º, nº 1, al. a), do CPC-95-96), no contexto da abolição da possibilidade da sua aclaração (arts. 616º e 617º). Ora, no domínio da lei revogada, a ciência jurídica havia concluído dever relevar a obscuridade ou ambiguidade dos fundamentos, em termos idênticos à relevância dada ao caso de obscuridade ou ambiguidade da decisão. Não resultando dos trabalhos preparatórios ou do processo legislativo – designadamente da exposição de motivos da PL-CPC – que o legislador tenha pretendido infletir o rumo seguido – caucionando agora o entendimento contrário, de acordo com o qual apenas a viciação intrínseca da decisão releva para estes efeitos –, devemos concluir que o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença – referindo-se a al. c) comentada ao primeiro caso.
            A ambiguidade ou obscuridade da fundamentação passível de gerar a ininteligibilidade da decisão pode resultar da circunstância de ser “obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”, quando esses vícios, por se referirem a factos essenciais, “inviabilizam a decisão jurídica do pleito” (arts. 662º, nº 2, al. c), e 682.º, nº 3). Recorde-se que os factos essenciais julgados provados são, a um tempo, decisão da matéria de facto e fundamentação de facto da sentença”.
            Veja-se, por outro lado, que, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente (…) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
            Nesse pressuposto, passaremos a apreciar os concretos fundamentos da nulidade invocada.
            O primeiro refere-se à alegada contradição entre a decisão de considerar não provados, por um lado, o artigo 34.º, na parte em que se diz “a 1ª.R. não recebeu o preço indicado € 250.000.00” e o artigo 35.º “Nem a 5.ª R. lhe pagou o preço contratado”, e, por outro, considerar não provado o alegado pelos 5.º e 6.º Réus, no artigo 45.º da respetiva Contestação, e o 2.º Réu, no artigo 117.º, “o preço referente ao contrato de compra dos móveis foi totalmente pago e a 5ª Ré pagou à 1ª ré o preço de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) pelo referido equipamento”.
            Ou seja, o Tribunal deu como não provado o não pagamento do preço de € 250.000,00 e, igualmente, como não provado o pagamento desse mesmo preço.
            Simplesmente, tal não envolve qualquer contradição lógica na decisão da matéria de facto.
            A decisão do Tribunal incide sobre os enunciados de facto produzidos pelas partes, pelo que, quando conclui pela não demonstração desses enunciados, não está, ainda que pela negativa, a produzir uma afirmação sobre a realidade ontológica, mas, tão só, a concluir que, no processo, não foi produzida prova suficiente da ocorrência dos factos afirmados pelas partes.
            Por isso, e como é pacificamente reconhecido, a ausência de demonstração de um determinado enunciado facto não equivale à demonstração do facto contrário – por exemplo, a falta de prova do pagamento não significa o mesmo que a prova do não pagamento.
            Também por isso, não existe contradição lógica quando se considera não provado um determinado enunciado e facto e, simultaneamente, se considera não provado o enunciado contrário – mais uma vez, a título de exemplo, o pagamento e o não pagamento.
            O que tal significa é, tão só, que a prova produzida não foi suficiente para convencer o julgador num sentido ou no outro – o que nada tem de ilógico e bastas vezes sucede.
            Alega, por outro lado, a Autora que existe contradição insanável entre os factos dados como provados artigos 11, 84 e os não provados sob 32.º, 47.º, 57.º, 67.º, 73.º, 80.º, da Contestação dos 3.º e 4.º Réus.
      
      Vejamos.
            O Tribunal considerou provado que   
11- Na data referida em 10, os 2.º, 3.ª e 4.º Réus figuravam, no registo comercial, como administradores da 1.ª Ré.
(…)
84- Os 3.ª e 4.º Réus, apesar do referido em 82, continuaram a exercer as funções referidas em 78 a 80, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e a auferir a respetiva retribuição.”.
E considerou não provado que:
“Artigo 32.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – Na parte em que se diz “os RR. BB e CC, não tiveram qualquer intervenção nos negócios referidos na petição inicial, nem praticaram nenhum dos factos que lhe são imputados pela A.”.
Artigo 47.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – Na parte em que se diz “os 3.ª e 4.º RR. pensaram que a sociedade havia registado a renúncia, conforme se tinha comprometido o seu presidente do conselho de administração”.
Artigo 57.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – Na parte em que se diz “tratavam (…) assim como todas as outras funções inerentes ao cargo que nominalmente possuíam”.
(…)
Artigo 67.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – Na parte em que se diz “não tiveram qualquer intervenção (…) e apenas tomaram conhecimento do mesmo no incidente de qualificação de insolvência da 1.ª Ré”.
(…)
Artigo 73.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – “A 3.ª e 4.º RR. não tinham conhecimento do valor do crédito da A. nem do valor das dividas da 1.ª R.”.
Artigo 80.º da Contestação dos 3.º e 4.º Réus – Na parte em que se diz “a 3.ª e 4.º RR. não fizeram qualquer declaração ou alegação nem tiveram qualquer intervenção em representação da 1.ª R. no processo PER nem no processo de insolvência, facto que é do inteiro conhecimento da A.”.
Se bem compreendemos, a Autora entenderá que existe contradição entre os pontos 11 e 84 dos Factos Provados, na medida em que, do primeiro, consta que os 3.º e 4.º Réus figuravam no registo comercial como administradores da 1.ª Ré, ao passo que, no segundo, se deu como provado que, não obstante, aqueles Réus continuaram a exercer as funções que antes exerciam, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré.
Não se vislumbra que aqui exista qualquer contradição lógica. O que sucedeu foi, tão só, que o Tribunal considerou demonstrado que as funções efetivamente exercidas pelos 3.º e 4.º Réus eram as de trabalhadores subordinados, em desconformidade com o que constava do registo comercial.
O que poderá estar em causa é, tão só, a discordância da Autora face à apreciação da prova feita pelo Tribunal.
Por outro lado, também não se vislumbra existir qualquer contradição entre a matéria de facto provada, constante dos pontos 11 e 84 dos Factos Provados, e a matéria não provada, referida pela Autora.
Contradição lógica existiria se o Tribunal desse o mesmo facto, simultaneamente, como provado e como não provado. Não é o que sucede, já que a matéria que não se provou se refere à ausência de concretas intervenções ou à falta de concretos conhecimentos, por parte dos 3.º e 4.º, não decorrendo a demonstração do aí alegado, necessária e logicamente, do que consta dos pontos 11 e 84 dos Factos Provados”.
Com esta extensa e imaculada fundamentação, concluiu o Mm.º Juiz que proferiu a sentença que esta não padece de qualquer nulidade, nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do C. P. Civil.
E concluiu bem.
Nada mais podemos acrescentar perante o acerto da decisão proferida.
A sentença proferida não é nula pelos exatos fundamentos superiormente invocados pelo Mm.º Juiz que a proferiu.
Improcede, assim, este fundamento da apelação.
*
2. Em sede de recurso, a apelante autora impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
2.1. Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 636.º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
            Analisadas as alegações apresentadas, vemos que a autora questiona os seguintes pontos da matéria de facto:
a) os seguintes factos provados:
“3 - Administrada pelo 2.º, Réu AA.
53 - A 5.ª Ré entregou à 1.ª Ré quatro cheques, todos sacados sobre o Banco 2..., da conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, com o n.º ...17, emitidos a favor da “EMP02..., S.A.”, a saber:
- cheque n.º ...49, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.09.2014;
- cheque n.º ...50, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.10.2014;
- cheque n.º ...52, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.11.2014;
- cheque n.º ...53, da quantia de € 190.000,00, datado de 30.12.2014.
54 - O cheque n.º ...49 foi debitado na conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, referida em 53, no dia 1.10.2014.
55 - O cheque n.º ...50 foi debitado na conta da “EMP03...,
Unipessoal, Lda.”, no dia 31.10.2014.
56 - O cheque n.º ...52 foi debitado na conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, no dia 2.12.2014.
57- O cheque n.º ...53 foi anulado e entregue pela 1.ª Ré à 5.ª Ré.
60 - Por isso, fez-se um acerto de contas entre a 1.ª Ré e a 5.ª Ré, não tendo o último cheque sido apresentado a pagamento.
75 - A 3.ª e 4.º Réus, BB e CC, embora tivessem
sido nomeados vogais do conselho de administração da 1.ª Ré, nunca tomaram decisões relativas à administração da 1.ª Ré, que foram sempre tomadas pelo presidente do conselho de administração, o 2.º Réu, AA.
76 - A 3.ª e 4.º Réus haviam renunciado ao cargo de vogais do conselho de administração da 1.ª Ré em 24.04.2014, através de carta registada com aviso de receção, recebida pela 1.ª Ré em 24 de abril de 2014.
77 - Os 3.º e 4.º Réus, BB e CC, foram trabalhadores da 1.ª Ré.
78 - A 3.ª Ré foi contratada em 18.01.2006 para exercer as funções de assistente administrativa sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e mediante retribuição, tendo o seu esse cessado em 31.12.2014, na sequência de despedimento coletivo promovido pela 1.ª Ré.
79 - A 3.ª Ré, a partir de 01.12.2013, desempenhou também as funções de técnica de contas interna da 1.ª Ré.
80 - O 4.º Réu foi contratado em 01.02.2008 para exercer as funções de gestor, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e mediante retribuição.
81 - Tendo sido despedido em 31.12.2014, na sequência do mesmo procedimento de despedimento coletivo promovido pela 1.ª Ré.
84 - Os 3.ª e 4.º Réus, apesar do referido em 82, continuaram a exercer as funções referidas em 78 a 80, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e a auferir a respetiva retribuição.
85 - Os 3.ª e 4.º Réus nunca exerceram qualquer poder decisório para decidir e efetuar encomendas ou pagamentos, nem colhiam qualquer beneficio económico da 1.ª Ré que não fosse a retribuição pela prestação do seu trabalho.
86 - Os 3.ª e 4.º Réus não davam instruções ou ordens, não tomavam decisões sobre a compra e venda de bens e contratação e prestação de serviços com terceiros.
87 - Não tomavam decisões, nem davam ordens relativas à manutenção e funcionamento das instalações.
88 - Não tomavam decisões sobre a contratação, despedimento ou tarefas dos trabalhadores da 1.ª Ré.
89 - Não tomavam decisões quanto ao processamento de salários, nem quanto ao pagamento a fornecedores.
90 - Não decidiam qualquer assunto do departamento financeiro da empresa ou à liquidação e cobrança de impostos.
91 - Não decidiam qualquer assunto relativo à situação financeira e bancária da sociedade.
92 - Limitando-se a seguir instruções e indicações fornecidas pelo 2.º Réu.
93 - Nunca a 3.ª e 4.º Réus foram consultados sobre qualquer assunto que envolvesse a tomada de decisões de administração da 1.ª Ré.
94 - As funções referidas em 84 a 92 couberam sempre e em exclusivo ao 2.º Réu, AA.
95 - Aos 3.ª e 4.º Réus, BB e CC, foi pedido o favor de figurarem no conselho de administração porque era obrigatório serem três pessoas e o patrão não tinha a quem pedir.
96 - Sendo que os 3.ª e 4.º Réus acederam porque tiveram medo de ser despedidos e assim ficarem desempregados e sem modo de subsistência, vontade essa sempre condicionada pela relação existente com a 1.ª Ré.
97 - Os 3.ª e 4.º Réus nunca decidiram alienar quaisquer bens da 1.ª Ré.
98 - Os 3.ª e 4.º Réus assinaram o escrito referido em 23 na qualidade de vogais do conselho de administração da 1.ª Ré porque tal lhes foi imposto pelo 2.º Réu, porquanto a renuncia ao cargo de vogais ainda não se encontrava registada.
99 - A 3.ª Ré apenas conheceu nessa data os factos vertidos no clausulado do contrato.
100 - Nunca a 3.ª e 4.º Réus tiveram intenção de prejudicar a Autora ou terceiros.
101 - Nunca a 3.ª e 4.º Réus tiveram qualquer conluio com qualquer dos restantes Réus.
102 - A 3.ª e 4.º Réus não fizeram as alegações referidas em 36 e 39 a 44”.
b) os seguintes factos não provados:
Artigo 3.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Administrada pelos (…) 3ª. E 4º.RR”.
Artigo 27.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a qual, também, se constatou não existir”.
Artigos 30.º e 31.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Sendo falso (…) que tenha sido emitido qualquer cheque para pagamento do ficcionado preço de compra e venda no montante de €250.000.00”.
Artigo 34.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a 1ª.R. não recebeu o preço indicado € 250.000.00”.
Artigo 35.º da Petição Inicial – “Nem a 5.ª R. lhe pagou o preço contratado”.
Artigo 36.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Facto este dado como assente e provado na Sentença proferida no Incidente de Qualificação de Insolvência da 1.ª Ré”.
Artigo 40.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “que estes (3ª.R. e 4ª.R.) mantiveram, pelo menos, até ../../2015”.
Artigo 53.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “em conluio, por completo (…) de qualquer (…) incluindo bens penhorados à ordem do processo nº. 2943/08.... que correu termos no extinto ... Juízo Cível de ....
Artigo 56.º da Petição Inicial – “Não satisfeitos os RR, em conluio, sem exclusão da 5ª.R e 6º. R., que sempre aceitaram que a 1º.R. criasse em terceiros a convicção que era proprietária de todo o recheio existente no estabelecimento comercial instalado na sede da 1ª.R. e 5ª.R.”.
Artigo 60.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Precisamente, quando todos os RR se encontravam (…) a assinar o “Acordo de Cessão de Posição Contratual de Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº....”.
Artigo 62.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “5ª. e 6ª. conluiados com os demais RR., permitiram”.
Artigo 63.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “criando uma falsa aparência de exercício de uma atividade comercial que não existia”.
Artigo 66.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “pelo menos até maio de 2015”.
Artigo 67.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “o 2º.R. (…) nunca se suspeitando que os ativos tivessem sido cedidos à 5ª.R., e os trabalhadores tivessem nova entidade patronal”.
Artigo 79.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “todos”.
Artigo 80.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Os RR”.
Artigo 81.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Com o contributo (…) da 5ª.R. e 6º.R. que bem sabendo tal falsidade, sempre se conformaram, com tal, e aderiram às falsas declarações prestadas pela 1ª.R. seja no PER seja no decurso do Processo de Insolvência”.
Artigo 86.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “o imóvel em apreço com o estabelecimento comercial ali instalado valerão aproximadamente €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros)”.
Artigo 87.º da Petição Inicial – “Por outro lado, a 5ª.R. com o cicerone 6º.R., serviu de “esconderijo” para os ativos da 1ª.R.”.
Artigo 88.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “além do prédio identificado supra, equipamentos administrativos, equipamentos produtivos de transporte e outros, foram doados à 5ª.R.”.
Artigo 89.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Nunca se suspeitando que todos os ativos lhe haviam sido doados (…) outubro de 2014”.
Artigo 92.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “todos os negócios jurídicos de compra e venda de bens móveis e acordo de cessão de posição contratual em contrato de atrás assinalados (…) foram realizados em conjugação de esforços e de vontades entre as partes neles intervenientes com o propósito de prejudicar os seus credores, incluindo o A. e assim impedir que o A (e demais credores) ressarcisse o seu crédito à custa do património da 1ª. R.”.
Artigo 100.º da Petição Inicial – “O RR., participaram nos negócios jurídicos anteriormente identificados para, conscientemente, provocarem um prejuízo à A., pois bem sabiam que ao desviaram património da 1ª. R para o património da 5ª.R. agiam com o fito de impedir a ressarcibilidade do crédito da A.”.
Artigo 105.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “com o propósito de obstar a que o A ressarcisse o seu crédito à custa do património da 1ª.R.”.
No que diz respeito aos factos provados 77 a 81, a recorrente limita-se a alegar que deveria ter sido dado um outro enquadramento de direito a esses factos, como decorre das alegações de recurso a fls. 19.
Ora, tal alegação não traduz qualquer impugnação da decisão proferida quanto a esses factos (quanto a existir fundamento para que passem de provados a não provados).
Rejeita-se, assim, a sua impugnação.
Quanto ao facto 36.º da petição inicial (matéria de facto não provada), embora a autora recorrente refira que esta impugnação também versa sobre ele (conclusão 3.ª), certo é que, sobre ele, inexiste qualquer referência aos meios de prova que permitiriam a sua afirmação.  Não existe qualquer menção a qualquer meio de prova que permita a sua afirmação.
Assim, considerando o supra exposto, rejeita-se a sua impugnação.
Note-se que, quanto ao facto provado 84, a recorrente ora refere que deve ser considerado não provado ora, na frase seguinte, que lhe deve ser dado outro enquadramento.
Ainda assim, tendo existido verdadeira impugnação, será esta apreciada.
Em conclusão, nos termos definidos, rejeita-se a impugnação da matéria de facto quanto aos factos dados como provados nos pontos 77 a 81 da matéria de facto provada e ao não provado que corresponde ao art.º 36.º da petição inicial.
Quanto ao mais, analisadas as alegações apresentadas, a recorrente autora indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa (provados e não provados), e o sentido da decisão, fundamentando a sua alegação em concretos meios de prova produzidos sobre a matéria, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
**
2.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Analisemos os termos da impugnação efetuada pela recorrente.

2.2.1. Começa a recorrente por alegar, no que se refere ao negócio realizado em 23/07/2014, “merece a dissidência, da aqui Recorrente a decisão quanto aos pontos supra 53, 54, 55, 56, 57 e 60, dos factos provados, considerando que deveriam ter sido dados como não provados, em concreto na parte em que refere que os mesmos foram entregues pela 5.ª R., à 1.ª R. e
 que serviram para pagamento do contrato de compra e venda, ml. id. supra.
Já quanto aos pontos não provados supra 27, 30, 31, 34 e 35, da P.I. deveriam ter sido julgados como provados”.
Os factos provados foram fundamentados da seguinte forma:
A matéria dos pontos 53 a 57 dos Factos Provados resultou demonstrada em face do teor dos documentos juntos com a Contestação de 9.11.2019, ref.ª ...58, com as designações “Cheque” e “Extrato bancário”, fls. 187 a 191v.º do suporte físico, cabendo referir que, do confronto das cópias dos cheques em questão com o extrato da conta bancária da 5.ª Ré, EMP03...”, se retira a conclusão de que os três primeiros cheques foram aí debitados.
Naturalmente, não constando dos autos cópia do verso desses cheques, não é possível apurar qual o destino que foi dado às quantias neles inscritas, acrescendo que apenas se encontra junto aos autos extrato da conta-corrente elaborada pela 5.ª Ré, “EMP03...”, relativa às relações comerciais com a 1.ª Ré, “EMP02...”, e em que esta figura como cliente, a qual, por isso, não regista – não tem que registar – entradas de dinheiro ou cheques para pagamento de vendas feitas pela 1.ª Ré à 5.ª Ré.
Na verdade, o documento junto com a Contestação de 9.11.2019, ref.ª
 ...58, intitulado “Extrato” e correspondente a fls. 192 do suporte físico, consiste em extrato da conta de “Clientes” da 5.ª Ré, no qual, segundo a técnica contabilística – Cfr., neste sentido, Carlos Baptista da Costa e Gabriel Correia Alves, Contabilidade Financeira, 7.ª Edição, Rei dos Livros, 2008, pág. 601, e José António Cardoso Moreira, Contabilidade – Da Preparação à Interpretação da Informação Financeira, 2.ª Edição, Edições Sílabo, 2020, pág. 231 –, são lançados os movimentos relativos às operações em que a esta é vendedora/fornecedora e a 1.ª Ré é compradora/cliente.
Isso mesmo resulta do confronto com o balancete geral da 1.ª Ré, “EMP02...”, junto com a Petição Inicial, a págs. 133 a 158, fls. 68 a 80 do suporte físico, pois que aí são registados a soma dos movimentos a crédito e a débito entre esta e a 5.ª Ré, “EMP03...”, e respectivo(s) saldo(s), de forma distinta, na conta 21, relativa a “clientes”, e na conta 22, relativa a “fornecedores”, quer, ainda, na conta 27, relativa a “outras contas a receber e pagar”, permitindo concluir que, tal como referido pelo 6.º Réu, DD, no seu depoimento de parte, a 1.º Ré, “EMP02...”, era, simultaneamente, cliente e fornecedora da 5.ª Ré, “EMP03...”, na medida em que, por um lado, lhe comprava carne e, por outro, lhe prestava, a título oneroso, serviços de desmanche.
Constata-se, ainda, que a soma dos movimentos registados na conta- corrente de “Clientes” entre a 5.ª Ré, EMP03...”, e a 1.ª Ré, “EMP02...”, coincide – com uma diferença de escassos três cêntimos – com o valor inscrito no balancete geral da 1.ª Ré, “EMP02...”, na conta de “fornecedores” e que, em ambos os casos, o as contas se encerram com saldo zero, permitindo a demonstração da matéria vertida nos pontos 58 a 60 dos Factos Provados”.
Não existindo a contradição lógica que foi invocada – nos termos já referidos, reproduzindo na íntegra o despacho do Mm.º Juiz a quo – há que averiguar se existe prova que permita infirmar os factos que foram considerados provados e afirmar os que foram considerados não provados.
Analisada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto – neste segmento em causa e que se refere à entrega dos cheques e ao seu pagamento -, não vemos fundamento para alterar o que foi, de forma exaustiva, fundamentado pelo Mm.º Juiz de 1.ª Instância, explicando porque razão, tendo considerada provada a factualidade relativa à entrega dos cheques e ao acerto de contas, ainda assim não se convenceu de ter existido pagamento do preço (tese dos réus) ou a sua inexistência (tese da autora).
O apelo que se faz a fls. 12 das alegações “às regras da experiência comum” é insuficiente para que o Tribunal afaste a tese de ter de facto existido um encontro de contas.
Insuficiente porque não se vislumbram regras de experiência que ditem o momento em que é comum duas empresas que sejam simultaneamente credoras e devedoras fazerem um negócio de acerto de contas (tendo o legal representante da 5ª ré referido, no seu depoimento, que o encontro de contas foi efetuado quando se chegou à conclusão que a 1.ª ré não teria fundos para pagar o que então devia à 5.ª ré e não apenas porque esta era devedora de quaisquer quantias).
E não pode deixar de referir-se uma circunstância muito clara que resulta das causas de pedir apresentadas pela autora, ainda que uma apresentada a título principal e outra a título subsidiário.
Para fundamentar a sua alegação de ter existido um negócio simulado, alegou a autora que nada foi vendido e que o preço não foi pago (e esta a factualidade que está em causa nos factos que neste segmento foram impugnados).
Ora, esta alegação de facto é manifestamente contraditória com aquela que resulta também da petição inicial e que visa a impugnação pauliana do negócio. Na situação dos autos, deduzida de forma subsidiária, esta impugnação pressupõe que o negócio existiu com uma determinada intenção (a de prejudicar os credores) e, assim, que a declaração do negócio de compra e venda corresponde àquela que era afinal a vontade dos contraentes e visava prejudicar os seus credores.
Como decorre do depoimento do legal representante da autora, este não sabe exatamente se os negócios não correspondem à vontade dos declarantes (pressuposto da arguida nulidade, pois que estes nada quereriam vender ou ceder) ou se, correspondendo àquela que era à vontade dos contraentes, foram efetuados para prejudicar os credores (pressuposto dos pedidos subsidiários que deduziu).
Para além destas regras da experiência, a recorrente volta a insistir na relevância do documento 7 junto com a petição inicial, do qual resultaria que a 5.ª teria sido reconhecida como credora da 1.ª ré.
Esse documento reporta-se à lista provisória de credores elaborada nos termos do art.º 154.º, n.º 1, do CIRE, em 16/07/2015.
Ora, este documento comprova apenas que, na contabilidade da 1.ª ré declarada insolvente, a 5.ª ré constava ainda como credora e não que esta, no processo de insolvência, tivesse efetivamente assumido ser credora da 1.ª ré (reclamação essa que, a existir, permitiria de facto considerar inverosímil a existência do alegado acerto de contas).
O mesmo acontece quanto à reclamação que teria sido efetuada no PER da 1.ª ré. Como na sentença proferida se afirma com clareza, não está demonstrado que a 5.ª ré tenha efetuado qualquer reclamação no âmbito daqueles autos (mas tão só que a existência de um crédito desta empresa sobre a 1.ª ré estava refletida na contabilidade desta e foi assim conhecido do administrador judicial provisório).
A autora juntou aos autos documento em que a 5.ª ré alegadamente teria votado favoravelmente a aprovação do PER relativo à 1.ª ré – fls. 418 (tese incompatível com o alegado acerto de contas que teria sido realizado anteriormente).
Tal junção verificou-se após a inquirição do legal representante da 5.ª ré, aqui 6.º réu, que negou perentoriamente ter efetuado qualquer votação no âmbito do PER da 1.ª ré.
Os 5.º e 6.ºs réus impugnaram tal documento, alegando que a assinatura dele constante não corresponde à assinatura do 6.º réu, em representação da 5.ª ré (art.º 11.º requerimento de 13/11/2023), só então tendo tido conhecimento da sua existência.
Nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do C. Civil incumbia à recorrente ter feito prova da veracidade do documento, o que não foi efetuado.
Assim, desse documento (ou da circunstância de o mesmo ter sido remetido aos autos de PER através de email com o mesmo nome do Mandatário do réu AA) nenhuma conclusão se pode extrair para imputar a sua autoria aos 5.º e 6.ºs réus (não se ordenando, a final, a extração de certidão desta decisão e da impugnação da assinatura tendo em vista apurar da falsificação do requerimento, pois que os factos reportam-se a 23/03/2015 tendo já decorrido mais de 10 anos, estando prescrito qualquer ilícito criminal que possa ter existido).
Insurge-se a recorrente com a falta de colaboração dos réus no sentido de se saber onde foram efetivamente depositados os cheques que o Tribunal reconheceu terem sido descontados, considerando tal falta de colaboração como reveladora de má-fé e de conluio entre os réus.
O facto de não se saber a quem foi entregue a quantia em causa em cada cheque não afasta que tenha sido da conta da 5.ª ré que a quantia foi efetivamente retirada, como resulta da análise dos extratos bancários juntos.
Note-se que a autora requereu que a 1.ª ré fosse notificada para juntar aos autos o verso dos cheques que foram por si emitidos (alínea B) do requerimento de prova constante da petição inicial).
            Foi esta ré que não deu resposta ao que lhe foi determinado no despacho proferido pelo Tribunal em sede de despacho saneador (ponto ii.).
Um deles, o de 190.000,00 euros, sabemos que não foi pago, porque tal é confessado pela própria 5.ª ré.
Os demais (três) foram apresentados a pagamento, tendo a quantia neles aposta sido retirada da conta bancária da 5.ª ré.
Desconhece-se quem recebeu essas três quantias.
Mas esses cheques (os que foram pagos) não estão naturalmente na posse da 5.ª ré.
Decorre com clareza do exposto que esta 5.ª ré nada omitiu porque nada lhe foi determinado relativamente aos cheques que foram pagos.
 A recorrente pretende ainda que este Tribunal elimine da matéria de facto provada os factos impugnados e afirme os que foram considerados como não provados, neste segmento em causa, com base naqueles outros que resultaram efetivamente provados e que não foram colocados em causa.
Ora, a motivação da decisão sobre a matéria de facto é absolutamente clara no raciocínio expendido, afirmando de forma exaustiva as razões pelas quais, apesar da prova de alguns dos factos alegados pela autora, destes não se podia retirar a prova dos demais por si alegados.
Não vemos nas alegações de recurso qualquer esforço para convencer este Tribunal de recurso, com base nos meios de prova produzidos, que a decisão foi incorreta ou está insuficientemente fundamentada.
Dir-se-á que não haveria como fazer-se essa afirmação, tal é a minúcia e o rigor da fundamentação da decisão proferida no que se reporta à matéria de facto provada e não provada.
Em particular no que se refere ao art.º 27.º da petição inicial considerado como não provado, alega a autora recorrente que “deveria ter sido dado como provado, uma vez que, a lista anexa, sequer se mostra rubricada ou assinada, por quem quer que seja, não detendo qualquer valor probatório”.
Ora, o que está em causa nesse facto é a alegação de que inexistia qualquer lista anexa ao negócio de compra e venda dos bens móveis e não saber se a lista estava ou não assinada por ambas as partes (e não estava).
Contrariamente ao que defende a recorrente, dessa inexistência de assinaturas não se retira a inexistência da lista de bens móveis a negociar entre a 1.ª ré e a 5.ª rés, não sendo referidos quaisquer outros meios de prova que, no entender da recorrente, confirmassem a inexistência da referida lista anexa ao negócio.
Não existe assim qualquer fundamento para alterar a decisão proferida, no que a estes factos se reporta.

2.2.2. No que se reporta ao facto 86.º de petição inicial que foi considerado não provado (e que se refere ao valor do imóvel com o estabelecimento ali instalado) pretende a recorrente que se considere provado que deveria “ter sido dado como provado, pelo menos quanto ao montante máximo de hipoteca, apontado na certidão permanente, de fls., (€1.252.357,50), junta com o requerimento de 15/03/2024 e conforme pronuncia de 11/04/2024)”.
Ou seja, na ausência de qualquer meio probatório que conclua pelo valor em causa (apesar da prova pericial realizada e que foi, nesta matéria, irrelevante por falta de elementos), entende a recorrente que o valor máximo pelo qual foi constituída a hipoteca seria elemento suficiente para se afirmar ser pelo menos aquele o valor do imóvel.
Não foi efetuada qualquer correspondência entre o valor máximo pelo qual responderia o imóvel em causa e o valor deste com o estabelecimento instalado, não resultando sequer alegado pela recorrente que, para efeito de constituição daquela hipoteca, o que quer que seja tenha sido objeto de avaliação, ou em que momento o foi.
Não existe assim qualquer meio probatório que permita considerar como provado o facto em causa.

2.2.3. Quanto à questão da forma como era administrada a 1ª ré, e ultrapassada que está a questão da invocada contradição entre a matéria de facto provada e não provada (que, como vimos, inexiste), questiona a autora que tenham sido dados como provados os factos 3, 75, 76, 84 a 102, entendendo que deveriam resultar não provados, e defendendo a prova dos factos 3 e 40 da petição inicial que foram considerados não provados.
Aqui, mais uma vez, a recorrente confunde o que foi considerado como provado com a questão jurídica que está subjacente à referia factualidade.
A prova produzida foi inequívoca em afirmar que, por um lado, estes 3.º e 4.º réus constavam do registo comercial da 1.ª ré como sendo os seus legais representantes até à data em que foi efetuado o registo da sua renúncia de funções (e, para tal, basta analisar os atos que estão registados na descrição comercial da 1.ª ré).
Mas, por outro lado, toda a prova produzida revelou que, de facto, a 1.ª ré não era gerida por estes réus e, sobre isso, não existiu na prova produzida qualquer dúvida. Não era. Quem geria a 1.ª ré era apenas o 2.º réu.
Questão diferente, a apreciar em sede de fundamentação jurídica da decisão, é a de saber se esta distinção, entre administradores de facto e de direito, permite desresponsabilizar qualquer deles pelos atos praticados pela sociedade assim representada.
Note-se que a recorrente socorre-se da descrição que o Mm.º Juiz a quo efetuou dos depoimentos prestados – fls. 22 e 23 das alegações – de onde se retira, contrariamente ao que refere a recorrente, que estes 4.º e 5.º réus nada decidiam, apesar de constarem da descrição comercial como administradores da sociedade, sendo funcionários da 1.ª ré com funções específicas muito concretas e conhecidas por todos os que prestaram o seu depoimento e os conheciam.
Nas questões que colocou ao legal representante da autora, o próprio Mandatário da recorrente reporta-se às negociações que se mantiveram entre o Sr. EE (em representação da autora) e o 2.º réu, em representação da 1.ª ré, para outorgar o acordo de 19/06/2014, sem nunca mencionar quaisquer negociações que a autora tivesse mantido com estes 4.º e 5.º réus (referindo o declarante apenas que “conversava” com eles).
Quanto ao papel destes réus na gestão da 1.ª ré, foi dizendo que os via por ali, parecendo-lhe que “faziam parte” de tudo aquilo e que estes réus sabiam da existência do crédito da autora sobre a 1.ª ré, tratando da faturação com fornecedores e clientes.
            A circunstância de a ré BB ter declarado (como declarou) que renunciou às suas funções de administradora por existir incompatibilidade com as funções por si exercidas como trabalhadora (sendo então TOC) não permite extrair a conclusão a que chegou a recorrente (de exercer verdadeiras funções como administradora). Permite apenas concluir que esta afirmou que, sendo TOC, pela natureza destas funções, não podia constar como administradora da mesma empresa onde exercia tais funções, quer as exercesse efetivamente, quer não.
A frase das alegações de recurso “na verdade, quanto a esta matéria, a sentença “a quo” padece, uma vez mais, de contradição lógica nos seus fundamentos, uma vez que a matéria dada como não provada e supra referida, mostra-se em oposição com o facto de terem sido dados como não provados os pontos 32.º, 47.º, 57.º, 67.º, 73.º, 80.º, da Contestação dos 3.º e 4.º R.R., o que aqui expressamente se invoca” carece manifestamente de sentido porque não pode existir contradição entre factos que foram, todos eles, considerados não provados.
Em relação à renúncia do exercício de funções, contrariamente ao alegado pela recorrente, não existe qualquer erro de julgamento. Mais uma vez a questão jurídica relativa aos efeitos da renúncia (se releva a data do envio ou receção da carta de renúncia ou a data em que o facto foi inscrito no registo), é uma questão jurídica e nada releva para que se considerem provados três factos distintos: a data do envio da carta pelos 3.º e 4.º réus, a data da sua receção pela 1.ª ré e a data em que tal renúncia foi registada na descrição comercial da 1.ª ré.
Certo é que, como referiu o Mm.º Juiz a quo na sua exaustiva fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a data em que foi comunicada à 1.ª Ré a renúncia destes administradores consta também da descrição comercial da 1.ª ré, pois que se registou a renúncia em 24/01/2015, declarando que a data em que a 1.ª  ré tinha tido conhecimento desse facto (da renúncia) era 24/04/2014 (fls. 19 verso do processo físico).
  Não vemos, assim, nas alegações da autora recorrente, fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, no que a este segmento se reporta, pois que os factos considerados provados e não provados, que aqui se impugnam, correspondem ao que resulta da prova produzida, nos exatos termos da decisão proferida pelo Mm.º Juiz a quo

2.2.4. Quanto aos factos relativos ao conluio entre os réus, alega a recorrente que os art.sº 53.º, 56.º, 60.º, 62.º, 63.º, 66.º, 67.º, 79.º a 81.º, 87.º a 89.º, 92.º, 100.º e 105.º da petição inicial deveriam ser considerados provados.
Mais uma vez, parece a recorrente alicerçar a sua impugnação quanto a estes factos não provados na circunstância de terem resultado provados outros factos (aqui, os factos provados 1, 2, 9, 10, 68, 70, 71, 74 e 100 da decisão proferida).
A decisão proferida é muito clara em caracterizar a conduta do 2.º réu.
Este agiu com a intenção de esconder da autora os negócios que foram efetuados entre a 1.ª e a 5.ª rés.
Este esvaziou do património da 1.ª ré o estabelecimento comercial que lhe pertencia e não desenvolveu qualquer outra atividade relevante.
Não há qualquer dúvida, como salienta o Mm.º Juiz, que o 1.º réu agiu com intenção de prejudicar a autora. A forma como foi conduzido o processo de PER é disso exemplo (sem que se soubesse que havia sido vendido o estabelecimento).
Mas não existe qualquer prova que permita afirmar que os demais réus agiram conluiados entre si para alcançar esse objetivo.
E, aqui, repete-se o que se referiu supra.
Torna-se muito difícil conferir credibilidade às declarações de parte do legal representante da autora (e nem estas foram sequer muito assertivas quanto a factos concretos) quando este não é claro em afirmar que nada se quis vender ou ceder (versão que sustenta o pedido de declaração de nulidade dos negócios) ou se, pelo contrário, os negócios foram queridos nos exatos termos em que foram realizados para prejudicar os credores (versão que sustenta o pedido subsidiário).
Note-se que, como se disse, das declarações de parte prestadas pelo autor não resulta o que é que este entende que aconteceu, afirmando-se o conluio entre os réus porque andavam por lá sem que houvesse qualquer precisão sobre quando é que “andavam” pelo estabelecimento que foi da 1.ª ré e o que faziam os 2.º e 6.º réus por “”, ao mesmo tempo.
Certo é que foi aquele declarante que conferiu credibilidade à existência real e efetiva do negócio celebrado entre 1.ª e 5.ª ré ao afirmar, questionado pelo seu próprio Mandatário, se não lhe foi oferecido ficar com o imóvel para pagar a dívida que a 1.ª ré tinha com a autora.
Ao minuto 40.56 da sua inquirição admitiu que sim (que lhe foi proposto ficar com o imóvel e as coisas móveis do imóvel para pagamento da dívida), não lhe tendo sido então dito que existia qualquer dívida associada ao imóvel (e aqui pretendia-se saber se sabia que existia leasing e se estavam em dívida algumas prestações).
Ou seja, esta possibilidade para que, dessa forma, fosse efetuado o pagamento da dívida (de uma dimensão muito superior à que a 1.ª ré teria com a 5.ª ré), que lhe foi também a si oferecida e que não foi por si aceite, foi aquela que, como resulta dos factos provados, foi afinal aceite pela 5.ª ré.
Aliás, foi o próprio legal representante da autora que referiu que o 6.º réu também se afirmava (então e não agora) credor da 1.ª ré.
Vimos já a razão pela qual, contrariamente ao que aqui pretende a recorrente, não podemos valorar o documento junto em que se imputa à 5.ª ré a apresentação de um voto favorável no PER da 1.ª ré.
Em rigor, o único facto que pode efetivamente censurar-se à 5.ª ré (e ao 6.º réu enquanto legal representante desta) é a não alteração da sua sede quando se instalou no estabelecimento comercial que fora da 1.ª ré.
Ora, esta sociedade existe desde 2011, tendo sofrido apenas uma mudança de sede, para o local que corresponde a este armazém, registada em 02/02/2015 (data em que se registou também um aumento de capital da 5.ª ré).
O 6.º réu declarou que a morada inicial corresponde à sua morada pessoal e, por isso, não era relevante fazer a alteração da sede da 5.ª ré, tanto mais que não tinham efetuado tal alteração e tinha trabalhado já num anterior armazém em ....
A morada daquela primeira sede é de facto aquela que consta como sendo do 6.º réu na procuração junta pelo 5.º réu (fls. 166 do processo).
Assim, retirar dessa omissão de imediata alteração da sede uma qualquer outra intenção é um passo que não pode ser dado.
A recorrente alicerça ainda a sua convicção na ausência de cautelas do 6.º réu na realização do negócio com a 1.ª ré e que seria revelador da existência de um conluio entre as partes. Como afirmou, nenhuma diligência teria feito para confirmar que eram afinal da 1.ª ré os bens móveis que comprou.
Ora, este referiu nas suas declarações que todos os bens móveis adquiridos eram bens que se integravam no imóvel que lhe ia ser entregue através da cedência da posição da 1.ª ré no contrato de leasing e que eram já antigos, tendo confiado que não estavam onerados.
A mesma ausência de cautelas, diga-se, revela-se na conduta da própria autora. Não só porque vendeu produtos à 1.ª ré, sem qualquer pagamento, em valor superior a mais de 800.000,00 euros, como celebrou o acordo em que aquela se confessou devedora do montante em dívida apenas na condição de esta não poder vender o estabelecimento comercial que possuía, sem saber qual era sequer a situação do imóvel onde este estava instalado (como referiu nas suas declarações, estando convencido que o imóvel estava limpo e que poderia pagar a dívida).
            A única explicação plausível para estas condutas, temerárias no mundo dos negócios, é a existência de uma relação de confiança, com o 2.º réu, que este claramente defraudou.
            Grande parte da motivação das alegações de recurso centra-se na sentença proferida no âmbito do incidente de qualificação de insolvência como culposa relativo aos administradores da 1.ª ré. Na sentença proferida, de forma que não foi colocada em causa pela recorrente, explica-se a razão pela qual os factos aí considerados como provados não podem importar-se para estes autos. Não surpreende que, no que aos 5.º e 6.ºs réus se reporta, a referida decisão contenha imprecisões que o Tribunal de 1.ª Instância, de forma mais uma vez brilhante, dilucidou, com rigor absoluto. De facto, aqueles réus não tiveram intervenção naqueles autos e não puderam, assim, questionar o que foi então considerado como provado e que os envolve, nos negócios que realizaram com a 1.ª ré e então mencionados.
Dificilmente poderíamos encontrar uma motivação da decisão da matéria de facto tão exaustiva e clara como aquela que foi efetuada nestes autos.
Não vemos na impugnação apresentada a menção a meios de prova que não tenham sido considerados e valorados pelo Tribunal de 1.ª Instância com ponderação e critério.
Não existe assim qualquer fundamento material para se alterar a matéria de facto que foi considerada provada e não provada.
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            2.2.5. Embora não tenha sido objeto de impugnação por qualquer das partes, resulta da certidão a que o Tribunal se socorreu para considerar como provado o facto 111 elementos relativos ao processo de insolvência do 2.º réu que, juntamente com a decisão de declaração de insolvência, têm relevância para a decisão a proferir.
            Resulta da certidão a que o Tribunal se reporta na sua fundamentação jurídica (fls. 568 dos autos) que, se à data da propositura da ação tal processo de insolvência se encontrava ainda pendente, tendo sido junta cópia simples da sentença proferida, no momento em que foi proferida a sentença dos autos, havia já sido declarado o encerramento do processo, estando junto o despacho proferido e certificado o seu trânsito em julgado.
            O Tribunal da Relação pode aditar à matéria de facto provada os factos relevantes que se contenham nos meios de prova produzidos, nos termos do art.º 662.º do C. P. Civil.
            Assim, o facto 111 passará a ter a seguinte redação:
“111- Por sentença datada de 8.08.2017 e transitada em julgado em 29.08.2017, proferida nos autos “Insolvência pessoa singular (Requerida)” correspondentes ao proc. n.º 3389/17...., que correram termos do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J..., foi declarada a insolvência do 2.º Réu, AA, tendo sido proferida decisão de encerramento do processo em 12.11.2021, transitada em julgado em 03.12.2021.

2.2.6. São, assim, os factos a considerar:
1- A Autora, “EMP01..., S.L.” é uma sociedade comercial, que se dedica ao comércio por grosso de gado.
2- A 1.ª Ré, “EMP02..., S.A.” é uma sociedade anónima, que perseguiu, como objeto social, o comércio, importação, exportação de carnes verdes, fumados e enchidos, e transporte rodoviário de mercadorias.
3- Administrada pelo 2.º, Réu AA.
4- Até ../../2015, a sede social da 1.ª Ré constante do registo comercial situava-se em Lugar ..., ..., ..., ....
5- A 1.ª Ré foi declarada insolvente por sentença proferida em 12 de junho de 2015, no processo especial de insolvência que, sob o n.º 4778/15...., correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J..., sentença essa transitada em julgado em 1.12.2015.
6- A 5.ª Ré, “EMP03..., Lda.”, é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas.
7- Com o capital integralmente realizado de € 750.000,00.
8- Em 20.02.2015 foi inscrita no registo comercial a alteração da sede da 5.ª Ré para Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ....
9- Entre Autora e 1.ª Ré estabeleceram-se diversas relações comerciais.
10- Por escrito datado de 19 de junho de 2014 e assinado pelo representante da Autora e pelo 2.º Réu, este em nome da 1.ª Ré, esta declarou confessar-se devedora daquela do montante de € 893.118,00 relativo a parte de fornecimento de diversos produtos.
11- Na data referida em 10, os 2.º, 3.ª e 4.º Réus figuravam, no registo comercial, como administradores da 1.ª Ré.
12- Mais precisamente, o 2.º Réu, como Presidente do Conselho de Administração, e a 3.ª Ré, BB, e o 4.º Réu, CC, como vogais do Conselho de Administração.
13- Por escrito datado de 23 de julho de 2014 e intitulado “Contrato de Compra e Venda”, assinado pelo 2.º Réu, em nome da 1.ª Ré, e pelo 6.º Réu, DD, em nome da 5.ª Ré, a 1.ª Ré declarou vender e a 5.ª Ré declarou comprar “os bens móveis identificados no anexo ao contrato”.
14- Na “Cláusula Terceira” do contrato referido em 13 foi declarado que “Pelo preço de 250.000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) a Primeira Outorgante vende à Segunda Outorgante e esta compra os bens descritos na fatura n.º ...22, anexa ao presente e do qual faz parte integrante e indissociável”.
15- E, na “Cláusula Quarta”, foi declarado, que “Para pagamento do preço supra definido, a Segunda Outorgante entrega, na data de assinatura do presente contrato, cheques por si emitidos, com ordem irrevogável de pagamento, no valor de € 250.000.00 (duzentos e cinquenta mil euros), declarando a Segunda Outorgante que os mesmos, se encontram preenchidos conforme a letra em uso, concedendo expressa autorização de entrada em circulação nas respetivas datas, sem qualquer falta ou vício na formação da vontade”.
16- Em 23 de Julho de 2014 a fatura n.º ...22 não existia.
17- Tal como não existia na hora em foram emitidos os termos de reconhecimento presencial das assinaturas do 2.º Réu e do o 6.º Réu, apostas no escrito referido em 13.
18- A saber, respetivamente, às 10h57m. e às 11h17m do dia ../../2014.
19- Uma vez que a mencionada fatura n.º ...22 foi emitida em ../../2014, às 11h54m16s.
20- Da fatura n.º ...22 consta a referência “Pagamento em cheque emitido” com vencimento em “15 dias”.
21- O pagamento do valor referido em 14 não ocorreu em 15 dias.
22- No âmbito do processo de insolvência da primeira Ré, no apenso relativo ao incidente de qualificação da insolvência, foi proferida sentença em 29.01.2019, transitada em julgado em 30.01.2020, na qual foi decidido,  “qualificar a insolvência da sociedade “EMP02..., S.A..” como culposa, nos termos do artº 186º, nº 1, nº 2, e n.º 3, al. a) do CIRE; b) determinar a afetação pela referida qualificação do administrador de direito e de facto AA [art 189º, nº 2, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; c) não determinar a afetação de BB, CC e DD; d) fixar em 8 anos o período de inibição do administrador para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa [artº 189º, nº 2, al. c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; e) determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo administrador(artigo 189.º, n.º 2, al. d) Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; f) condenar o administrador indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, sendo essa condenação solidária, no montante que não vier a ser pago após a realização do rateio final [artº 189º, nº 2, al. e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]”.
23- Em 29 de Setembro de 2014, a 1.ª Ré, através da aposição das assinaturas do 2.º Réu, da 3.ª Ré, e do 4.º Réu, nas qualidades referidas em 12, e a 5.ª Ré, através do 6.º Réu, por si e na qualidade de gerente daquela, presencialmente e em simultâneo, outorgaram um escrito denominado “Acordo de Cessão de Posição Contratual de Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º ...”.
24- A 5.ª Ré declarou aceitar a posição de locatária no “contrato de locação financeira imobiliária nº....”, outorgado em 6 de fevereiro de 2013, relativo ao imóvel sito no Lugar ..., ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...17.
25- Imóvel esse no qual se encontrava instalado o estabelecimento comercial da 1.ª Ré.
26- No escrito referido em 10, a 1.ª Ré declarou que “Verificando-se alteração da estrutura acionista da primeira outorgante, designadamente através da venda ou transmissão das ações, alteração do conselho de administração ou alteração do estabelecimento comercial, ocorrerá o vencimento imediato de todas as prestações que se mostrem em dívida, obrigando-se a primeira outorgante ao pagamento imediato das mesmas”.
27- Na data referida em 23, a 1.ª Ré já tinha despendido, com o contrato de locação financeira aí referido, a quantia de € 143.692.50, correspondente à soma da primeira renda, no valor de € 28.835.00, do IMT, no valor de € 25.675.00, do Imposto de Selo, no valor de € 3.160.00, e de 19 rendas, no valor de € 4.527.50 cada.
28- As dívidas vencidas e não pagas da 1.ª Ré, na data da declaração da sua insolvência, ascendiam a mais de € 3.000.000.00.
29- Através dos negócios referidos em 13 e em 23, o 2.º Réu, premeditadamente, fez sair do ativo da 1.ª Ré a posição de locatário financeiro do pavilhão onde tinha instalado o seu estabelecimento e os equipamentos fabris que aí se encontravam.
30- Impedindo que a Autora fosse ressarcida do montante referido em 10.
31- Tal como os demais credores.
32- Em 29 de Setembro de 2014, a 1.ª Ré deliberou apresentar-se a Processo Especial de Revitalização.
33- Constando da respetiva ata que a Assembleia Geral deliberativa teve lugar “Aos vinte e nove dias do mês de setembro de 2014, pelas 15 horas (…) na sede social, sita na Rua ..., ... ... ...”.
34- As assinaturas apostas no escrito referido em 33 foram reconhecidas presencialmente na ... Conservatória do Registo Predial ..., em 29 de setembro de 2014, constando do termo de reconhecimento a menção “com os necessários poderes para o ato, conforme verifiquei pela consulta da certidão permanente do Registo Comercial, com código ...81, hoje visualizada às quinze horas e dez”.
35- Em data posterior a setembro de 2014, era possível encontrar em ... o 2.º Réu.
36- A 1.ª Ré alegou, no Processo Especial de Revitalização que apresentou, que “continuava a ser visitada pelos seus clientes tradicionais e outros, mantendo viva a sua atividade comercial e com fortíssimas perspetivas de aumentar as suas vendas”.
37- Criando a convicção de manter-se em atividade e funcionamento.
38- Desde setembro de 2014, alguns dos antigos trabalhadores da 1.ª Ré eram encontrados no local referido em 4.
39- Em janeiro de 2015, a 1.ª Ré, declarou, no Processo Especial de Revitalização que apresentou, que a sua sede era em Lugar ..., Lote n.º ..., ..., ... ..., e que era administrada pelo 2.º Réu, pela 3.ª Ré e pelo 4.º Réu, “Mantendo, o núcleo essencial de colaboradores”.
40- Mais declarou que o “plano de recuperação conducente à revitalização da EMP02... SA, consiste na restruturação do seu passivo e, desta forma, fazer renascer a capacidade de a empresa gerar lucros, sendo estes direcionados não só para a atualização, modernização e aquisição de novos produtos a comercializar no estabelecimento comercial da devedora”
41- E que “a devedora mantém intacta a sua estrutura comercial, designadamente o núcleo essencial dos seus colaboradores com conhecida e reconhecida competência na área dos negócios, nos quais se encontra inserida, constituindo, ainda, património fundamental toda a clientela fiel e fidelizada à devedora”.
42- Em maio de 2015, na interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo acima referido, a 1.ª Ré alegou que “Na verdade a devedora mantém intacta toda a sua rede de clientes os quais continuam a contactá-la manifestando total confiança e interesse na aquisição de produtos comercializados pela devedora”.
43- Que “No âmbito do ativo de uma empresa, a clientela revela-se um valor absolutamente essencial para a respetiva viabilização económica e financeira”.
44- E que “Mais, a devedora mantém o “núcleo duro” dos seus colaboradores”.
45- Na data referida em 42, bem sabia o 2.º Réu que os trabalhadores da 1.ª Ré haviam sido objeto de despedimento coletivo iniciado em outubro de 2014.
46- Parte dos antigos trabalhadores da 1.ª Ré passou a integrar o quadro de trabalhadores da 5.ª Ré.
47- O 2.º Réu, ao celebrar os negócios referidos em 13 e 23, sabia que impedia a satisfação do montante referido em 10.
48- Foram outorgantes, no acordo referido em 23, “Banco 1...”, aí identificada como “LOCADORA”, “EMP02..., S.A.”, aí identificada como “CEDENTE”, e “EMP03..., Lda.”, aí identificada como “CESSIONÁRIO”.
49- Desde ../../2015, a 5.ª Ré tem a firma “EMP03..., Lda.”.
50- O seu capital social atual é de € 750.000,00.
51- A sede da “EMP03..., Lda.” é na Rua ..., ..., ... ..., ....
52- A sede da “EMP02..., S.A.” é na Avenida ..., Edifício ..., ... ..., ..., desde ../../2015.
53- A 5.ª Ré entregou à 1.ª Ré quatro cheques, todos sacados sobre o Banco 2..., da conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, com o n.º ...17, emitidos a favor da “EMP02..., S.A.”, a saber:
- cheque n.º ...49, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.09.2014;
- cheque n.º ...50, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.10.2014;
- cheque n.º ...52, da quantia de € 20.000,00, datado de 30.11.2014;
- cheque n.º ...53, da quantia de € 190.000,00, datado de 30.12.2014.
54- O cheque n.º ...49 foi debitado na conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, referida em 53, no dia 1.10.2014.
55- O cheque n.º ...50 foi debitado na conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, no dia 31.10.2014.
56- O cheque n.º ...52 foi debitado na conta da “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, no dia 2.12.2014.
57- O cheque n.º ...53 foi anulado e entregue pela 1.ª Ré à 5.ª Ré.
58- A 5.ª Ré era fornecedora da 1.ª Ré, existindo entre elas uma conta- corrente.
59- Em 24.09.2014 o saldo devedor da 1.ª Ré à 5.ª Ré, na conta de “Clientes” desta última era de € 180.318,28.
60- Por isso, fez-se um acerto de contas entre a 1.ª Ré e a 5.ª Ré, não tendo o último cheque sido apresentado a pagamento.
61- Nos factos dados como provados na sentença de qualificação de insolvência referida em 22 consta, entre o mais, o seguinte:
“e) Em 23 de julho de 2014, a Insolvente vendeu à EMP03..., Lda. os bens móveis identificados no anexo (…) tendo sido entregue à [1ª ré] 4 cheques de €20.000,00 e emitido um cheque de € 190.000,00, o qual foi devolvido, por ter sido realizado um encontro de contas com o saldo devedor da insolvente para com o comprador no valor de €180.318,28;
(…)
g) Em 29/09/2014, a Insolvente cedeu à EMP03..., Lda. a sua posição no contrato de locação financeira relativo ao imóvel sito no Lugar ..., ..., em ...;
h) Em 29/09/2014, a Insolvente deliberou apresentar-se a PER, o que fez de imediato;
i) Em data posterior a Setembro de 2014, era possível encontrar em ... AA, criando uma falsa aparência de exercício de uma atividade comercial que não existia, dado que no dia em que cedeu a sua posição contratual à EMP03..., Lda., o gerente AA apresentou a sociedade a PER, declarando na ata reunir a assembleia geral na sede, na Rua ..., ... em ..., onde funciona a EMP03..., Lda.;
j) Em simultâneo, a Insolvente alegou no PER que “continuava a ser
 visitada pelos seus clientes tradicionais e outros, mantendo viva a sua atividade comercial e com fortíssimas perspetivas de aumentar as suas vendas”;
k) Criando falsamente a convicção de manter-se em atividade e funcionamento pelo menos até Maio de 2015, data em que se mostrou declarada a sua insolvência;
l) Desde setembro de 2014 que o gerente e trabalhadores eram encontrados no local, nunca se suspeitando que os activos tivessem sido cedidos à EMP03..., Lda. e os trabalhadores tivessem nova entidade patronal;
(…)
n) Em 02/02/2015, a EMP03... alterou a sua sede social para a Rua ..., ..., em ..., ...;
o) A Insolvente alterou a sua sede social em 08/05/2015 para a Avenida ..., ..., em ...;
(…)
cc) A EMP03..., Lda. labora atualmente no local onde laborava a Insolvente e existe coincidência, ainda que parcial, entre clientes e fornecedores”.
62- No contrato referido em 23, a “EMP03..., Lda.” declarou assumir “todos os direitos e obrigações contratuais do CEDENTE”.
63- Da cláusula 3.ª do contrato referido em 23 consta o seguinte:
“1. O CEDENTE e o CESSIONÁRIO comprometem-se a desenvolver todas as diligências e a praticar todos os atos necessários para que a Seguradora, que celebrou com o ora CEDENTE o contrato de seguro identifica na Cláusula Décima das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária cedido, aceite a substituição do CEDENTE pelo CESSIONÁRIO na qualidade de tomador do seguro.
2. Se não foi possível a substituição nos termos do disposto no número anterior, o CESSIONÁRIO obriga-se a subscrever um novo contrato de seguro nos termos e condições expressos na identificada cláusula”.
64- Entre as obrigações assumidas pela “EMP03..., Lda.” no contrato referido em 23 está o pagamento das rendas e a amortização do capital do investimento, que, no início, era do total de € 423.835,00 e que, à data desse acordo era de € 349.407,19.
65- O pagamento da última renda e da última amortização do capital vencer-se-ia em 5 de janeiro de 2023.
66- Em 23 de julho de 2014, a 1.ª Ré prometeu ceder à 5.ª Ré, que declarou aceitar, “a posição contratual que assumiu no (…) contrato de locação financeira n.º ...90 (…) no qual figura como Locador o Banco 3...”.
67- Na data referida em 66, a dívida da 1.ª Ré à Banco 1... era de € 353.466,19.
68- No dia 18 de Março de 2016, a Autora, “EMP01..., S.L.”, intentou contra “EMP02..., S.A.” e “EMP03..., Lda.”, ação declarativa sob a forma comum que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão – Juiz ..., sob o n.º 1982/16.....
69- Nessa ação a aqui Autora pedia o seguinte:
“a) Ser declarado nulo, uma vez que se tratou de negócio simulado, o negócio efetuado entre a 1º. R. e 2ª. R., alegado supra 13º. – consubstanciado na venda do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº....16, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...15, que a “EMP02..., S. A.” fez a “EMP03..., Lda.”, por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 26 de agosto de 2014, no Cartório Notarial ..., de ... –, e em consequência reverter o mesmo para o património do 1º. R.;
(…)
Subsidiariamente,
d) Ser declarada a ineficácia da doação efectivada entre os R.R., alegada supra;
e) Ser ordenada a restituição do bem daquela forma alienado, ao património do 1º. R.,
f) Ser reconhecido ao A. o direito à restituição daquele bem, na medida do seu interesse, ao património do 1º. R., podendo executá-lo no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.
70- No dia 20 de fevereiro de 2017, a Autora, “EMP01..., S.L.” desistiu do pedido na ação referida em 68.
71- A desistência do pedido foi homologada por sentença de 1 de Março de 2017, transitada em julgado.
72- No processo de insolvência da 1.ª Ré, o Administrador da Insolvência não resolveu os negócios referidos em 13 e 23 em beneficio da massa insolvente.
73- Alguns dos bens objeto do negócio referido em 13 estão fisicamente integrados no imóvel no qual exercia atividade a 1.ª Ré.
74- Em 12.08.2015, a Autora requereu a qualificação da insolvência da 1.ª Ré como culposa.
75- A 3.ª e 4.º Réus, BB e CC, embora tivessem sido nomeados vogais do conselho de administração da 1.ª Ré, nunca tomaram decisões relativas à administração da 1.ª Ré, que foram sempre tomadas pelo presidente do conselho de administração, o 2.º Réu, AA.
76- A 3.ª e 4.º Réus haviam renunciado ao cargo de vogais do conselho de administração da 1.ª Ré em 24.04.2014, através de carta registada com aviso de receção, recebida pela 1.ª Ré em 24 de abril de 2014.
77- Os 3.º e 4.º Réus, BB e CC, foram trabalhadores da 1.ª Ré.
78- A 3.ª Ré foi contratada em 18.01.2006 para exercer as funções de assistente administrativa sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e mediante retribuição, tendo o seu esse cessado em 31.12.2014, na sequência de despedimento coletivo promovido pela 1.ª Ré.
79- A 3.ª Ré, a partir de 01.12.2013, desempenhou também as funções de técnica de contas interna da 1.ª Ré.
80- O 4.º Réu foi contratado em 01.02.2008 para exercer as funções de gestor, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e mediante retribuição.
81- Tendo sido despedido em 31.12.2014, na sequência do mesmo procedimento de despedimento coletivo promovido pela 1.ª Ré.
82- Em 1 de Fevereiro de 2013, os 3.º e 4.º Réus foram designados vogais do conselho de administração da 1.ª Ré.
83- Tendo a respetiva renúncia sido registada em 24.01.2015, pela Ap. ...24.
84- Os 3.ª e 4.º Réus, apesar do referido em 82, continuaram a exercer as funções referidas em 78 a 80, sob as ordens, disciplina e fiscalização da 1.ª Ré e a auferir a respetiva retribuição.
85- Os 3.ª e 4.º Réus nunca exerceram qualquer poder decisório para decidir e efetuar encomendas ou pagamentos, nem colhiam qualquer beneficio económico da 1.ª Ré que não fosse a retribuição pela prestação do seu trabalho.
86- Os 3.ª e 4.º Réus não davam instruções ou ordens, não tomavam decisões sobre a compra e venda de bens e contratação e prestação de serviços com terceiros.
87- Não tomavam decisões, nem davam ordens relativas à manutenção e funcionamento das instalações.
88- Não tomavam decisões sobre a contratação, despedimento ou tarefas dos trabalhadores da 1.ª Ré.
89- Não tomavam decisões quanto ao processamento de salários, nem quanto ao pagamento a fornecedores.
90- Não decidiam qualquer assunto do departamento financeiro da empresa ou à liquidação e cobrança de impostos.
91- Não decidiam qualquer assunto relativo à situação financeira e bancária da sociedade.
92- Limitando-se a seguir instruções e indicações fornecidas pelo 2.º Réu.
93- Nunca a 3.ª e 4.º Réus foram consultados sobre qualquer assunto que envolvesse a tomada de decisões de administração da 1.ª Ré.
94- As funções referidas em 84 a 92 couberam sempre e em exclusivo ao 2.º Réu, AA.
95- Aos 3.ª e 4.º Réus, BB e CC, foi pedido o favor de figurarem no conselho de administração porque era obrigatório serem três pessoas e o patrão não tinha a quem pedir.
96- Sendo que os 3.ª e 4.º Réus acederam porque tiveram medo de ser despedidos e assim ficarem desempregados e sem modo de subsistência, vontade essa sempre condicionada pela relação existente com a 1.ª Ré.
97- Os 3.ª e 4.º Réus nunca decidiram alienar quaisquer bens da 1.ª Ré.
98- Os 3.ª e 4.º Réus assinaram o escrito referido em 23 na qualidade de vogais do conselho de administração da 1.ª Ré porque tal lhes foi imposto pelo 2.º Réu, porquanto a renuncia ao cargo de vogais ainda não se encontrava registada.
99- A 3.ª Ré apenas conheceu nessa data os factos vertidos no clausulado do contrato.
100- Nunca a 3.ª e 4.º Réus tiveram intenção de prejudicar a Autora ou terceiros.
101- Nunca a 3.ª e 4.º Réus tiveram qualquer conluio com qualquer dos restantes Réus.
102- A 3.ª e 4.º Réus não fizeram as alegações referidas em 36 e 39 a 44.
103- A 1.ª Ré, “EMP02...”, foi sempre representada no Processo Especial de Revitalização e no processo de insolvência pelo 2.º Réu, AA, que outorgou a procuração forense junta a esses autos.
104- Na Assembleia de Apreciação do Relatório realizada no processo de insolvência da 1.ª Ré, a 3.ª Ré esclareceu que não pertencia ao conselho de administração da mesma.
105- A negociação da operação de cessão de posição do leasing imobiliário partiu da 1.ª Ré, que propôs à Ré “Banco 1...” a cessão da sua posição contratual à 5.ª Ré.
106- Na sequência do agravamento da situação económico-financeira do grupo “EMP02...”.
107- Após a análise do risco de crédito da 5.ª Ré, e perante os melhores indicadores financeiros para acomodar o serviço da dívida inerente ao contrato, foi aprovada e contratada a operação de cessão, vertida no escrito referido em 23.
108- Prosseguindo a 5.ª Ré o cumprimento do Plano Financeiro relativo ao contrato de leasing, cujo termo se perspetivava para 5/02/2023, importando o pagamento de rendas e amortização do capital vincendo e respetivo valor residual.
109- Tal operação de locação financeira imobiliária já se encontra integralmente liquidada junto da Banco 1..., tendo a cessionária pago integralmente as responsabilidades em novembro de 2016.
110- Por sentença datada de 10.04.2018 e já transitada em julgado, proferida nos autos de “Reclamação de Créditos”, proc.º n.º 4778/15...., do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J..., apensos ao processo de insolvência da 1.ª Ré, “EMP02...”, foi reconhecido à Autora um crédito no valor de € 897.211,50, correspondente a € 893.118,00 de capital e € 4.094,50 de juros.
111- Por sentença datada de 8.08.2017 e transitada em julgado em 29.08.2017, proferida nos autos “Insolvência pessoa singular (Requerida)” correspondentes ao proc. n.º 3389/17...., que correram termos do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J..., foi declarada a insolvência do 2.º Réu, AA, tendo sido proferida decisão de encerramento do processo em 12.11.2021, transitada em julgado em 03.12.2021”.

3. Mantendo-se, no essencial, a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, ainda assim cumpre apreciar os argumentos invocados e que colocam em crise a sentença proferida, no que à fundamentação jurídica diz respeito.

3. a - Relativamente à decisão de declaração de impossibilidade da lide em relação ao 2.º réu, no que se reporta ao pedido formulado na alínea h) da petição inicial, o fundamento invocado foi a decisão de declaração de insolvência que foi proferida e que está datada de 08/08/2017.
Note-se que tal decisão foi proferida já depois de o Tribunal de 1.ª Instância ter concluído que estavam verificados os pressupostos que permitiam responsabilizar aquele 2.º réu nos termos do art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais.
Começa por referir-se que a fundamentação da decisão se reporta à inutilidade da instância, citando Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a ela se reporta, ao passo que o segmento decisório refere a impossibilidade do prosseguimento da instância como causa da sua extinção.
A inutilidade superveniente da lide não se confunde com a sua impossibilidade.
A inutilidade pressupõe que o fim pretendido com a ação foi já alcançado por via diversa, enquanto que a impossibilidade acontece quando por razões subjetivas, objetivas ou causais a instância não pode já prosseguir.
Alega a recorrente que, estando esse processo encerrado e não tendo sido deferida a exoneração do passivo restante, tal declaração de insolvência não obstava ao prosseguimento dos autos.
Ora, o que se surpreende quando se analisa o facto considerado provado em 111 é que a declaração de insolvência daquele réu ocorreu em 08/08/2017 e, assim, antes da propositura desta ação (em 10/07/2019) e, como tal, a mesma não constitui um facto superveniente que possa causar a inutilidade ou impossibilidade desta lide.
Não é esta a situação que está pressuposta no Acórdão de Fixação de Jurisprudência que foi citado na decisão (sendo o Acórdão Uniformizador de 08/05/2013, proferido no processo 170/08.0TALM.L1.S1, publicado no DR. 1:º Série n.º39, de 25/02/2014 e não aquele que foi citado na decisão proferida), pois que, então, estava precisamente em causa o efeito que a declaração de insolvência podia ter em ação declarativa já pendente, reconhecendo-se que, nesses casos, deveria ter lugar a extinção da instância pela verificação dessa causa de inutilidade superveniente (nas palavras do Acórdão, “a questão decidenda analisa-se em saber se a sentença transitada, que declara a insolvência da R./empregadora, determina, ou não, a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, de ação declarativa pendente contra a insolvente”).
A jurisprudência desse Acórdão não tem assim aplicação quando a declaração de insolvência já se verificou quando é proposta a ação declarativa e é visada pessoa declarada insolvente, ainda que se pretenda a sua condenação no pagamento de uma indemnização que, como acontece na situação em apreço, se reporte a factos que tinham já ocorrido quando se verificou aquela declaração de insolvência (vide, em situações semelhantes em que a declaração de insolvência é prévia à propositura da ação e, assim, se considerou inaplicável a jurisprudência do Acórdão Uniformizador, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/07/2019, do Juiz Desembargador Luís Espírito Santo, proc. 31778/15.6T8LSB.L2-7 e do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2022, do Juiz Desembargador Ernesto Nascimento, proc. 1162/19.9T8PVZ-A.P1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt).
Nestes autos, tendo sido alegado logo na petição inicial que o 2.º réu estava insolvente (art.º 111.º da petição inicial com a junção de cópia da decisão já proferida) nenhum despacho foi proferido a considerar que os autos não poderiam prosseguir contra esse 2.º réu insolvente, considerando a totalidade dos pedidos formulados pela autora.
E, assim sendo, na data em que foi proferida a sentença, estando o processo de insolvência do 2.º réu encerrado, nada obstaria a que qualquer credor pudesse ver reconhecido qualquer direito de crédito sobre aquele réu, atento o disposto no art.º 233.º do CIRE.
Tal obstáculo existiria apenas se tivesse sido deferida ao 2.º réu insolvente a exoneração do passivo restante. Nesse enquadramento legal, o 2.º réu ficaria exonerado do pagamento das dívidas que não fosse concretizado no período de cedência do seu rendimento disponível.
Ora, nunca foi alegado pelo 2.º réu que tal pedido de exoneração tivesse sido deferido, como lhe competia enquanto facto impeditivo do direito da autora, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil (e, diga-se, não foi alegado porque não foi deferida a exoneração do passivo restante, como se retira da certidão junta e que permitiu a prova do facto 111 desta decisão).
Não existia assim fundamento para, com base na sentença que, em data anterior à propositura desta ação, declarou a insolvência do 2.º réu, declarar extinta a pretensão deduzida pela autora na alínea h) da sua petição inicial, contra aquele réu, seja por inutilidade, seja por impossibilidade superveniente da lide.
Impõe-se, assim, revogar a decisão proferida que julgou extinta por impossibilidade da lide a ação, no que se reporta ao pedido formulado pela autora na alínea h), no que ao 2.º réu se reporta.
Não existindo tal impossibilidade, temos, pois, que verificar se existe fundamento material para condenar este 2.º réu no pagamento quantia a que se refere a alínea h) do pedido formulado, tendo por base a causa de pedir apresentada pela autora e que faz apelo ao instituto da responsabilidade civil.
Depois de extenso enquadramento teórico que não foi colocado em causa nesta apelação (invocando aquele instituto e o disposto no art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais), e fazendo apelo aos factos 9,10, 13 a 15, 23 a 26, 28 a 32 e 47 que resultaram provados, “em face da matéria de facto acima transcrita, impõe-se considerar que a conduta do 2.º Réu, AA, preenche a previsão do art.º 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, na medida em que, enquanto administrador da 1.ª Ré, “EMP02...” alienou património desta sem que se conheça o destino dado à respetiva contrapartida monetária, sendo, por isso, de considerar verificada a ilicitude, por violação de norma legal destinada à proteção dos credores.
Trata-se de atuação culposa, já que o 2.º Réu sabia que, ao atuar dessa forma, impedia a satisfação do crédito da Autora, atuação decorreu a insuficiência patrimonial da 1.ª Ré, “EMP02...” e a impossibilidade de satisfação dos credores, encontrando-se, pois, também demonstrado o dano e o nexo de causalidade.
Encontram-se, por isso, reunidos todos os pressupostos da responsabilização civil do 2.º Réu, AA, à luz do art.º 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais”.
Nestes autos, a prolixa pretensão indemnizatória deduzida pela autora reporta-se à condenação deste réu e dos demais réus pessoas singulares, “solidariamente com a 1ª. R até à concorrência do valor real económico de cada transmissão alegada supra 17º. e 41º., de participação social em que intervieram com o direito de crédito da A., que ascende à presente data a €1.191.989,03, a que acresce juros à taxa legal contados desde a presente data e até integral pagamento” (não se percebe a referência ao valor económico de cada transmissão ou à participação social em que intervieram).
Ora, este montante corresponde ao valor dos fornecimentos que foram efetuados pela autora à 1.ª ré, de 893.118,00 euros, acrescido de juros de mora, como decorre da sua alegação do art.º 13.º da petição inicial.
Daqui resulta que a indemnização peticionada se reporta ao crédito que a autora detinha sobre a 1.ª ré, que não foi pago, tendo o 2.º réu frustrado, com a sua atuação, a possibilidade do seu pagamento, sendo este o dano sofrido pela autora e resultante desta.
Assiste assim o direito de a autora exigir do 2.º réu a quantia indemnizatória de 893.118,00 euros.
A autora peticiona ainda juros de mora vincendos desde a citação, sendo que inclui no valor que peticiona (1.191.989,03 euros) quantia que afirma ser de juros de mora já vencidos (298.871,03) – ver art.º 13.º da petição inicial em que se explica a origem do valor total peticionado.
Peticiona assim juros vincendos sobre quantia de capital e sobre os juros de mora que alegava estarem já vencidos, de forma que a lei não permite – art.º 560.º do C. Civil.
            A autora tem o direito de exigir indemnização moratória que, por se tratar de obrigação pecuniária, corresponde aos juros - cfr. arts.º 804.º, n.ºs 1 e 2, e 806.º, n.º 1, do C. Civil.
Porém, a mora da 1.ª ré no pagamento das mercadorias vendidas não se confunde com a mora do 2.º réu com fundamento na sua responsabilidade extracontratual por violação do disposto no art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais.
Assim, não sendo alegada outra data que permita afirmar a responsabilidade moratória do 2.º réu, os juros de mora serão devidos apenas desde a citação, nos termos do art.º 805.º, nº3, e 559.º do C. Civil.
A taxa supletiva de juros a considerar é de 4% - Portaria nº291/2003, de 08/04 – aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro, enquanto não se verificar o pagamento.

3. b – Questiona ainda a recorrente a decisão de improcedência da ação no que se reporta à pretensão indemnizatória que reclama dos 3.º e 4.º réus, com fundamento no art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais, referindo-se a esta matéria as questões que coloca relativas à relevância do registo da renúncia às funções de administradores e do não exercício de funções de administração de facto.
Note-se que não encontramos nas conclusões da apelação qualquer menção à decisão de improcedência da pretensão indemnizatória que a autora deduziu contra o 6.º réu que, assim, não é objeto desta apelação (conclusões 67, 68, 69 a 71, 83 e 84).
Assiste integral razão à autora recorrente quando refere que, perante terceiros, a renúncia às funções de administrador apenas produz efeitos a partir do momento em que o facto é registado – 24/01/2015 –, nos termos dos arts.º 3.º, n.º1, alínea m), e 14.º do C. das Sociedades Comerciais.
Assiste-lhe também razão quando refere que quem aceita exercer as funções de administrador de direito de uma sociedade e não as exerce também de facto omite todos os deveres que a lei lhe impõe no art.º 64.º do C. das Sociedades Comerciais.
Estamos, como bem assinala a autora (no seguimento do enquadramento jurídico da sentença proferida e relativamente ao qual a petição inicial era absolutamente omissa, limitando-se a aludir ao art.º 483.º do C. Civil e ao seu regime) no âmbito da aplicação do disposto no art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais.
Como refere a própria recorrente, “o direito próprio dos credores perante o administrador de uma sociedade consagrado no artigo 78.º em apreciação reporta-se ao dever do administrador de não afetar o património da sociedade por violação de leis destinadas a proteger aqueles credores. Só assim se justifica que, nos termos da referida disposição legal, a inobservância das normas de proteção determine a responsabilização do administrador se causar uma diminuição do património social (o dano direto na sociedade), diminuição que o torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos (dano indireto dos credores sociais)”.
            Alega também a recorrente, “pode dizer-se que a responsabilidade para com os credores sociais prevista no citado normativo, a que corresponde um direito próprio destes e uma ação direta, nada tem que ver com a questão de saber se o administrador tem ou não o dever de cumprir uma obrigação da sociedade para com o credor social, mas antes com o dever que recai sobre o administrador de não afetar o património social em violação de leis destinadas a proteger aqueles credores
Ora, na data em que foram praticados os atos que estão aqui alegados como tendo efetuado a diminuição do património da sociedade 1.ª ré, os 3.º e 4.º réus haviam já renunciado às suas funções na sociedade e não estavam, assim, em condições de causar qualquer dano à 1.ª ré com a sua intervenção.
E, assim, se não podiam causar aquele dano direto, muito menos o dano indireto dos credores sociais que o art.º 78.º do C. das Sociedade Comerciais permite indemnizar.
É este entendimento que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado pela recorrente (de 13/09/2016, da Juiz Conselheira Graça Amaral do processo 1636/13.5TBIER.L1-7). A partir do momento em que os 3.º e 4.º réus renunciaram às suas funções como administradores da 1.º ré, ainda que tal renúncia não tivesse sido registada, deixaram de, perante a sociedade, poder assumir as obrigações que decorrem das normas citadas nesse Acórdão, de conservação do capital social, constituição e utilização de reserva legal, proibição de ações próprias, ou os deveres de requerer a insolvência da sociedade, sendo que são estas as normas de proteção dos credores sociais que podem gerar a responsabilidade do art.º 78.º do C. das Sociedades Comerciais.
Foi, aliás, com este mesmo fundamento – e não porque fossem apenas administradores de direito e não de facto da 1.ª ré – que não foram visados no incidente de qualificação da insolvência da 1.ª ré como culposa.  
E não vemos, com franqueza, nas alegações apresentadas, fundamento jurídico consistente que permita alterar a decisão de absolvição do pedido que consta da sentença de 1.ª Instância.
Improcede, assim, este fundamento da apelação.

3. c – No que se reporta à verificação dos pressupostos que permitiriam a declaração de nulidade dos negócios celebrados por simulação ou, subsidiariamente, a sua impugnação pauliana, a manutenção, no que a esta matéria se reporta, dos factos que foram considerados como provados na sentença proferida em 1.ª Instância impõe, naturalmente, a manutenção da fundamentação jurídica da mesma e que, de forma absolutamente eloquente, determinou a improcedência de ambos os pedidos (principal e subsidiário).
Assim, relativamente a estas questões, não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes.
Apenas em relação ao negócio de cedência da posição contratual no contrato de leasing, cumpre apreciar a concreta questão invocada pela recorrente, no confronto com o que foi decidido.
Depois de caracterizar o negócio celebrado e os termos em que poderia ou não ser objeto de impugnação pauliana, afirma-se na sentença proferida:
Aqui chegados, há, contudo, que reconhecer a existência de um obstáculo intransponível à procedência da impugnação do negócio referido no ponto 23 dos Factos Provados.
Dispõe o art.º 616.º, nºs 1 a 3, do Código Civil, que:
 “1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
2. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.
3. O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento”.
Conforme decorre do preceito acima citado, quando os bens objeto do ato impugnado tenham sido alienados pelo adquirente ou tenham perecido, torna-se impossível a execução dos mesmos no património do obrigado à restituição, pelo que, nesse caso – e sem prejuízo da impugnação das transmissões subsequentes, ao abrigo do disposto no art.º 613.º, do Código Civil –, resta ao credor o direito a ser indemnizado pelo valor da coisa ou pelo enriquecimento do adquirente, consoante este tenha adquirido de má fé ou de boa fé, respetivamente.
Como defende J. Cura Mariano – op. cit., págs. 225 e 226 –, o regime
resultante do art.º 616.º, nºs 2 e 3, do Código Civil, deve aplicar-se, por identidade de razão, às situações em que o bem ou direito perde a sua individualidade no património do adquirente, pois, também nesse caso, o mesmo deixa de poder ser objeto de penhora em execução.
Ora, em face do consta do ponto 109 dos Factos Provados, encontra-se demonstrado que a operação de locação financeira imobiliária a que se refere a cessão da posição contratual impugnada já se encontra integralmente liquidada junto da “Banco 1...”, tendo a 5.ª Ré pago integralmente as rendas em novembro de 2016, ingressando a propriedade do imóvel na sua esfera jurídica.
Deste modo – e não tendo sido impugnado o ato ou atos de que resulta o ingresso da propriedade do imóvel na esfera patrimonial da 5.ª Ré –, mostra-se impossível a penhora, em execução, da posição de locatária financeira adquirida pela “EMP03...”, já que tal posição se extinguiu juntamente com o vínculo contratual, perdendo a sua individualidade no património desta.
Assim, e na medida em que tal situação de facto já se verificava à data da propositura da presente ação, impõe-se julgar improcedentes os pedidos formulados nas alíneas f) e g) da Petição Inicial”.
Esta apreciação jurídica é irrepreensível.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que é citado pela recorrente a situação de facto que está subjacente à decisão não é a que aqui está em causa – Acórdão proferido no processo 2232/05.6TBPNF.P1.S1.
A frase que dele consta em que se refere “e porque se operou a apontada cessão da posição contratual nos moldes supra descritos, mostra-se   completamente  desajustado e prejudicado   invocar a propriedade do veículo na base do contrato de leasing, conforme fazem os recorrentes nas suas conclusões de recurso”, não se refere à propriedade do bem objeto do contrato resultante da sua venda pelo locador ao locatário (como aconteceu na situação em apreço, venda essa que estava já realizada à data da propositura da ação, como se demonstrou).
O direito de propriedade cuja invocação foi considerada irrelevante na situação em apreço foi o do locador que cedeu o bem em leasing ao locatário.
A alegação de que o imóvel objeto do contrato de leasing servia de garantia ao contrato de leasing (que consta de fls. 63 das alegações) é destituída de qualquer consistência jurídica, não sendo o imóvel cedido em leasing garantia do que quer que seja, pois que é propriedade do locador e não do locatário, não podendo, assim, constituir garantia do pagamento.
A jurisprudência invocada não coloca assim em causa o que foi decidido e que se reporta à transmissão do bem entregue em leasing, e que estava pressuposto no acordo de cedência de posição contratual, ocorrida antes da propositura desta ação.
Improcede, assim, este fundamento da apelação.

3. c – A interveniente apresentou recurso de apelação, requerendo que o mesmo fosse apreciado apenas em caso de procedência de qualquer das pretensões da recorrente.
Torna-se claro que a parcial procedência da apelação, no que se refere a questão que nada tem que ver com o negócio jurídico que levou à intervenção da Banco 1..., não constituiu pressuposto que justifique a apreciação do recurso que por esta foi apresentado.
Assim, não será apreciado o recurso apresentado pela interveniente Banco 1....
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Em conclusão, impõe-se, apenas, julgar parcialmente procedente a presente apelação, revogando-se apenas a alínea a) da decisão proferida e, em conformidade, condenando-se o 2.º réu no pagamento à autora da indemnização que corresponde ao montante do crédito que a autora detinha sobre a 1.ª ré pelas mercadorias vendidas, acrescida de juros de mora civis devidos desde a citação, improcedendo, quanto aos demais juros, o pedido formulado na alínea h), no que ao 2.º réu se reporta.
Em conformidade, impõe-se alterar a condenação em custas da ação, sendo estas suportadas pela autora e pelo 2.º réu na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 6/8 para a autora e 2/8 para o 2.º réu, ex vi art.º 527.º do C. P. Civil (considerando que a primeira decai na totalidade da ação quanto aos demais réus e em relação ao 2.º réu quanto aos demais pedidos que formulou).
Quanto às custas deste recurso de apelação, o decaimento das partes é fixado nos mesmos termos, considerando que apenas o 2.º réu ficou em parte vencido.

V – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em
julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência:
a) revogam a decisão proferida no que se reporta à alínea a) e que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido da alínea h) da petição inicial, no que se reportava ao 2.º réu AA;
b) em consequência, condenam este 2.º réu a pagar à autora a quantia de 893.118,00 euros (oitocentos e noventa e três mil cento e dezoito euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contabilizados desde a citação até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida à taxa de juro civil enquanto aquele não ocorra, absolvendo-o do restante pedido formulado na referida alínea h);
c) mantêm a restante decisão proferida.
As custas da ação e do recurso serão suportadas pela autora e pelo 2.º réu na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 6/8 para a autora e 2/8 para o 2.º réu, ex vi art.º 527.º do C. P. Civil (considerando que a primeira decai na totalidade da ação quanto aos demais réus e em relação ao 2.º réu quanto aos demais pedidos principais que formulou).
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Guimarães, 24/04/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria Amália Santos
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes