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EXCESSO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO FORMAL
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
DIFICULDADE/IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO A DOCUMENTOS
OBJETO DA INSTRUÇÃO
Sumário
I- O “excesso de pronúncia”, que gera a nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1 al. d), parte final do Código de Processo Civil, apenas ocorre quando Tribunal conhece de questões que, não tendo sido aduzidas pelas partes, não são igualmente de conhecimento oficioso. II - São vícios decisórios que resultam da violação pelo Tribunal dos arts. 608.º, n.º 2, 2ª parte e 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dos quais ressalta que o Juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, e não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. III – Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, de cariz meramente processual, seja objeto de nova decisão. Se assim suceder, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão. IV – Na reclamação à relação de bens em processo de inventário deve ser deduzida toda a oposição, incluindo a indicação de todos os meios probatórios, sob pena de preclusão. V - A requisição pelo Tribunal de informações ou elementos probatórios em poder de terceiros, a pedido da parte sobre que impende o ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte os obter por si só. VI – Não é admissível que se utilize o processo de inventário para se fazer uma investigação às contas bancárias do inventariado, pois que a instrução tem por objeto apenas os factos necessitados de prova.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - RELATÓRIO
No âmbito do presente processo de inventário instaurado por óbito de AA, em que desempenha as funções de cabeça-de-casal BB e em que é interessado CC, na sequência de reclamação à relação de bens apresentada por este último, foi proferido o seguinte despacho, em 19/06/2024, na parte que ora importa considerar:
“(…) decide-se:
- Determinar a notificação da Banco 1..., S.A. para, no prazo de 10 dias, informar os autos sobre eventuais saldos depositados em contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelo inventariado à data do respectivo óbito, bem como para juntar os extractos e movimentos de todas essas contas bancárias nos seis meses que precederam o seu decesso;”;
Tal despacho não foi objeto de recurso ou reclamação, tendo transitado em julgado;
A resposta da Banco 1..., de ../../2024, tem o seguinte teor:
“Em resposta ao ofício em referência, cumpre-nos informar V. Ex.ª do seguinte:
AA, falecido em ../../2003, era titular, nesta Instituição, das contas que se indicam na Declaração de Saldos do Óbito de Cliente.
Anexamos extratos das contas que apresentavam movimentos no período solicitado.
Mais informamos que a conta à ordem n º ...00 e a conta poupança n º ...61, não apresentavam saldo nem registo de qualquer movimento, muitos anos antes do seu decesso, motivo pelo qual não é possível enviar os extratos para o período solicitado.”.
Mais foram juntos pela Banco 1... extratos de duas contas para o período entre 27/02/2003 e 27/08/2003 (...61 e ...00), bem como o saldo das quatro contas à data do óbito e à data de ../../2024 (data do ofício);
O reclamante apresentou, em 10/10/2024, o seguinte requerimento:
“1. Verifica-se que o inventariado tinha quatro contas na Banco 1... (e que ainda continuam abertas), a saber:
• Conta de depósitos à ordem n.º ...00 – saldo zero à data do óbito e à data atual;
• Conta poupança n.º ...61 – saldo de € 1.252,90 à data do óbito e zero à data atual;
• Conta poupança n.º ...61 – saldo zero à data do óbito e à data atual;
• Conta de depósitos à ordem n.º ...00 - saldo zero à data do óbito e à data atual
2. Estas contas, não surpreendentemente, são co-tituladas pelo inventariado e pela cabeça-de-casal e ainda têm um autorizado não identificado;
3. É muito improvável, ou até impossível, que o inventariado mantivesse quatro contas abertas sem saldo “muitos anos”, muito menos em contas-poupança (ainda para mais co-tituladas e com um autorizado) – são pessoas a mais para contas supostamente sem dinheiro...
4. Posto isto, sabemos que: havia quatro contas na Banco 1... em nome do inventariado (e da cabeça-de-casal), com um autorizado, sendo duas à ordem e duas de poupança;
5. À data do óbito, encontrava-se apenas numa das contas apenas a quantia de € 1.252,90 – cujo extrato a Banco 1... não juntou apesar de notificada;
6. A Banco 1... também não informou quem movimentou esse valor.
7. A Banco 1... limitou-se a responder de forma vaga, dizendo que as contas não eram movimentadas “muitos anos antes do decesso” – o que é vago, não lhe foi solicitado e nada esclarece, e não juntou qualquer extrato bancário, mas uma folha informativa.
8. É essencial que se esclareça o que sucedeu aos valores depositados em todas contas tituladas pelo inventariado.
Termos em que requer a V. Exa. se digne notificar a Banco 1..., sob cominação de multa, por falta de colaboração com a justiça, para juntar aos autos, todos os extratos bancários, desde um ano antes do último movimento verificado e até à data do último movimento, das contas:
- Conta de depósitos à ordem n.º ...00;
- Conta poupança n.º ...61;
- Conta poupança n.º ...61;
- Conta de depósitos à ordem n.º ...00.
Mais requer a V. Exa. se digne notificar a Banco 1... para identificar quem são os autorizados das referidas contas e quem movimentou, em que data e por que via o valor de € 1.252,90 da conta n.º ...61, juntando, para o efeito, o respetivo suporte documental da respetiva operação.”;
Em 7/11/2024, foi proferido o seguinte despacho:
“Quanto à diligência requerida com vista a apurar o destino dos saldos das contas bancárias do inventariado, anteriores ao seu óbito, indefere-se o requerido, porquanto, o processo de inventário destina-se à partilha dos bens existentes no património do “de cuiús” por referência à data do seu óbito, nos termos do disposto no art.º 2031º do Cód. Civil, pelo que é diligência impertinente saber o destino dos saldos bancários que existiam nas referidas contas bancárias em vida do inventariado.
Nestes termos, indefere-se o requerido.
*
Importa, no entanto, apurar quem levantou o saldo bancário existente à data do óbito do inventariado, para se levar em conta nas operações de partilha, caso tal quantia tenha sido levantada por qualquer dos interessados.
Nestes termos oficie a Banco 1... nos termos requeridos na parte final do requerimento.”;
Inconformado, o reclamante CC, interpôs recurso do despacho que indeferiu a diligência com vista a apurar o destino dos saldos das contas bancárias do inventariado, anteriores ao seu óbito, apresentando as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
[…]
*
Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
*
O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a arguida nulidade, nos seguintes termos:
“Na sua alegação de recurso, entende o recorrente que o despacho proferido em 7.11.2024 encontra-se ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 625.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, por violação de caso julgado formal, na medida em que existe já decisão transitada em julgado relativa à mesma questão concreta sobre que se debruçou o despacho impugnado, sendo o mesmo nulo por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Ora, o artigo em causa diz que “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este fundamento de nulidade é geralmente designado por “excesso de pronúncia”, e ocorre quando o Tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso. Trata-se de vício da sentença que resulta da inobservância, pelo Tribunal, do disposto no n.º 2 do artigo 608.º e no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, segundo os quais o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, e não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
No caso concreto, o que o recorrente discute é que o despacho impugnado contradiz o despacho proferido em 20.06.2024, pois que aqui se tinha determinado a notificação da Banco 1..., S.A. para, no prazo de 10 dias, informar os autos sobre eventuais saldos depositados em contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelo inventariado à data do respectivo óbito, bem como para juntar os extractos e movimentos de todas essas contas bancárias nos seis meses que precederam o seu decesso, enquanto que o despacho impugnado, proferido em 7.11.2024, indeferiu o requerimento do recorrente, formulado em 10.10.2024, nos termos do qual, depois de notificado das informações prestadas pela Banco 1..., S.A., pedia agora a notificação desta entidade bancária para juntar aos autos todos os extratos bancários, desde um ano antes do último movimento verificado e até à data do último movimento, das contas bancárias que ali identificou, requerendo ainda a identificação das pessoas que figuram como autorizadas nas referidas contas e da pessoa ou pessoas que movimentaram, em que data e por que via, o valor de 1.252,90 €da conta n.º ...61, juntando, para o efeito, o respectivo suporte documental da respectiva operação.
Ora, independentemente de o despacho proferido em 7.11.2024 ter ou não contrariado aqueloutro que foi proferido em 20.06.2024, a verdade é que, salvo melhor opinião, ele não padece do vício que o recorrente lhe aponta, já que nele o Tribunal não conheceu de questões que não foram colocadas pelas partes, nem conheceu de questões que não eram de conhecimento oficioso. Note-se, aliás, que o requerimento sobre o qual incidiu o despacho recorrido tem uma amplitude assaz maior do que o requerimento probatório inicialmente formulado, e que então obteve a adesão do Tribunal.
Em face do exposto, julga-se improcedente a nulidade do despacho proferido em 8.11.2024, arguida pelo recorrente.
Notifique e, após, remeta os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.”.
*
O recurso foi admitido como de apelação a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil), as questões a decidir no presente recurso de apelação são as seguintes – por ordem lógica de conhecimento:
- A de saber se a decisão proferida é nula, por excesso de pronúncia;
- Se foi violado o caso julgado formal;
- Se, em qualquer caso, merece provimento o recurso quanto à amplitude com que pretende que as informações em causa sejam prestadas pela Banco 1....
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III - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que resultam do relatório.
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IV - DO OBJETO DO RECURSO
1. Da nulidade do despacho recorrido por alegado excesso de pronúncia.
Alega para tanto o recorrente que haveria violação do caso julgado formal, pois que o despacho recorrido é contraditório com o despacho de 19/6/2024 (não de 20/6/2024, como por lapso se indica), pois que se tinha determinado a notificação da Banco 1... para informar os autos sobre eventuais saldos depositados em contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelo inventariado à data do respetivo óbito, bem como para juntar os extratos e movimentos de todas essas contas bancárias nos seis meses que precederam o seu decesso, enquanto que o despacho impugnado, proferido em 7/11/2024, indeferiu o requerimento do recorrente, formulado em 10/10/2024, nos termos do qual, depois de notificado das informações prestadas pela Banco 1..., pedia agora a notificação desta entidade bancária para juntar aos autos todos os extratos bancários, desde um ano antes do último movimento verificado e até à data do último movimento, das contas bancárias que ali identificou. Entende, assim, que por isso ocorria a proibição de nova apreciação da mesma questão, pelo que o despacho impugnado seria nulo por excesso de pronúncia nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, na medida em que ao decidir-se do específico tema em discussão (da delimitação do âmbito da prova), foi feito em desrespeito ao caso julgado anteriormente formado.
Apreciando.
O art. 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável aos despachos por virtude do remissivo art. 613.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, rege que:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
As nulidades da sentença (e dos despachos) são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra transcrito.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades em causa, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na decisão, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. a este respeito os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04/10/2018, Processo n.º 1716/17.8T8VNF.G1, e de 28/11/2024, Processo n.º 95/18.0T8MDL.G1, consultáveis em www.dgsi.pt).
Ora, como é evidente, no caso vertente inexiste qualquer vício do despacho recorrido no que a esta matéria tange.
A exceção de caso julgado formal não constitui qualquer nulidade e muito menos nulidade da sentença, concordando-se com despacho supra transcrito, em que se apreciou esta questão, já que a existência de qualquer nulidade do despacho recorrido apenas sucede quando Tribunal conhece de questões que, não tendo sido aduzidas pelas partes, não são igualmente de conhecimento oficioso. São vícios decisórios que resultam da violação pelo Tribunal do arts. 608.º, n.º 2, 2ª parte e 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dos quais ressalta que o Juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, e não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (condenação ultra petitum) - Cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, pág. 794, nota 14.
Improcede, deste modo, esta primeira linha impugnatória, inexistindo qualquer nulidade por alegado excesso de pronúncia.
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2. Da violação do caso julgado formal
De acordo com o art. 613º do Código de Processo Civil:
“1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”.
Por outro lado, de acordo com o art. 620.º do mesmo diploma legal:
“1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.”
Por fim e no que ao panorama legal concerne e que cumpre convocar, rege o art. 625.º, ainda do mesmo diploma adjetivo:
“1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”.
Assim sendo, em primeiro lugar, temos que com o despacho de 19/06/2024 ficou esgotado o poder jurisdicional quanto à questão concretamente apreciada e decidida, ou seja, a notificação da Banco 1... para juntar aos autos extratos das contas bancárias do inventariado relativas aos seis meses anteriores ao seu decesso.
Tendo despacho incidido unicamente sobre a relação jurídica processual decidiu-se uma questão que não é de mérito, pelo que temos verificado o caso julgado formal, distintamente do caso julgado material que recai sobre o mérito da causa.
Ao caso julgado, seja ele material ou simplesmente formal, como sucede no caso vertente, perpassa a ideia de estabilidade, já que a decisão uma vez transitada em julgado não pode ser alterada, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional a tal respeito.
Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, de cariz meramente processual, e que não foi alvo de recurso seja objeto de nova decisão. Se assim suceder, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão. Nesse caso, para evitar repetições inúteis e o risco de decisões contraditórias, o Tribunal deve indeferir a segunda pretensão (vfr. v.g. a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2018, processo n.º 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt).
Conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, pág. 308:
“A força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada, visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal (res iudicata pro veritate habetur).Trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima da intenção de defender o prestígio da administração da justiça.”.
“A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportando à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidas por aquele critério ecléctico, que sem tomar extensiva a eficácia de caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado” – Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, 3.°-253.
Por sua vez, João Castro Mendes, em “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276, refere que o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo.”
Pelas apontadas razões o caso julgado formal, tal como o caso julgado material, visa evitar a repetição de decisões judiciais sobre a mesma questão.
No caso em análise estamos na presença do caso julgado formal, já que está em causa uma decisão proferida no processo que, alegadamente, já tinha sido decidida com trânsito em julgado e que foi de novo apreciada e decidida.
Mas não é assim, pois que o primeiro despacho que ordenou a requerimento do recorrente a notificação da Banco 1... para juntar aos autos extratos bancários dos seis meses anteriores ao finamento do de cuius mostra-se integralmente cumprido.
Ora, a Banco 1... juntou os extratos bancários de duas das quatro contas do inventariado (as que disse que apresentavam movimentos, embora uma delas também não apresentasse movimentos no período em causa) e em relação às outras duas disse que não apresentavam saldo nem registo de qualquer movimento muitos anos antes do decesso do inventariado, motivo pelo qual não é possível enviar os extratos para o período solicitado.
Ora, tal, como é óbvio, dá resposta cabal ao pretendido pelo recorrente e ao despacho de 19/04/2024, resultando da missiva da Banco 1... que nas duas contas em causa não há movimentos no período anterior aos seis meses da morte do inventariado e excedendo o que foi solicitado disse inclusivamente que as contas em causa não apresentavam saldo nem registo de qualquer movimento muitos anos antes do falecimento do inventariado titular das contas em causa.
Foi, pois, cabalmente cumprido o despacho de 19/6/2024, revelando-se, desde logo por este motivo, absolutamente impertinente o requerimento do recorrente/reclamante datado de 10/10/2024, supra transcrito, meramente especulativo e também sem correspondência com a realidade, pois que foi junto o extrato da conta que apresentava o saldo de € 1.292,90 à data do falecimento do inventariado.
Insatisfeito com o cumprimento do despacho relativo aos extratos das contas, veio, sem nada que o justificasse e sem qualquer justificação válida ou plausível, alargar o âmbito do seu primitivo requerimento, pretendendo agora a junção aos autos de todos os extratos bancários desde um ano antes do último movimento verificado e até á data do último movimento das quatro contas em causa.
O despacho recorrido que indeferiu o requerimento em causa não afrontou ou desrespeitou o despacho de 19/06/2024, pois que o mesmo, repete-se, estava cumprido, pelo que em rigor apenas indeferiu o que o recorrente pretendia para além daquele despacho de 19/06/2024.
Assim sendo, inexiste qualquer violação do caso julgado formal.
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3. Da legalidade do despacho recorrido
Diga-se, desde já, sem tergiversações, que o despacho recorrido que indeferiu o requerimento em causa, fê-lo com toda a propriedade, pois efetivamente o processo de inventário destina-se à partilha dos bens existentes no património do de cuiús à data do seu óbito, nos termos que o prevê o art. 2031.º do Código Civil, fazendo-se, porém, a seguir as seguintes precisões.
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 1104º, n.º 1 al. d) e 1105º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, que no processo de inventário as provas das reclamações à relação de bens são indicadas com os requerimentos e respostas.
A resposta dada pela Banco 1... na sequência do despacho que deferiu o requerimento do recorrente foi cabal, tendo informado como requerido sobre quais os saldos bancários à data do óbito e atual e ainda sobre os movimentos das contas nesse período, pelo que neste conspecto se mostrava integralmente satisfeita a pretensão do recorrente.
Não obstante, apresentou novo requerimento alargando o período temporal quanto à informação pretendida, o que, está bom de ver, não tem qualquer sentido. Sem prejuízo do que diante diremos, tal requerimento deveria ter sido formulado ab initio, aquando da reclamação por si apresentada, não sendo de todo em todo as diligências agora requeridas complementares das iniciais. O raciocínio expendido pelo recorrente a propósito das informações que agora que ver prestadas – embora se nos afigure sem qualquer razão - poderia e deveria ter sido feito no requerimento em que apresentou a reclamação à relação de bens.
Da tramitação do processo de inventário, maxime dos arts. 1097.º, 1100.º, 1104.º, 1105.º, 1109.º, 1110.º e 111.º, do Código de Processo Civil, sobressai que estamos perante uma verdadeira ação, com uma primeira fase dos articulados, incumbindo ao cabeça-de-casal, quando o mesmo é o requerente do inventário, além de cumprir o disposto no n.º 2 do art. 1097.º do Código de Processo Civil, juntar logo a relação de todos os bens sujeitos a inventário, nos termos do disposto no art. 1097.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Civil, assim permitindo o subsequente exercício do contraditório, por parte dos interessados, a quem incumbe, em conformidade com o disposto no art. 1104.º do mesmo diploma legal, deduzir nesse requerimento toda a oposição e/ou impugnação que pretendam fazer valer, incluindo a indicação dos meios probatórios, sob pena de preclusão, nomeadamente quanto à relação de bens apresentada, seguindo-se a resposta do cabeça-de-casal, nos termos previstos no art. 1105.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil – cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/05/2024, processo n.º 172/22.3T8CBT-A.G1, em que é Relatora a aqui Primeira Adjunta, e da Relação do Porto de 12/09/2024, processo n.º 17360/21.2T8PRT-E.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.
No mesmo pendor se pronunciam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, págs. 521 e 522:
“É nesta primeira fase (fase dos articulados, que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), em face do requerimento inicial e dos factos e documentos apresentados pelo requerente (arts. 1097.º e 1099.º) ou pelo cabeça de casal judicialmente designado ou confirmado (art. 1100.º, n.º1, al. b)), que deve ser concentrada a discussão de todos os aspetos essenciais relevantes. Sem embargo das exceções salvaguardadas por regras gerais de processo (vg. meios de defesa supervenientes) ou por regras específicas do inventario que permitem o diferimento (v.g. avaliação dos bens, incidente de inoficiosidade), cada interessado tem o ónus de suscitar nesta ocasião, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104.º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial.(…)”.
Especificamente, quanto à reclamação contra a relação de bens com fundamento na insuficiência, no excesso ou na inexatidão da descrição ou do valor, asseveram os mesmos autores (ob. op. cit., pág. 606) que:
“Contrariando a solução prevista no art. 1348° CPC de 1961, a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede a citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo peremptório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao ativo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando for convocada a conferência de interessados(…)”.
Refere ainda a este propósito Lopes do Rego, in “A Recapitulação do Inventário”, Julgar on line, Dezembro 2019, págs. 12 e 13, que:
“(…) toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.”.
O processo de inventário é uma verdadeira ação, obrigando os interessados a concentrar os meios de defesa no articulado que apresentam e indicando concomitantemente todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
Assim, o requerimento em causa não poderia ser admitido pois que devia ter formulado o requerimento que agora pretende ver admitido desde logo aquando da reclamação por si apresentada, recaindo sobre si o ónus preclusivo por o não ter feito em momento próprio, sendo que nada justifica que apenas o viesse fazer com argumentação tíbia e especulativa e que de todo o modo deveria ter usado no requerimento inicial em que apresentou a reclamação à relação de bens.
Por outro lado, para além deste preclusivo ónus, incumbia ainda ao recorrente invocar a dificuldade no acesso aos dados em causa, nos termos do art. 7.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, ou seja que não podia obter os extratos bancários junto da Banco 1..., desde um ano antes do último movimento verificado e até à data do último movimento, algo que omitiu de todo, apenas o fazendo, agora em sede de alegação de recurso, mas sem que tenha sequer alegado que se dirigiu à Banco 1... dotado da necessária documentação, maxime escritura de habilitação de herdeiros que comprova a sua qualidade de herdeiro do inventariado, e que a mesma lhe negou as informações solicitadas.
É certo que de acordo com o art. 436.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
“Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas fotografias, desenhos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.”.
Porém, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, pág. 550, nota 2, em anotação a este artigo, na linha da jurisprudência por si recenseada:
“Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável (cf. art. 7º, nº 4; STJ 1-6-04, 04A993, RL 14-7-20, 2217/19, RG 5-3-20, 142715.)”.
Ora a parte, no caso o recorrente, não demonstrou que tenha feito alguma diligência para obter as informações em causa, resultando aliás do requerimento e alegações de recurso por si apresentadas que nada fez, antes se pretendendo suportar comodamente no Tribunal para obter as informações por si pretendidas.
Ora, a “requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si”. (Acórdão da Relação de Guimarães de 20/04/2010, processo n.º 3316/08.4TBBRG-B.G1, consultável www.dgsi.pt).
Diga-se, aliás, desde já, que as diligências probatórias requeridas são inclusivamente alheias à atividade do Tribunal, uma vez que as diligências em causa assumem uma natureza investigatória e não são destinadas a provar qualquer facto em concreto, em conformidade com o que estabelece o art 410.º do Código de Processo Civil:
“A instrução tem por objeto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a eta enunciação, os factos necessitados de prova.”.
Ora, não tem o Tribunal, obviamente, qualquer obrigação de intervenção oficiosa em relação a pretensões – ilegais - do recorrente, tanto mais que pretende que o Tribunal se lhe substitua em diligências investigatórias que exorbitam a esfera instrutória e que o recorrente pode e deve fazer por si, pelo que inexiste qualquer omissão do Tribunal ao indeferir como indeferiu as diligências requeridas pelo recorrente, pelo que não há a este respeito qualquer nulidade que pudesse ser sancionada nos termos do art. 195.º do Código de Processo Civil e com projeção no despacho recorrido.
O princípio do inquisitório não dispensa as partes da observância dos princípios do dispositivo, da autorresponsabilização, nomeadamente do acatamento de ónus de alegação e prova e consequentes preclusões.
Por ser semelhante à situação do caso presente cita-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 09/02/2023, processo n.º 9874/20.8T8LSB-A.L1-8.:
“O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no artº 6º do CPC - não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais. Visando com os elementos bancários pretendidos demonstrar que a relação de bens omitiu a existência de saldos de contas bancárias de que era titular o de cujus, alegada na reclamação apresentada pela apelante, incumbia-lhe o ónus de prova. E apenas na impossibilidade ou dificuldade séria na sua obtenção cabia ao tribunal o poder-dever de os solicitar, desde que relevantes, pertinentes.
(…)
Em sede do presente recurso, no intuito de colmatar a falta de justificação, alegou constituir facto público e notório que as entidades bancárias não disponibilizam a terceiros elementos informativos sobre existência de contas, saldo das mesmas ou identificação dos seus titulares, qualificando-se como terceira.
A apelante é herdeira do de cujus, qualidade que se mostra já reconhecida por escritura notarial de habilitação. E sendo herdeira do titular das contas bancárias o direito à informação e obtenção de documentos, designadamente saldos e movimentos bancários que ao inventariado assistia, transmitiu-se-lhe, em conjunto com os demais herdeiros, na medida em que os depósitos bancários integram o acervo hereditário, pelo que na relação com as entidades bancárias depositárias a apelante não é terceira.
Neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 07.10.2010, processo n.º 26/08.6TBVCD.P1.S1, www.dgsi.pt, que conclui: “não sofre dúvida que os herdeiros de um depositante não podem ser tidos como terceiros, relativamente às contas do mesmo, razão porque não lhe pode ser oposto o segredo bancário, como é firme entendimento da jurisprudência (Ac. STJ de 28/06/94, Col. Ac. S.T.J. 1994, 2º, 163; demais jurisprudência citada pela Relação).”.
Ora assim sendo, como é devia e podia o recorrente solicitar os elementos em causa à Banco 1..., o que assumidamente não fez, pelo que se mais, não houvesse, a pretensão em apreço claudicaria desde logo por esta via.
Acresce que no seu requerimento de 10/10/2024, o recorrente não indicou qual o fundamento para a justificar a sua pretensão, ou seja o que pretendia provar com a informação obtida acerca da movimentação das contas nos períodos em causa, pelo que a asserção genérica de que é “essencial que se esclareça o que sucedeu aos valores depositados em todas as contas tituladas pelo inventariado” e para nessa sequência se notificar a Banco 1... para juntar aos autos todos os extratos bancários desde um ano antes do último movimento verificado e até à data do último movimento, das contas, mereceu justamente o despacho recorrido, que dando conta de que os movimentos per si não interessavam para nada indeferiu a pretensão de forma correta dizendo que “o processo de inventário destina-se à partilha dos bens existentes no património do “de cuiús” por referência à data do seu óbito (…) pelo que é diligência impertinente saber o destino dos saldos bancários que existiam nas referidas contas bancárias em vida do inventariado.”.
Fê-lo tardiamente, agora, em sede de alegações de recurso, sendo certo que o que resulta é que o recorrente efetivamente pretende, repete-se, é uma investigação genérica às contas do inventariado, o que também não pode merecer acolhimento no presente processo de inventário, antes podendo e devendo per si diligenciar pela obtenção as informações em causa, enquanto herdeiro do inventariado titular duma quota ideal dos bens a partilhar.
Assim sendo, pelo exposto, improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
O recorrente suportará as custas do recurso – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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V - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
As custas serão suportadas pelo recorrente.
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Guimarães, 24/04/2025
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Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
Segunda Adjunta: Conceição Sampaio