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LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário
1 - Ainda que se venha a reconhecer como procedente a matéria de exceção invocada pelos réus, devem estes ser condenados como litigantes de má-fé se resultar demonstrado que alegaram factos que sabiam não serem verdadeiros. 2 – Numa ação de preferência com fundamento no art.º 1410.º do C. Civil, tendo os réus declarado vender e comprar entre si 2/3 de um imóvel, perante a alegação destes em sede de contestação de que tais 2/3 constituem já um prédio autónomo adquirido por usucapião, é lícito aos autores ampliar a causa de pedir e pedido no articulado da réplica, requerendo que se aprecie o seu direito de preferência na venda deste imóvel autónomo com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil se se vierem a demonstrar os factos alegados e relativos à existência de dois prédios autónomos adquiridos por usucapião. 3 – A sentença que aprecie esta questão – direito de preferência com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil – aprecia questão que foi efetivamente suscitada, ainda que possa ser nula por excesso de pronúncia se a questão foi apreciada sem cumprimento do contraditório e sem que tivessem sido alegados todos os factos concretizadores da causa de pedir.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório (elaborado tendo por base o que consta da sentença da 1.ª instância):
1 - AA eBB intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, DD(1.ºs réus), EE e FF (2.ºs réus), melhor identificados nos autos, peticionando:
a) a condenação destes a reconhecerem-lhes o direito de preferir na compra, pelo preço de €12.000, em substituição dos 2.ºs réus, de 2/3 indivisos do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da freguesia ...;
b) que seja “ordenado o cancelamento datransmissão a favor dos 2ºs réus e dequaisquer outros registos subsequentes, de forma a que o registo dos 2/3 do prédioem seu nome seja efetuado livre de quaisquer ónus ou encargos”.
Fundaram esse direito de preferência na existência de uma relação de compropriedade, sendo proprietários de 1/3 do imóvel transmitido entre os réus, não lhes tendo sido permitido exercer tal direito na transmissão que entre si realizaram dos restantes 2/3.
Afirmaram ainda apenas ter tido conhecimento da venda em maio de 2021.
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2 - Regularmente citados, os réus apresentaram contestação.
Alegaram os 1.ºs réus, em suma, e no que interessa a esta apelação, que em 1996 o imóvel em causa foi objeto de partilha verbal, ficando a autora e a ré, cada uma, com a sua parcela concreta, correspondendo cada uma a 1/3 do imóvel, sendo que o restante 1/3 (a parcela do meio) ficou então a pertencer a uma familiar de ambas, GG, a quem a ré, em 2005, a adquiriu por compra e juntou à parcela que já detinha.
Alegam assim que há mais de 20, 30, 40 anos que o prédio se encontra dividido em três parcelas autónomas, delimitadas com marcos e com acessos próprios, existindo sinais visíveis dessa divisão e nunca tal propriedade foi tratada como compropriedade, nem os seus donos usufruíam dela como comproprietários, pois cada um deles investiu, usufruiu, agricultou e colheu os frutos da sua parcela como entendeu, sem o consentimento dos outros, o que acontece há mais 20, 30, 40 anos, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, sendo que cada um deles inscreveu a sua propriedade no IFAP, como parcelas autónomas, e daí retiram o seu benefício e subsídios inerentes.
Concluíram, assim, que cada parcela foi já adquirida autonomamente por usucapião, não existindo assim compropriedade e não podendo os autores preferir na venda realizada com fundamento na compropriedade.
Excecionaram a caducidade do exercício do direito de preferência, afirmando ainda que foi vendido um conjunto de propriedades que faziam parte de uma exploração familiar, o que obsta ao exercício daquele direito.
Peticionam a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização que não quantificaram, considerando que alegaram não ter tido conhecimento dos elementos essenciais do negócio e que o prédio se encontrava indiviso, o que não corresponde à verdade, bem sabendo que os 2º réus eram os arrendatários, sendo detentores de um contrato válido e eficaz.
Os 2.ºs réus EE e FF alegaram, em síntese, a autonomização das três parcelas nos termos alegados pelos demais réus e, assim, a inexistência de qualquer compropriedade que possa ser fonte do direito de preferência.
Afirmaram o seu direito de preferência com fundamento no facto de serem arrendatários do imóvel que lhes foi vendido.
Reclamaram ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé, no pagamento de uma indemnização que não quantificaram, alegando que estes baseiam a sua pretensão em factos falsos, desprovidos de qualquer fundamento, que não podiam nem deviam ignorar, alterando os factos em seu proveito, de forma a obter a condenação dos réus e a obter proveitos indevidos.
Estes 2.ºs réus deduziram ainda reconvenção, na qual peticionaram, em caso de procedência da ação (embora não o refiram expressamente, percebe-se que a pretensão reconvencional só faria sentido caso o direito de preferência dos autores fosse reconhecido), a manutenção do contrato de arrendamento celebrado pelos mesmos com os 1.ºs réus e a condenação dos autores/reconvindos a pagarem-lhes uma indemnização no montante de €1.399,30, pelas benfeitorias que realizaram no prédio que adquiriram aos segundos, acrescida de juros de mora.
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3 - Notificados do documento junto pelos 2.ºs réus com a menção de “contrato de arrendamento rural” (requerimento de 10/09/2021), vieram os autores impugna-lo, afirmando a sua falsidade.
Perante tal alegação, vieram os 2.ºs réus alegar, em resumo, que o contrato de arrendamento foi celebrado oralmente no dia 02/01/2018, porquanto desconheciam a obrigatoriedade de forma legal, tendo sido reduzido a escrito posteriormente, em data que não conseguem precisar, com data anterior reportada ao momento do seu início, o que não afeta a sua validade.
Os 1.ºs réus sustentaram também a alegação de que existia um contrato verbal de arrendamento rural entre as partes, o qual teve início em janeiro de 2018 e só mais tarde foi reduzido a escrito, com a data do seu início, que foi em janeiro de 2018.
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4 - Os autores vieram apresentar articulado de réplica, negando que o imóvel estivesse dividido em parcelas, antes alegando a existência de patamares de um prédio em situação de compropriedade, sendo ilegal o fracionamento do imóvel.
Contestam que exista qualquer inversão do animus da posse, não tendo sequer começado a correr o prazo de usucapião.
Alegaram ainda, no que interessa a esta apelação, que “procedendo a exceção invocada sempre estaríamos numa situação de direito de Preferência dos autores por serem proprietários do terreno confinante a quem não foi dado aquele direito pelos 1ºs réus, atendendo à área do terreno” porque “de facto, atendendo á área do terreno e recorrendo ao art. 1380 do CC, também por esta via deveria ter sido dado o direito de preferência aos AA.” (arts. 59.º e 60.º da réplica).
Por último, reiterando a alegação de falsidade do contrato de arrendamento que foi junto, afirmaram que os réus alegaram factos contrários à verdade por eles sabida, “servindo-se, (…) intencional e conscientemente, de (…) artifícios para alterar a verdade dos factos, falseando-a”, “devendo, por isso, serem condenados como litigantes de má-fé, alem do mais, em indemnização” a seu favor.
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5 - Realizou-se a audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção e a réplica, foi fixado o objeto do litígio e efetuada a enunciação dos temas da prova.
Nesta audiência prévia o objeto do litígio foi identificado nos seguintes termos:
“A. Da existência da compropriedade do prédio rústico composto por vinha com seiscentos e cinquenta videiras, trinta oliveiras, terra de centeio, inscrito na matriz sob o artigo nº ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...03 da freguesia .... B. Do direito dos autores de preferir na aquisição da 2/3 do prédio, id. em A., objeto do contrato de compra e venda firmado entre os réus. C. Do direito dos réus EE e marido FF a serem indemnizados pelas despesas e pelas benfeitorias realizadas no prédio rústico id. em A. D. Do incidente de falsidade dos documentos n.º 8 junto autos pelos réus na sua contestação dos réus AA e BB. E. Da litigância de má fé das partes”.
Já os temas da prova foram definidos nos seguintes termos:
“1. Apurar da divisão do prédio identificado em A. em duas parcelas, devidamente delimitadas. 2. Apurar da autonomização dessas duas parcelas e atuação dos réus AA e Marido BB, e seus antecessores sobre a parcela vendida: do exercício de atos de posse; desde quando o fazem; à vista de toda a gente; sem oposição de ninguém; na convicção de serem donos daquela parcela; 3. Aferir se os réus vendedores comunicaram, e em que data, aos autores a sua intenção de vender o prédio referido em A. e todos os elementos do negócio. 4. Apurar quais os trabalhos realizados pelos réus EE e FF. na parcela de terreno objeto do contrato de compra e venda celebrado entre os réus, e bem assim, qual o seu custo. 5. Apurar se à data do contrato de compra e venda celebrado existia de um contrato de arrendamento rural entre os réus. 6. Apurar da falsidade do documento n.º 8. 7. Apurar se as partes litigam de má fé”.
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6 - Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“a) a presente ação totalmente procedente e, em consequência, decido: i. julgar improcedentes as exceções de caducidade e de renúncia ao direito de preferência, invocadas pelos réus; ii. julgar procedente a exceção de usucapião, invocada pelos réus; iii. reconhecer o direito de preferência dos autores AA E BB na aquisição do prédio rústico composto pelas parcelas/patamares de cima e do meio que ainda constam do registo predial como integrantes do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da freguesia ..., sito na ..., correspondentes a 2/3 do mesmo; iv. substituir os autores à 2.ª ré EE, na qualidade de compradores do prédio aludido em iii., na escritura de compra e venda realizada em 25/02/2021 entre os 1.ºs réus e a 2.ª ré, passando aqueles a ocupar o lugar da última; v. ordenar o cancelamento dos registos de aquisição efetuados na Conservatória do Registo Predial em benefício da 2.ª ré, bem como qualquer outro registo feito posteriormente, quanto ao prédio identificado em iii.; b) improcedente o incidente de falsidade do documento denominado “Contrato de Arrendamento Rural”, apresentado pelos réus nas suas contestações, deduzido pelos autores. c) totalmente improcedente a reconvenção e, em conformidade, absolver os autores/reconvindos dos pedidos deduzidos pelos réus/reconvintes. d) improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé e, em consequência, absolvê-los do mesmo; e) procedente o pedido de condenação dos réus como litigantes de má-fé e, em consequência, condená-los no pagamento de multa correspondente a 5 UC (cinco unidades de conta) e de indemnização a favor dos autores, a suportar por todos em partes iguais, em montante a fixar em momento ulterior, ao abrigo do previsto pelo artigo 543º, n.º 3, do Código de Processo Civil (despacho que fará parte integrante da presente sentença para todos os efeitos). Custas da ação pelos réus em função do decaimento, sendo a sua proporção de 65% para os réus/reconvintes e de 35% para os 1.ºs réus. Custas do incidente de litigância de má-fé pelos réus, as quais se fixam em 1,5 UC (uma unidade de conta e meia)”.
Em síntese, pelo que releva para esta apelação, foram apreciadas as seguintes questões:
a) a Mm.ª Juiz a quo entendeu ter ficado demonstrado que havia sido já efetuada a partilha verbal do prédio em questão, não obstando ao reconhecimento da aquisição por usucapião de partes do mesmo a circunstância de o imóvel partilhado ter apenas, na sua totalidade, a área de 4.630 m2;
b) entendeu não existir, assim, perante a matéria de facto provada, qualquer situação de compropriedade relativamente ao imóvel vendido entre os réus e, assim, que não podia proceder o pedido relativo ao exercício do direito de preferência dos autores que tinha a compropriedade como fundamento;
c) entendeu que tal direito de preferência podia ser exercido pelos autores com base na circunstância de serem proprietários de prédio confinante, não existindo obstáculos a tal exercício, referindo, depois de descrever os pressupostos legais para o exercício desta preferência com base na redação do art.º 1380.º do C. Civil, que:
“Revertendo ao caso dos autos, como vimos acima, constata-se que: - aquando da celebração do negócio descrito em 11., os 1.ºs réus eram proprietários das partes de cima e do meio do prédio identificado em 1., tratando das mesmas, desde 2005, como uma unidade, e os autores eram proprietários da parcela de cima; - quanto à unidade de cultura, a área total das três parcelas é inferior à mesma, pelo que a área de cada parte, será, inexoravelmente, inferior àquela estabelecida para a região em causa. Ademais, não flui da factualidade apurada que os 2.ºs réus fossem, em 25/02/2021, proprietários de algum imóvel confinante com o prédio alienado”;
d) apreciou a alegada litigância de má-fé de ambas as partes, acabando por condenar, com fundamento neste instituto, os réus “em multa processual de 5 UC’s (cinco unidades de conta), a suportar por todos, em partes iguais, e em indemnização a favor dos autores, em montante a fixar posteriormente”, tendo por base a sua alegação, que considerou não ser verdadeira, como sabiam, relativa à existência de um contrato de arrendamento relativo ao imóvel ente si transmitido.
e) julgou improcedente o incidente de falsidade de documento suscitado pelos autores.
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7 – Inconformados com o teor da sentença proferida vieram os réus apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes repetitivas conclusões:
[…]
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8 – O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (sendo que a apelação foi apresentada por ambos os conjuntos de réus e não apenas pelos 1.ºs réus, como se refere no despacho proferido, pois que, com esse recurso, foi apresentada uma nova procuração outorgadas pelos 2.ºs réus a conferir ao Mandatário dos 1.ºs réus os poderes anteriormente conferidos a outra Mandatária).
No momento da admissão do recurso, a Mm.ª Juiz que havia proferido a sentença pronunciou-se sobre arguida nulidade daquela e, reconhecendo a sua existência, por não ser fundamento da ação o exercício do direito de preferência com base no direito e propriedade dos autores sobre prédio confinantes, entendeu dever supri-la, alterando a decisão proferida e julgando improcedente o pedido formulado pelos autores e relativo ao exercício do direito de preferência (despacho de 04/01/2025).
Alterou também a condenação em custas, considerando que as mesmas eram, na íntegra, da responsabilidade dos autores.
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9 - Tendo sido suprida a nulidade que havia sido arguida pelos réus, estes vieram declarar desistir do recurso apresentado no que se referia à decisão da questão da preferência, mantendo-o apenas quanto à apreciação da sua condenação como litigantes de má-fé, pois que a nova decisão manteve a sua condenação no âmbito deste instituto (requerimento de 20/01/2025).
Em resposta, e nos termos do art.º 617.º do C. P. Civil, vieram os autores manifestar “a sua não concordância quanto à restrição do recurso” requerida pelos réus, entendendo inexistir qualquer nulidade e muito menos a que se reporta à alínea e) invocada pela Mm.ª Juiz, devendo, assim, manter-se a primitiva decisão proferida, com os seguintes fundamentos: “1. Tal discordância à nulidade suprida prende-se, claro está, com o entendimento de que INEXISTE nulidade, inexistência essa já fundamentada aquando apresentação das Contra-Alegações ao recurso interposto e para as quais se remete. 2. Sem prescindir, e atenta que foi suprida a nulidade, tendo como efeito uma decisão completamente contrária à anterior, estando aqui os AA. numa posição hibrida de resposta//recurso vêm dizer que não estamos perante qualquer causa de nulidade de sentença prevista no artigo 615º do código processo Civil. Pelo que a alínea e) invocada apenas pela Meritíssima Juíza do tribunal, a quo, não se verifica, note-se que os Réus/Recorrentes ora Recorridos não indicaram sequer a alínea pela qual arguiram a nulidade, conforme estavam obrigados por força do artigo 639º do código Processo Civil. 3. Ora vejamos: dita aquela alínea o seguinte: “é nula a sentença quando …o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” 1. Atente-se pois no pedido dos Autores: a) a condenação destes (dos Réus) a reconhecerem-lhes o direito de preferir na compra pelo preço de €12 000 (doze mil euros), em substituição dos 2 ºs réus de dois terços indivisos do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ...; …. 2. Atente-se pois na decisão condenatória: … reconhecer o direito de preferência dos autores AA E BB na aquisição do prédio rústico composto pelas parcelas/patamares de cima e do meio que ainda constam do registo predial como integrantes do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da freguesia ... sito na ..., correspondentes a 2/3 do mesmo” É notório pois que o Tribunal a quo condenou naquilo que foipedido 4. A nossa discordância quanto á nulidade suprida e quanto à restrição do recurso proposta pelos Réus prende-se também pelo facto de que faz parte dos poderes/deveres do Juiz analisar todos os factos carreados pelas partes – Cfr. nº 1, 2 e 3 do Artº 5º do C.P.C. Atente-se pois, in casu, os Réus aquando a Contestação alegaram, por Exceção, vários factos impeditivos e extintivos para contrariar o pedido dos AA.: terem dado preferência, existência de um arrendamento, existência de autonomização de parcelas. Recorrendo ao nº 1, 2 e 3 do Artº 5º do C.P.C com o desenvolvimento do processo, a matéria de facto é alegada e atendível na: Petição inicial, na Contestação, na Réplica, nos termos do art. 588º do C.P.C., na audiência prévia, na prova produzida em sede de audiência. Ora, os AA. responderam a todas aquelas exceções na Réplica, a qual foi admitida, alegando o que de seguida se transcreve no que para aqui importa: ………, procedendo a exceção invocada sempre estaríamos numa situação de direito de Preferência dos AA. por serem proprietários do terreno confinante a quem não foi dado aquele direito pelos 1ºs RR.! De facto, Atendendo á área do terreno e recorrendo ao art. 1380 do CC, também por esta via deveria ter sido dado o direito de preferência aos AA., o que não foi feito, claro está, e daí a interposição desta Ação de Preferência! “ (situação que resultou provada em audiência e bem fundamentada na primeira sentença). 5. Atentemos pois o que consta no objeto do litígio na alínea B do despacho saneador: “Do direito dos autores de preferir na aquisição de 2/3 do prédio, em id. em A, objeto do contrato de compra e venda firmado entre os Réus.” Ou seja o direito de preferir dos AA. tendo em conta toda a matéria de facto carreadapara o processo através de todas as peças processuais dos presentes autos, não estando excluído o direito de preferência pela confinância. Pelo que inexiste a suprida nulidade da sentença por excesso de pronúncia e como tal o recurso não deve ser restringido, atenta a pretensão dos AA. na revogação da NOVA/REFORMADA sentença”
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Foi de seguida proferido despacho que, nos termos requeridos, considerou admissível o prosseguimento da apelação para apreciação da questão da nulidade da sentença, entendendo-se que, quanto a esta questão, os autores passavam a ser as partes interessadas no recurso (despacho de 05/03/2025).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Questões a decidir:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes e o requerido pelos autores após o suprimento da invocada nulidade da sentença – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:
1 - deve ser mantida a condenação dos réus como litigantes de má-fé, tendo como fundamento a impugnação do facto considerado como provado com o n.º 16 e a alínea c) dos factos não provados.
2 – se está correta a alteração que a Mm.ª Juiz introduziu na sentença dos autos através do despacho de 04/01/2025, proferido no âmbito do disposto no art.º 617.º do C. P. Civil.
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III - Fundamentação de facto:
Foram considerados provados os seguintes factos:
“1. A autora e a 1ª ré CC são irmãs. 2. A propriedade de 1/3 do prédio rústico composto por vinha com seiscentos e cinquenta videiras, trinta oliveiras e terra de centeio, inscrito na matriz sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...03 da freguesia ... encontra-se registada a favor da autora AA. 3. Anteriormente ao registo referido em 2., em data não concretamente apurada, mas anterior ao descrito em 5., o prédio identificado em 1. foi alvo de partilha em três parcelas, correspondentes aos seus patamares, tendo sido uma delas, correspondente à parte de cima, atribuída aos pais da autora e da 1.º ré, HH e esposa, e as outras duas, correspondentes às partes do meio e de baixo do prédio, a familiares dos mesmos, usufruindo, desde então, cada um das respetivas partes, de forma autónoma e sem consentimento uns dos outros para o efeito. 4. Após o referido em 3., em data não concretamente apurada, mas anterior ao referido em 5., outra parcela do terreno referido em 1., por virtude de aquisição, ficou a pertencer aos pais da autora e da 1.º ré, quedando estes com 2/3 (respeitantes às partes de cima e de baixo) de tal prédio, das mesmas usufruindo e cultivando vinha, de forma autónoma, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e como se de uma unidade se tratasse. 5. Após o falecimento, em data não concretamente apurada, da mãe da autora e da primeira ré, estas e o seu pai, em data não concretamente apurada, mas situada entre 1996 e 1999, por acordo verbal, procederam à partilha da proporção referida em 4. entre ambas, havendo neste sido definido que à primeira se destinava um 1/3, correspondente à parte de baixo, e à segunda se destinava o outro 1/3, respeitante à parte de cima, havendo a partilha sido formalizada no ano de 1999. 6. Desde a partilha verbal referida em 5., não foi alterada a configuração do terreno identificado em 1. ou colocada qualquer vedação entre as/os referidas/os partes/patamares. 7. Em data não concretamente apurada, mas posterior ao referido em 3., foi adjudicada em partilha a/o parte/patamar do meio do prédio identificado em 1. a GG, prima da autora e da 1.ª ré, e ao seu marido, usufruindo estes da mesma de modo autónomo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. 8. No ano de 2005, a 1.ª ré adquiriu a GG e ao marido desta, a/o parte/patamar do meio do prédio identificado em 1., enunciada/o em 7.. 9. Desde a partilha verbal mencionada em 5., os autores e os 1.ºs réus, nas respetivas parcelas/patamares, de forma autónoma, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem prestar contas a ninguém e sem solicitarem consentimento ou autorização uns dos outros para o efeito, cultivam e colhem os frutos provenientes da vinha e do olival aí existentes, havendo cada qual inscrito a respetiva parte no IFAP, recebendo os correspondentes benefícios e subsídios, pagando os respetivos impostos, sendo que, posteriormente ao descrito em 8., os 1.ºs réus passaram a concretizar tais atos nos mesmos termos em relação à parte de baixo, de forma conjunta com a parte do meio, unindo as mesmas para o efeito. 10. As parcelas referidas em 3. possuem, desde data não concretamente apurada, mas há mais de vinte anos: 10.1. caminhos distintos para acesso a cada uma; 10.2. sinais visíveis de divisão entre elas, tais como muros/paredes entre si. 11. Os 1.ºs réus CC e DD e a 2.ª ré EE celebraram, em 25 de fevereiro de 2021, um acordo, através do qual aqueles se comprometeram a vender e esta se comprometeu a comprar, pelo preço de doze mil euros [dando por reproduzido o teor do documento que o titula, constante dos autos]: “Dois terços indivisos do prédio rústico, composto por vinha com seiscentos e cinquenta videiras, trinta oliveiras, terra de centeio ordinária, com a área de 4630 M2, sito em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ..., (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ... (…)”, identificado em 1., bem como seis outros prédios rústicos sitos “em ...”. 12. Os 1.ºs réus celebraram o negócio identificado em 11. com a 2.ª ré sem comunicarem, nem previamente, nem posteriormente, aos autores tal circunstância, o preço da venda e as respetivas condições. 13. Os autores somente tiveram conhecimento do negócio identificado em 11. quando a autora, em data não concretamente apurada, mas situada em maio de 2021, viu o 2.º réu marido a colocar herbicida no prédio identificado em 1. e este referiu-lhe que havia adquirido aquela parte da irmã da mesma. 14. Os 2.ºs réus contrataram os serviços de uma máquina para abrir buracos com vista à plantação de videiras e alargar os caminhos, a fim de facilitar a viragem dos tratores entre os geios. 15. A 2.ª ré despendeu, em tratamentos efetuados com produtos fitofármacos, o valor de 420,00 € (quatrocentos e vinte euros). DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ 16. Os réus alegaram factos contrários à verdade, por estes conhecida, tais como a existência de um contrato de arrendamento rural celebrado entre os mesmos relativamente ao prédio objeto do negócio descrito em 11”.
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Foi ainda considerado não provado, no que releva para esta apelação:
“c) Os 1.ºs réus e os 2.ºs réus houvessem, em 2 de janeiro de 2018, celebrado um acordo através do qual os primeiros cederam aos segundos o uso e a fruição da parte do prédio identificado em 1. objeto do negócio descrito em 11., tendo por contrapartida o pagamento, por estes, de uma quantia”.
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IV - Do objeto do recurso:
1. A primeira questão a apreciar está relacionada com a condenação dos réus como litigantes de má-fé, que estes contestam, colocando em causa o facto provado com o n.º 16 e a matéria de facto da alínea c) que resultou não provada.
A Mm.ª Juiz que presidiu à realização da audiência de discussão e julgamento deu como provado que os réus sabiam que não era verdade que havia sido celebrado entre ambos um contrato de arrendamento relativo ao imóvel em discussão nos autos. Em conformidade, considerou não estar provado que tal contrato de arrendamento tivesse sido celebrado entre os réus e, assim, que os 2.º réus fossem arrendatários do imóvel que está em causa.
1.1. Quanto a esta impugnação da matéria de facto provada e não provada, cumpre verificar os termos em que a mesma foi efetuada.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) (…); b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Analisadas as alegações apresentadas pelos réus (que em rigor se iniciam apenas na pág. 55 das 80 apresentadas), percebe-se apenas que os recorrentes pretendem que tal facto seja considerado não provado, sendo considerado como provado o que consta da alínea c) dos factos não provados.
As extensas alegações apresentadas, no que se refere a esta impugnação sobre o facto provado n.º 16 e a alínea c) dos factos não provados, nada mais acrescentam (para além de que de “provado” deveria passar a “não provado” e de que de “não provado” deveria passar a “provado”, respetivamente), limitando-se os réus recorrentes a afirmar, quanto ao facto n.º 16, que “tal facto não tem suporte na prova produzida” (pág. 55) e “não foram demonstrados factos que levassem a tal procedência da ação nem a uma condenação de litigância de má-fé” (pág. 56), nada dizendo sobre os meios de prova que permitiriam a prova da matéria de facto que consta da alínea c) dos factos não provados ou sobre os meios de prova elencados na decisão para justificar a prova daquele facto com o n.º16.
Concluem que a “Meritíssima Juiz a quo incorreu com erro notório na decisão na matéria de facto que deve ser reapreciada e alterada por este venerando tribunal de acordo com a prova produzida” e que o facto com o n.º 16 é “conclusivo e sem fundamento”. Mais afirmam que “se as exceções da usucapião alegadas pelos réus foram dadas como provadas, se a falsidade do documento improcede”, não poderia haver condenação dos réus como litigantes de má-fé.
Resulta com clareza da análise das alegações dos réus que estes não cumpriram os deveres de impugnação a que supra nos referimos, pois que nenhuma menção fizeram aos meios de prova produzidos nos autos e que, em seu entender, permitiriam considerar como provada a matéria de facto que consta da alínea c) dos factos não provados e que, por contraponto, permitiria que se considerasse não provado o facto com o n.º 16.
Este Tribunal de recurso não tem o que reapreciar, pois que os réus nenhuma alegação efetuaram quanto à prova que foi produzida.
Note-se que a afirmação que consta do facto provado com o n.º16 não é conclusiva.
O que o Tribunal entendeu dar como provado, e que os réus não impugnam validamente, como se referiu, é que os réus sabiam que não era verdadeira a sua alegação de terem entre si celebrado um contrato de arrendamento, reportado ao imóvel que foi transmitido.
Este facto nada tem de conclusivo e foi, aliás, amplamente justificado pela Mm.ª Juiz que presidiu à realização da audiência de julgamento, pois que, quanto à alegada existência do contrato de arrendamento celebrado entre os réus, referiu:
“Acresce que se evidenciam outras inconsistências nas versões alvitradas por estes sujeitos processuais, pois, se por um lado, o 1.º réu afirmou que os 2.ºs réus lhe pagavam a quantia de 500,00 € de renda, por outro, o 2.º réu, referindo-se à renda convencionada, primeiramente, mencionou que “nunca tivemos um verdadeiro valor” e, em seguida, alterou a sua posição, indo ao encontro do afirmado pela 2.ª ré, no sentido de que a renda correspondia à referida importância e que o seu pagamento era efetuado através da entrega àquele de azeite, vinho e fruta. Pois bem, não se nos afigura verosímil que tal circunstância possa corresponder à realidade, desde logo, porque, analisada a cópia de tal contrato de arrendamento, verificamos que não resulta deste qualquer referência à mesma. Depois, porque, atenta a natureza dos aludidos bens, cremos ser assaz difícil os réus lograrem apurar e quantificar, de modo anual, o valor de tais produtos de modo a alcançar tal montante, sendo certo que os 2.ºs réus nem sequer foram capazes de explicar de que modo o operavam. Outrossim, não se compreende por que motivo teriam os mesmos celebrado tal contrato verbalmente e só posteriormente, em data que nem sequer souberam concretizar, o houvessem reduzido a escrito, havendo apenas o 2.º réu aventado que tal se devia à circunstância de apenas desse modo ser possível alterar a titularidade do benefício do 1.º réu para a sua esposa. Ora, na verdade, tal alegação nem sequer tem correspondência com o arrazoado no requerimento por meio do qual os 2.ºs réus exerceram o contraditório quanto à falsidade do mesmo suscitada pelos autores, no qual se limitaram a alegar que “desconheciam (…) da obrigatoriedade de forma legal”, nada referindo quanto à necessidade de alteração da titularidade do benefício. Efetivamente, afigura-se-nos, no mínimo, curioso que, aquando do contraditório quanto ao incidente de falsidade do documento que titulava o putativo contrato de arrendamento, e mesmo aquando da prestação de declarações, nenhum dos réus houvesse logrado concretizar em que data foi este reduzido a escrito, sendo certo que, se realmente tal facto se devesse à circunstância referida pelo 2.º réu, não seria difícil apurar a mesma, posto que junto do IFAP teriam possibilidade de solicitar tal informação. Igualmente, mostra-se insólito que, na versão dos réus, tenham os 2.ºs arrendado aos 1.ºs a parte do prédio identificado em 1., referida em 11., em janeiro de 2018, e somente em julho de 2021, ou seja, mais de três anos depois, tenham providenciado por arranjar as viragens das videiras a fim de conseguirem manobrar o trator pertencente ao 2.º réu e tornar “mais seguro o cultivo do prédio em causa” e “melhorar a produção do mesmo” (vide fatura junta com a reconvenção apresentada pelos 2.ºs réus sob doc. 5, datada de 01-07-2021). Outrossim, tendo em conta a data de validade dos cartões de cidadão dos seus outorgantes, referida naquele documento, a qual era de dez anos naquele momento, a idade dos réus àquela data e a data da emissão de tais documentos, à luz do disposto no artigo 19º, da Lei 7/2007, de 5 de fevereiro e do artigo 5º da Portaria 287/2017, de 28 setembro de 2017, temos por certo que tal documento foi elaborado após 20/05/2020 (data de emissão do cartão de cidadão da 1.ª ré, o qual, dos três, possui validade mais ampla, portanto, foi emitido por último). Ora, é manifestamente inverosímil que, tendo celebrado verbalmente um contrato de arrendamento rural relativo a sete prédios rústicos em janeiro de 2018, somente transcorridos mais de dois anos houvessem os 2.ºs réus sentido a necessidade de alterar a titularidade do benefício e, para esse efeito, o tenham reduzido a escrito. De resto, nenhuma testemunha da aldeia em causa referiu ter conhecimento de tal contrato de arrendamento, ou que visualizou os 2.ºs réus a trabalhar em tal prédio desde 2018, contrariando, assim, o alegado pelos 2.ºs réus no requerimento que apresentaram ao abrigo do exercício do contraditório quanto ao incidente de falsidade suscitado pelos autores. De mais a mais, o próprio 1.º réu admitiu que tal contrato de arrendamento era fictício”.
Ou seja, de forma clara, sem que o seu raciocínio tenha sido colocado em causa pela impugnação da decisão da matéria de facto efetuada pelos recorrentes, foi explicada a razão pela qual a Mm.ª Juiz que presidiu à realização da audiência considerou não só que resultou não provado que os réus celebraram entre si o alegado contrato de arrendamento, mas também que estes sabiam, quando alegaram a sua existência, que tal facto não era verdadeiro.
Refira-se, por último, que não existe qualquer incoerência, no que se reporta ao alegado contrato de arrendamento, entre a matéria de facto provada e não provada e a decisão que foi proferida no âmbito do incidente de falsidade que os autores deduziram em face da junção do documento efetuada pelos réus e que alegadamente titulava o referido contrato.
Mais uma vez, o Tribunal foi absolutamente claro na sua decisão.
Julgou o incidente de falsidade improcedente porque entendeu que não fazia sentido invoca-lo quando está em causa um documento particular (sem que tal entendimento tivesse sido colocado em crise por via do recurso apresentado).
E, assim, em relação ao referido documento, perante a alegação dos autores de que o mesmo era falso, limitou-se a concluir que “a mesma deve ser encarada como uma impugnação da sua força probatória, ao abrigo do consagrado no artigo 193º, n.º 3, do Código de Processo Civil e que deve ser julgado improcedente o incidente de falsidade do mesmo, deduzido pelos autores”, e que, pelas razões que então apresentou, “constatamos que tal documento, excluindo o facto de as declarações nele contidas derivarem das pessoas nele indicadas, não assume força probatória plena em relação a nenhum dos factos em discussão nestes autos, encontrando-se o seu conteúdo sujeito à regra da livre apreciação (cfr. artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil)”, tal documento particular deveria ser desvalorizado, como meio de prova, no contexto da restante prova produzida (de forma que, repete-se, não foi colocada em causa na apelação apresentada pelos réus).
Ou seja, a decisão de improcedência do incidente de falsidade nada teve que ver com a valoração da existência ou inexistência do contrato de arrendamento que os réus alegavam ter celebrado entre si e, assim, aquela decisão nenhuma relação tem com a matéria de facto considerada provada no facto com o n.º 16 ou não provada na alínea c) da decisão proferida.
Rejeita-se, assim, por incumprimento do disposto no art.º 640.º do C. P. Civil, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos apresentados pelos réus recorrentes.
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1.2. Mantendo-se como provado o facto com o n.º 16 e como não provada a matéria de facto da alínea c), cumpre, ainda assim, verificar se se justifica a condenação dos réus recorrentes como litigantes de má-fé, considerando a sua conduta processual, pois que estes alegam que se a sua pretensão procedeu (quanto à divisão material do imóvel e à sua aquisição por usucapião), não poderia haver litigância de má-fé.
Resulta do art.º 542.º do C. P. Civil que é sancionável a título de má-fé não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
O que há assim que perceber é se a atuação dos réus ultrapassa os limites que a ordem jurídica definiu para que possa exercer os seus direitos, considerando-se que a sua litigância é uma afronta aos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, da Juiz Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, proc. 159/20.0T8MLG.G1, inwww.dgsi.pt “se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé”.
Deve ainda ter-se em atenção que “não é humanamente exigível às partes que sejam inteiramente objetivas, pelos diversos matizes que a realidade sempre apresenta, vistas sob diferentes prismas, sendo percetível que as partes têm uma relação emocional com estas, sofrendo na sua vida as questões em debate, os problemas ocorridos, o peso do litígio. Não pode, no entanto, ser tolerado que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo a que o respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, exigiam ou faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades” – nas palavras do Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/09/2023, da Juiz Desembargadora Sandra Melo, proc. 3509/22.1T8GMRG.G1, in www. dgsi.pt (aqui 1.ª Adjunta).
No entanto, como se refere também no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/06/2022, da Juiz Desembargadora Conceição Sampaio, proc. 20786/20.5T8PRT-A.G1, também inwww.dgsi.pt, “não deve confundir-se litigância de má-fé com: · a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; · a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; · discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou · com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer. Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade”.
Não assiste qualquer razão aos réus recorrentes.
Os réus recorrentes não foram condenados por deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devessem ignorar.
Foram condenados como litigantes de má-fé porque alegaram ter celebrado entre si um contrato de arrendamento quando sabiam que tal alegação não era verdadeira.
Este facto nada tem que ver com os fundamentos pelos quais o pedido dos autores relativo ao exercício do direito de preferência foi julgado procedente e veio, posteriormente (pela decisão que julgou verificada a nulidade da sentença), a ser julgada improcedente.
Ora, ainda que se reconhecesse o fundamento da oposição deduzida pelos réus (para obstar ao exercício do direito de preferência invocado pelos autores), tal nunca implicaria considerar lícita a alegação de factos que todos os réus sabiam não serem verdadeiros, tanto mais que, no contexto dos autos, a existência do contrato de arrendamento foi invocada tendo em vista fundamentar um alegado direito de preferência dos 2.ºs réus que, de outra forma, não existiria, para contrapor ao que foi invocado pelos autores para fundamentar a sua pretensão.
Neste contexto, o restante desfecho da ação (no sentido da procedência ou improcedência da ação e/ou da reconvenção), nada releva para colocar em causa a decisão proferida no que se refere à condenação dos réus como litigantes de má-fé e que teve em consideração, apenas, a circunstância de os réus terem alegado existir um contrato de arrendamento, sabendo que tal alegação não era verdadeira.
Como se refere na sentença proferida:
“No que concerne à conduta processual assumida pelos réus nos presentes autos, importa ter em conta que resultou provado que os mesmos alegaram factos contrários à verdade, a qual era por estes conhecida, designadamente, a existência de um contrato de arrendamento rural celebrado entre os mesmos relativamente ao prédio objeto do negócio descrito no ponto 11. dos factos demonstrados. Neste contexto, não podemos senão concluir que ao alegarem, nas contestações que apresentaram, tais factos que sabiam não corresponder à verdade, com vista a impedir o reconhecimento do direito de preferência aos autores na aquisição do prédio alienado no âmbito do negócio descrito no ponto 11. dos factos provados aí identificado, os réus alteraram a verdade dos factos (cfr. artigo 542º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, parte inicial). Acresce que, atendendo a que se tratava de factualidade que os mesmos estavam conscientes de que se reputava falsa, imperioso se torna inferir que atuaram com dolo”.
Inexiste, assim, fundamento para alterar a decisão de condenação dos réus como litigantes de má-fé, sendo certo que estes nada alegaram relativamente ao montante da multa fixada ou à indemnização atribuída aos autores, ainda que esta tenha ainda que ser fixada ulteriormente (requerimentos de 01 e 08 de abril de 2024 e 1.º despacho de 04/01/2025).
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2 – Se em face da apelação apresentada cumpriria perceber se a sentença proferida era nula, após a prolação do despacho de 04/01/20205 e da posição assumida por réus recorrentes e autores recorridos, a questão que se coloca é a de saber se foi correta a alteração que a Mm.ª Juiz introduziu na sentença dos autos através do despacho de 04/01/2025, proferido no âmbito do disposto no art.º 617.º do C. P. Civil, ou seja, suprindo a nulidade da sentença que havia sido invocada.
O extenso relatório que consta deste Acórdão permite perceber que:
1 – é inequívoco que na petição inicial os autores exerceram o direito de preferência exclusivamente com fundamento na existência de uma situação de compropriedade em relação ao imóvel que foi transmitido entre os réus;
2 - é também inequívoco que, na réplica, e perante a alegação de facto constante da contestação, expressamente referiram que, a ser verdadeira a sua alegação, sempre teriam o direito de exercer o seu direito de preferência, com base na existência de uma relação de confinância entre o prédio de que eram proprietários e aquele que foi vendido entre os réus;
3 – esta questão da relevância da confinância entre os prédios autónomos referidos na contestação como fonte do direito de preferência não consta quer do objeto do litígio, quer dos temas da prova que foram elaborados.
Na sentença inicialmente proferida, a Mm.ª Juiz a quo julgou improcedente o pedido dos autores relativo ao exercício do direito de preferência com fundamento na existência de uma situação de compropriedade precisamente por entender que não existia já um imóvel em compropriedade, mas inicialmente três imóveis, que seriam agora apenas dois (aquele que pertencia aos autores e aquele que foi transmitido entre os réus).
De seguida, apreciou esse mesmo pedido com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil, considerando que aqueles eram entre si confinante, o que permitia a procedência do pedido formulado e relativo ao exercício da preferência.
E, perante o recurso apresentado que considerava nula a sentença proferida porquanto teria sido apreciada causa de pedir e pedido diferentes daqueles que constavam da petição inicial, sem que a causa de pedir ou o pedido tivessem sido ampliados ou alterados, a Mm.ª Juiz que havia proferido a sentença, entendeu que:
“Ora, melhor compulsados os autos, da análise da petição inicial resulta que a causa de pedir invocada pelos autores, in casu, assenta, somente, na qualidade de comproprietários de que estes se arrogam, em associação com o alegado incumprimento da obrigação de preferência resultante do disposto no artigo 1409º do Código Civil. Consequentemente, os autores radicaram o seu direito de preferência, na petição inicial, única e exclusivamente, na relação de compropriedade do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...10 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...03, da freguesia ..., com os 1.ºs réus e não em qualquer outra relação jurídica existente entre os mesmos. Por outro lado, a circunstância que invocaram na réplica (uma vez que aproveitaram tal articulado para responder à matéria de exceção invocada pelos réus), no sentido de que sempre lhes assistiria o direito de preferência por serem proprietários do terreno confinante, não se confunde, nem possui qualquer conexão com a causa de pedir inicialmente invocada. Pelo contrário, esta reporta-se a outra relação jurídica material, mormente, assente, não na compropriedade do terreno, mas na confinância entre os terrenos, da mesma derivando o direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil. Todavia, os factos essenciais nucleares respetivos a tal causa de pedir não foram alegados na petição inicial. Acresce que também não foram suscitados os mecanismos previstos nos artigos 264º e 265º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para que fosse validamente concretizada a ampliação ou a alteração da causa de pedir. Efetivamente, de harmonia com a teoria da substanciação, acolhida no nosso Código de Processo Civil, é na petição inicial que devem ser expostos os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (art. 552º, nº1, al. d), do CPC), isto é, os factos concretos constitutivos do direito que se pretende fazer valer, tendo a alteração ou ampliação da causa de pedir os limites constantes dos normativos referidos supra. De facto, “Não é a mera invocação do direito de preferência que identifica a causa de pedir, mas os factos que permitam consubstanciar essa causa de pedir, o que importa, designadamente, para a definição do caso julgado.” Os fundamentos que os autores alvitraram na resposta às exceções suscitadas pelos réus não configuram um desenvolvimento da factualidade que alegaram na petição inicial, mas constituem matéria nova, importando a invocação de uma nova causa de pedir, ou seja, a ampliação da causa de pedir originária. Por conseguinte, em tal caso, não pode deixar de se ter em conta o disposto nos artigos 264º e 265º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que, todavia, não se verificou, visto que em nenhum momento as partes acordaram na ampliação da causa de pedir, ou se constatou ter ocorrido qualquer confissão feita pelos réus e aceite pelos autores. Por lapso da signatária, pelo qual se penitencia, e do qual só se apercebeu em face da motivação do recurso interposto pelos réus, tal circunstância não foi tida em consideração pela mesma aquando da prolação da sentença destes autos, tendo pressuposto (incorretamente) que a relação de confinância entre os prédios também integrava a causa de pedir originariamente alegada. Sucede que tal vicissitude redundou num excesso de pronúncia da sentença, porquanto o Tribunal conheceu de uma causa de pedir que não foi devidamente alegada na petição inicial, nem introduzida validamente em momento posterior pelos autores, sendo certo que o lapso em questão não se enquadra no âmbito de interpretação e aplicação das regras de direito, pelo juiz, permitido pelo artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil (ao contrário do sustentado pelos autores recorridos), atenta a alteração do objeto do processo que daí adviria. Por conseguinte, forçoso se torna declarar a nulidade parcial da sentença, por excesso de pronúncia (cfr. artigo 615º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil), designadamente, no que respeita ao concreto segmento: “DA PREFERÊNCIA DECORRENTE DA CIRCUNSTÂNCIA DE OS TERRENOS SEREM CONFINANTES”, e determinar que a mesma seja retificada e complementada, de molde a ser suprido tal vício”.
Se é certo que a consequência desta alteração é a improcedência da ação no que se reporta ao exercício do direito de preferência dos autores (que antes havia sido julgado procedente), tendo, assim, enorme impacto no que foi decidido em 1.ª Instância, a questão que se coloca é, apenas, verificar da correção da alteração, considerando os factos provados e o pedido que foi formulado pelos autores, pois que cumpria efetivamente ao Tribunal de 1.ª Instância apreciar a questão da nulidade da sentença suscitada pelos réus em sede de recurso, nos termos do art.º 617.º do C. P. Civil.
É certo que, como refere a Mm.ª Juiz a quo, esta não tem como fundamento o disposto nos artigos citados pelos réus recorrentes.
Mas, tendo sido arguida a nulidade da sentença, tinha o Tribunal que dela conhecer, não estando, para o efeito, vinculado à qualificação jurídica efetuada pelas partes – art.º 5.º, n.º 3, do C. P. Civil.
Assim, podia, como fez, integrar a arguição da nulidade na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil (é esta a única alínea referida no despacho, sendo a única que se encontra sublinhada na transcrição do texto legal e a que consta da declaração de nulidade da sentença, e não a alínea e) a que se referem os autores no seu requerimento de 27/01/2025).
Resta apreciar se a apreciou bem.
As partes não contestam que a causa de pedir desta ação, analisada a petição inicial, no que se refere ao exercício do direito de preferência, se resumisse à alegação dos factos que permitiriam o reconhecimento desse direito a quem se encontrasse em situação de compropriedade, na transmissão efetuada pelo comproprietário a quem não tinha tal qualidade.
Não contestam também que os factos que integram a causa de pedir de uma ação para o exercício do direito de preferência pelo comproprietário (art.º 1410.º do C. Civil) e pelo proprietário do prédio confinante (art.º 1380.º do C. Civil) sejam diferentes.
E são-no, efetivamente, como decorre até da apreciação jurídica que foi efetuada na sentença inicialmente proferida, analisando os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito de preferência, com casa um desses fundamentos.
O que contestam os autores (quando pediram que este Tribunal apreciasse a questão da nulidade) é que exista qualquer restrição a que se reconheça o direito de preferência com base na existência de prédios confinantes se os factos provados, carreados para os autos por ambas as partes, permitirem esse reconhecimento (como se entendeu na primeira decisão proferida), não percebendo porque não pode ser considerado o que alegaram na sua réplica (arts. 59.º e 60.º do articulado que acima se transcreveram), tendo em vista a afirmação do direito de preferência com esse novo fundamento (em resposta ao teor da contestação apresentada pelos réus em que estes alegaram a existência de prédios autónomos adquiridos por usucapião, afastando dessa forma a situação de compropriedade em que os autores inicialmente fundaram o seu direito de preferência).
Contestam também que se afirme que foi apreciado pedido diverso daquele que formularam, alegando que o que lhes foi reconhecido foi o direito de preferência e esta foi, precisamente, a tutela pretendida.
A causa de pedir é definida como a enunciação de factos, com relevo jurídico, de que emerge o direito à tutela jurisdicional solicitada - António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, em anotação ao art.º 186.º do C. P. Civil.
Como referem estes autores, decorre da redação do art.º 581.º do C. P. Civil, que o legislador fez, em matéria de causa de pedir, uma opção, entre dois sistemas possíveis, o da individualização e o da substanciação. “Para o primeiro, bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as causas de pedir da situação jurídica configurada pelo autor”, já o segundo “implica para o autor a necessidade de articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa causa de pedir”.
Assim, “o preenchimento da causa de pedir supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito subjetivo cuja tutela jurisdicional se pretende”.
Ora, em relação à causa de pedir invocada pelo autor, se este tem o ónus de alegação dos factos essenciais, podem ainda ser considerados os factos instrumentais e complementares daqueles, nos termos do art.º 5.º do C. P. Civil, e, assim, que integrem aquela mesma causa de pedir.
Temos assim como claro que a causa de pedir alegada na petição inicial tendo em vista a afirmação do direito de preferência dos autores, decorrente do disposto no art.º 1410.º do C. Civil, se circunscrevia à alegação dos factos relativos à situação de compropriedade do imóvel que foi negociado entre os réus, alegando aqueles serem dele comproprietários e tendo 2/3 sido vendidos a quem não era comproprietário (os 2.ºs réus).
A alegação de serem os autores proprietários de um imóvel confinante com o que foi transmitido entre os réus (a ser verdadeira a alegação das suas contestações, mas que os autores declaram então não aceitar) surge apenas na réplica, com a invocação do disposto no art.º 1380.º do C. Civil como fonte do direito de preferência.
Reportando-se a causas de pedir distintas, sempre teriam os autores de alegar, em relação a ambas, os seus factos essenciais.
Note-se que estes dois direitos de preferência não são sequer exercidos sobre a mesma realidade.
Se o que foi invocado pelos autores na sua petição inicial se exerce relativamente à venda de 2/3 do imóvel identificado nos autos, pretendendo os autores substituir-se aos 2.ºs réus na aquisição desses 2/3, o direito de preferência com base na existência de prédios confinantes (reconhecido na primitiva sentença proferida) permitiria aos autores substituir-se àqueles réus na aquisição do prédio que se declarou existir já autonomamente (de forma que, nem no recurso, nem no requerimento de 20/01/2025 foi colocada em causa pelos réus).
Se, como se referiu já, a única causa de pedir da petição é relativa à situação de compropriedade do imóvel, não se ignora o que, em sede de réplica, os autores alegaram (e que se transcreveu supra) sobre a existência de prédios confinantes para que lhes fosse reconhecido o direito de preferência na venda realizada.
E é por isso que, na situação dos autos, ao apreciar a suscitada questão da nulidade da sentença, não podia a Mm.ª Juiz a quo afirmar que, na sentença então proferida, conheceu de questão que não estava colocada nos autos.
A questão (de facto e de direito) relativa à possibilidade de exercício do direito de preferência com base na existência de prédios confinantes foi introduzida nos autos pelos autores, em sede de réplica, perante o teor da contestação, ainda que se perceba que a sua alegação foi efetuada de forma subsidiária, se viesse a julgar-se provada a versão alegada pelos réus na sua contestação.
A sentença é nula quando: “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art.º 608.º, nº2, do C. P. Civil: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
As “questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio” – Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 27/02/2025, da Juiz Desembargadora Carla Sousa Oliveira, proc. 618/22.0T8BRG.G1, in www.dgsi.pt.
A expressão “questões” reporta-se assim a cada uma das pretensões que as partes submetem à apreciação do Tribunal e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
É inequívoco que os autores apresentaram como causa de pedir para o exercício do seu direito de preferência a alegação dos factos relativos à compropriedade do imóvel e que permitiriam a sua procedência. E foi entendido que tal direito de preferência não podia ser exercido porque o imóvel não existia em situação de compropriedade, tendo os autores adquirido por usucapião uma parcela daquele e os 1.ºs réus as restantes duas parcelas que existem como um único prédio, tendo agora estes dois prédios existência autónoma. Esta decisão, no que ela significa em termos de matéria de facto e de direito, não foi colocada em causa por qualquer das partes.
Note-se que a improcedência do exercício deste direito de preferência decorre da afirmação da inexistência de uma relação de compropriedade entre os autores e os 1.ºs réus, em relação ao imóvel identificado nos autos, ainda que o negócio que os réus entre si celebraram tivesse afirmado a sua existência (já que os 1.ºs declararam vender aos 2.ºs réus 2/3 de um imóvel, pressupondo a existência da compropriedade que, nesta ação, alegaram e foi entendido que não existia).
Assim, perante o negócio realizado entre os réus, não podiam os autores antecipar a alegação dessa causa de pedir na sua petição inicial, pois que o exercício do direito de preferência permite, apenas, a substituição do adquirente (2.ºs réus) pelo preferente (autores) e foram os réus que fizeram as declarações que constam do negócio de compra e venda realizado.
Ou seja, apesar de os 1.ºs réus entenderem ter já adquirido por usucapião um imóvel com as características que resultaram provadas, como alegaram e resultou demonstrado, identificaram o que vendiam aos 2.ºs réus como correspondendo a 2/3 do imóvel de que os autores eram comproprietários do restante 1/3, impedindo dessa forma que os autores exercessem o seu direito de preferência tendo por fundamento o seu direito de propriedade sobre o prédio confinante.
Os réus podiam ter realizado entre si o negócio correspondente ao que alegaram nas suas contestações, justificando os 1.ºs réus a sua aquisição por usucapião do prédio que alegaram então existir e vendendo-o aos 2.ºs réus. E, neste caso, o único direito de preferência que os autores poderiam invocar seria aquele que resulta da sua alegação de serem proprietários de prédio confinante.
O que não pode admitir-se é que, tendo os 1.ºs réus declarado vender aos 2.ºs réus 2/3 de um imóvel em compropriedade, que estes aceitaram comprar, se entenda, perante a alegação de que não foi este afinal o negócio que entre si realizaram, mas que assim formalizaram, que os autores não podem exercer o direito de preferência com base na causa de pedir que poderiam invocar se as declarações negociais dos réus se tivessem reportado ao imóvel que então os 1.ºs réus já haviam adquirido por usucapião.
Estamos perante a possibilidade de ampliação da causa de pedir e do pedido, para uma causa de pedir e pedido subsidiário, para a hipótese de procedência de matéria de exceção que os autores não podiam antecipar quando propuseram a ação, considerando os termos do negócio realizado entre os réus e que está na base do fundamento que invocaram para o exercício do direito de preferência.
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2021, do Juiz Desembargador José Igreja de Matos, proc. 567/20.7T8VVFR_A.P1, in www.dgsi.pt, reportando-se ao disposto no art.º 265.º, n.º 6, do C. P. Civil. “é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida”. No caso em apreço e em tese geral, haveria uma modificação do pedido na medida em que ao mesmo acresceria um outro, de natureza subsidiária, e a causa de pedir seria igualmente modificada no sentido de ampliada por factos que depois desembocariam, se demonstrados, na procedência desse pedido subsidiário. Como se refere no Ac. da Rel. de Lisboa de 29/11/2012, in www.dgsi.pt (com referência aos preceitos correspondentes ao CPC então vigente), o conceito de relação jurídica a que alude o nº 6 do artigo 265º do C.P.C. é diverso do conceito de causa de pedir traçado no artigo 581º, nº 4 do mesmo diploma. Esclarece Lebre de Freitas, em “Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, páginas 169 a 172 e também no seu Código de Processo Civil Anotado, que a norma do nº 6 do artigo 273º do CPC (agora 265º) deve ser interpretada no sentido de possibilitar a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando o novo pedido se reporte a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira”.
É este o enquadramento legal da alegação dos autores constante da réplica e que se transcreveu no relatório deste Acórdão, ainda que, como veremos, aqueles não tenham sido exuberantes na sua alegação e pretensão deduzida.
Note-se que, se é certo que os autores nunca referem ter ampliado a causa de pedir (com os factos alegados pelos próprios réus nas suas contestações) e o pedido inicial, é essa inequivocamente a sua pretensão quando alegam que “também por esta via deveria ter sido dado o direito de preferência aos AA.”.
Os autores estão assim a deduzir pedido que lhes reconheça o seu direito de preferência pelo facto de serem proprietários do prédio confinante, se vier a demonstrar-se que o que os 1ºs réus venderam aos 2.ºs réus foi afinal o prédio que já haviam adquirido por usucapião, apesar do que declararam vender e comprar, respetivamente.
Ou seja, a questão que foi apreciada na sentença – a possibilidade de exercício do direito de preferência pelos autores enquanto proprietários de prédio confinante, na venda realizada entre os réus, se viesse a considerar-se que existiam já dois imóveis, um adquirido pelos autores e outro pelos 1.ºs réus por usucapião – foi questão efetivamente colocada nos autos e dela teria o Tribunal de 1.ª Instância que conhecer.
Daqui não decorre, contudo, que o Tribunal de 1.ª instância estivesse então em condições de, quando proferiu a sentença, dela conhecer, como foi feito.
Em primeiro lugar, porque perante a ampliação efetuada em sede de réplica pelos autores, não foi permitido que os réus sobre ela se pronunciassem (tanto mais que, como resulta desta apelação, a mesma nunca foi identificada como questão a decidir, quer no objeto do litígio, quer na sentença, como resulta da decisão posterior que veio a considerar que esta era nula por ter apreciado aquela questão).
Certo é que, nos autos, depois da apresentação da réplica, essa nova causa de pedir e pedido (subsidiários) nunca foram expressamente identificados, fosse por quem fosse, até ao momento da sentença, como se retira de não ter sido ordenado o cumprimento do contraditório pelos réus ou feita qualquer referência a essa questão no objeto do litígio ou nos temas da prova.
Em segundo lugar, porque a alegação de facto do articulado de réplica era insuficiente.
Se é certo que resulta da alegação dos próprios réus que os dois imóveis (autónomos) eram confinantes entre si e tinham unidade inferior à unidade de cultura (porque referiram a área total do imóvel inicial, e esta é, toda ela, inferior à unidade de cultura), não foi alegado pelos autores que os 2.ºs réus não são proprietários de prédio confinante.
Este facto negativo é pressuposto do exercício do direito de preferência com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil, como reconhece de forma uniforme a jurisprudência (veja-se, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2023, do Juiz Conselheiro Jorge Leal, proc. 1303/20.3R8VRL.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Este facto negativo não foi alegado, como resulta da própria sentença proferida que, sobre este facto, se limitou a referir não “fluir” dos factos provados que os 2.ºs réus fossem proprietários de prédios confinantes.
Porém, estando em causa um facto constitutivo do direito de preferência, a sua não prova pelos autores implicaria sempre a improcedência do direito de preferência com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil.
Ora, a insuficiência da matéria de facto relevante para a apreciação desta causa de pedir e pedido subsidiários seria sempre suprível, por via de um convite ao aperfeiçoamento do articulado apresentado pelos autores – art.º 590.º, n.º2, alínea b), do C. P. Civil, citando-se, para melhor compreensão desta questão o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 05/12/2024, do Juiz Desembargador José Cravo, proc. 202/23.1T8VPC.G1, in www.dgsi.pt.
O que temos que apreciar é o que fazer quando, não tendo sido cumprido o contraditório quanto a esta nova causa de pedir e pedido (subsidiários) e não estando nos autos todos os factos que permitiam a apreciação daquela questão, foi proferida sentença que julgou procedente o pedido relativo ao exercício de preferência, com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil.
Na esteira do que vem sendo entendido, julgamos, pela jurisprudência maioritária (pelo menos neste Tribunal da Relação de Guimarães), esta situação ainda se subsume à nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
As omissões cometidas, relativas ao contraditório e insuficiência suprível da alegação de facto, influíram na decisão proferida, pois que a ação foi julgada procedente com base nesta causa de pedir e pedido subsidiários.
A omissão projetou-se assim na decisão proferida, inquinando-a.
Nas palavras do Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 02/05/2024, do Juiz Desembargador Gonçalo Oliveira Magalhães, proc. 753/21.2T8VVD.G2, inwww.dgsi.pt, “está-se assim a conhecer de uma questão que não podia ser conhecida, o que redunda num vício estrutural da decisão. Quer se considere que a nulidade processual é consumida pela nulidade da decisão por excesso de pronúncia, quer se considere que há apenas um vício – o da decisão –, será sempre este último que deverá ser atacado com arrimo no disposto no art. 615/1, d), do CPC. A nulidade aqui prevista – em rigor, uma anulabilidade – não é, porém, do conhecimento oficioso, entendimento que se estriba na circunstância de várias disposições legais (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC) aludirem, em determinadas circunstâncias, à possibilidade do suprimento oficioso de nulidades da sentença de modo que indicia que o conhecimento desse vício constituirá a exceção e não a regra que, em contrapartida, é a necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1), relatado por Maria da Graça Trigo, RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), relatado por José Amaral, RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), relatado por Maria João Matos, RG 4.10.2018 (4981/15.1T8VNF-A.G1) e RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1), relatado por Rosália Cunha; na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 10. Assim, para que o tribunal ad quem possa conhecer dela impõe-se a sua arguição”.
Ora, como se disse já, a nulidade foi invocada pelos réus no seu recurso, embora com fundamentação jurídica diversa da que aqui se considera, sem que o Tribunal esteja adstrito à que foi trazida aos autos pelos recorrentes.
Decorre do exposto que a sentença proferida, no que a este segmento se reporta, era efetivamente nula, embora por fundamento diverso daquele que foi considerado pela Mm.ª Juiz a quo.
Esta nulidade não se comunica aos demais fundamentos de facto e direito da decisão (veja-se, neste sentido, numa situação transponível para a destes autos, o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2012, da Juiz Conselheira Rosa Tching, proc. 588/12.3TBPVL.G2.S1, in www.dgs.si.pt).
Como decorre também do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016, do Juiz Desembargador Ataíde das Neves proc. 4158/08.2TBMTS.P1, in www.dgsi.pt, “neste caso, a "omissão do ato" em que consiste a nulidade, é anterior à prolação do despacho saneador, mas não implicará a mesma a anulação do mesmo nem de todos os atos posteriores, mas apenas da decisão de direito (e não de facto) proferida, tal como estatui o nº 2 do art. 195º do CPC, segundo o qual “quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes”. Assim, como o julgamento feito quanto aos factos apurados não contende com a omissão cometida, implicando esta apenas com a parte da sentença que aplicou o direito aos factos, apenas esta será anulada”.
Note-se que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso e declaração de nulidade agora decidida – art.º 635.º, n.º 5, do C. P. Civil – o que implica naturalmente que as demais pretensões das partes apreciadas na decisão de 1.ª Instância se considerem transitadas em julgado, mantendo-se os factos que foram considerados provados e a restante fundamentação da sentença.
Assim, o reconhecimento de tal nulidade não implica que se julgue improcedente a pretensão dos autores (como se fez no despacho de 04/01/2025), mas tão só que sejam praticados os atos processuais omitidos, no que se reporta à apreciação do direito de preferência com base na alegação de serem os autores proprietários do prédio confinante com aquele que foi vendido pelos 1.ºs réus aos 2.ºs réus, decidindo-se essa pretensão de acordo com a alegação e prova que vier a ser realizada.
Como consequência da nulidade da sentença, deverão os autos regressar ao momento posterior à apresentação da réplica, devendo, por um lado, ser determinada a notificação dos réus para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a alegação dos autores dos art.ºs 59.º e 60.º da réplica e, por outro, serem os autores convidados a suprir a insuficiência da sua alegação quanto a não serem os 2.ºs réus proprietários de qualquer prédio confinante com aquele que foi vendido pelos 1.ºs réus e que declararam comprar, prosseguindo os autos em conformidade com o que vier a ser alegado e provado, com a realização de novo julgamento apenas sobre os novos factos.
Ou seja, estes autos regressam àquele momento processual apenas para apreciação do pedido relativo ao exercício do direito de preferência dos autores com fundamento na alegação de serem proprietários de prédio confinante com aquele que foi vendido entre os réus, considerando-se os factos que, sobre esta matéria, vierem a ser alegados por autores e réus.
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Considerando que existiam duas questões suscitadas na apelação apresentada pelos réus recorrentes e que o seu decaimento total existe apenas em relação a uma delas, sendo, na restante, o decaimento de autores e réus em face do que foi requerido pelos autores em 27/01/2025, nos termos do art.º 617.º, n.º 4, do C. P. Civil, as custas desta apelação serão suportadas por autores e réus, na proporção de 1/4 para os autores e 3/4 para o conjunto dos 1.ºs e 2.ºs réus, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
No que se refere às custas da ação, as mesmas terão que ser novamente fixadas quando for apreciado o pedido relativo ao exercício de direito de preferência com o fundamento constante da réplica.
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V – Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
a) improcedente a apelação apresentada pelos réus quanto à questão da sua litigância de má-fé, mantendo-se a decisão proferida e que os condenou como litigantes de má-fé;
b) improcedente a pretensão deduzida pelos autores em 27/01/2025, mantendo-se o entendimento de ser nula a sentença proferida na parte em que apreciou a existência do direito de preferência dos autores com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil, ainda que se revogue o despacho que julgou tal pedido improcedente, determinando, para apreciação desta questão, que o Tribunal a quo:
1 – ordene a notificação dos réus para, no prazo de 10 dias, exercerem o contraditório quanto à alegação e pretensão dos autores constante dos art.ºs 59.º e 60.º do articulado da réplica;
2 – convide os autores a, no prazo de 10 dias, alegarem que os 2.ºs réus não são proprietários de qualquer prédio confinante com aquele que adquiririam aos 1.ºs réus, podendo os réus responder, em igual prazo à alegação que vier a ser realizada;
3 – proceda à ulterior tramitação da ação tendo em vista a realização da audiência de discussão e julgamento para apreciação do alegado direito de preferência dos autores com fundamento no art.º 1380.º do C. Civil.
c) manter a sentença proferida em 11/03/2024 quanto à matéria de facto que resultou já provada e todas as demais questões apreciadas e que não foram objeto de apelação.
As custas desta apelação serão suportadas por autores e réus, na proporção de 1/4 para os autores e 3/4 para os segundos – art.º 527.º do C. Civil.
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Guimarães, 24/04/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Sandra Melo
2ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves