AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA VENDA DE BEM PERTENÇA DE MAIOR ACOMPANHADO
INTERESSE DO BENEFICIÁRIO
Sumário


I - A venda de bens do beneficiário de Acompanhamento de Maior depende de autorização do Tribunal, o qual, feitas as diligências que tiver por pertinentes, deve deferi-la se tal satisfizer o interesse daquele beneficiário.
II – Inexistindo uma necessidade financeira actual da Acompanhada, satisfaz o seu interesse a autorização de venda de um imóvel em função de uma necessidade de natureza cautelar, ou seja, a necessidade de evitar que danos maiores e mais gravosos se produzam na esfera de terceiros provocados pelo estado atual do prédio ou pelo seu inevitável agravamento.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

AA, na qualidade Acompanhante (anteriormente designada como tutora) de BB, propôs, por apenso, a presente acção de autorização judicial[1], sob a forma de processo especial, pedindo que se autorize a aqui Requerente/Acompanhante nomeada, para em nome da Acompanhada, proceder à venda dos seguintes imóveis:
(1) prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...32, pelo valor global de 20.000,00€ (vinte mil euros);
(2) prédio urbano sito no Lugar ... da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43, e omisso na Conservatória do Registo Predial, pelo preço de 90.000,00€ (noventa mil euros).
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O parente sucessível mais próximo da acompanhada, bem como o Ministério Público foram regularmente citados para contestar.
O MP não apresentou contestação.
O parente sucessível mais próximo da acompanhada, CC, apresentou contestação, alegando, em suma, que em relação à venda do prédio urbano sito no Lugar ... da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 nada tem a opor, mas em relação à venda do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 o preço de venda do mesmo deve ser superior em € 5.000,00, ou seja, nunca em valor inferior a € 25.000,00, juntando uma proposta de aquisição por esse valor, cfr. fls. 89 e ss..
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Pronunciando-se relativamente à contestação apresentada pelo parente sucessível mais próximo da acompanhada, a requerente confrontou o promitente comprador inicial com a proposta aludida e junta de € 25.000,00, tendo apresentado uma contraproposta de € 25.500,00, tal porquanto é proprietário do prédio contíguo que está a sofrer danos decorrentes das infiltrações provenientes do prédio em apreço, pelo que tem interesse em adquiri-lo para realizar obras que obstem à continuação da produção de danos no seu prédio, juntando para o efeito uma proposta de compra acompanhada de cartão de cidadão do promitente-comprador. Juntou uma adenda ao contrato-promessa constante da petição inicial, em conformidade.
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Tendo tomado conhecimento da contraproposta do promitente comprador inicial, a parente sucessível mais próximo da acompanhada confrontou o interessado proponente que anteriormente apresentara a contraproposta, que a cobriu novamente, oferecendo agora € 26.000,00, que formalizou por escrito.
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Pronunciando-se relativamente à nova proposta, a requerente confrontou o promitente comprador inicial com a proposta aludida, tendo apresentado uma contraproposta assinada de € 26.200,00. Por razões de economia processual, a requerente pediu que fossem notificados ambos os interessados proponentes, para que estes, no conselho de família agendado (…) possam licitar, a fim de se conseguir o melhor preço para o bem que pertence à interdita.
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O MP pronunciou-se nos seguintes termos:
A diligencia designada para reunião do conselho de família (e emissão de parecer pertinente, na qual apenas e só intervêm os respectivos vogais) encontra-se designada para o próximo dia 17.5.2023, sendo que na mesma não se incluem quaisquer diligencias para obtenção de preço (nomeadamente, licitações) mas tão só, a emissão de parecer quanto à pretensão do requerente.
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Reunido o Conselho de Família, os vogais emitiram parecer favorável à venda do imóvel descrito no item B do Requerimento Inicial pelo valor de € 90.000,00 e parecer desfavorável à venda do imóvel descrito no item A do Requerimento Inicial pelo valor de € 20.000,00, por se lhes afigurar como inferior ao valor real do mesmo. Mais acrescentaram que a requerida, se encontra internada na casa de saúde de ..., sito em ... e que a mesma tem conta bancária (já constante nos autos) e uma conta-corrente na instituição onde estão várias dezenas de milhar de euros, pelo que não se lhes afigura como essencial para o bem-estar da requerida a venda do Imóvel em causa. Aliás, são de opinião que a requerida ali se encontra a ser bem tratada e lhe é disponibilizado tudo o quanto a mesma necessita.
Tendo, ainda, a requerente esclarecido que todos os meses faz transferências para a conta corrente da requerida da instituição onde a mesma se encontra, sendo que essas transferências são efetuadas a solicitação da Instituição onde a requerida se encontra. Esclarece ainda que, neste momento, desconhece o saldo dessa conta e quanto ao imóvel descrito no item A que o mesmo se encontra desabitado e em deterioração progressiva, e está a causar prejuízos a um vizinho devido a infiltrações de humidade. Esse imóvel exige obras urgentes de recuperação pelo que, para obviar as despesas inerentes com essas obras, foi requerida a venda, até porque a requerida pode ser confrontada com uma ação cível, por parte do vizinho. Mais acrescentou que tal imóvel necessita de obras de limpeza ao nível de logradouro em face de infestação de animais roedores e rastejantes e do mato que o invadiu, e que no essencial a venda não foi requerida para obtenção de dinheiro para melhorar as condições de vida da requerida, mas sim, no que concerne a este 1º imóvel, para impedir despesas e prejuízos que poderão advir para a requerida com as obras de conservação e de limpeza dos imóveis em causa, bem como, para definir de uma forma definitiva o valor a recadar por cada um dos herdeiros na venda do 2º Imóvel.
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Foram realizadas diligências instrutórias reputadas como essenciais, a saber:

- solicitou-se junto dos serviços da seg. social, relatório sócio-familiar da requerida, bem como informação de todos os subsídios que se encontram a ser processados à requerida e de que mesma é beneficiária;
- solicitou-se junto da instituição onde a mesma se encontra internada, informação sobre as condições em que a mesma ali se encontra, e, nomeadamente, informação sobre se a mesma ali detém conta-corrente e qual o respectivo saldo;
- determinou-se uma avaliação dos imóveis cuja venda foi requerida com vista a determinar o seu real valor.
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Tendo sido atribuído, pelo Relatório Pericial, para os imóveis em avaliação, os valores de € 20.640,00 e € 89.990,00, respectivamente, para a verba A e B e apurado que a acompanhada recebe mensalmente da Segurança Social, a título de pensão de velhice, a quantia de 526,79 € e que tem na sua conta-corrente junto da Casa de Saúde ..., onde se encontra internada, um saldo positivo de 12.832,57 €, resultante do excedente em relação aos seus gastos no montante mensalmente transferido para aquela instituição. Consta, ainda dos autos que a acompanhada tem depositadas na sua conta bancária  ...05, do Banco 1..., as seguintes quantias: 5.448,47 € à ordem e 48.368,73 € a prazo, resultando do extrato bancário desta mesma conta, junto aos autos, que a acompanhada já recebeu, a título de sinal, respeitante ao contrato promessa relativo à venda do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17, a quantia de 2.000,00 €.
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O Ministério Público emitiu parecer, cfr. ref. ...08, de 04-04-2024.
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Cumprido o contraditório, foi posteriormente, em 12-09-2024, proferida sentença, em conformidade com o disposto no art. 1014º/3 do CPC, de onde consta a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se a ação procedente por provada, e decide-se:
(1) autorizar a Requerente, AA, em representação da acompanhada BB, a vender o prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...32, pelo preço não inferior a €20.640,00 (vinte mil, seiscentos e quarenta euros), no prazo de 90 (noventa) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença.
(2) autorizar a Requerente, AA, em representação da acompanhada BB, a vender o prédio urbano sito no Lugar ... da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43, e omisso na Conservatória do Registo Predial, pelo preço global de €90.000,00 (noventa mil euros), no prazo de 90 (noventa) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença.
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Deve a Requerente juntar aos presentes autos certidão da escritura pública de compra e venda dos referidos prédios, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da realização da escritura de compra e venda atinente aos mesmos.
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Deve o produto da venda de tais prédios que caiba à acompanhada, ou seja, a sua quota-parte de 1/9 sobre o valor de venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 e a totalidade do preço sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17, ser depositado em conta bancária titulada, ou co titulada, por esta, devendo a Requerente juntar aos presentes autos comprovativo do depósito da quantia de tal facto, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da realização da escritura de compra e venda atinente aos prédios.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. h) do Regulamento das Custas Processuais, que se entende extensível aos incidentes e apensos dos processos de maior acompanhado.
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Registe e notifique.
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Notificada dessa sentença, inconformada, apresentou a protutora CC recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1ª) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida nos autos em 12-09-2024, no segmento do ponto 1) daquela decisão.
2ª) A recorrente, desde logo, impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, porquanto, no entender da ora recorrente, há dois factos que não podem/devem constar da factualidade considerada como provada, na medida em que se trata de factos conclusivos e, assim, estava e está naturalmente vedado ao Tribunal incluir tal matéria conclusiva nos factos dados como provados nestes autos: os factos dos pontos 11. e 16. da matéria considerada como provada.
3ª) Em consequência do que, salvo melhor opinião, deverão esses dois pontos, o 11. e o 16., ser retirados da factualidade, pelo motivo supra descrito, isto é, por se tratar de matéria factual conclusiva, logo não permitida como factos provados nos autos.
4ª) Para além disso, deverão ainda ser aditados, aos factos provados, os factos que dizem diretamente respeito aos rendimentos e meios económicos de que é titular a acompanhada, a saber:
• A acompanhada tem depositadas na sua conta bancária  ...05, do Banco 1..., as seguintes quantias: 5.448,47 € à ordem e 48.368,73 € a prazo, resultando do extrato bancário desta mesma conta, junto aos autos, que a acompanhada já recebeu, a título de sinal, respeitante à sua quota-parte na referida herança, a quantia de 2.000,00 €, tendo ainda a receber a final (aquando da celebração da escritura definitiva de compra e venda) a quantia de 8.000,00 €;
• Por informação prestada nos autos, em 23/10/2023 (cfr. ref.ª processual nº ...81), pela Casa de Saúde ..., onde se encontra internada a acompanhada, esta tem na sua conta-corrente junto daquela instituição um saldo positivo de 12.832,57 €, resultante do excedente em relação aos seus gastos no montante mensalmente transferido para aquela instituição;
• A acompanhada recebe mensalmente da Segurança Social, a título de pensão de velhice, a quantia de 526,79 €.
5ª) A dissonância do entendimento da recorrente relativamente ao decidido nos autos tem, no essencial, que ver com a desnecessidade para a beneficiária/acompanhada BB da venda, no presente caso, do prédio urbano artigo ...17/freguesia ..., concelho ..., tendo sido, como é, sempre essa a posição da ora recorrente, por si manifestada por diversas vezes no presente processo.
6ª) Pela análise da situação económica da acompanhada BB, a qual se encontra devidamente documentada nos autos, resulta que a mesma não tem necessidade de vender todos os seus bens patrimoniais, contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz.
7ª) A acompanhada, depois de outorgado o contrato de compra e venda do prédio urbano pertencente à herança do seu mencionado avô DD (e por via do qual, como já mencionado, terá ainda a receber a quantia de 8.000,00 €), ficará com uma disponibilidade económico-financeira imediata bem superior a 70.000,00 € (setenta mil euros), não se verificando, pois, no entender da recorrente o pressuposto da alegada necessidade de meios económicos para se fazer face a eventuais situações de doença da acompanhada, ou seja, contrariamente ao pedido formulado nestes autos.
8ª) Resulta claramente, in casu, a desnecessidade de autorização da venda objeto deste recurso, por não ser a mesma efetivamente do interesse da acompanhada, segundo os critérios ou regras que deverão ser atendidos em casos como o dos autos, tal como decidido de forma exemplar pelo douto ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 16-05-2023, proc. Nº 177/18.9T8MMV-A.C1, in www.dgsi.pt.
9ª) Pelo exposto, deverá ser revogada a sentença proferida nos autos, devendo excluir-se e acrescentar-se a matéria factual acima descrita aos factos considerados como provados, e devendo decidir-se pelo indeferimento de autorização para a venda do mencionado prédio urbano artigo ...17/freguesia ..., concelho ....
10ª) A douta Sentença recorrida violou, s.m.o., por incorreta interpretação e aplicação dos normativos legais e dos meios probatórios carreados para os autos, o disposto no artigo 1014º, nº 1 do Código de Processo Civil e no artigo 145º, nº 3 do Código Civil.
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AA, acompanhante de BB, respondeu às alegações, finalizando com a apresentação das seguintes conclusões:

1. A Recorrente considera que os factos dados como provados nos pontos 11. e 16. da fundamentação são factos conclusivos e que como tal não podem ser assim classificados e entende que deveriam ser aditados aos factos provados aqueles que dizem diretamente respeito aos rendimentos e meios económicos de que é titular a Acompanhada.
2. Mais entende a Recorrente que, retirados aqueles factos e incluídos aqueles outros, a decisão do Meritíssimo Julgador seria diversa, traduzindo-se na negação da autorização de venda do prédio em causa neste recurso, fundamentada na sua desnecessidade financeira para a Acompanhada BB.
3. Não poderia a Recorrida estar em maior desacordo com esta tese, pois ainda que fossem aditados como provados os factos que a Recorrente sugere e retirados aqueles que a Recorrente entende como conclusivos, a decisão não poderia ser outra senão a doutamente proferida pelo Meritíssimo Juiz “a quo”.
4. A Recorrida entende que o que está subjacente à decisão do Meritíssimo Julgador “a quo” neste ponto da sentença não é uma necessidade financeira atual da Acompanhada, mas sim uma necessidade de natureza cautelar, ou seja, a necessidade de evitar que danos maiores e mais gravosos se produzam na esfera de terceiros provocados pelo estado atual do prédio ou pelo seu inevitável agravamento.
5. A Recorrente entende que a existência dessa necessidade cautelar encontra sustentação no ponto 6 da fundamentação “o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 encontra-se desabitado há mais de 10 anos, e apresenta elevado estado de degradação, com graves infiltrações de humidade, nas paredes, tetos, soalhos, pelo que necessita de ter uma intervenção profunda para voltar a ter condições de habitabilidade” e, no seu ponto 7 que: “as infiltrações supra referidas têm vindo igualmente a provocar danos no prédio vizinho contíguo.” (sublinhado nosso)
6. Na verdade, caso a degradação do prédio se mantenha ou se agrave, não sendo o mesmo vendido, fica a Acompanhada à mercê de uma eventual ação de responsabilidade civil extracontratual e de uma obrigação de pagar aos proprietários do prédio confinante a poente ou a outros terceiros, indemnizações por danos patrimoniais e até mesmo por danos não patrimoniais, valores que neste caso, serão retirados do seu pecúlio, que com manifesto zelo, vem sendo conservado pela Acompanhante e que deverá servir para satisfação das despesas da Acompanhada.
7. Conforme se pode inferir do documento junto aos autos com a refª:...81, de 23/10/2023, este imóvel não voltará a ser utilizado pela Acompanhada, uma vez que esta se encontra institucionalizada na Casa de Saúde ..., em unidade de longo internamento.
8. Conforme se comprova pelo relatório (página 7) da Sr.ª perita avaliadora EE, e pelos registos fotográficos em anexo ao relatório (páginas 1 a 7), este prédio não produz qualquer rendimento para a Acompanhada, “pois não tem condições mínimas de salubridade e de habitabilidade.”
9. O prédio em causa não poderá ser arrendado sem sofrer uma intervenção profunda, o que implicaria um investimento avultado, a ser realizado com o pecúlio da Acompanhada.
10. Não é seguramente razoável que a Acompanhante despenda avultadas quantias na reabilitação do imóvel da Acompanhada, quando esta não voltará a residir lá e quando tais montantes possam ser necessários no futuro para custear as suas despesas, de saúde, entre outras.
11. Será certamente mais prudente vender esse prédio por 20.640,00 €, valor esse que foi atribuído pela Sr.ª Perita, nomeada oficiosamente pelo Ex.mo Sr. Juiz “a quo”, com base em métodos científicos de avaliação (Ref.ª Citius: 188538477, de 12-01-2024),
12. Sendo facto público e notório que atualmente o mercado imobiliário está em alta, mas no futuro a situação pode vir a alterar-se e assim, o valor do prédio ver-se depreciado ou mesmo inexistir interessado na compra.
13. Salienta-se que o parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público acompanhou a Requerente, ora Recorrida, na sua pretensão (cfr. ref. ...08, de 04/04/2024).
14. Relativamente à quantia aforrada no banco pela Acompanhada, importa esclarecer que contrariamente ao alegado pela Recorrente, o valor de 2.000,00€ foi pago a título de sinal no contrato-promessa de compra e venda do prédio aqui em apreço, cuja autorização de venda a Recorrente  impugna, e não a título de sinal no contrato promessa de compra e venda do prédio de que esta é co-herdeira na proporção de 1/9.
15. Por fim, a Recorrida estranha que a Recorrente somente impugne a parte da sentença que autoriza a venda do prédio que é propriedade exclusiva da Acompanhada, não recorrendo da parte da decisão que autoriza a venda do prédio de que tanto Acompanhada como Recorrente são co-herdeiras, ambas na proporção de 1/9 (cfr, contrato-promessa datado de 14 de fevereiro de 2022, Ref, citius. 13758897, de 16/11/2022).
16. A Recorrida atreve-se a inferir que quanto a este prédio, em cuja venda a Recorrente também tem interesse, já deixe de ser relevante o facto de não haver necessidade económica atual da sua venda para a Acompanhada, mesmo tratando-se de prédio que não está a provocar quaisquer danos a terceiros.
17. Em face do exposto, é manifesto o interesse da acompanhada na venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17, pois desta forma pode evitar-se um prejuízo bem maior que previsivelmente lhe advirá se esta venda não se realizar, trazendo-lhe deste modo um benefício económico.
18. Assim, o Meritíssimo Julgador ao decidir como o fez, fê-lo em obediência absoluta à prova produzida e, ao decidir de direito, fez a aplicação correta e certa dos textos legais, designadamente dos artigos 1014 nº 1 e do CPC e artigo 145º nº3 do Código Civil.
Nestes termos,
Deve ser negado provimento ao presente recurso, proferindo-se douto acórdão que confirme o julgado de que se recorre, por tal o impor a justiça.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
 
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:

I - se altere a matéria de facto dada como provada em 11. e 16., devendo tais factos ser retirados, pois trata-se de factos conclusivos [conclusões 2ª) e 3ª) das alegações];
II - se adite três novos factos à matéria de facto dada como provada, cujo teor indica, porque relevantes para a decisão [conclusão 4ª) das alegações];
III - se reaprecie a decisão que deferiu a autorização para a venda do prédio urbano artigo ...17/freguesia ..., concelho ... [conclusões 5ª) a 9ª) das alegações].
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3 – OS FACTOS

Factos provados
Com relevância para a boa decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos:
1. Foi proposta pelo Ministério Público, Ação Especial de interdição, a qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o Proc. n.º 232/06...., relativa a BB.
2. Por Douta Sentença, transitada em julgado, foi decretada a interdição definitiva de BB, para governar a sua pessoa e bens, por estar afetada de anomalia psíquica que para tanto a incapacita, e fixou o começa da incapacidade em 1982.
3. A Acompanhada (anteriormente designada por interdita), conforme Douta Sentença, não tem autonomia para a prática de quaisquer atos de natureza patrimonial – mesmo os que correspondem a negócios de vida corrente, impondo-se pela natureza e extensão da diminuição das suas faculdades psíquicas, a necessidade de representação geral para todos os atos de natureza patrimonial, incluindo a administração do seu património.
4. A Acompanhada encontra-se internada na Casa de Saúde ....
5. A Acompanhada é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...32.
6. O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 encontra-se desabitado há mais de 10 anos, e apresenta elevado estado de degradação, com graves infiltrações de humidade nas paredes, tetos e soalhos, pelo que o mesmo necessita de intervenção profunda para voltar a ter condições de habitabilidade.
7. As infiltrações supra referidas têm vindo igualmente a provocar danos no prédio vizinho contíguo.
8. A 30.10.2022 foi celebrado contrato promessa de compra e venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 pelo valor de €20.000,00.
9. O valor de mercado do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 é €.20.640,00.
10. O montante de €.20.640,00 para venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...17 afigura-se ajustado face aos valores de mercado atuais, e atendendo à idade do prédio, sua conservação, tipologia e localização.
11. A venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...17 constitui um benefício económico para a Acompanhada.
12. A Acompanhada é herdeira de 1/9 do prédio urbano sito no Lugar ... da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43, e omisso na Conservatória do Registo Predial.
13. Relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43, existe acordo entre todos os demais herdeiros para venda do mesmo pelo preço global de €90.000,00.
14. A 14.02.2022 foi celebrado contrato promessa de compra e venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43 pelo valor de €90.000,00.
15. O montante proposto para venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 afigura-se ajustado face aos valores de mercado atuais, e atendendo à idade do prédio, sua conservação, tipologia e localização.
16. A venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 constitui um benefício económico para a Acompanhada.
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Factos não provados

Não existem factos a considerar como não provados com interesse para a decisão.
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A demais matéria não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou por não relevar para a decisão da causa.
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Motivação

A convicção do tribunal, para a determinação da matéria de facto dada como assente, fundou-se na análise do teor dos documentos juntos pela Requerente, do teor da avaliação junta aos presentes autos, bem como foi tido em consideração a contestação apresentada e o teor do parecer do M.P..

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pela apelante.
E fazendo-o, comecemos pelas questões relativas à impugnação da matéria de facto.

I - Alteração da matéria de facto: matéria de facto dada como provada em 11. e 16.

Pretende a recorrente a alteração da matéria de facto dada como provada em 11. e 16., entendendo que tais factos devem ser retirados por se tratar de factos conclusivos.
Indica a recorrente o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.
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A sentença ora impugnada considerou provado que:
11. A venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...17 constitui um benefício económico para a Acompanhada.
16. A venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 constitui um benefício económico para a Acompanhada.
Motivando os factos provados, o Tribunal a quo consignou que A convicção do tribunal, para a determinação da matéria de facto dada como assente, fundou-se na análise do teor dos documentos juntos pela Requerente, do teor da avaliação junta aos presentes autos, bem como foi tido em consideração a contestação apresentada e o teor do parecer do M.P.
Como é sabido, os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor. Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui uma questão de direito. Quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo Tribunal de 1ª Instância contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados.[2]
Ora, os factos em questão, na medida em que estão diretamente relacionados com o thema decidendum, ditando por si mesmo a solução jurídica do caso, formulando um juízo de valor, são inquestionavelmente conclusivos, pelo que devem ser eliminados do elenco dos factos provados. É que a conclusão a que tais factos chegam, encerra já a decisão de mérito.
Sendo, pois, de acolher, sem mais considerações por desnecessárias, a pretensão da recorrente.
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II - Alteração da matéria de facto: aditamento de três novos factos à matéria de facto dada como provada

Pretende a recorrente a alteração da matéria de facto dada como provada, com o aditamento de três novos factos, por os considerar relevantes para a decisão.
Indica a recorrente o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.
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Pretende a recorrente que sejam aditados três novos factos à matéria de facto dada como provada, porque relevantes para a decisão, com o seguinte teor:
• A acompanhada tem depositadas na sua conta bancária  ...05, do Banco 1..., as seguintes quantias: 5.448,47 € à ordem e 48.368,73 € a prazo, resultando do extrato bancário desta mesma conta, junto aos autos, que a acompanhada já recebeu, a título de sinal, respeitante à sua quota-parte na referida herança, a quantia de 2.000,00 €, tendo ainda a receber a final (aquando da celebração da escritura definitiva de compra e venda) a quantia de 8.000,00 €;
• Por informação prestada nos autos, em 23/10/2023 (cfr. ref.ª processual nº ...81), pela Casa de Saúde ..., onde se encontra internada a acompanhada, esta tem na sua conta-corrente junto daquela instituição um saldo positivo de 12.832,57 €, resultante do excedente em relação aos seus gastos no montante mensalmente transferido para aquela instituição;
• A acompanhada recebe mensalmente da Segurança Social, a título de pensão de velhice, a quantia de 526,79 €.
A acompanhante, relativamente à quantia aforrada no banco pela Acompanhada, esclarece que contrariamente ao alegado pela Recorrente, o valor de 2.000,00€ foi pago a título de sinal no contrato-promessa de compra e venda do prédio aqui em apreço, cuja autorização de venda a Recorrente impugna, e não a título de sinal no contrato promessa de compra e venda do prédio de que esta é co-herdeira na proporção de 1/9.
Quid iuris?

Atendendo ao pedido formulado nos autos, pretendendo-se acautelar os interesses do incapaz, os factos cujo aditamento se pretende são efectivamente relevantes para a decisão. Aliás, isso mesmo resulta das diligências instrutórias reputadas como essenciais que foram oficiosamente realizadas e que permitiram o acesso a tais informações. É que é relevante para a decisão, conhecer as reais condições económico-financeiras do incapaz – o beneficiário de Acompanhamento de Maior – e os bens que integram o seu património.
Como assim, devem ser dados como provados estes 3 novos factos, com a correcção efectuada pela recorrida relativa ao valor de € 2.000,00 que diz respeito e foi pago a título de sinal no contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...17 e não relativamente ao outro prédio - o inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...43 - como pretendido no recurso.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se ser de aditar ao elenco dos factos provados 3 novos factos, com o seguinte teor:
17. A acompanhada tem depositadas na sua conta bancária  ...05, do Banco 1..., as seguintes quantias: 5.448,47 € à ordem e 48.368,73 € a prazo, resultando do extrato bancário desta mesma conta, junto aos autos, que a acompanhada já recebeu, a título de sinal, a quantia de 2.000,00 €, respeitante ao contrato promessa relativo à venda do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17.
18. A acompanhada tem na sua conta-corrente junto da Casa de Saúde ..., onde se encontra internada, um saldo positivo de 12.832,57 €, resultante do excedente em relação aos seus gastos no montante mensalmente transferido para aquela instituição.
19. A acompanhada recebe mensalmente da Segurança Social, a título de pensão de velhice, a quantia de 526,79 €.
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III - Reapreciação da decisão que deferiu a autorização para a venda do prédio urbano artigo ...17/freguesia ..., concelho ...

Pretende a recorrente a reapreciação da decisão que deferiu a autorização para a venda do prédio urbano artigo ...17. Rememorando-se que igualmente foi deferida a autorização para venda do prédio urbano artigo ...43, cabendo à acompanhada 1/9, que não está em causa no recurso e com a qual a recorrente concorda, sendo que depois de outorgado o respectivo contrato de compra e venda conferirá à acompanhada uma disponibilidade económico-financeira imediata bem superior a 70.000,00 €. A dissonância do entendimento da recorrente relativamente ao decidido nos autos tem, no essencial, que ver com a desnecessidade para a acompanhada da venda desse prédio urbano artigo ...17, pois, como diversas vezes manifestou no processo, pela análise da situação económica da acompanhada BB, a qual se encontra devidamente documentada nos autos, resulta que a mesma não tem necessidade de vender todos os seus bens patrimoniais, contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz.
Com efeito, foi autorizada pela decisão recorrida a Requerente, AA, em representação da acompanhada BB, a vender o prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...32, pelo preço não inferior a € 20.640,00 (vinte mil, seiscentos e quarenta euros), no prazo de 90 (noventa) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença.
É sabido que a Lei nº 49/2018, de 14/02, criou o regime jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os pré-existentes institutos da interdição e da inabilitação (cfr. art. 1º).
Lei essa que veio introduzir uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas portadoras de incapacidade, dando assim consagração àquilo que já há muito vinha sendo reclamado pela doutrina, e sobretudo pelas Convenções Internacionais (vg. a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Convenção de Nova York -, entrada em vigor na nossa ordem jurídica nacional, juntamente com o “Protocolo Adicional”, a 3 de Maio de 2008) e pela nossa Magna Carta.
De referir que da referida Convenção emergem os seguintes princípios fundamentais relativos à capacidade jurídica das pessoas com deficiência:
• Todas as pessoas com deficiência, sem exceção, têm capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os aspectos da vida;
• A pessoa com deficiência deve ser apoiada nas suas decisões relativas ao exercício da capacidade jurídica;
• A pessoa com deficiência tem o direito a escolher a pessoa que a acompanhará na tomada de decisões da sua vida;
• A pessoa com deficiência tem o direito a participar activamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico;
• A pessoa com deficiência tem o direito a ser ouvida sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica;
• As medidas de apoio devem ser flexíveis e de acordo com as necessidades individuais de cada pessoa com deficiência;
• As medidas de apoio apenas devem ser tomadas se forem absolutamente necessárias e proporcionais;
• Todas as medidas de apoio devem respeitar os direitos, a vontade e as preferências da pessoa com deficiência” – cfr. als. n), o) e y) dos considerandos do preâmbulo e arts. 12º, 13º, 19º e 21º a 23º da Convenção.
Será, pois, à luz destes princípios, que cumprirá interpretar e aplicar o regime do Maior Acompanhado.
Como já referido supra, in casu, está em causa o deferimento da autorização da Requerente a vender no prazo de 90 dias o prédio urbano artigo ...17 pelo preço não inferior a € 20.640,00.
De referir que, em síntese, a decisão recorrida decidiu que, devendo aferir-se se a alienação dos bens será realizada tendo em vista o interesse manifesto do acompanhado, nomeadamente a sua segurança e sustento, devendo o pedido de autorização ser procedente consoante o ato a realizar salvaguarde ou não os seus interesses, ter concluído que dos factos alegados, bem como dos elementos carreados para o processo, é possível aferir que a alienação dos imóveis salvaguarda os interesses da acompanhada, ou seja, que é do proveito manifesto[3] desta.
Senão vejamos.
Os prédios são alienados por valor ajustado aos valores de mercado praticados, bem como as mesmas encontram-se devolutas, pelo que, nesta data, das mesmas não resulta qualquer rendimento, pelo contrário, apenas causam despesas aos seus proprietários.
Acresce que, o valor da venda do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 de €20.640,00, cabe na sua totalidade à acompanhada, sendo que tal valor servirá para ajuda nas suas despesas.
E, o valor da venda do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43 de €90.000,00, será repartido, cabendo à acompanhada 1/9 do valor da venda, ou seja, €10.000,00, sendo que tal valor servirá para ajuda nas suas despesas.
Em face do supra exposto, entendemos que dos factos dados como provados, é possível concluir que é do interesse/proveito manifesto da acompanhada a alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 pelo valor de €20.640,00, e do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43 pelo valor global de €90.000,00, sendo que o produto total das vendas de tais prédios que caiba à acompanhada (ou seja, €30.640,00) deverá ser depositado em conta titulada, ou co-titulada, por esta.
Ou seja, concluiu ser do interesse da acompanhada a alienação, pois os valores de alienação dos imóveis em questão são ajustados aos valores de mercado praticados, os mesmos encontram-se devolutos pelo que não geram quaisquer rendimentos apenas causando despesas e que os valores das vendas servirão para ajuda nas suas despesas.
Será assim?
É certo que a venda de bens do beneficiário de Acompanhamento de Maior depende de autorização do Tribunal, o qual, feitas as diligências que tiver por pertinentes, deve deferi-la se tal satisfizer o interesse daquele beneficiário, podendo no caso o Tribunal considerar regras prudenciais e de bom senso prático, bem como critérios de razoabilidade. Essas regras determinam que relativamente a alienações ou disponibilidades de bens que integram o património de beneficiário de Acompanhamento de Maior – quando este não carece dessa alienação para suportar/custear as despesas com a sua sobrevivência, tratamentos ou sequer com o seu bem-estar, e bem assim quando nada evidencia que os bens implicam despesas que o dito não tem condições económico-financeiras para suportar! – a respetiva autorização só deve conceder-se se tais alienações forem susceptíveis de obter ou permitir colher um valor patrimonial superior à correspondente perda do valor, ou quando com tal venda ou alienação se possa evitar um prejuízo bem maior que, previsivelmente, lhe advirá se ela não se efetuar[4].
É igualmente certo, por tal se ter apurado, que a beneficiária de acompanhamento de maior dos autos não carece, de momento, da alienação de património para suportar/custear as despesas com a sua sobrevivência, tratamentos ou sequer com o seu bem-estar, que se encontra internada há vários anos, que o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 onde vivia anteriormente se encontra desabitado há mais de 10 anos, apresentando elevado estado de degradação, com graves infiltrações de humidade nas paredes, tetos e soalhos, pelo que o mesmo necessita de intervenção profunda para voltar a ter condições de habitabilidade. Mais se apurou que as infiltrações referidas têm vindo igualmente a provocar danos no prédio vizinho contíguo. Lembrando a recorrida, na sua resposta às alegações, que o que esteve subjacente à decisão do Meritíssimo Julgador “a quo” neste ponto da sentença não é uma necessidade financeira atual da Acompanhada, mas sim uma necessidade de natureza cautelar, ou seja, a necessidade de evitar que danos maiores e mais gravosos se produzam na esfera de terceiros provocados pelo estado atual do prédio ou pelo seu inevitável agravamento.
Ora, tendo estado subjacente nos autos a autorização de venda de dois prédios cuja alienação foi julgada procedente, mas estando em causa no recurso apenas a decidida autorização de venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43, não se pode ignorar que a fundamentação invocada na decisão recorrida foi similar para ambos os prédios. Sendo de incompreensível sustentação, argumentar-se que os fundamentos invocados para o deferimento da pretensão relativamente ao prédio em causa no recurso não são aceitáveis, quando o foram para o outro prédio que aqui não está em causa. Ou são válidos para ambos, ou não são aceitáveis para nenhum.
Em face da realidade apurada, não podemos deixar de concordar com a recorrida de que esteve subjacente à decisão não uma necessidade financeira actual da Acompanhada, mas sim uma necessidade de natureza cautelar, ou seja, a necessidade de evitar que danos maiores e mais gravosos se produzam na esfera de terceiros provocados pelo estado atual do prédio ou pelo seu inevitável agravamento. Sendo, pois, assertiva a decisão de julgar procedente a autorização aqui em causa.
Todavia, quanto ao valor da autorizada venda, considerando os valores de mercado apurados com a avaliação dos imóveis, atendendo a que relativamente à venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43 se relevou a proposta apresentada nos autos que era superior, no interesse da Acompanhada, entendemos ser de seguir igual critério relativamente à venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17, cuja melhor proposta apresentada nos autos foi de € 26.200,00.
Como assim, por ser o que melhor defende o interesse da Acompanhada como pugnado no recurso, impõe-se levar em consideração na autorizada venda do imóvel em recurso, o valor da melhor proposta apresentada nos autos que foi de € 26.200,00, tudo o mais se mantendo.
Termos em que será revogada parcialmente a sentença.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, por ser o que melhor defende o interesse da Acompanhada como pugnado no recurso, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em revogar parcialmente a sentença quanto ao valor da autorizada venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17, cuja melhor proposta apresentada nos autos foi de € 26.200,00, em consequência do que, em “V. Decisão”, (1), se substitui o preço da autorizada venda, passando a constar “pelo preço de €26.200,00 (vinte seis mil e duzentos euros)” onde ora está “pelo preço não inferior a €20.640,00 (vinte mil, seiscentos e quarenta euros)”, tudo o mais se mantendo.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 30-04-2025

(José Cravo)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
(Maria Luísa Duarte Ramos)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão - JL Cível - Juiz ...
[2] Neste sentido, cfr. Ac. da RG de 9-11-2023, proferido no Proc. nº 2275/14.9T8VNF-B.G1 e acessível in www.gdsi.pt.
[3] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 362.
[4] Neste sentido, cfr. o acórdão da RC invocado pela recorrente de 16-05-2023, proferido no Proc. nº 177/18.9T8MMV-A.C1 e acessível in www.gdsi.pt.