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MAIOR ACOMPANHADO
ESCOLHA DO ACOMPANHANTE
NOMEAÇÃO DE MAIS DO QUE UM ACOMPANHANTE
Sumário
1 – O novo regime do maior acompanhado teve como principal objetivo minorar o efeito estigmatizador que era associado às anteriores incapacidades, partindo de uma nova premissa: proteger sem incapacitar, consagrando-se que a todos é garantido o pleno exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, apenas conferindo, quando se justifique, o auxílio necessário à sua salvaguarda. 2 – Os princípios que estiveram na génese da criação desta nova lei são: a máxima preservação da capacidade, a necessidade e subsidiariedade, a proporcionalidade entre as medidas aplicadas e o grau de incapacidade, a flexibilidade da resposta judiciária e, finalmente, a qualificação dos representantes legais. 3 - A finalidade do acompanhamento do maior é o seu bem-estar e a sua recuperação, razão pela qual a escolha do acompanhante e o exercício da função do acompanhante deve nortear-se sempre pela salvaguarda do interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação. 4 – Não cumpre tais requisitos o filho da acompanhada que padece de esquizofrenia paranoide, com histórico de internamento compulsivo, na sequência de comportamentos tidos por desajustados, inclusivamente mantidos com a própria requerida, impondo o seu quadro clínico a toma regular de medicação antipsicótica para controlo da sintomatologia heteróloga e, consequentemente, do seu comportamento, não estando excluída a possibilidade de descompensação e de novos surtos psicóticos, que, aliás, vem evidenciando desde setembro de 2024. 5 - Desde que a situação concreta o justifique, designadamente para salvaguarda do interesse imperioso do beneficiário, é possível nomear simultaneamente vários acompanhantes, os quais exercerão diferentes funções devidamente especificadas, não devendo nomear-se mais que um acompanhante, de forma simultânea, para o exercício das mesmas funções.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
O Ministério Público veio propor ação especial de acompanhamento relativamente a AA, viúva, nascida a ../../1954, alegando que a requerida em data não concretamente determinada, mas que se situa entre abril ou maio de 2021, cegou, de forma irreversível. Não obstante tal facto, a requerida não procurou ajuda médica, tendo sido encontrada, no dia 23/11/2021 apresentando um estado débil e emagrecido e com sinais de falta de cuidados. Nesse dia deu entrada na Unidade Local ..., de ..., onde ficou internada. A requerida, fruto da cegueira, não se orienta de forma a tratar da sua alimentação e higiene, não estando capaz de gerir o seu dia-a-dia, mostrando-se incapaz de se bastar a si própria para reger a sua pessoa, sendo necessário nomear alguém que acompanhe a sua pessoa, seus bens e que legalmente a represente.
Para exercer as funções de acompanhante indica a Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial ..., entidade que tem prestado apoio à requerida, alegando que não possui qualquer familiar próximo, em condições para o efeito.
Foi publicitado o início do processo e ordenada a citação da requerida.
Não foi possível citar a requerida por a mesma não ser capaz de perceber aquilo que lhe estava a ser transmitido, “apesar de ter discurso coerente e afirmar que estava bem”.
Foi nomeado defensor oficioso à requerida, que nada disse.
A requerida juntou procuração aos autos e, de seguida, introduziu requerimento no sentido de, na eventualidade de o tribunal considerar que devem ser decretadas medidas de acompanhamento, que o cargo de acompanhante seja desempenhado por seu filho BB.
Procedeu-se à audição da requerida, tendo esta respondido a todas as perguntas de forma correta, apenas salientando o seu problema de cegueira e explicando que quem a ajuda é o seu filho BB, nascido em 1988 e que gostava que fosse ele a tratar de si sempre que seja preciso. O filho, presente, declarou que é licenciado em farmácia e aceita exercer as funções de acompanhante.
Foi junto aos autos, pelo MP, certidão de processo de Inquérito que corre contra o filho da requerida por crime de violência doméstica praticado em 11/2021, com avaliação clínico-psiquiátrica do filho da requerida, onde se conclui que sofre de psicose esquizofrénica de tipo paranoide, tendo sido determinado o seu internamento compulsivo, mantido por sentença proferida a 13/01/2022, tendo, posteriormente, passado a regime de ambulatório compulsivo (a partir de 24/03/2022), em casa da mãe.
O MP requereu a realização de perícia médico-legal, o que foi indeferido por despacho de 3/05/2022, que considerou que os autos evidenciam que a requerida apenas padece de cegueira, não se encontrando comprometidas as suas capacidades cognitivas.
Notificada a Diretora do Centro Social e Paroquial ..., que presta apoio à requerida para que diga se está disponível para exercer o cargo de acompanhante, esta respondeu negativamente, por se tratar apenas de um centro de dia e porque não existe aceitação da utente em que a instituição faça qualquer tipo de gestão desde que o filho regressou ao domicílio.
Notificada a requerida, veio a mesma reiterar que apenas o filho poderá ser nomeado acompanhante.
O tribunal efetuou diligências tendentes a indagar se o filho da beneficiária tem ou não condições para exercer o cargo de acompanhante, designadamente em face do processo crime a que já se fez referência, bem como, em caso negativo, quem poderá ser nomeado, tendo procedido à audição da beneficiária, do filho desta, de CC (cunhada da beneficiária por afinidade), DD (pároco da freguesia e Presidente do Centro Paroquial e Social ... onde a beneficiária se encontra integrada, no Centro de Dia) e EE (assistente social na referida instituição, que deu conta que a beneficiária aí se encontra integrada no Centro de Dia, de segunda a sexta, com apoio ao nível da alimentação, higiene pessoal e habitacional e com apoio complementar ao fim-de-semana, no domicílio, tendo recusado internamento em ERPI de ..., e apresentando-se estável na companhia do filho que tem cumprido o regime terapêutico).
Em face do depoimento da beneficiária, ordenou-se a “realização de perícia médico-legal por forma a aferir se a requerida padece de alguma incapacidade além da cegueira já diagnosticada, especialmente a nível cognitivo”
Foi junto relatório de avaliação psicológica da requerida efetuado por psicóloga no Centro de Dia frequentado por aquela, tendo-se concluído pela ausência de défice cognitivo, ausência de depressão e ausência de ansiedade geriátrica, sendo que a dependência funcional que apresenta se deve à sua cegueira.
Foi junto Relatório da perícia médico-legal efetuada por psiquiatra, que conclui que a requerida não tem capacidade de gerir na plenitude a sua própria pessoa e bens, apresentando um defeito cognitivo ligeiro a moderado associado ao facto de ser invisual, sendo que a data provável do início da doença deve situar-se no mês de abril de 2021, altura em que perdeu a visão.
A requerida pediu esclarecimentos, que foram prestados e, após, requereu a realização de segunda perícia, o que foi indeferido, mas veio a ser determinado por acórdão proferido por este Tribunal da Relação, que revogou aquele despacho de indeferimento, após recurso interposto pela requerida,
Foi junto o Relatório da nova perícia que concluiu que “a examinada sofre de cegueira bilateral que compromete a sua capacidade de administrar a sua pessoa, património e bens. As limitações produzem uma diminuição do seu funcionamento social e da sua autonomia, impedindo-a de ser autónoma nas atividades da vida diária seja de natureza mais complexa e/ou elementar. Do ponto de vista médico-legal a sua incapacidade tem critérios para a representação especial desde 2021”.
Foram, de novo, ouvidos a beneficiária e o seu filho e solicitada informação ao processo de internamento compulsivo do filho sobre o estado dos autos e envio de informação clínica do mesmo.
Da informação clínica consta que, em 12/06/2024, o filho da beneficiária transitou para Tratamento Ambulatório Voluntário, não apresentando nova descompensação psicótica, cumprindo plano terapêutico proposto mas com “pouco insight para o seu quadro clínico”, necessitando de manter seguimento psiquiátrico e realizar toma de antipsicótico.
Entretanto, o Centro Social e Paroquial ... – Centro de Dia, comunicou que o filho da beneficiária se tem mostrado hostil e ameaçador para com as funcionárias do Centro que, neste momento, se recusam a prestar auxílio no domicílio da beneficiária sozinhas. Em setembro de 2024, o referido filho da beneficiária passou a apresentar-se com descuido de imagem, perda de peso considerável e contacto psicótico, com comportamento intimidatório, o que pode indiciar não estar a cumprir o regime terapêutico. Finalmente, a 16/10/2024, comunicaram que a beneficiária cessou o contrato de prestação de serviços com a instituição – comunicado através de email do filho -, pelo que deixam de ter qualquer contacto com a idosa e respetivo agregado familiar.
Procedeu-se a nova audição da requerida, do seu filho, de EE, em representação do Centro Social e Paroquial ... e de DD, pároco e Presidente do Centro Social e Paroquial ..., tendo ficado consignado em acta que DD e a Dra. EE declararam nada ter a opor à sua nomeação para o exercício do cargo de acompanhante “sensibilizando, porém, para a necessidade de o filho da beneficiária colaborar com os intervenientes”
O MP promoveu no sentido de que seja decretado o acompanhamento, nomeando para acompanhante EE e para acompanhante substituto DD.
Foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“Nestes termos, de acordo com o exposto e segundo os preceitos legais supra citados, o Tribunal julga a ação totalmente procedente e, em consequência:
A. Determina-se a aplicação do regime de maior acompanhado em benefício de AA;
B. Determina-se como medida de acompanhamento a representação especial, que se tornou necessária desde ../../2021, abrangendo esta os seguintes atos:
1) Representação em todos os negócios de aquisição, alienação ou oneração de imóveis;
2) Representação em todos os negócios de aquisição, alienação ou oneração de bens móveis sujeitos a registo;
3) Representação na regularização de assuntos pessoais junto de repartições ou entidades públicas (Serviços de Finanças, Segurança Social, Conservatórias, Tribunais, ou outras) e entidades bancárias (desde que não importem autorizações judiciais supervenientes);
4) Integração em resposta social centro de dia;
5) Representação no pagamento das despesas gerais (v.g. água, luz, gás, alimentação, frequência em centro de dia, etc.);
6) Acompanhamento no tratamento clínico, na decisão de marcação de consultas, comparência às mesmas, cumprimento das terapêuticas prescritas;
C. Decide-se que o exercício de direitos pessoais e negócios da vida corrente pela Acompanhada fica restringido da seguinte forma:
1) A Acompanhada é incapaz para a celebração de negócios jurídicos da vida corrente carecendo de ser representada pelo Acompanhante para tal;
2) A Acompanhada é incapaz de testar (cf. artigo 2189.º, alínea b), do C.C.);
3) A presente decisão impede a Acompanhada de exercer qualquer cargo de tutor, vogal do conselho de família, administrador de bens de incapazes e de cabeça-de-casal;
4) A presente decisão constitui impedimento dirimente absoluto para contrair casamento (cf. artigo 1601.º, alínea b), do C.C.);
5) A presente decisão impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, nos termos do artigo 2.º, alínea b), da Lei n.º 7/2001, 11/05;
6) A presente decisão impede a Acompanhada de pessoal e livremente providenciar acerca da aceitação ou rejeição de liberalidades a seu favor (cf. artigo 4.º, n.º 1, do D.L. n.º 272/2001, 13/10);
7) Para os efeitos do artigo 7.º, da Lei n.º 35/2023, de 21/07 (Lei da Saúde Mental, L.S.M.), a presente decisão não faculta o exercício direto de direitos pessoais;
8) Com a presente decisão e para os efeitos do artigo 9.º da L.S.M., ocorre a restrição de direitos pessoais, pelo que o Acompanhante detém legitimidade para requerer as providências previstas no referido diploma.
9) A Acompanhada é incapaz de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio ou residência, salvo quando acompanhada ou expressamente autorizada pelo Acompanhante;
D. Nomeiam-se, como Acompanhantes, a pessoa do(a) Presidente e do(a) Diretor(a) Técnico(a) do Centro Social e Paroquial ...;
E. Dispensa-se a constituição de Conselho de Família;
Sem custas (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do R.C.P.).
Fixa-se o valor da ação em 30.000,01 EUR, conforme disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º, n.ºs 1 e 2 e 303.º, n.º 1, do C.P.C”.
A requerida interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
1. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente o Regime Jurídico da Maior Acompanhando, designadamente os artigos 138º, 140º, 143º, nº 1, 150º do Código Civil.
2. O Tribunal a quo valorou de forma errada a prova produzida, devendo ser dados como não provados os pontos 9, 10 e 19, já que tal não decorre de qualquer documento ou testemunho apresentando em juízo.
3. As medidas de representação aplicadas à Apelante excedem, de forma clamorosa, aquilo que decorre dos relatórios periciais.
4. Sucede, pois, que a Apelante está invisual, necessitando de apoio para as atividades de vida diária que são realizadas pelo seu filho.
5. Possui, contudo, insight e juízo crítico designadamente para gerir as questões patrimoniais da sua vida.
6. Efetuando uma correta apreciação da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos da Apelante conclui-se que a Apelante está em condições de decidir quem a pode auxiliar nas suas atividades de vida diária, face à sua condição de invisual que recentemente adquiriu.
7. O acompanhante que a Apelante entende ser aquele em quem confia é o seu filho, Dr. BB.
8. Sendo que não foi produzida prova suficiente para afastar a vontade da Apelante relativamente aquela que é a sua vontade no que toca à nomeação de acompanhante.
9. Os acompanhantes designados têm relação direta com a instituição na qual a Apelante recebeu serviços, que posteriormente rescindiu por não concordar com os termos do mesmo.
10.Estando os dois acompanhantes designados em conflito de interesses, sendo que foram os dois nomeados para exercer as mesmas funções, no mesmo lapso temporal o que contraria a mais avisada jurisprudência.
11.Termos em que deve ser alterada a sentença em crise, determinando que o acompanhante da Apelante designado seja o seu filho, Dr. BB.
12.Deve igualmente ser alterada a sentença no sentido das medidas de acompanhamento se cingirem às relativas às atividades de vida diária.
13.Caso se entenda que o filho da Apelante não deverá ser acompanhante, o que apenas se concede por cautela de patrocínio, deverá o mesmo ser nomeado protutor, sendo constituído conselho de família.
14.De acordo com a jurisprudência supramencionada não podem ser designados dois acompanhantes, com os mesmos poderes, para o mesmo lapso temporal, pelo que deverá ser apenas designado um acompanhante.
15.Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente.
O MP respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, com a questão de quem deve ser nomeado acompanhante e se podem ser nomeados dois acompanhantes com as mesmas funções, se o filho da requerida reúne condições para fazer parte de um eventual Conselho de Família e se as medidas de acompanhamento decretadas são as corretas.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:
1 – A Requerida, AA, nasceu no dia ../../1954 e encontra-se registada como filha de FF e de GG.
2 - A Requerida padece, desde maio de 2021, de cegueira bilateral, em consequência de glaucoma.
3 - O quadro clínico e a patologia de que a Requerida padece é de natureza irreversível, sem tratamento disponível à luz da ciência médica atual.
4 - A Requerida encontra-se vígil e orientada no tempo e no espaço e em relação à sua pessoa.
5 - Tem, como habilitações literárias, o 4.º ano de escolaridade, tendo aprendido a ler e a escrever.
6 - Apresenta um discurso lógico e coerente, mas pobre, compatível com baixa reserva cognitiva.
7 - A Requerida é capaz de fazer operações aritméticas simples, porém, não reconhece o valor facial e económico das notas e moedas em curso, assim como não sabe o preço de bens essenciais.
8 - A Requerida não sabe utilizar o Multibanco nem o telemóvel.
9 - A Requerida não consegue plantear estratégias de sobrevivência para o futuro, nomeadamente se as suas condições de vida no quotidiano se alterarem por fatores externos imprevisíveis, ficando perturbada e incapaz de responder.
10 - A capacidade de raciocínio da Requerida limita-se ao concreto, evidenciando grandes dificuldades na compreensão de comunicação simbólica.
11 - Como consequência da patologia referida em 2, a Requerida não é capaz de confecionar as suas refeições, assim como não é capaz de sozinha, tratar da sua higiene ou tomar a medicação que lhe seja prescrita.
12 - A Requerida é viúva e tem um filho, de 35 anos de idade, BB, com quem reside e mantém uma relação de proximidade e dependência.
13 - Não existe testamento vital ou procuração para cuidados de saúde em nome da Requerida.
14 - BB padece de esquizofrenia paranoide e encontra-se desempregado desde o ano de 2013.
15 - No dia 14-12-2021, BB foi conduzido ao Serviço de Psiquiatria da Unidade Local ... para avaliação clínico-psiquiátrica de urgência na sequência de quadro de alteração comportamental, com isolamento social e imposição do mesmo à progenitora, tendo ficado internado compulsivamente até ao dia ../../2022, data em que passou à situação de tratamento compulsivo em ambulatório.
16 - A patologia de que BB padece impõe a toma regular de medicação antipsicótica para controlo da sintomatologia heteróloga e, consequentemente, do seu comportamento.
17 - A Requerida frequentou o Centro Social e Paroquial ... até ao dia ../../2024, instituição que também prestava apoio domiciliário, designadamente, na confeção de refeições e assegurando a higiene pessoal e da habitação da Requerida.
18 - Até agosto de 2024, BB manteve uma postura colaborante com a instituição, participando também em algumas das atividades que envolviam a família dos utentes.
19 - Todavia, a partir do mês de setembro de 2024, BB passou a evidenciar alterações de comportamento perante as auxiliares que prestavam serviço no domicílio do agregado, designadamente, trancando a porta de entrada com as funcionárias no interior da habitação e surgindo de surpresa, segurando várias alfaias agrícolas enquanto permanecia em silêncio, olhando fixamente as técnicas ou esfregando as mãos, em movimentos estereotipados, calçando luvas pretas.
20 - Na sequência dos comportamentos mencionados em 19, as funcionárias da instituição passaram a relatar sintomas como palpitações, ritmo cardíaco acelerado, suores, náuseas e cefaleias, enquanto efetuavam serviço no domicílio da Requerida, passando a recusar a prestação desses serviços sozinhas, ainda que para assegurar, apenas, o transporte daquela para a instituição.
21 - No dia 04-10-2024, o Centro Social e Paroquial ... remeteu ao filho da Requerida o escrito com o seguinte teor: - Conforme informado em conversa presencial no passado dia 02/10/2024 devido à reorganização dos transportes em centro de dia, neste momento apenas dispomos de carrinha de 9 lugares para a realização do transporte para o nosso centro de dia. Como tal, não nos será possível ir até à V/a moradia com a carrinha, uma vez que esta não consegue subir até à habitação, o que implica a deslocação da Sr.ª AA a pé até à estrada principal. Neste sentido solicitamos a sua colaboração para que leve a Dona AA até à estrada e a vá buscar ao final do dia ao mesmo local (no período da manhã a colaboradora passa às 3º a 5ª por volta das 09:45 e 2ª, 4ª e 6ª por volta das 09:15; ao final do dia, de forma a ser mais fácil para controlar podemos ligar ou enviar mensagem quando estivermos a chegar de maneira a ser mais fácil e não estar à espera da mãe. Posto isto, e tendo informação prévia de que os processos a decorrer em tribunal foram arquivados, teremos de proceder como fazemos com os restantes utentes inscritos na resposta social de centro de dia, nomeadamente, ao fim de semana apenas poderemos passar para entrega da refeição (1 x dia à hora de almoço) deixaremos ficar o saco com a refeição à semelhança do que fazemos ao jantar. Relativamente à higiene habitacional a mesma também será cessada, uma vez que não nos encontramos a realizar higiene na habitação de utentes de centro de dia integrados em agregado familiar, sendo que o fazíamos devido à situação de fragilidade anterior da Dª AA, situação esta que se encontra aparentemente ultrapassada. Obviamente que esta diminuição de serviços terá em consequência a reavaliação de cálculos referentes à mensalidade da Dona AA, pelo que solicito com a maior brevidade possível o envio do comprovativo de rendimentos da Dona AA (declaração de IRS 2023 ou na falta deste poderá enviar a declaração comprovativa do valor das pensões da Dona AA que normalmente recebe no domicílio no início do ano via carta ou então dirigir-se ao serviço local de segurança social de arcos de ... e solicitar o mesmo).
22 - No dia ../../2024 o filho da Requerida cessou o vínculo contratual que existia entre a Requerida e o Centro Social e Paroquial ..., com fundamento na recusa da instituição em assegurar o transporte da Requerida até junto da habitação, assim como na circunstância de a instituição ter deixado de fornecer o pequeno almoço e, bem assim, de realizar a higiene pessoal e da habitação da Requerida.
A apelante sustenta nas conclusões do recurso que os pontos 9, 10 e 19 dos factos provados foram incorretamente julgados, devendo ser dados como não provados por tal não decorrer de qualquer documento ou testemunho apresentando em juízo.
Tais pontos da matéria de facto têm a seguinte redação:
“9 - A Requerida não consegue plantear estratégias de sobrevivência para o futuro, nomeadamente se as suas condições de vida no quotidiano se alterarem por fatores externos imprevisíveis, ficando perturbada e incapaz de responder.
10 - A capacidade de raciocínio da Requerida limita-se ao concreto, evidenciando grandes dificuldades na compreensão de comunicação simbólica.
19 - Todavia, a partir do mês de setembro de 2024, BB passou a evidenciar alterações de comportamento perante as auxiliares que prestavam serviço no domicílio do agregado, designadamente, trancando a porta de entrada com as funcionárias no interior da habitação e surgindo de surpresa, segurando várias alfaias agrícolas enquanto permanecia em silêncio, olhando fixamente as técnicas ou esfregando as mãos, em movimentos estereotipados, calçando luvas pretas”.
O que se verifica é que, no corpo das suas alegações, a apelante não faz qualquer menção concreta a estes factos.
O que diz é que a medida de acompanhamento fixada é manifestamente excessiva, pois a apelante encontra-se invisual, de forma irreversível, mas sem qualquer alteração cognitiva, remetendo para a segunda perícia realizada nos autos, de acordo com a qual a apelante possui capacidade cognitiva adequada, podendo ler-se no relatório dessa perícia que “A examinada compareceu acompanhada pelo filho durante o exame pericial. O biótipo é normolíneo. Higiene e vestiário adequados ao seu nível socio-cultural. Idade aparente igual com a sua idade real. Bem acordada. Atenta, tímida e retraída. A examinanda tem conhecimento do motivo da realização do exame pericial. O estado mental da examinanda permitiu que compreendesse a natureza, propósito e metodologia do presente exame pericial. Invisual. Vigil, orientada no tempo, espaço e pessoa, colaborante, calma. Discurso muito pobre, lógico e coerente, compatível com baixa reserva cognitiva. Segundo informa o filho: reconhece o valor facial e económico das notas e moedas em curso. Consegue fazer operações aritméticas simples. Não sabe o valor da sua reforma. Dependente para as atividades da vida diária: higiene, vestiário e alimentação. Não sabe utilizar o multibanco nem o telemóvel. Humor neutro e sem oscilações do humor. Modulação afetiva normal. Não se apuram alterações da senso-perceção. Nega alterações da líbido. Sono controlado. Apetite conservado. Não consegue plantear estratégias de sobrevivência para o futuro, nomeadamente se as suas condições de vida no quotidiano se alterarem por fatores externos imprevisíveis, ficando perturbada e incapaz de responder. A sua capacidade de raciocinar limita-se ao concreto, tendo grandes dificuldades de se abstrair ou de entender a comunicação simbólica. MMSE: não aplicável. Juízo crítico e insight conservado. A Beneficiária não sabe o preço de bens essenciais, relativamente à presença em Tribunal tem capacidade para testemunhar ou dar uma opinião, tem capacidade para testar.”.
Ora, os pontos 9 e 10 dos factos transcrevem exatamente partes deste relatório pericial que a apelante apresenta como bem fundamentado e que usa para discordar da decisão de facto. O mesmo acontece com os pontos 4, 6, 7, 8 e 11 dos factos provados que também resultam de transcrições desse relatório.
Não se vê, portanto, qualquer motivo para alterar a matéria de facto quanto a esses pontos, tanto mais quanto os mesmos se fundam exatamente no relatório pericial que a apelante invoca para discordar do seu teor.
É certo que, nesse relatório se apresentam outras conclusões mais benévolas do ponto de vista da capacidade cognitiva da apelante, que não foram levadas à matéria de facto, a mais importante das quais parece ser a conclusão de que o juízo crítico e insight da apelante está conservado e que tem capacidade para testemunhar ou dar uma opinião e tem capacidade para testar.
Esse é também o motivo da discordância da apelante, fazendo apelo às sessões em que a apelante foi ouvida e de onde se extrai que sabe perfeitamente onde está e o que quer. Temos que concordar com esta asserção, pois com efeito, resulta de tais audições que a apelante compreende perfeitamente o que se passa e está orientada no tempo e espaço. Mas tal está contemplado nos pontos da matéria de facto a que fizemos referência, sendo certo até que aí se refere que não é autónoma do ponto de vista da sua higiene, alimentação e vestuário devido à cegueira bilateral de que padece.
Já a psicóloga que avaliou a apelante no Centro de Dia havia concluído pela ausência de défice cognitivo, ausência de depressão e ausência de ansiedade geriátrica, sendo que a dependência funcional que apresenta se deve à sua cegueira.
E o Relatório da primeira perícia médico-legal efetuada por psiquiatra, apesar de ter concluido que a requerida não tem capacidade de gerir na plenitude a sua própria pessoa e bens, apresentando um defeito cognitivo ligeiro a moderado associou-o ao facto de ser invisual, sendo que a data provável do início da doença deve situar-se no mês de abril de 2021, altura em que perdeu a visão.
Já o Relatório da segunda perícia médico-legal concluiu que “a examinada sofre de cegueira bilateral que compromete a sua capacidade de administrar a sua pessoa, património e bens. As limitações produzem uma diminuição do seu funcionamento social e da sua autonomia, impedindo-a de ser autónoma nas atividades da vida diária seja de natureza mais complexa e/ou elementar. Do ponto de vista médico-legal a sua incapacidade tem critérios para a representação especial desde 2021”.
Nenhum destes elementos está em contradição com os factos provados, apesar de aí não se dar mais ênfase à conclusão de que os problemas de que a requerida padece se devem sobretudo à sua cegueira, conclusão que resulta à evidência de todos os elementos carreados para os autos.
Outra questão é a da escolha do acompanhante e o que resulta do ponto 19 dos factos provados.
A apelante justifica a sua discordância com o ponto 19 dos factos provados, salientando que o seu teor apenas consta de uma informação prestada pelo Centro de Dia que tem um claro conflito de interesses com a beneficiária, pois, na altura, prestava serviços remunerados a esta, tendo o contrato sido rescindido por terem sido diminuídos os serviços, designadamente, de transporte para o Centro de Dia, e de alimentação e higiene, própria e da casa aos fim-de-semana.
Não há dúvida que assim é. Contudo, o Sr. Juiz justificou de forma perfeitamente plausível a sua convicção quanto a este facto, justificação essa que merece o nosso acolhimento, após análise das provas aí referidas e não questionadas pela apelante: “Acresce que, no que diz respeito à informação social mais recente, de 14-10-2024, foi questionado o filho da Requerida, que se limitou a negar os comportamentos que lhe são imputados, afirmando tratar-se de mentiras, sem, porém, conseguir conjeturar por que razão as técnicas subscritoras, sem interesse notado na causa, se predisporiam a reportar tais episódios. Na verdade, a factualidade aí narrada é perfeitamente compatível e consentânea com o quadro de descompensação e atitudes persecutórias que conduziram no ano de 2021, ao internamento compulsivo daquele”.
Os factos descritos, complementados, aliás, com os descritos no ponto 20 dos factos provados, foram relatados pelas funcionárias do Centro de Dia que se deslocavam a casa da beneficiária, não havendo qualquer razão para considerar que as mesmas estariam a mentir, tanto mais que foi na sequência de tais relatos e da diminuição de serviços prestados pelo Centro de Dia (com consequente reavaliação de cálculos referentes à mensalidade paga pela beneficiária – ponto 21) que ocorreu a rescisão dos serviços, o que, obviamente, põe de lado qualquer conflito de interesses.
Não há, portanto, qualquer erro na fixação da matéria de facto, que, assim, se mantém inalterada.
É certo que a apelante tem razão quando refere que, por mais de uma vez disse em tribunal que queria que o seu acompanhante fosse o filho e não as pessoas do Centro de Dia – fê-lo nas quatro vezes em que foi ouvida em tribunal e perante os peritos médicos que procederam à realização das perícias, bem como tal resulta de outros documentos juntos aos autos - e tal poderia constar da matéria de facto.
A apelante não sugere, de forma evidente, qualquer aditamento à matéria de facto. Contudo, tal como resulta da impugnação da matéria de facto provada, é esse o sentido que pretende que seja atendido e, considerando que não há qualquer dúvida quanto ao mesmo, bem como o facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, com as especificidades próprias, entendemos ser de aditar à matéria de facto provada o ponto 12-A, com o seguinte teor:
“A requerida declarou por quatro vezes em tribunal, sempre que foi ouvida e perante os peritos médicos, pretender que lhe fosse nomeado como acompanhante o seu filho, com quem reside”.
Vejamos, agora, a questão jurídica que, a final se resume à discordância quanto à pessoa do acompanhante nomeada pelo tribunal, defendendo a apelante que deverá ser nomeado o seu filho e não as pessoas do Centro de Dia.
Como é sabido, os anteriores regimes da interdição e da inabilitação, que regulavam as incapacidades dos maiores de idade, foram revogados e substituídos pelo novo regime do maior acompanhado, que entrou em vigor a 11 de fevereiro de 2019, através da Lei n.º 49/2018 e que veio consagrar aquilo que já há muito vinha sendo reclamado pela doutrina, e essencialmente inspirado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção das Nações Unidas, de 30 de março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio de 2009, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho), que prevê a igualdade jurídica de todas as pessoas, proibindo a discriminação com base na deficiência.
Este novo regime teve como principal objetivo minorar o efeito estigmatizador que era associado àquelas incapacidades, partindo de uma nova premissa: proteger sem incapacitar. Assim, juntando-se às novas tendências, europeia e mundial, o legislador português perfilou-se ao lado das ordens jurídicas que aderiram à doutrina da alternativa menos restritiva, consagrando que a todos é garantido o pleno exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, apenas conferindo, quando se justifique, o auxílio necessário à sua salvaguarda - “O Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, Catarina Marques Pinto, Mestrado em Direito, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola do Porto https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/33652/1/00685_02_catarina-marques-pinto-340114010-dissertacao-integral.pdf.
Assim, o artigo 138.º do CC passou a prever que “o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código”.
Facilmente se compreenderá o espírito do legislador, se analisarmos os princípios que estiveram na génese da criação desta nova lei. São estes: a máxima preservação da capacidade, a necessidade e subsidiariedade, a proporcionalidade entre as medidas aplicadas e o grau de incapacidade, a flexibilidade da resposta judiciária e, finalmente, a qualificação dos representantes legais.
Com efeito, a previsão normativa destas incapacidades evoluiu no sentido de concretizar o respeito pela autonomia da pessoa, honrando a sua vontade e reconhecendo o portador de deficiência como uma pessoa igual às outras –cfr. Dissertação de Mestrado citada.
Como se lê, e bem, na sentença recorrida: “A propósito desta necessidade de mudança de paradigma e com vista à reforma do regime então em vigor, António Menezes Cordeiro elaborou um estudo que veio a servir de referência ao modelo presentemente vigente. Nesse estudo defende a consagração de um sistema monista, isto é, assente num único modelo de incapacitação de maiores, por oposição ao regime dualista da interdição e inabilitação. Da mesma forma, em contraposição com o modelo da substituição (em que a vontade que releva não é a do beneficiado, mas a do representante, o tutor) propõe o sistema do acompanhamento, em que o beneficiário – o acompanhado - é apenas apoiado, dando-se primazia à sua vontade, ainda que formada e manifestada com o apoio de uma terceira pessoa, o acompanhante. Trata-se de um modelo que permite moldar o papel do acompanhante às concretas necessidades/impossibilidade do acompanhado, até àquelas situações em que ao acompanhado não é possível formar ou manifestar qualquer vontade (por exemplo, doente com Alzheimer em estado adiantado ou pessoa em coma), funcionando, aí, apenas a representação ou substituição (Da situação jurídica do maior acompanhado. Estudo de política legislativa relativo a um novo regime das denominadas incapacidades dos maiores, foi publicado na Revista do Direito Civil, III/3, 2018, pág 473 e ss e está in www.smmp.pt/wp-content/uploads/Estudo_Menezes-Cordeiro”.
Tanto é assim que o artigo 143.º, n.º 1 do Código Civil, prevê que o acompanhante seja escolhido pelo acompanhado e esta é a questão que surge com relevância nestes autos, assente por todos que a beneficiária necessita de acompanhamento, em função da sua cegueira irreversível.
Ou seja, a beneficiária apenas necessita de acompanhamento por se encontrar cega, o que, e nessa medida, “compromete a sua possibilidade de administrar a sua pessoa, património e bens. As limitações produzem uma diminuição do seu funcionamento social e da sua autonomia o efeito da patologia diagnosticada impedem-na de ser autónoma nas atividades da vida diária seja de natureza mais complexa e/ou elementar. A mesma tem consequências no quotidiano da beneficiária. Do ponto de vista médico-legal a sua incapacidade tem critérios para a representação especial desde 2021 (dois mil e vinte e um). Precisa das seguintes medidas de representação do acompanhante para a prática dos seguintes atos: administração parcial de bens, autorização prévia para a realização de contratos, com exclusão dos relativos a negócios da vida corrente, representação especial para em nome e no interesse do examinando, o acompanhante realizar os atos necessários perante entidades bancárias, Segurança Social, Autoridade tributária; na toma das decisões respeitantes à marcação de consultas, sua comparência às mesmas, adesão e cumprimento das terapêuticas prescritas, intervenções cirúrgicas e, principalmente, internamento daquela quando a acompanhante assim julgue necessário, nomeadamente em caso de urgência, e sem prejuízo do disposto na Lei de Saúde Mental, para perfilhar, adotar, exercer as responsabilidades parentais, escolher profissão e para deslocar-se no país ou no estrangeiro. cuidar e educar os filhos ou os adotados, exercer as funções de tutor, emitir procuração para cuidados de saúde” – Cfr. Relatório da perícia médico-legal.
Face a este quadro, poderia, até, dizer-se que o filho da beneficiária, com quem ela reside e mantém boas relações, poderia garantir e suprir as necessidades da mãe através dos deveres gerais de cooperação e assistência previstos na lei, sem necessidade de se fixar um regime de acompanhamento – artigo 140.º, n.º 2 do Código Civil.
Ou, a fixar-se um regime de acompanhamento, considerando a matéria de facto provada e as conclusões médicas a que fizemos referência, quanto à necessidade de medidas de representação para a prática de determinados atos, deveria, então o filho da beneficiária ser nomeado acompanhante, não só porque vive com a mãe, é seu único filho, e têm boas relações, como, sobretudo, porque foi escolhido por ela – artigo 143.º, n.º 1 do Código Civil – e também ele pretende exercer o cargo. Isto porque o regime do acompanhamento permite respeitar, sempre que possível, a vontade do beneficiário e a sua autodeterminação, limitando-se o acompanhamento ao estritamente necessário (artigo 145.º, n.º 1, do C.C.), permitindo ao Tribunal que escolha, em cada caso concreto, as medidas que melhor se adequam às necessidades do acompanhado, assegurando-se, por essa via, o seu bem-estar.
Todavia, temos que concordar com a decisão recorrida quando refere que a beneficiária é pessoa vulnerável cujas especiais necessidades reclamam, para o cargo de acompanhante, pessoa atenta, idónea e capacitada, qualidades que o seu filho, dada a patologia de que padece, não reúne.
“Com efeito, conforme resulta da factualidade apurada, BB, filho da beneficiária, padece de esquizofrenia paranoide e encontra-se desempregado desde 2013.
Conta, já, com um histórico de internamento compulsivo, na sequência de comportamentos tidos por desajustados, inclusivamente mantidos com a própria requerida, impondo o seu quadro clínico a toma regular de medicação antipsicótica para controlo da sintomatologia heteróloga e, consequentemente, do seu comportamento, não estando excluída a possibilidade de descompensação e de novos surtos psicóticos.
Na verdade, o filho da requerida vem evidenciando, desde setembro de 2024, alterações de comportamento e tomadas de decisão que comprometem ou colocam em sério risco a prossecução das necessidades da beneficiária, tornando-o inelegível para o desempenho de um cargo que pressupõe uma postura colaborante, proativa e direcionada à satisfação do bem-estar daquela.
Conforme se apurou, para além de, contemporaneamente ao internamento compulsivo, ter adotado comportamentos que provocaram o isolamento social da beneficiária e, consequentemente, a não satisfação das necessidades específicas e inadiáveis de uma pessoa com acentuada vulnerabilidade e dependente de terceiros para sobreviver, também atualmente o filho da requerida manifesta a mesma tendência conducente ao isolamento social da progenitora, adotando comportamentos bizarros e intimidatórios para com as técnicas que lhe providenciavam o imprescindível apoio, fazendo cessar a prestação daqueles serviços, sem alternativa viável e sem que, ele mesmo, ofereça garantias, atenta a sua instabilidade, para os prestar”
A doença de que padece o filho da requerida exige, ela própria, acompanhamento, como se viu, aquando do seu internamento compulsivo, depois alterado para ambulatório compulsivo e só depois para ambulatório voluntário e, finalmente, com o arquivamento do processo, por se verificar que o aí requerido estava a cumprir a medicação e se encontrava estável. Contudo, os últimos elementos trazidos ao processo, mostram, de novo, descompensação do filho da requerida, muito provavelmente por não se encontrar a cumprir com a medicação que lhe é exigida para controle da sua doença, o que, poderá, até, conduzir a novo internamento compulsivo.
Do que resulta que o filho da requerida não dispõe de condições para satisfazer o bem-estar da progenitora, não dispondo das mesmas, desde logo, para si próprio.
A nomeação deverá, então, recair sobre a pessoa que melhor salvaguarda o interesse imperioso da beneficiária, considerando que inexiste qualquer outro familiar – cfr. artigo 143.º do CC.
“Este é o critério supletivo a observar pelo tribunal, o que significa que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil é meramente exemplificativo – «designadamente» refere o texto da norma – e, sobretudo, que a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, sem prejuízo de a ordem seguida revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e ser por isso atendível. A finalidade do acompanhamento do maior é o seu bem-estar e a sua recuperação, razão pela qual a escolha do acompanhante e o exercício da função do acompanhante deve nortear-se sempre pela salvaguarda do interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação” – Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2019, processo n.º 887/18.0T8PVZ.P1 (Aristides Almeida), in www.dgsi.pt.
Ora, como resulta do disposto nos artigos 143.º, 145.º e 146.º do Código Civil, a pessoa a nomear como acompanhante deverá estar em condições de exercer as funções que lhe estão legalmente atribuídas, nelas sobressaindo o dever de cuidado e diligência imposto pelo artigo 146.º do Código Civil, estipulando-se no n.º 1 que “No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada”.
“A designação judicial do(s) acompanhante(s) deve estar igualmente centrada na pessoa maior que em concreto, e não em abstrato, vai ser legalmente acompanhada, concluindo-se que aquela está em melhor posição para assumir as funções de acompanhamento legal, o que passa por: (i) assegurar as medidas de apoio que foram determinadas pelo tribunal; (ii) prestar-lhe os cuidados devidos, atento o respetivo contexto pessoal, social e ambiental; (iii) participar juridicamente na representação legal determinada pelo tribunal; (iv) assegurar em todos os domínios a vontade e os desejos da pessoa acompanhada, tanto a nível pessoal, como patrimonial, que não foram judicialmente reservados ou restringidas” – Acórdão da Relação do Porto de 26/09/2019, processo n.º 13569/17.1T8PRT.P1 (Joaquim Correia Gomes), in www.dgsi.pt.
Assim, considerando o contexto pessoal, social e ambiental, bem como a possibilidade de manter contacto permanente com a beneficiária, que vive em sua casa, mas necessita de frequentar o Centro de Dia, face às suas incapacidades derivadas da cegueira (bem como de ter alguém que lhe proporcione os cuidados devidos no fim-de-semana em casa) e necessita dos cuidados que aí lhe são prestados, bem andou o tribunal recorrido ao designar a Diretora Técnica da Instituição que lhe presta assistência, como sua acompanhante (refira-se a este propósito, que a requerida recusou uma colocação em Lar, por ser distante da sua residência). Esta nomeação pressupõe, claro, que a requerida volte a frequentar o Centro de Dia, nos termos em que o fazia anteriormente, ou seja, com cuidados de higiene, alimentação e limpeza ao fim-de-semana, do qual foi afastada pelo filho sem motivos aparentes.
Não sendo viável a nomeação do filho, nos termos que antecedem, é esta a figura que melhor poderá estabelecer laços de confiança com a beneficiária, pelo contacto direto e diário com a mesma. Apesar da Diretora do Centro Social e Paroquial ... e respetivo Centro de Dia, ter, numa primeira fase, mostrado indisponibilidade para exercer o cargo “porque não existe aceitação da utente em que a instituição faça qualquer tipo de gestão desde que o filho regressou ao domicílio”, a verdade é que, posteriormente, numa sessão em que foram ouvidas várias pessoas, declarou “nada ter a opor à sua nomeação para o exercício do cargo de acompanhante sensibilizando, porém, para a necessidade de o filho da beneficiária colaborar com os intervenientes”.
A este propósito, a apelante sustenta que, deveria, no mínimo ter sido colocado o filho como membro do conselho de família, o que, face à patologia de que o mesmo sofre e aos comportamentos por si adotados, não parece adequado, pois iria ser fonte de muitos conflitos e problemas que dificultariam o exercício da função da acompanhante. O que se espera do filho da beneficiária é que colabore com a acompanhante no sentido de proporcionar a sua mãe o bem-estar a que se refere o artigo 140.º do Código Civil.
Finalmente, teremos de dar razão à apelante quanto à desnecessidade de nomeação de dois acompanhantes, com os mesmos poderes e no mesmo lapso temporal.
O artigo 143.º, n.º 3 do Código Civil prevê a possibilidade de nomeação de vários acompanhantes, com diferentes funções, devendo especificar-se as atribuições de cada um “permitindo-se o desdobramento, por exemplo, de acompanhamento pessoal – por alguém mais íntimo do beneficiário, independentemente das suas aptidões financeiras – e o acompanhamento patrimonial, relacionado com a administração do seu património – por alguém que, embora pessoalmente mais distante, possua essas mesmas qualidades” (Nuno Luís Lopes Ribeiro, O Maior Acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, E-book CEJ O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pág. 96)” – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/01/2022, processo n.º 215/20.5T8EPS.G1 (Rosália Cunha), disponível em www.dgsi.pt.
Ou seja, desde que a situação concreta o justifique, designadamente para salvaguarda do interesse imperioso do beneficiário, é possível, ao abrigo do art. 143º, nº 3, do CC, nomear simultaneamente vários acompanhantes, os quais exercerão diferentes funções devidamente especificadas, o que não deve é nomear-se mais que um acompanhante, de forma simultânea, para o exercício das mesmas funções pois tal solução, na prática, é suscetível de dificultar ou inviabilizar o acompanhamento no caso de os acompanhantes terem posições divergentes ou antagónicas sobre a mesma questão – neste sentido Acórdão da Relação de Guimarães de 20/01/2022 já citado.
Assim sendo, decide-se, nesta parte, dar razão à apelante, nomeando-se para acompanhante da requerida apenas a Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial ... e respetivo Centro de Dia e revogando-se, nessa parte a sentença que atribuiu iguais funções de acompanhante ao Presidente do mesmo Centro Social e Paroquial.
De igual modo, será de revogar a sentença quanto ao ponto C) n.º 2 onde se diz que “o exercício de direitos pessoais e negócios da vida corrente pela Acompanhada fica restringido, sendo a acompanhada incapaz de testar (cf. artigo 2189.º, alínea b), do C.C.)”, considerando que nenhuma prova foi efetuada nos autos nesse sentido e a expressa menção do perito médico que procedeu à peritagem médico-legal de que “a beneficiária tem capacidade para testemunhar ou dar uma opinião e tem capacidade para testar”, sendo que os maiores acompanhados, nos termos daquele artigo, apenas são incapazes de testar, nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine, o que se revoga, nesta parte.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que nomeou dois acompanhantes em simultâneo (mantendo-se apenas a nomeação da Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial ...) e na parte em que considerou a acompanhada incapaz de testar – ponto C) n.º 2 – mantendo-se a sentença recorrida quanto ao mais.
Sem custas – artigo 4.º, n.º 2, h) do RCP.